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domingo, 21 de fevereiro de 2010

O legado da CIA no Irã, Afeganistão e Paquistão

Do blog do Argemiro Ferreira

A imagem do herói no cavalo branco a salvar a mocinha das garras do vilão, seja este assaltante de banco ou índio em defesa de suas terras invadidas, é recorrente na ficção de Hollywood. O deputado Charlie Wilson (o da foto acima, entre os radicais afegãos em 1987) morreu, aos 76 anos, no dia 10 de fevereiro, certo de que era herói na vida real (mais sobre ele AQUI). Motivo: no Congresso injetou bilhões de dólares para financiar os que lutavam contra os russos no Afeganistão.

Ao morrer do coração Wilson já estava aposentado. Mas ele representou o Texas por 14 mandatos sucessivos na Câmara. Um livro (Charlie Wilson’s War – The Extraordinary Story of the Largest Covert Operation in History, de George Crile) e um filme (Charlie Wilson’s War, de Mike Nichols, com Tom Hanks no papel-título) o retrataram como herói.

A semana marcou ainda o 31° aniversário da revolução dos aiatolás do Irã, ocorrida apenas alguns meses antes da invasão do Afeganistão. Os iranianos derrubaram o regime do xá Reza Pahlevi, instalado em 1953 graças a golpe planejado pela mesma CIA que usou as verbas secretas do deputado Wilson para recrutar e armar os radicais islâmicos do lado paquistanês da fronteira com o Afeganistão.

O mínimo que se pode dizer é que no Irã, Afeganistão e Paquistão os EUA colhem hoje o que a CIA plantou com a colaboração de gente como o deputado Wilson (na foto, exibindo uma arma em seu gabinete – e, ao lado, a capa do livro que celebrou a “guerra de Charlie Wilson”). Osama Bin Laden foi treinado pela CIA para atacar os russos; gostou e atacou depois o World Trade Center em Nova York. E as bombas atômicas do Paquistão (real) e do Irã (hipotética) devem-se, ao menos em parte, a igual cortesia da CIA.

Um quarto de século para os donos do petróleo

A lambança atual no Afeganistão (largamente nas mãos dos radicais islâmicos usados pela CIA a partir de 1979), no Paquistão (onde a CIA instalou acampamentos para os ataques aos russos no país vizinho e encorajou o sonho paquistanês da bomba nuclear islâmica) e no Irã (que se nega hoje a abandonar o enriquecimento de urânio) reflete o passado irresponsável da espionagem dos EUA.

No Irã o golpe da CIA instalou o xá (foto ao lado – e mais sobre a trajetória dele AQUI) no lugar do premier nacionalista Mohamed Mossadegh, anulou a nacionalização do petróleo e com faustosa coroação em 1967 impôs a ficção do “trono de 2.500 anos”. As corporações anglo-americanas ganharam mais um quarto de século para explorar o petróleo do Irã, já que para isso a CIA também concebeu a tenebrosa Savak, serviço secreto celebrizado pelas câmaras de tortura.

Ainda naquela década de 1950 o Irã foi premiado pelo governo do presidente Eisenhower com relações muito especiais – que incluiram “acordo de cooperação nuclear para fins pacíficos”, deixando o país com alguma base para, em seguida à revolução dos aiatolás, assustar os EUA com a disposição de ampliar o programa nuclear e rumar para o enriquecimento de urânio.

Para o Irã submisso de Reza Pahlevi, nada era bom demais: além de favorecer o desenvolvimento nuclear, Washington ainda dotou o país de armas sofisticadas e modernizou a máquina da repressão – tudo pago com a receita do petróleo, que regalou nos EUA as indústrias de armas, aeronáutica, nuclear e de segurança. Só que hoje, tomado pelos rebeldes radicalizados nas câmaras de tortura, o Irã é outro.

Helms & Pahlevi: a intimidade promíscua

De tal forma o Irã do xá era criatura da CIA que no final de 1973 o presidente Nixon concluiu que ninguém melhor para ser embaixador em Teerá do que o próprio diretor da central de espionagem, Richard Helms – “dada a intimidade dele com o xá”, explicou (veja-o ao lado na capa da revista Time em 1967). Como se fosse o posto final de uma carreira de sucesso na CIA, dirigida por Helms durante quase sete anos, antes dos três que passou no Irã.

