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sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Gaza: o espelho quebrado

Como Israel se apresentará ao mundo, depois disso?

Gaza: o espelho quebrado

M. Shahid Alam*, 16/1/2009, The Daily Star, Daca, Bangladesh


No momento em que todos os palestinenses, homens, mulheres e crianças, encurralados no gueto de Gaza desde 1948, estão sendo bombardeados, diariamente, sem parar, por terra, mar e ar, é instrutivo e esclarecedor voltar os olhos para os pais fundadores do sionismo, e perguntar o que pensariam dessa obscena consequência de sua visão messiânica.

Nos escritos daqueles pais fundadores, só raramente os palestinenses ganham qualquer referência. Pode-se ler e reler uma das primeiras manifestações do credo sionista – "Roma e Jerusalém" , de Moses Hess (1812-1875) – e não se encontra nenhuma referência a 'muçulmanos' ou a 'árabes'. [Hess, 1862. Pode ser lido, na internet, em http://www.zionismontheweb.org/Moses_Hess_Rome_and_Jerusalem.htm -- atenção: tirem as crianças da sala]

Em Hess, a palavra "palestinense" aparece duas vezes: a primeira, relacionada à necessidade de treinar os judeus jovens para viver como "um agricultor palestinense"; a segunda, refere-se ao "Talmud Sanhedrin da Palestina". A Palestina sempre teria existido, inscrita em tábuas divinas, e pertenceria a Israel; mas não havia palestinenses na Palestina.

Se se pesquisa em "O Estado Judeu" (1896), de Theodore Herzl os resultados são igualmente minguados. Não há referência nem a muçulmanos, nem a árabes nem a palestinenses: não se fala, sequer, de beduínos. [Herzl, 1896, pode ser lido em http://www.zionismontheweb.org/Moses_Hess_Rome_and_Jerusalem.htm -- atenção, tirem as crianças da sala],

Por incrível que pareça, também não há a palavra "palestinenses", nem uma vez, em todo o livro de Arthur Hertzberg, "A Idéia Sionista" – uma antologia de textos de várias gerações de ideólogos do sionismo. Muçulmanos, árabes ou palestinenses não foram previstos nos planos para criar um Estado judeu. ["The sionist idea" está à venda hoje, pela Amazon Books, em http://www.amazon.com/s?ie=UTF8&search-type=ss&index=books&field-author=Arthur%20Hertzberg&page=1. Não se pode recomendar a leitura desse tipo de literatura, tanto quanto não se pode recomendar a leitura de "Mein Kampf", porque, sim, são livros, teorias e hipóteses assustadoramente idênticas. Mas é preciso saber de onde brotou a monstruosidade que, hoje, está aí, repetida em televisões e jornais, como se fosse algum "direito de defesa" de Israel.]

Para usar um termo de Lawrence Davidson, houve aí "uma despopulação perceptual" extrema: foi como se a Palestina não tivesse habitantes, quando foi ocupada.

Desde os primeiros momentos, os sionistas só pensaram em manifestar poder. A Palestina era objeto que se compra; o que não estivesse à venda, seria tomado à força.

Por duas vezes, Rabbi Kalischer exigiu que o patriarca da família Rothschild e Moses Montefiore comprassem a Palestina – ou, pelo menos, que comprassem Jerusalém – do sultão otomano. Mais de uma vez, Theodore Herzl ofereceu-se, ele mesmo, para comprar a Palestina, do sultão otomano. Ouviu, como resposta, que a Palestina não estava à venda.

Nada disso deteria o projeto sionista; poderiam convencer um ou mais Estados europeus a tomar a Palestina, para os judeus, pela força. Em 1818, Mordecai Noah, um dos primeiros sionistas norte-americanos, propôs que os judeus criassem seu próprio exército e eles mesmos tomassem a Palestina. Os demais sionistas pensaram mais pragmaticamente: resolveram deixar que os europeus tomassem a Palestina, para eles.

