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quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Hobsbawm: Quais são os objetivos da economia?

O objetivo de uma economia não é o ganho, mas sim o bem-estar de toda a população. O crescimento econômico não é um fim, mas um meio para dar vida a sociedades boas, humanas e justas. Não importa como chamamos os regimes que buscam essa finalidade. Importa unicamente como e com quais prioridades saberemos combinar as potencialidades do setor público e do setor privado nas nossas economias mistas. Essa é a prioridade política mais importante do século XXI. ( Eric Hobsbawm).


Segundo Hobsbawn, todos os países do Leste, assim como os do Oeste, devem sair da ortodoxia do crescimento econômico a todo custo e dar mais atenção à equidade social. Os países ex-soviéticos, afirma, ainda não superaram as dificuldades da transição para o novo sistema.

Por Eric Hobsbawm*

O "século breve", o XX, foi um período marcado por um conflito religioso entre ideologias laicas. Por razões mais históricas do que lógicas, ele foi dominado pela contraposição de dois modelos econômicos – e apenas dois modelos exclusivos entre si – o "Socialismo", identificado com economias de planejamento central de tipo soviético, e o "Capitalismo", que cobria todo o resto.

Essa contraposição aparentemente fundamental entre um sistema que ambiciona tirar do meio do caminho as empresas privadas interessadas nos lucros (o mercado, por exemplo) e um que pretendia libertar o mercado de toda restrição oficial ou de outro tipo nunca foi realista. Todas as economias modernas devem combinar público e privado de vários modos e em vários graus, e de fato fazem isso. Ambas as tentativas de viver à altura dessa lógica totalmente binária dessas definições de "capitalismo" e "socialismo" faliram. As economias de tipo soviético e as organizações e gestões estatais sobreviveram aos anos 80. O "fundamentalismo de mercado" anglo-americano quebrou em 2008, no momento do seu apogeu. O século XXI deverá reconsiderar, portanto, os seus próprios problemas em termos muito mais realistas.

Como tudo isso influi sobre países que no passado eram devotados ao modelo "socialista"? Sob o socialismo, haviam reencontrado a impossibilidade de reformar os seus sistemas administrativos de planejamento estatal, mesmo que os seus técnicos e os seus economistas estivessem plenamente conscientes das suas principais carências. Os sistemas – não competitivos em nível internacional – foram capazes de sobreviver até que pudessem continuar completamente isolados do resto da economia mundial.

Esse isolamento, porém, não pôde ser mantido no tempo, e, quando o socialismo foi abandonado – seja em seguida à queda dos regimes políticos como na Europa, seja pelo próprio regime, como na China ou no Vietnã – estes, sem nenhum pré-aviso, se encontraram imersos naquela que para muitos pareceu ser a única alternativa disponível: o capitalismo globalizado, na sua forma então predominante de capitalismo de livre mercado.

As consequências diretas na Europa foram catastróficas. Os países da ex-União Soviética ainda não superaram as suas repercussões. A China, para sua sorte, escolheu um modelo capitalista diferente do neoliberalismo anglo-americano, preferindo o modelo muito mais dirigista das "economias tigres" ou de assalto da Ásia oriental, mas abriu caminho para o seu "gigantesco salto econômico para frente" com muito pouca preocupação e consideração pelas implicações sociais e humanas.

Esse período está quase às nossas costas, assim como o predomínio global do liberalismo econômico extremo de matriz anglo-americana, mesmo que não saibamos ainda quais mudanças a crise econômica mundial em curso implicará – a mais grave desde os anos 30 –, quando os impressionantes acontecimentos dos últimos dois anos conseguirão se superar. Uma coisa, porém, é desde já muito clara: está em curso uma alternância de enormes proporções das velhas economias do Atlântico Norte ao Sul do planeta e principalmente à Ásia oriental.

Nessas circunstâncias, os ex-Estados soviéticos (incluindo aqueles ainda governados por partidos comunistas) estão tendo que enfrentar problemas e perspectivas muito diferentes. Excluindo de partida as divergências de alinhamento político, direi apenas que a maior parte deles continua relativamente frágil. Na Europa, alguns estão assimilando o modelo social-capitalista da Europa ocidental, mesmo que tenham um lucro médio per capita consideravelmente inferior. Na União Europeia, também é provável prever o aparecimento de uma dupla economia. A Rússia, recuperada em certa medida da catástrofe dos anos 90, está quase reduzida a um país exportador, poderoso mas vulnerável, de produtos primários e de energia e foi até agora incapaz de reconstruir uma base econômica mais bem balanceada.