Com a contribuição do deputado Charlie Wilson, anticomunista meio fanático, o capítulo Afeganistão-Paquistão foi ainda mais vivo, excitante e insólito – ou colorful, para usar adjetivo talvez mais apropriado à conduta do parlamentar, um playboy excêntrico que quando não estava “salvando o mundo” da “ameaça vermelha” dedicava-se ao consumo de álcool e drogas com prostitutas de luxo.

Ele ficou obviamente encantado com os relatos do livro e do filme (no cartaz, ao lado, o trio central: Wilson, a namorada e o homem da CIA) que o tornaram celebridade. Seu papel pode ter sido singular pelo conhecimento de sutilezas do processo legislativo na Câmara, onde integrava a comissão de verbas (appropriations) e sua subcomissão sobre operações no exterior – além de cultivar contatos na comissão que supervisiona a espionagem.

Não só estava familiarizado com mecanismos e artifícios para ocultar a destinação de recursos. Também revelara-se mestre na troca de favores com colegas interessados em abocanhar verbas para projetos de seus distritos eleitorais. Certos especialistas acham que hoje teria mais dificuldades: o processo legislativo sofreu reformas depois, reduzindo – em nome da transparência – a prática do sigilo (saiba mais AQUI).

Forçando a URSS a invadir o Afeganistão

O fato é que Wilson começou por canalizar uma verba de US$ 5 milhões para os radicais afegãos. E no fim da década de 1980 aqueles recursos elevavam-se a nada menos de US$ 750 milhões por ano. Pode ter sido ajudado por pertencer ao partido da oposição (democrata) numa década dominada por governos republicanos (Reagan e Bush I) obstinados em estender ainda mais as ações militares dos EUA pelo mundo.

No Afeganistão e Paquistão, sabe-se hoje, a lambança foi bipartidária – devido a armadilha do governo do presidente democrata Jimmy Carter. Seu assessor de segurança nacional na Casa Branca, Zbigniew Brzezinski (a foto ao lado é dos dois), confessaria 20 anos depois ter atraído a URSS para a idéia de invadir o Afeganistão. A invasão veio a 24 de dezembro de 1979, após seis meses de ajuda crescente da CIA aos rebeldes radicais.

Em entrevista à Nouvel Observateur de Paris em 1998 (leia AQUI), Brzezinski vangloriou-se de seu papel: “Carter assinou a 3 de julho de 1979 a primeira diretiva (à CIA) para a ajuda secreta aos opositores do regime pro-soviético de Kabul. Naquele dia eu tinha enviado nota ao presidente na qual expliquei que, na minha opinião, tal ajuda americana iria levar a uma intervenção militar soviética”.

Quando o jornalista perguntou se a ação clandestina dos EUA tivera a intenção de provocar a invasão russa, Brzezinski amenizou: “Não provocamos os russos para que invadissem, mas ampliamos conscientemente a probabilidade de que isso viesse a ocorrer”. No dia em que os russos cruzaram a fronteira, disse, escreveu de novo a Carter: “Agora temos a oportunidade de dar aos soviéticos o Vietnã deles”.

Brzezinski contestou, assim, a tese republicana que atribui a Reagan a glória pelo fim da URSS. “Durante quase 10 anos a URSS amargou guerra insuportável – um conflito que trouxe a desmoralização e, afinal, a dissolução do império soviético”, alegou. Mas o exagero é comparável ao do mérito republicano. O desfecho, após meio século, deveu-se aos dois partidos e muita gente mais – inclusive os que erraram tanto na URSS.

De “combatentes da liberdade” a “terroristas”

As avaliações atuais tentam ignorar os efeitos negativos das ações da espionagem. Ao financiar, treinar e armar (até com mísseis Stinger, capazes de destruir aviões em vôo) os radicais que batizou de “combatentes da liberdade” a CIA extremou as ambições deles. Hoje ela os repudia como “terroristas”, indiferente ao fato de que são os mesmos – e aprenderam o que sabem na CIA, em especial a pensar o impensável, como atacar o coração do império americano.