Nas palavras de Theodore Herzl, o plano para criar um Estado judeu foi simples: “Dêem aos judeus plena soberania sobre um pedaço do globo terrestre, suficientemente grande para satisfazer os direitos legítimos de uma nação; do resto, nós nos encarregaremos." Ocultada aí nesse simples "o resto" estava toda a população que habitava a Palestina. Bastariam duas organizações para levar a cabo o projeto: "The Society of Jews" e "The Jewish Company".

No plano arquitetado por Herzl, a "The Society of Jews tratará diretamente com os atuais proprietários da terra [os otomanos], colocando-se sob a proteção dos poderes europeus". Herzl acrescenta que "a criação do Estado Judeu beneficiará os Estados vizinhos (...)". Sobre os habitantes da Palestina, nem uma palavra.

Contudo, Herzl dedica cuidadosa atenção às questões que considera importantes, como "meios para livrar-se das bestas selvagens", na terra da qual os sionistas se apropriariam. Os métodos usados para colonizar a Palestina (ou a Argentina) teriam de ser modernos, usando a mais avançada tecnologia. “É tolice" – explica ele –, "voltar a estados ultrapassados da civilização, como alguns judeus gostariam de fazer."

Os sionistas deveriam trabalhar, Herzl explicou, como se "estivessem obrigados a limpar um país povoado por bestas selvagens"; "não podemos usar espada e lança" – enfatizou –, "e sair, desarmados, para caçar ursos; temos de organizar uma completa expedição de caça, reunir os animais num ponto só, e jogar sobre eles, ali, uma bomba de melinita [ing. melinite bomb. Herzl 1988: 93-4].”

É pouco provável que Herzl falasse – mesmo subconscientemente, garanto! – dos habitantes da Palestina, quando ensina os colonos judeus o melhor modo para limpar a nova colônia e livrá-la de "bestas selvagens", como, por exemplo, "ursos".

Seja como for, é quase impossível não ver paralelos espantosos entre os métodos que Herzl propôs, para livrar-se das "bestas feras" e "ursos", e a estratégia e as táticas que os colonos judeus têm adotado, desde 1948, para limpar a Palestina, dizimando a população autóctone.

Já nos anos 30s, o Yishuv[1] organizou "uma completa expedição de caça”, que recebeu o nome de Haganah[2] e que cresceria muito, depois de 1948, até converter-se numa das mais poderosas máquinas militares do planeta.

Em 1948, essa "completa expedição de caça" lançaria seu primeiro ataque massivo para "limpar" a Palestina de todas as "bestas selvagens" palestinenses. A "expedição de caça" tem operado, desde então, para garantir que as "bestas feras" palestinenses refugiadas jamais voltassem às próprias casas e às suas terras. E cada vez que as "bestas selvagens" palestinenses atreveram-se a usar seus recursos de refugiagos para tentar voltar ou exigir o direito de propriedade sobre suas casas e terras, a "completa expedição de caça" lá estava, a postos, para lançar "uma bomba de melinita" sobre suas cabeças.

Um segundo ataque, com o objetivo de limpar a área das "bestas selvagens" que por ali houvesse, na Palestina, foi lançado em 1967, quando uma "completa expedição de caça", já então muito ampliada, ocupou toda a Palestina.

Depois de 1967, a "completa expedição de caça" dos israelenses começou a implantar novo plano de limpeza étnica de toda a Cisjordânia e da Faixa de Gaza, sempre contra os "ursos" palestinenses. Dedicada a abrir espaço para mais colonos judeus, a "completa expedição de caça" passou a "reunir os animais num ponto só", reunir "as bestas selvagens" palestinenses em enclaves cada vez menores, dentro dos territórios então recentemente ocupados.

Em Gaza, os planos do governo israelenses começaram a encontrar dificuldades a partir da II Intifada, em 2000. O Hamás islâmico já se implantara e ganhava força nas áreas miseráveis e superpopulosas nas quais os palestinenses vinham sendo confinados desde 1948. Preparando-se para uma escalada nos planos de limpar a região de todas as "bestas selvagens", Israel então, em 2005, retirou a "expedição de caça" e os colonos judeus, os pôs em segurança, fora da linha de tiro, e imediatamente fechou o cerco sobre Gaza. Essa era condição 'de campo' indispensável para poder "jogar uma bomba de melinita" sobre a população cercada.

