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segunda-feira, 29 de junho de 2009

Honduras: Golpe é golpe, mas a imprensa brasileira quer reiventar a história

Reproduzo aqui um post que fiz hoje pela manhã no Maria_Fro, por pura falta de tempo em reescrever um novo. Mas ressalto que os professores devem trabalhar com todo o cuidado a maneira cínica que a imprensa brasileira está cobrindo o golpe militar ocorrido ontem em Honduras.
Espero que o material selecionado aqui ajudem vocês a trabalhar o evento em sala de aula.
Com mais tempo vou postar aos poucos minhas impressões e projetos depois de ter o prazer de visitar Moçambique e a África do Sul.
Abraços
Conceição Oliveira
********************

O que mais me espantou na cobertura do golpe militar ocorrido ontem em Honduras foi o eufemismo da imprensa brasileira, até ‘eleição de novo presidente’ foi mencionada.

Eu sei que não deveria me espantar já que quando sofremos um golpe militar em 1964 toda a imprensa brasileira louvou a ação dos militares. Sei ainda que esta imprensa é tão inútil, retrógrada e sem nenhuma função social em relação ao jornalismo e à informação que até hoje dá ares de seu autoritarismo referindo-se à violência de um Estado de exceção, que fez uso de torturas, como ”ditabranda”.

Mas mesmo assim me espanto. O mundo todo condenou o golpe em Honduras, até mesmo o governo dos EUA- que sempre teve uma ação dúbia na política latino-americana- conenou o golpe:

“(…) a condenação (ao golpe militar em Honduras) não se circunscreve à esquerda latino-americana, da qual Zelaya se aproximou em busca de mudanças de fundo em seu país. A União Europeia (UE), dominada por conservadores, já condenou o golpe militar. Comunicado divulgado pelos 27 chanceleres da UE classificou a deposição de ”inaceitável violação da ordem constitucional em Honduras”. A UE exigiu ainda a imediata libertação de Zelaya e ”a volta à normalidade constitucional”.
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, também se declarou “profundamente consternado com os informes que chegam de Honduras sobre a detenção e expulsão do presidente Zelaya”. Obama disse que as disputas no país “devem ser resolvidas pacificamente através de diálogo livre de qualquer interferência externa”. (Revista Fórum).

Para ler algo decente sobre o golpe militar visite:

Vermelho. org

Vi o mundo

Biscoito Fino

Telesur

Habla Honduras

Habla Honduras (fotos)

SOA Watch

Al Jazeera (em inglês)

E para não restar dúvidas sobre o que realmente está acontecendo em Honduras, seleciono algumas imagens do dia de ontem:

Fonte Vermelho.org

Fonte Vermelho.org

Miguel Yuste, El Pais. Fonte SOA Watch

Miguel Yuste, El Pais. Fonte SOA Watch

Miguel Yuste, El Pais. Fonte SOA Watch

Miguel Yuste, El Pais. Fonte SOA Watch

Miguel Yuste, El Pais. Fonte SOA Watch.

Miguel Yuste, El Pais. Fonte SOA Watch.

Miguel Yuste, El Pais. Fonte SOA Watch.

Miguel Yuste, El Pais. Fonte SOA Watch.

Miguel Yuste, El Pais. Fonte SOA Watch.

Miguel Yuste, El Pais. Fonte SOA Watch.

Miguel Yuste, El Pais. Fonte SOA Watch.

Miguel Yuste, El Pais. Fonte SOA Watch.

Miguel Yuste, El Pais. Fonte SOA Watch.

Miguel Yuste, El Pais. Fonte SOA Watch.

Fonte: Al Jazeera

Fonte: Al Jazeera

Fonte: Al Jazeera: Bastão de basebol versus tanque.

Fonte: Al Jazeera: Bastão de basebol versus tanque.

Fonte; Al Jazeera

Fonte: Al Jazeera

Vídeo da Al Jazeera (em inglês)





Em relação ao vídeo da BBC, apesar do atenuamento do golpe, reproduzo-o, porque acho que as imagens falam mais que o texto eufêmico da matéria.




quarta-feira, 10 de junho de 2009

No ápice do tráfico, Brasil recebeu 775 mil crianças escravas



Imagem publicada no Illustrated London News em 20 de junho de 1857 - Cortesia da New York Public Library
Crianças escravas aparecem em imagem de 1857 (Cortesia New York Public Library)

Pelo menos 775 mil crianças africanas foram escravizadas e levadas para o Brasil nos primeiros cinqüenta anos do século 19, em um período em que o tráfico negreiro atingiu o ápice de sua sofisticação, indicam dados cruzados a partir de novas informações sobre a era da escravidão.

Crianças foram ganhando a preferência dos traficantes porque, entre outros aspectos, eram mais "maleáveis" que adultos, indicam novas pesquisas publicadas duzentos anos após a lei britânica que proibiu o comércio de escravos.

No fim da era escravagista, um em cada três africanos escravizados era criança, nas estimativas do historiador David Eltis, da Universidade de Emory, em Atlanta, um dos maiores especialistas mundiais no tema.

Segundo Eltis, cerca de 12,5 milhões de escravos deixaram a costa da África entre 1500 e 1867, quando se tem registro do último carregamento. Em torno de 10 milhões chegaram aos seus destinos nas Américas.

Nos cálculos do pesquisador, dos 5,5 milhões de pessoas que tinham como destino o Brasil, apenas 4,9 milhões desembarcaram em portos brasileiros.

'Maleáveis'

Os dados de Eltis indicam que quase 2,3 milhões de escravos foram enviados ao Brasil entre 1800 e 1850 – destes, ele acredita que 775 mil eram crianças.

A alta proporção de menores de 15 anos entre os escravos já era conhecida dos pesquisadores – há estimativas que a colocam em até metade do total –, mas novos dados oferecem novas explicações para este fato.