As reações contra os excessos da era neoliberal levaram a um retorno, parcial, a formas de capitalismo estatal acompanhadas por uma espécie de regressão a alguns aspectos da herança soviética. Claramente, a simples "imitação do Ocidente" deixou de ser uma opção possível. Esse fenômeno ainda é mais evidente na China, que desenvolveu com considerável sucesso um capitalismo pós-comunista próprio, a tal ponto que, no futuro, pode também ocorrer que os historiadores possam ver nesse país o verdadeiro salvador da economia capitalista mundial na crise na qual nos encontramos atualmente. Em síntese, não é mais possível acreditar em uma única forma global de capitalismo ou de pós-capitalismo.

Em todo caso, delinear a economia do amanhã é talvez a parte menos relevante das nossas preocupações futuras. A diferença crucial entre os sistemas econômicos não reside na sua estrutura, mas sim na suas prioridades sociais e morais, e estas deveriam portanto ser o argumento principal do nosso debate. Permitam-me, por isso, a esse ilustrar dois de seus aspectos de fundamental importância a esse propósito.

O primeiro é que o fim do Comunismo comportou o desaparecimento repentino de valores, hábitos e práticas sociais que haviam marcado a vida de gerações inteiras, não apenas as dos regimes comunistas em estrito senso, mas também as do passado pré-comunista que, sob esses regimes, haviam em boa parte se protegido. Devemos reconhecer quanto foram profundos e graves o choque e a desgraça em termos humanos que foram verificados em consequência desse brusco e inesperado terremoto social. Inevitavelmente, serão necessárias diversas décadas antes de que as sociedades pós-comunistas encontrem uma estabilidade no seu "modus vivendi" na nova era, e algumas consequências dessa desagregação social, da corrupção e da criminalidade institucionalizadas poderiam exigir ainda muito mais tempo para serem combatidas.

O segundo aspecto é que tanto a política ocidental do neoliberalismo, quanto as políticas pós-comunistas que ela inspirou subordinaram propositalmente o bem-estar e a justiça social à tirania do PIB, o Produto Interno Bruto: o maior crescimento econômico possível, deliberadamente inigualitário. Assim fazendo, eles minaram – e nos ex-países comunistas até destruíram – os sistemas da assistência social, do bem-estar, dos valores e das finalidades dos serviços públicos. Tudo isso não constitui uma premissa da qual partir, seja para o "capitalismo europeu de rosto humano" das décadas pós-1945, seja para satisfatórios sistemas mistos pós-comunistas.

O objetivo de uma economia não é o ganho, mas sim o bem-estar de toda a população. O crescimento econômico não é um fim, mas um meio para dar vida a sociedades boas, humanas e justas. Não importa como chamamos os regimes que buscam essa finalidade. Importa unicamente como e com quais prioridades saberemos combinar as potencialidades do setor público e do setor privado nas nossas economias mistas. Essa é a prioridade política mais importante do século XXI.


*historiador inglês e membro da Academia Britânica de Ciências Eric J. Hobsbawm apresentou no primeiro dia do World Political Forum, em Bosco Marengo (Alexandria). Do Fórum deste ano, sobre o tema "O Leste: qual futuro depois do comunismo?", participam, dentre outros, Mikhail Gorbachev e Yuri Afanasiev.

Fonte: IHU - Instituto Humanitas (Unisinos)

sábado, 17 de outubro de 2009

Bolsa Família contribui para o crescimento da escolaridade no Brasil

Meio milhão de jovens e adultos beneficiários do Programa Bolsa Família - do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) - ou que estão no Cadastro Único foram alfabetizados em 2006 e 2007. O percentual de pessoas cadastradas atendidas por programas de alfabetização aumentou de 21,9%, em 2006, para 33,8% em 2007. A articulação do MDS com o Programa Brasil Alfabetizado (PBA), do Ministério da Educação, possibilitou que essas pessoas iniciassem os estudos ou voltassem às salas de aula, uma ação fundamental para aumentar as oportunidades de inclusão social, produtiva e cidadã da população pobre. Os dados evidenciam a contribuição do Bolsa Família para o crescimento da escolaridade no Brasil.

Dos 536.289 alfabetizados no período, 379.465 são atendidos pelo programa de transferência de renda do governo federal. A parceria entre os ministérios e os municípios está reduzindo o analfabetismo entre a parcela mais pobre da população. Em Belo Horizonte (MG), a beneficiária Renata Rodrigues da Silva, de 26 anos, está no grupo que voltou à escola neste ano. Pressionada pelo pai, ela parou de estudar aos 10 anos, ainda quando morava no município de Santa Maria do Suaçuí (MG). Mudou-se para BH, teve uma filha e acabou indo morar na rua. Foi acolhida por uma família que ofereceu o barraco dos fundos para Renata morar - já então com três filhos.