Com os russos fora do Afeganistão os EUA deixaram o país para os radicais que a CIA diplomou em terrorismo. Com armas como o Stinger, os talibãs tomaram o poder e ficaram até 2001 (hoje lutam contra tropas da OTAN). Bin Laden, saudita de nascimento, ainda dirige de lá a al-Qaeda, que opera no mundo a partir do território afegão. A CIA ainda tenta “recomprar” Stinger mas nem sabe quantos distribuiu – a estimativa vai de 500 a 2.000.

O deputado Wilson, ao invés de herói, foi cúmplice das trapalhadas. Livro e filme dizem que agia com assistência da CIA. A culpa dos EUA e sua agência ia mais longe na relação promíscua com o general-ditador paquistanês Zia-ul-Haq, que em troca do apoio à operação na fronteira afegã obteve luz verde e deu carta branca ao construtor da bomba atômica islâmica, o cientista Abdul Qadeer Khan.

No desdobramento, a receita da bomba-A do Paquistão (saiba mais sobre ela AQUI) foi parar no Irã, Coréia do Norte, Líbia e talvez outros. Assim, além de fazer a “guerra (sem fronteiras) ao terrorismo” e lutar no Afeganistão contra os que antes chamava de “combatentes da liberdade”, os EUA hoje têm de vigiar o Dr. Khan, o serviço secreto (ISI) do Paquistão, os progressos nucleares do Irã e da Coréia do Norte e sabe-se-lá-mais-o-que.

A própria CIA adotou a expressão blowback para designar os efeitos opostos ao que pretendia em cada uma de suas operações clandestinas. A palavra (usada no título do livro da capa ao lado, no qual Chalmers Johnson analisou os custos e consequências do império americano) apareceu pela primeira vez em relatório secreto de 1954 sobre o golpe da CIA no Irã (leia explicação do autor AQUI). O blowback da derrubada de Mossadegh foi a tirania de 25 anos e a revolução (antiamericana) dos aiatolás. Já em relação ao Afeganistão, os ataques do 11/9 nos EUA tendem a ficar na história como o efeito mais devastador.

(Clique abaixo para saber mais sobre o Irã desde o golpe de 1953)



quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Altamiro Borges: Histórias de manipulação da mídia

29.01.10 - BRASIL
Histórias da manipulação da mídia

por: Altamiro Borges


"O Sr. Getúlio Vargas, Senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar". Carlos Lacerda, dono do jornal golpista Tribuna da Imprensa (01/05/1950).

"Sim, eu uso o poder [da Rede Globo], mas eu sempre faço isso patrioticamente".
Roberto Marinho, proprietário do maior conglomerado midiático do Brasil.


Desde a sua origem, a chamada grande imprensa se aliou às forças mais reacionárias da política brasileira. Ela nunca escondeu o seu ódio aos movimentos sociais, seja aos camponeses em luta por um pedaço de terra ou aos operários em greve por melhores salários e condições de trabalho. Diante dos governos progressistas, mesmo os mais tímidos, ela conspirou e pregou golpes. Com raras exceções, ela deu apoio às ditaduras mais arbitrárias e sanguinárias. Através de expedientes sujos, como o denuncismo vazio, chantageou o poder público para obter concessões e subsídios. O discurso da "liberdade de imprensa" sempre serviu aos propósitos ilícitos dos barões da mídia.

Como sintetiza o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, um dos primeiros a alertar para o perigo do golpe militar de 1964, a mídia hegemônica protagonizou todas as iniciativas de desestabilização política dos governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart. "A grande imprensa levou Getúlio ao suicídio, com base em nada; quase impediu Juscelino de tomar posse, com base em nada; levou Jânio Quadros à renúncia, aproveitando-se da maluquice dele, com base em nada; tentou impedir a posse de Goulart, com base em nada. A grande imprensa, em países em desenvolvimento, é a grande porca das instituições" [1].

