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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

CAROLINA ROCHA: Haiti: dois séculos de devastação


Por: Carolina Rocha

O Haiti foi a primeira nação independente da América Latina. Liberdade conquistada sob condições muito peculiares: através de uma insurreição escrava. Por isso, as elites escravocratas da América Latina temeram por muito tempo o chamado “haitianismo”. A independência, de fato, só foi proclamada em 1804, após uma década de conflitos, o que resultou num Haiti livre, mas devastado. A história recente do país permanece caótica, com governos breves, golpes de estado, corrupção, rebeliões e maciças intervenções estrangeiras.

De repente um terremoto fez com que os olhos do mundo estivessem voltados para o país. Centenas de jornais e revistas, impressos ou não, mantêm a manchete do Haiti há semanas. A ajuda internacional chegou à capital, mas de forma desarticulada, e enquanto as pessoas morriam de fome ou debaixo dos escombros, nações estrangeiras disputavam o controle de postos militares. Desde o terremoto, o Haiti vive um impasse diplomático entre as forças da ONU e os Estados Unidos responsáveis, oficialmente, apenas pela ajuda humanitária à população. Muitos militares brasileiros, chilenos e mexicanos, em Porto Príncipe, têm reclamado da presença ostensiva de tropas norte-americanas na cidade. Segundo eles, os americanos são autoritários e despreparados, pois chegaram tardiamente tumultuando operações e não procuraram se informar sobre as características do lugar e nem sobre as tradições de sua população.

Se houve demora em atender as necessidades da população, as notícias não tardaram a chegar. Todos, a partir de então, se arriscaram a fazer um diagnóstico da situação: jornalistas, colunistas, historiadores, cientistas, antropólogos, celebridades, militares, religiosos e políticos.

Por todo lado, eram procuradas razões e culpados pela destruição do Haiti. Ora a culpa era de Deus e de sua insondável natureza, ora do Diabo e sua sábia destreza. Houve até quem responsabilizasse o próprio povo haitiano por destruir seu país, graças a sua religião demoníaca de matriz africana: o vodu. O líder evangélico estadunidense Pat Roberton atribuiu o desastre ao pacto que os haitianos fizeram com o demônio em troca de sua independência no século XVII. E o cônsul do Haiti em São Paulo, George Samuel Antoine, disse que a “desgraça de lá (Haiti) está sendo uma boa”, porque “o africano em si tem maldição. Todo lugar em que tem africano tá foda”.


O que dizer então do furacão Katrina que em 2005 devastou Nova Orleans, onde a maioria da população é negra? Nenhum cônsul ou líder evangélico culpou o Sul dos Estados Unidos de fazer pacto com o diabo. Será porque o vodu deles, herança de diásporas africanas, é melhor que o haitiano?

O terremoto aos poucos já está sumindo dos noticiários. Em breve, as imagens da catástrofe se tornarão triviais e o mundo estará preocupado com algum outro desastre. Os próprios haitianos estão com medo de que a mídia saia de Porto Príncipe e eles fiquem abandonados.

Fonte: Revista de História da BN

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