Atualmente, a renda da família de Renata é o Bolsa Família. Às vezes, ela trabalha como diarista, mas não tem com quem deixar os filhos. Ela cursa a 2ª série do Ensino Fundamental. “É muito bom voltar a estudar. Não sabia escrever o nome da minha filha”, diz. Renata quer ter uma profissão no futuro. “Se a gente não tiver estudo não é nada. Não posso fazer os cursos que estão dando aí, porque não sei ler”, reconhece.

Além de transferir renda a 11,9 milhões de famílias, o Bolsa Família promove a inclusão dos beneficiários em ações complementares a fim de desenvolver suas capacidades. Dentre elas, está o programa de microcrédito do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) que emprestou, entre janeiro e maio deste ano, R$ 215 milhões a 225 mil beneficiários. Há também a qualificação profissional, com o programa Próximo Passo, em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Essas iniciativas abrem novas perspectivas de vida para milhares de brasileiros que viviam à margem das políticas públicas.

Compromisso com a educação - A ligação do Bolsa Família com a educação está no desenho do programa. Os beneficiários precisam manter os filhos na escola e cumprir a agenda de saúde. O objetivo é estimular o acesso da população pobre aos serviços básicos de educação e saúde para melhorar as condições de vida desse público. Análise do Bolsa Família, da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania do MDS, aponta que o Nordeste - região com os maiores índices de analfabetismo (24% dos beneficiários) - está investindo mais na educação de seus habitantes. A região responde por 88% dos beneficiários alfabetizados nos dois anos.

Programa inclui novos beneficiários - Outubro vai ser um mês especial para 500 mil famílias pobres de todo o País. A partir desta segunda-feira (19/10), elas começam a receber os benefícios do Bolsa Família, programa do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). A inclusão dos novos beneficiários faz parte da expansão do Programa, que cumpre a última etapa prevista para 2009. A ampliação foi planejada para atender a estimativa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com base no Mapa de Pobreza.

A expansão começou em maio, quando foram beneficiadas 300 mil novas famílias. Em agosto, outras 500 mil passaram a fazer parte do Programa. No total, 1,3 milhão de novos domicílios foram incluídos no Bolsa Família que já atende atualmente a 11,9 milhões de lares. A expectativa do MDS é chegar 12,9 milhões de famílias em 2010.

FONTE: Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Nº 912 - Brasília, 16 de Outubro de 2009

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Relator da ONU: "O Brasil é liderança mundial no direito à alimentação e tem excelentes oportunidades de se superar"


16.10.2009


O Relator Especial das Nações Unidas para o Direito à Alimentação, Olivier De Schutter, está atualmente em visita ao Brasil para avaliar a realização progressiva do direito à alimentação adequada no país. Em entrevista a jornalistas em Brasília, ele apresentou suas primeiras conclusões.

"Minha visita ao Brasil foi uma das mais inspiradoras que já fiz. O Brasil avançou muitíssimo desde 2002, e, no entanto, alguns desafios profundos permanecem, e os bolsões persistentes de pobreza e de fome são inaceitáveis. O Brasil tem oportunidades extraordinárias de acelerar a mudança para melhor. Para tanto, o país deve se comprometer a reforçar políticas que não apenas aumentem a produção de alimentos, mas que também melhorem a situação dos grupos mais vulneráveis, entre os quais os pequenos agricultores e os sem-terra".

O relator encontrou-se com mais de cem pessoas durante a missão, entre as quais os ministros Celso Amorim, Patrus Ananías e Guilherme Cassel; representantes da Casa Civil; os presidentes das duas Casas do Congresso Nacional, José Sarney e Michel Temer, assim como os representantes das instituições encarregadas de segurança alimentar e do direito à alimentação no Brasil, e em especial o Consea, a Caisan e várias organizações da sociedade civil.

"Qualquer candidato às próximas eleições presidenciais deveria assumir compromissos no sentido de reforçar e institucionalizar os programas sociais, intensificar o apoio à agricultura familiar, alocar recursos produtivos prioritariamente para modos de produção sustentáveis e combater a excessiva concentração de terra por meio da reforma agrária", afirmou De Schutter, sabendo que seu relatório será publicado em ano de eleição.