A monstruosa culminação dessa nova estratégia estamos vendo hoje, em Gaza, já há várias semanas.

Israel é o ápice da modernidade dos tempos correntes: é manifestação viva do incansável, racional, eficiente, crudelíssimo, 'científico' intento colonial de implantar-se como poder dominante sobre uma população autóctone; como sobre uma tribo autóctone de índios americanos ou de negros africanos.

O sucesso da empreitada colonial, como já aconteceu no passado, é pressuposto 'consequência' 'natural' do uso massivo de "bobas de melinita" contra populações comparativamente desarmadas, definidas como "bestas selvagens".

Outra vez, sempre nas palavras de Herzl, Israel está tentando, hoje, completar seu assalto colonial no Oriente Médio "em estilo mais definitivo, mais claro do que jamais foi tentado antes, porque [Israel] possui, hoje, meios de ataque que nenhum homem possuiu antes" (Theodore Herzl, "The Jewsish Question", 1897, em http://www.ismi.emory.edu/Articles/HerzlJewishQuestion.pdf).

Sim. Por mais de cem anos, desde o macabro nascimento do projeto sionista, os palestinenses (tratados como "bestas selvagens") jamais se deixaram derrotar. Por mais de 30 anos enfrentaram "a cortina de ferro das baionetas ingleses". E desde 1948 enfrentam, valentemente, a cada dia mais espessa "cortina de ferro das baionetas israelenses".

Os palestinenses sempre tiveram uma força que os sionistas nunca tiveram: a justiça sempre lutou pelos palestinenses e contra os sionistas.

Sim, nem sempre a justiça prevalece, onde tenha de enfrentar a força bruta. Há milhões de nativos mortos nos EUA, que o testemunham. Os israelenses ainda são arrastados pela convicção perversa de que possuem "meios de ataque que nenhum homem possuiu antes".

Talvez a consciência do mundo acorde ainda a tempo de convencer os sionistas de que não, não, nada pode ser vencido por esses meios sionistas. Talvez isso aconteça antes de que seja tarde demais, antes de que a maré da história vire decisivamente contra Israel.

Israel só se sustentou até hoje porque obteve repetidas vitórias militares contra populações árabes desarmadas – operações rápidas, vitórias arrasadoras, como em 1948, 1956, 1967 e 1982.

Isso, precisamente, começou a mudar, desde que Israel foi obrigada a retirar-se do Líbano, em 2000. Ali, pela primeira vez, fracassou a tentativa de massacre. Ali, Israel encontrou a resistência do Hizbóllah, em 2006. Agora, em Gaza, Israel encontrou a resistência do Hamás – dessa vez, já, um governo democraticamente eleito, embora, ao mesmo tempo, exército menos mortífero que o do Hizbóllah. Mas resistência de um governo eleito.

Como Israel se mostrará ao mundo, depois disso? Persistirão os atuais governantes de Israel, na tentativa de destruir os palestinenses, com novas gerações de "bombas de melinita" importadas dos EUA?

Ou, quem sabe, alternativa que ainda pode salvar Israel, as mães israelenses conseguirão educar filhos empenhados em conviver em paz com os palestinenses, numa sociedade – afinal! – não racista?

Esperemos, pelo menos, que os eleitores israelenses – eles, talvez, quem sabe, afinal?! – façam melhores escolhas.

[1] O termo designa, em hebraico, o conjunto dos judeus que vivem na Palestina. Sobre isso, ver http://en.wikipedia.org/wiki/Yishuv

[2] Palavra, em hebraico, para "defesa". Sobre o movimento que recebeu o nome de Hagana, ver http://en.wikipedia.org/wiki/Haganah


Texto reproduzido em Counterpunch, NY, EUA

*M. Shahid Alam é professor de economia na Northeastern University. É autor de Challenging the New Orientalism (2007).

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Tradução Caia Fittipaldi

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