Elitista e golpista já na origem


Os poucos jornais burgueses que se consolidaram, tornando-se porta-vozes da elite nativa, nunca esconderam sua opção de classe. O Jornal do Brasil, fundado em abril de 1891, dois meses após a promulgação da primeira Constituição republicana, publicou vários artigos pregando o retorno à monarquia. Devido ao seu conservadorismo, a sede do jornal foi atacada por grupos armados e os redatores abandonaram seus postos. Já O Estado de S. Paulo, criado em 1875, até defendeu algumas idéias progressistas na sua origem, como a abolição da escravatura, com a "indenização aos proprietários". Desde o início, porém, o jornal foi um ardoroso inimigo das lutas sociais.

Na revolta de Canudos (1893-1897), o Estadão publicou artigo de Olavo Bilac saudando o cruel massacre dos camponeses. "Enfim, arrasada a cidadela maldita! Enfim, dominado o antro negro, cavado no centro do adusto sertão, onde o profeta das longas barbas sujas concentrava sua força diabólica" [2]. Não poupou papel no ataque às primeiras greves operárias, satanizando os líderes anarquistas. Em 1932, ele insuflou a oligarquia cafeeira paulista num fracassado levante militar. Sob o comando de Júlio Mesquita, o jornal foi participante ativo das conspirações que levaram ao suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, e ao golpe militar que derrubou João Goulart em 1964.

A Folha de S. Paulo nasceu em 1962 da fusão de três jornais - as Folhas da Manhã, da Tarde e da Noite. A Folha da Manhã, fundada em 1921, fez oposição cerrada à chamada revolução de 1930. Tanto que em 24 de outubro daquele ano, a multidão que festejava a deposição de Washington Luís destruiu as máquinas de escrever e os móveis da redação deste jornal. O grupo, dominado pela oligarquia paulista, não deu tréguas para Getúlio Vargas e, já como Folha de S. Paulo, sob o comando de Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira, clamou pelo golpe. Na sequência, deu apoio à "linha dura" dos generais e cedeu suas peruas para levar presos políticos à tortura [3].

A trajetória do primeiro império midiático do Brasil, os Diários Associados, foi mais pragmática. Assis Chateaubriand apoiou "a revolução de 1930, mas apenas no que ela tinha de conservadora - um nacionalismo com cores fascistas... Logo depois da rápida aproximação, ele aderiu ao bloco conservador. Primeiro, ligou-se aos interesses britânicos; depois, aos norte-americanos. Fez campanha contra a criação da Petrobras. Dizia que ‘a exploração dos recursos naturais do país por estatais brasileiras era coisa de comunista’ e que o lema ‘O petróleo é nosso’ era um ‘chavão soviético’" [4]. Chatô apoiou o golpe de 1964 e lançou a campanha "ouro para o bem do Brasil" para legitimar a ditadura e, de forma oportunista, para salvar seu império que afundava na crise.

Os Diários Associados, através de dezenas de jornais e rádios e da primeira emissora de televisão do país, a TV Tupi, criada em 1950, adotaram o estilo do "jornalismo marrom", criado nos EUA no final do século 19 por Handolph Hearst e Joseph Pulitzer. Através de artigos sensacionalistas, Chatô pressionou governos e empresários, arrancando benesses públicas e anúncios publicitários [5]. Seu império midiático foi erguido com base na corrupção ativa. "Chatô fez tudo isso usando estritamente o dinheiro dos outros e os favores do Estado. Ele foi amigo de todos os presidentes: sentia-se dono do Brasil, ou o ‘rei’, como prefere Fernando Morais em sua biografia de Chatô, talvez para enfatizar as arbitrariedades e o absolutismo desse barão da imprensa tupiniquim" [6].

Anarquistas, comunistas e Última Hora


No conturbado período histórico que antecedeu o golpe de 1964, a imprensa ainda não havia se consolidado como poderosa indústria monopolista. Na tardia formação do capitalismo nacional, o jovem movimento operário e sindical investiu na luta de idéias e construiu veículos próprios. Os anarquistas, hegemônicos nesta fase, editaram jornais com expressiva tiragem, concorrendo com os veículos burgueses. Estudos apontam a existência de mais de 500 jornais operários desde o surgimento das primeiras oficinas até a revolução de 1930. O primeiro deles foi o Jornal dos Tipógrafos, criado no Rio de Janeiro, em 1858, como decorrência da primeira greve no país.