Detalhou, a seguir, três objetivos centrais. "Primeiramente, os programas ligados ao Fome Zero devem ser consolidados em lei, com orçamento próprio, para que não possam facilmente retroceder, criando assim uma dinâmica permanente de progresso e desenvolvimento", disse o Prof. De Schutter, que participou de seminário internacional sobre mecanismos de exigibilidade em Brasília. "É preciso aperfeiçoar os mecanismos de exigibilidade para as pessoas a quem tenha sido negado acesso a estes programas. Os cidadãos tem direitos, o Estado tem obrigações, e o cumprimento destas obrigações cria um efeito muito positivo para o desenvolvimento socioeconômico amplo."

Em segundo lugar, o Relator especial observou que a Agricultura Familiar é absolutamente vital para a economia brasileira. De acordo com informações recebidas, a agricultura familiar representa 70% da produção de alimentos no Brasil, cria mais empregos e gera mais valor por hectare. "É disso que os países precisam em tempos de crise. A lei recente determinando que o PNAE compre de assentamentos da reforma agrária e da agricultura familiar pelo menos 30% dos alimentos usados na merenda escolar é, na verdade, uma das melhores alavancas de que o governo brasileiro dispõe para realizar o direito à alimentação para todos", acrescentou o professor, que leciona nas Universidades de Lovaina, na Bélgica, e Columbia, nos EUA. " O mundo todo está observando este programa, ele não pode fracassar".

"Terceiro, o Brasil deve pensar em adotar o mais rápido possível as melhores abordagens de agricultura sustentável, de forma a se tornar uma fonte de inspiração holística e duradoura para o mundo. De fato, há um enorme potencial inexplorado de práticas agroecológicas inovadoras, tais como a agro-silvicultura, e isso poderia ser ampliado", disse o especialista da ONU, que sugeriu uma avaliação participativa em âmbito nacional dos méritos respectivos da agricultura familiar, da agroecologia e da agricultura destinada à exportação.


Fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

Nova África: Um novo olhar sobre o continente

Reportagens Nós da Comunicação
CULTURA
15/10/2009

Nova África: Um novo olhar sobre o continente
João Casotti e Marcos Moura

Foto: Paulo Eduardo Palmério, o Padu

O continente africano é historicamente apresentado com base em aspectos negativos, como miséria e conflitos étnicos. Para tentar reverter essa imagem, a TV Brasil vem apresentando, desde o dia 25 de setembro, todas as sextas-feiras, às 22 horas, a série ‘Nova África’, produzida pela Baboon Filmes, vencedora de concorrência pública.

Donos da produtora, os repórteres cinematográficos Henry Ajl e Markus Bruno convidaram o jornalista Luiz Carlos Azenha e a historiadora Conceição Oliveira para definirem a linha editorial do projeto, que, a princípio, deveria visitar 46 dos 53 países do continente mostrando a realidade cultural de cada um deles. O objetivo é quebrar os estereótipos estabelecidos há décadas com relação à África por meio dos livros escolares, do cinema e da mídia e mostrar um “olhar de dentro dos países”, esquecendo “o olhar de fora”.

“A ideia inicial era percorrer o maior número de países para mostrar toda a diversidade do continente. Mas a logística e o tempo de exibição do programa (26 episódios no mesmo número de semanas) fez com que mudássemos os planos: aprofundaremos os temas. Se seguíssemos à risca os 43 países em uma temporada, correríamos o risco de cobrir muito superficialmente a África, o que geralmente acontece com esse tipo de pauta”, afirma Aline Midlej, repórter da expedição, que conta ainda com o produtor Paulo Eduardo Palmério, o Padu, e o cinegrafista Henry Ajl. A equipe esteve, até agora, em seis países africanos (Moçambique, África do Sul, Botsuana, Namíbia, Ruanda e República Democrática do Congo) e na Bélgica, uma escala europeia fundamental para entender todas as questões políticas e coloniais do cotidiano congolês. Só na viagem de estreia, nos quatro primeiros países listados, foram 12 mil quilômetros de carro cruzando o continente.

“Existem coisas que somente no lugar a gente percebe. Aí vem a parte jornalística interessante, que é não deixar passar. Há situações que não planejamos, mas aconteceram, e isso foi muito rico”, explica Conceição.

Ambas concordam que muito dos estereótipos criados em torno da África está na forma equivocada com que o continente é tratado pela mídia. “A imprensa ainda não aprendeu e está longe de aprender a falar sobre a África. As pessoas são obrigadas a olhar de outra forma para o continente, por situações como a realização da Copa do Mundo, por exemplo. E não por iniciativa da imprensa, mas do próprio continente que, aos poucos, está conseguindo impor e mostrar seu protagonismo histórico. A imprensa, em geral, não aprendeu quase nada sobre a África. Existem projetos paralelos, mas a grande imprensa, inclusive a brasileira, ainda cerca a África de estereótipos”, salienta Aline.

Apesar da Copa estar cada vez mais próxima, o foco do episódio sobre o país foi centrado no pós-apartheid. “Nossa pauta no país era a relação com a terra, já que não houve reforma agrária, após a queda do regime de segregação racial. Depois de 15 anos do fim do apartheid, apenas 3% das terras voltaram para a mão dos negros. A outra parte está nas mãos de 60 mil fazendeiros brancos. Mas apesar de não ser a pauta principal, pudemos ver que, hoje, Johannesburgo é um grande canteiro de obras para a Copa”, comentou Conceição.

Ela também destacou uma iniciativa interessante de países que fazem fronteira com a África do Sul. “Está sendo criada uma cultura transnacional. Namíbia e Botsuana, por exemplo, têm planos de atrair turistas, que poderiam visitar parques próximos durante a Copa. As viagens seriam curtas. Acho que esse é um potencial muito importante. O turismo explorado de maneira sustentável pode criar uma nova relação. Mas estamos falando de apenas uma parte do continente. A grande pegada da série é isso: acabar com uma visão recorrente e uma série de expressões que definem grosseiramente o continente ”, prosseguiu a historiadora.

Influência brasileira no continente africano

Moçambique foi a primeira escala da viagem e recebeu carinho especial da produção, ocupando três episódios da série. Ficou clara para a equipe a influência cultural brasileira no país lusófono. “Brasileiros e moçambicanos têm uma relação bastante antiga na literatura e na música. Percebemos vários escritores que leram e têm muitas referências da poesia e literatura brasileira. Na atualidade, o que percebemos é a influência da TV brasileira, que chega via parabólica de maneira muito recortada. As duas TVs que pegam são Record e Globo, com isso, eles acompanham muito as novelas e esses seriados para adolescentes, como Malhação e coisas do gênero. Assim, o olhar que a massa tem é muito recortado. É a imagem da zona sul carioca, por exemplo. Diferente do mundo intelectual, onde existe uma troca. Não vemos uma troca cultural profunda veiculada de maneira massiva. Percebemos jovens de Moçambique falando na linguagem de nossas novelas. Se a TV continuar da mesma forma, será impactante”, esclarece Conceição.

“O que me chamou a atenção é um certo imaginário muito forte dos moçambicanos sobre os brasileiros. Acho que há algo bom nisso se for trabalhado para estreitar nossos laços com os países no continente africano que falam português. Para que pessoas como a Ana, uma moça da Ilha de Moçambique que se emocionou simplesmente ao saber que éramos brasileiras, possa de fato conhecer o que é o Brasil. No caso de Moçambique temos em comum o idioma e há uma série de pontos que devem ser trabalhados. Ana é um grito que traduz uma vontade de criar elos mais próximos entre os países. Quanto mais nos afastamos das grandes cidades como a capital Maputo, esse imaginário cresce. Esses vínculos precisam ser trabalhados, pois há uma série de semelhanças que vão além da colonização portuguesa”, concordou Aline, que citou o exemplo de um músico para citar como a distância física pode ser encurtada.

“O rapper Azagaia, que é um homem ligado à internet, com perfil diferente da Ana, tem uma série de lacunas que quer preencher. Ele encontrou Marcelo D2 em um festival, em Portugal, mas ainda não conseguiram fazer uma música juntos. Ele até nos cobrou esse contato. Azagaia nunca viajou de Moçambique para o Brasil, mas consegue, pela internet, diminuir as distâncias”, disse.

Em tempos em que a tecnologia ajuda cada vez mais a educação e inclusão social, não é a internet a principal ferramenta de comunicação dos africanos, e sim os telefones celulares. “Percebemos foi que o celular é uma tecnologia disseminada, que chega ao interior de Moçambique, por exemplo. Está em todos os lugares. As propagandas de celulares nas ruas são fortíssimas. Azagaia apareceu na produção a partir de uma conversa minha com um jovem moçambicano, de Maputo, pelo Twitter. Ele possui blog e compartilha notícias de sua localidade. Em Moçambique, onde pesquisei mais sobre isso, a internet, porém, não é uma coisa estruturada”, assegura Conceição.

A análise dos dados sobre o Bolsa Família mostram que falatório reacionário fica apenas lamentavelmente ridículo.

José Paulo Kupfer
16/10/2009 - 17:48

Impactos econômicos do Bolsa Família

O jornalista Fernando Dantas publicou no Estado de S. Paulo desta sexta-feira uma reportagem com os resultados de um estudo recente sobre os impactos do programa Bolsa Família na economia. A conclusão do trabalho é que, o acréscimo no valor dos benefícios pagos, entre 2005 e 2006, de RS 1,8 bilhão, resultou num crescimento adicional do PIB, no período, de R$ 43,1 bilhões. Resultou também em receitas tributárias adicionais de R$ 12,6 bilhões. “O ganho tributário”, escreveu Dantas, é 70% maior do que o total de benefícios pagos pelo Bolsa Família em 2006, que foi de R$ 7,5 bilhões.