Com a crise do anarquismo e a fundação do Partido Comunista, em 1922, "a imprensa anarquista perde espaço e o seu lugar é assumido pela imprensa comunista. Esta será a principal ferramenta de disputa ideológica e política com a nova burguesia industrial e as velhas oligarquias", explica Vito Giannotti. "Em 1946, os comunistas tinham, em quase todos os estados, vários jornais. Oito eram diários: Tribuna Popular (RJ), Jornal do Povo (PE), Hoje (SP), Momento (BA), Democrata (CE), Folha do Povo (PE), Tribuna Gaúcha e Folha Capixaba... Nos subúrbios da capital, no Rio de Janeiro, era comum encontrar brigadas de comunistas vendendo a Tribuna Popular. Entre eles estavam comunistas ilustres, como Oscar Niemeyer, Gregório Bezerra e Graciliano Ramos" [7]. Foi a segunda maior rede de jornais diários do país, superada apenas pelos Diários Associados.

A imprensa anarquista e comunista, porém, foi sempre barbaramente perseguida. Jornalistas e gráficos de esquerda foram presos e assassinados e seus jornais foram empastelados. Para conter o avanço das idéias socialistas, o governo autoritário do general Eurico Gaspar Dutra cassou, em 7 de maio de 1947, o registro legal do Partido Comunista do Brasil - que teve curtos suspiros de vida legal neste período da história. Em 10 de maio de 1948, também cassou o mandato de todos os parlamentares comunistas - um senador, 14 deputados federais e 46 deputados estaduais. Seus jornais foram fechados e 15% dos sindicatos reconhecidos oficialmente sofreram intervenção.

Além destes veículos anticapitalistas, um jornal disputou a hegemonia neste período com as suas idéias nacionalistas - a Última Hora. Criado em 1951 por Samuel Wainer, um judeu nascido na Bessarábia (região situada entre a Romênia e a Ucrânia), o jornal inovou com reportagens vivas, diagramação criativa e um time qualificado de jornalistas. Ele cresceu rapidamente e montou sua rede nacional, com edições em várias capitais. Getúlio Vargas, acossado pela imprensa golpista, investiu pesado neste veículo, reunindo o apoio de empresários nacionalistas, como o banqueiro Walter Moreira Sales e os industriais Francisco Matarazzo e Ricardo Jafet. Instituições estatais, como o Banco do Brasil, também participaram do consórcio que financiou a Última Hora.

A "oligarquia da grande imprensa", como atacava Wainer, não deu trégua ao concorrente. Chatô, Roberto Marinho e Carlos Lacerda, dono da golpista Tribuna de Imprensa, usaram o artigo 160 da Constituição, que proibia estrangeiros de serem donos de jornais, para exigir o fechamento da Última Hora. Em 1953, eles arrancaram a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a origem e o financiamento do jornal. Wainer se defendeu num documento intitulado "O livro branco da imprensa amarela", mas chegou a ser preso. O suicídio de Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, levou multidões às ruas e fez a Última Hora vender 700 mil exemplares. Na seqüência, o jornal deu irrestrito apoio a João Goulart até sua deposição em 1964.

Uma das primeiras ações dos generais golpistas foi cassar os direitos políticos de Samuel Wainer, que se exilou na Europa. Outros veículos nacionalistas e de esquerda, como A Classe Operária, fundado em 1925, também foram fechados. O regime militar uniformizou a imprensa brasileira. Somente a mídia conservadora, de direita, pôde prosperar. Nos primeiros anos da brutal ditadura, prevaleceu o clima da "paz dos cemitérios". A liberdade de expressão, e não a falsa "liberdade de imprensa" dos empresários do setor, foi suprimida com truculência. Aos poucos, organizações e jornalistas progressistas reuniram força e coragem para erguer a heróica imprensa alternativa, com jornais como O Pasquim, Opinião e Movimento [8].