Esses cálculos foram feitos pelo economista Naercio Aquino Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), o antigo Ibmec-São Paulo, que também é professor na Faculdade de Economia da USP, e por seu aluno na graduação do Insper, Paulo Henrique Landim Júnior. É de se notar que o Insper e Naercio filiam-se a correntes do pensamento econômico situadas a anos-luz de distância das teorias heterodoxas ou mais à esquerda, normalmente associadas à formulação de programas de transferência de renda e de inclusão social fora do âmbito dos mercados.

Não é novidade que programas bem focados de transferência de renda, como é o caso do Bolsa Família, produzem relevantes efeitos multiplicadores no conjunto da economia. Isso só não é verdade para os que não conseguem levantar o véu ideológico que tolda a visão sobre os programas de inclusão social, para os que resistem a repartir melhor a renda produzida ou para os cegos pelas paixões partidárias. Faltava, porém, uma medição quantitativa da dimensão do impacto econômico específico do programa Bolsa Família.

Pois bem, segundo as estimativas de Menezes e Landim, um aumento de 10% no repasse médio per capita do Bolsa Família leva a uma expansão de 0,6% do PIB, no ano em que ocorre o aumento e no seguinte. Em outras palavras, ou melhor, em outros números, cada R$ 0,04 do Bolsa Família aumenta o PIB em R$ 1.

Fica assim provado, com números, que o “assistencialismo” do Bolsa Família move profundamente a economia. Com a vantagem de que, como indicaram os cálculos de Menezes e Landim, o setor mais positivamente impactado é o da indústria – aquele em que os empregos são de mais qualidade. Enquanto no PIB agrícola cada 10% a mais nos repasses do Bolsa Família não apresenta impactos significativos, o efeito nos serviços é de 0,19% no PIB setorial. No PIB industrial, onde o impacto é maior, efeito multiplicador de cada 10% adicionais nos repasses do programa atinge expressivos 0,81%.

Uma tentativa leviana, mais ou menos recente, de confundir o Bolsa Família com programas de distribuição de cestas básicas, a partir de uma declaração crítica de um Lula ainda na Oposição, em relação à distribuição pontual de comida, tem sido largamente disseminada pela internet, via YouTube. Intelectuais de viés conservador utilizam o vídeo como gancho para sustentar suas retorcidas teorias anti-inclusão social e de preservação da renda em mãos de poucos. Com os dados agora disponíveis, o falatório reacionário fica apenas lamentavelmente ridículo.

* * *

Aqui o link para a reportagem do “Estado de S. Paulo”


quinta-feira, 8 de outubro de 2009

The world’s best foreign minister (o melhor chanceler do mundo)

Foreign Policy: Amorim, "o melhor chanceler do mundo"

The world’s best foreign minister

Quarta, 10/07/2009 - 12:35pm

David Rothkofp, no blog da revista Foreign Policy

Esse pode ter sido o melhor mês do Brasil desde cerca de junho de 1494. Foi quando o Tratado de Tordesilhas foi assinado, dando a Portugal tudo no mundo a leste de uma linha imaginária que foi declarada existir 379 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde. Isso garantiu que o que viria a se tornar Brasil seria português e, portanto, desenvolveria uma cultura e identidade diferentes do resto da América Latina hispânica. Isso garantiu que o mundo teria samba, churrasco, Garota de Ipanema e, através de uma incrível e tortuosa corrente de eventos, a Gisele Bundchen.

Embora o Brasil tenha levado algum tempo dando razão à máxima de que "é o país do futuro e sempre será", há poucas dúvidas de que o amanhã chegou para o país, ainda que muito tenha de ser feito para superar sérios desafios sociais e aproveitar o extraordinário potencial econômico do país.

A prova de que algo novo e importante está acontecendo no Brasil começou alguns anos atrás, quando o presidente [Fernando Henrique] Cardoso gerenciou uma mudança para a ortodoxia econômica que estabilizou o país-vítima de ciclos de crescimento e crise e inflação de tirar do sério. Ganhou força, no entanto, durante o extraordinário governo do atual presidente, Luis Inacio "Lula" da Silva.

Algum desse impulso se deve ao compromisso de Lula de preservar as fundações econômicas assentadas por Cardoso, uma decisão política corajosa para um líder sindical de oposição do Partido dos Trabalhadores. Parte do impulso se deve a sorte, uma mudança do paradigma energético que ajudou o investimento de 30 anos do Brasil em biocombustíveis dar retorno importante, as descobertas maciças de petróleo na costa do Brasil e a crescente demanda da Ásia que permitiu ao Brasil se tornar o líder exportador da agricultura mundial, assumindo o papel de "celeiro da Ásia". Mas muito do impulso se deve à grande capacidade dos líderes brasileiros de aproveitar o momento que muitos dos predecessores provavelmente teriam perdido.

Desses líderes, muito do crédito vai para o presidente Lula, que se tornou uma espécie de estrela de rock na cena internacional, juntando a energia, a disposição, o carisma, a intuição e o senso comum tão eficazmente que a falta de educação formal não se tornou empecilho. Algum crédito vai para outros membros de sua equipe, como a chefe da Casa Civil Dilma Rousseff, a ex-ministra da Energia que se tornou uma ministra dura e possível sucessora de Lula. Mas eu acredito que uma grande parte do crédito deve ir para Celso Amorim, que planejou a transformação do papel mundial do Brasil de forma sem precedentes na história moderna. Ele é o ministro das Relações Exteriores de Lula desde 2003 (também serviu nos anos 90), mas penso que se pode argumentar que é atualmente o chanceler mais bem sucedido do mundo.

É impossível apontar um único momento de mudança nas tentativas de Amorim de transformar o Brasil de um poder regional com influência internacional duvidosa em um dos países mais importantes no mundo, reconhecido por consenso global para jogar um papel de liderança sem precedentes.

Pode ter sido quando ele teve um papel central na engenharia do "empurrão" dado pelos países emergentes contra o "poder-de-sempre" dos Estados Unidos e da Europa durante as negociações comerciais de Cancun em 2003.

Pode ter sido o jeito que o Brasil adotou para usar questões como a dos biocombustíveis para forjar novos diálogos e influência, com os Estados Unidos ou com outros poderes emergentes.

Com certeza envolveu a decisão de Amorim de abraçar a idéia de transformar os BRICs de uma sigla em uma importante colaboração geopolítica, trabalhando com seus colegas da Rússia, da Índia e da China para institucionalizar o diálogo entre os países e coordenar sua mensagens. (Dos BRICs quem se deu melhor nesse arranjo foi o Brasil. Rússia, China e Índia todos conquistaram seus lugares na mesa através de capacidade militar, tamanho de população, influência econômica ou recursos naturais. O Brasil tem tudo isso, mas menos que os outros).

Também envolveu muitas outras coisas, como o aprofundamento das relações com países como a China, a promoção do Brasil como destino de investimentos, a reputação do Brasil como comparativamente seguro diante de problemas econômicos globais, o conforto que o presidente dos Estados Unidos sente em relação a seu colega brasileiro -- a ponto de encorajar o Brasil a jogar um papel como intermediário junto, por exemplo, aos iranianos. Concorde ou não com todas as decisões de Amorim, como em Honduras ou em relação a Cuba na Organização dos Estados Americanos, o Brasil tem continuado a jogar um papel regional importante ainda que seu foco tenha claramente mudado para o palco global.

Nada ilustra quanto evoluiu o Brasil ou quão eficaz é o time Lula-Amorim quanto os eventos das últimas semanas. Primeiro, os países do mundo largaram o G8 e abraçaram o G20, garantindo ao Brasil um lugar permanente na mesa mais importante do mundo. Em seguida, o Brasil se tornou o primeiro país da América Latina a ganhar o direito de sediar as Olimpíadas. Ontem o Financial Times noticiou que a "Ásia e o Brasil lideram na confiança do consumidor", um reflexo da reputação que o governo vendeu eficazmente (com a maior parte do crédito indo para o ressurgente setor privado brasileiro). E nesta semana as notícias sobre o encontro do FMI-Banco Mundial em Istambul mostraram a institucionalização do novo papel do Brasil com um acordo para mudar a estrutura do FMI. De acordo com o Washington Post de hoje: "As nações também concordaram preliminarmente em reestruturar a estrutura de votação do Fundo, prometendo dar mais poder aos gigantes emergentes como o Brasil e a China até janeiro de 2011".

Nada mal para alguns dias de trabalho. E embora seja o ministro da Fazenda que representa o Brasil nos encontros do FMI-Banco Mundial, o arquiteto dessa marcante transformação no papel do Brasil foi Amorim.