NOTAS

1- "Wanderley Guilherme dos Santos analisa a crise". Entrevista para Maurício Dias. Revista Carta Capital, 17/06/05.
2- Maria de Lourdes Eleutério. "A imprensa a serviço do progresso". História da imprensa no Brasil. Editora Contexto, SP, 2008.
3- Ler o artigo "A morte do ‘democrata’ Octavio Frias", na página??? deste livro.
4- "Meias verdades". Retrato do Brasil. Editora Manifesto, MG, 2006.
5- Ana Maria de Abreu Laurenza. "Batalhas em letra de fôrma: Chatô, Wainer e Lacerda. História da imprensa no Brasil. Editora Contexto, SP, 2008.
6- Bernardo Kucinski. "Chatô: o poder da chantagem". Revista Teoria&Debate, março/abril de 1995.
7- Vito Giannotti. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Editora Mauad, RJ, 2007.
8- José Carlos Ruy. "Alternativos: imprensa de resistência". Revista Princípios, agosto de 2007.

[Extraído do quarto capítulo do livro "A ditadura da mídia", publicado pela Associação Vermelho e Editora Anita Garibaldi. Quem desejar adquirir o livro, entrar em contato com Eliana Ada no endereço eletrônico - livro@vermelho.org.br]

Fonte: Adital

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

CAROLINA ROCHA: Haiti: dois séculos de devastação


Por: Carolina Rocha

O Haiti foi a primeira nação independente da América Latina. Liberdade conquistada sob condições muito peculiares: através de uma insurreição escrava. Por isso, as elites escravocratas da América Latina temeram por muito tempo o chamado “haitianismo”. A independência, de fato, só foi proclamada em 1804, após uma década de conflitos, o que resultou num Haiti livre, mas devastado. A história recente do país permanece caótica, com governos breves, golpes de estado, corrupção, rebeliões e maciças intervenções estrangeiras.

De repente um terremoto fez com que os olhos do mundo estivessem voltados para o país. Centenas de jornais e revistas, impressos ou não, mantêm a manchete do Haiti há semanas. A ajuda internacional chegou à capital, mas de forma desarticulada, e enquanto as pessoas morriam de fome ou debaixo dos escombros, nações estrangeiras disputavam o controle de postos militares. Desde o terremoto, o Haiti vive um impasse diplomático entre as forças da ONU e os Estados Unidos responsáveis, oficialmente, apenas pela ajuda humanitária à população. Muitos militares brasileiros, chilenos e mexicanos, em Porto Príncipe, têm reclamado da presença ostensiva de tropas norte-americanas na cidade. Segundo eles, os americanos são autoritários e despreparados, pois chegaram tardiamente tumultuando operações e não procuraram se informar sobre as características do lugar e nem sobre as tradições de sua população.

Se houve demora em atender as necessidades da população, as notícias não tardaram a chegar. Todos, a partir de então, se arriscaram a fazer um diagnóstico da situação: jornalistas, colunistas, historiadores, cientistas, antropólogos, celebridades, militares, religiosos e políticos.

Por todo lado, eram procuradas razões e culpados pela destruição do Haiti. Ora a culpa era de Deus e de sua insondável natureza, ora do Diabo e sua sábia destreza. Houve até quem responsabilizasse o próprio povo haitiano por destruir seu país, graças a sua religião demoníaca de matriz africana: o vodu. O líder evangélico estadunidense Pat Roberton atribuiu o desastre ao pacto que os haitianos fizeram com o demônio em troca de sua independência no século XVII. E o cônsul do Haiti em São Paulo, George Samuel Antoine, disse que a “desgraça de lá (Haiti) está sendo uma boa”, porque “o africano em si tem maldição. Todo lugar em que tem africano tá foda”.


O que dizer então do furacão Katrina que em 2005 devastou Nova Orleans, onde a maioria da população é negra? Nenhum cônsul ou líder evangélico culpou o Sul dos Estados Unidos de fazer pacto com o diabo. Será porque o vodu deles, herança de diásporas africanas, é melhor que o haitiano?

O terremoto aos poucos já está sumindo dos noticiários. Em breve, as imagens da catástrofe se tornarão triviais e o mundo estará preocupado com algum outro desastre. Os próprios haitianos estão com medo de que a mídia saia de Porto Príncipe e eles fiquem abandonados.

Fonte: Revista de História da BN