Muito ainda precisa ser feito, com certeza. Parte tem a ver com o novo papel desejado. O Brasil quer uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU e mais liderança nas instituições internacionais. Pode conquistar isso, mas terá de manter o crescimento e a estabilidade para chegar lá. Além disso, o Brasil parece inclinado a minimizar ameaças regionais como a representada pela Venezuela (Os brasileiros tendem a olhar com desprezo para seus vizinhos do norte tanto quanto o fazem para os argentinos, vizinhos do sul... e, portanto, subestimam a habilidade de homens como Hugo Chávez de causar danos). E o Brasil tem diante de si uma eleição que pode mudar o elenco de jogadores e, naturalmente, pode mudar a atual trajetória de uma série de maneiras -- boas e ruins.

Mas é difícil pensar em outro chanceler que tenha tão eficazmente orquestrado uma mudança tão significativa no papel internacional de seu país. E se alguem pedisse hoje que eu votasse no melhor chanceler do mundo, meu voto provavelmente iria para o filho de Santos, Celso Amorim.

David Rothkopf é autor de Superclass: The Global Power Elite and the World They are Making (Superclasse: A elite do poder global e o mundo que ela está construindo) e Running the World: The Inside Story of the National Security Council and the Architects of American Power (Governando o Mundo: A história do Conselho de Segurança Nacional e os Arquitetos do Poder Americano).

domingo, 4 de outubro de 2009

Lula e a importância do Brasil no cenário político internacional


Sim, nós podemos

Por Luis Nassif

Do Último Segundo Coluna Econômica – 04/10/2009

Estava almoçando com um amigo banqueiro quando veio a notícia de que o Rio de Janeiro havia sido escolhido cidade-sede das próximas Olimpíadas. Mandou abrir um vinho em comemoração. De manhã, um funcionário dele, em Copenhagem, mandou email informando que na cidade só se falava em Lula, uma euforia completa apenas pela presença de Lula por lá.

No restaurante, as mesas comemoraram pedindo vinhos e champagnes. Nas ruas, uma população orgulhosa do feito brasileiro. No Blog, centenas de comentários de leitores orgulhosos de serem brasileiros, finalmente orgulhosos de serem brasileiros, repito.

Chego no escritório, ligo a Internet e procuro o vídeo com o discurso de Lula, defendendo a candidatura do Rio e, depois, com Lula com os olhos marejados falando de sua maior especialidade: o modo de ser brasileiro. Tecendo loas ao Brasil, ao Rio, à ginga, à alma brasileira.

E me espanto de como é possível que parte da opinião pública ainda não tenha se dado conta da dimensão política global de Lula. Ele se tornou um dos governantes paradigmáticos do maior processo de transformações que a humanidade atravessa desde o pós-guerra.

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A população pobre, que era custo, hoje se tornou o grande ativo dos emergentes China, Índia e Brasil. Lula representa não apenas a história de sucesso do operário que chegou a presidente. O polonês Lech Walesa também teve esse papel e não passou de mera curiosidade histórica. Já Lula tem desempenhado um papel civilizatório inimaginável.

Assumiu um país exaurido pela insensibilidade social, liderando um continente propenso a exageros populistas históricos, como contraposição aos exageros liberais. Globalmente, o fracasso das políticas neoliberais projetou uma sombra de xenofobia, intolerância e radicalização sobre todos os continentes.

Foi nesse ambiente propício à radicalização que Lula projetou sua imagem de pacificador, de agente do processo civilizatório mundial.

Com a mesma bonomia com que trata seus adversários políticos no Brasil, ou como tratava os peões de fábrica no ABC, ajudou a criar uma alternativa democrática no continente, orientando Evo Morales, contendo os arroubos de Hugo Chávez, tornando-se a esperança do Ocidente de manter uma porta aberta com o Irã.

Quando leva Obama para uma sala para explicar, em um bate-papo, como agir no caso do Irã, o severino retirante se despe de toda liturgia do cargo, dos tremeliques da diplomacia, usa a linguagem tosca e direta com que as pessoas normais se comunicam e ajuda a desenhar a nova diplomacia mundial. E com a cara do Brasil, a afetividade do Brasil, alisando as pessoas, tratando-as com o carinho brasileiro.

Na coletiva que deu após a escolha do Rio, a profissão de fé no Brasil entrará para a história. O orgulho de ser brasileiro, o “sim, nós podemos” entra definitivamente para o repertório brasileiro do século 21, do mesmo modo que JK empurrou o país com seu otimismo e sua genuína crença no valor do brasileiro.

Daqui a vinte anos, quando o país estiver definitivamente entronizado no panteão dos grandes países do mundo, será mais fácil avaliar a verdadeira dimensão de Lula, como o grande timoneiro dessa travessia.

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