Um estudo de caso publicado na última edição do Journal of Economic History pelos pesquisadores David Richardson, da Universidade britânica de Hull, e Simon Hogerzeil, do Centro Psicomédico Parnassia holandês, mostrou que crianças reagiam melhor à travessia que os adultos.

Richardson disse à BBC Brasil que, além disso, "no fim da era escrava havia uma percepção geral, por parte dos mercadores, de que as crianças eram mais maleáveis que os adultos, que poderiam ser treinadas em habilidades específicas".

Analisando 49 viagens de navios negreiros holandeses entre 1751 e 1797, os pesquisadores observaram que crianças eram compradas antes, porque reagiam melhor à experiência traumática.

Comparada à de um adulto, sua taxa de mortalidade era a metade, calcularam os pesquisadores.

Rugendas retratou o sofrimento dos negros em Nègres à Fond de Cale - Cortesia da New York Public Library
No fim da era escrava havia uma percepção geral, por parte dos mercadores, de que as crianças eram mais maleáveis que os adultos, que poderiam ser treinadas em habilidades específicas.
David Richardson, historiador

Assim, uma criança tinha mais chance que um adulto de passar longos períodos – até um ano, no caso estudado – dentro de um navio negreiro, entre todas as fases do tráfico.

Antes que o navio zarpasse para a viagem transatlântica propriamente dita, uma criança passava em média quatro meses dentro da embarcação – um prazo mais de 40 dias superior ao passado por homens.

"Em outras palavras, as estratégias de compra dos mercadores expunham crianças a riscos por mais longos períodos de tempo que os adultos", disse Richardson.

Em uma viagem típica, os navios da Middelburgsche Commercie Compagnie, que operava no oeste africano, zarpariam com 253 escravos, perderiam 33 ao longo do trajeto e venderiam 220 nas Américas.

Sobrevivência

As observações dos pesquisadores não eliminam a validade de explicações levantadas anteriormente, que atribuíam a forte escravização de crianças à escassez de adultos em determinadas áreas da África.

Outra razão, levantada em entrevista à BBC Brasil pelo historiador Manolo Florentino, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, destaca que senhores brasileiros podem ter sentido necessidade de "importar" mais mulheres e crianças para garantir mão-de-obra futura caso o tráfico negreiro fosse proibido.

Richardson e Hogerzeil destacaram, no entanto, que as condições de aprisionamento dos homens adultos podem estar relacionadas às taxas de mortalidade menores de crianças.

Os homens, comprados aos poucos durante a "fase de carregamento" do navio, entravam em grande quantidade no final da etapa, a menos de um mês ou até a menos de uma semana da partida, verificaram os pesquisadores.

"As condições dos escravos no momento da embarcação é criticamente importante para determinar por que eles sucumbiam mais durante a travessia", diz o estudo.

"Isto pode estar associado a pressões sobre os capitães para levar homens adultos para satisfazer as expectativas dos compradores, o que os encorajava a ser menos rigorosos na seleção."

"Os homens também eram tipicamente vistos como instigadores de rebeliões dentro dos navios, e sofriam mais fatalidades durante esses incidentes."

"Além disso", justificam os pesquisadores, "os homens eram normalmente encarcerados em celas separadas de mulheres e crianças, e normalmente ficavam presos por ferros, sobretudo quando o navio ainda estava próximo da África".

* BBC- Colaborou Sílvia Salek, de Londres.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Obama sobre Israel-Palestina

Sexta, 5 de junho de 2009, 15h18 Atualizada às 15h26

Noam Chomsky*
Dos Estados Undios

Uma manchete da CNN sobre os planos de Obama para seu discurso no Cairo diz: "Obama quer tocar a alma do mundo muçulmano". Talvez a frase capture sua intenção, mas mais significativo é o conteúdo que a postura retórica oculta - ou, mais precisamente, omite.

No caso Israel-Palestina - o discurso não ofereceu nada relevante sobre outros tópicos - Obama incentivou árabes e israelenses a não "apontar dedos" um para o outro e a não "ver este conflito apenas de um lado ou do outro".

O terceiro lado, no entanto, são os Estados Unidos, que têm tido um papel decisivo na manutenção do conflito. Obama não indicou que o papel dos EUA deva mudar ou mesmo ser reavaliado.

Mais uma vez, Obama elogiou a Iniciativa Árabe de Paz, dizendo que os árabes deveriam considerá-la "um começo importante, mas não um fim para suas responsabilidades". Como a administração de Obama deve ver isso?

Obama e seus conselheiros estão cientes de que a Iniciativa reitera o consenso internacional, de longa data, que demanda o acordo com a criação de dois países na fronteira internacional (antes de junho de 1967), talvez com "pequenas e mútuas modificações", para tomar emprestada a linguagem usada pelo governo dos Estados Unidos. A Iniciativa Árabe de Paz convoca os países árabes a normalizarem as relações com Israel no contexto do consenso internacional.

Obama pediu que os países árabes prossigam com a normalização, ignorando cuidadosamente o crucial acordo político, que é sua pré-condição. A Iniciativa não pode ser um "começo" se os EUA continuarem recusando-se a aceitar seus princípios fundamentais, ou mesmo a reconhecê-los.

O que Israel fará em retribuição ao esforço dos países árabes para normalizar as relações? Até agora, a posição mais enérgica enunciada pela administração Obama é a de que Israel deve cumprir a Fase I do Road Map 2003: "Israel deve paralisar todas as atividades de assentamento (inclusive o crescimento natural de assentamentos)".

Foi desprezado no debate sobre os assentamentos o fato de que mesmo se Israel aceitasse a Fase I, isso deixaria no lugar todo o projeto de assentamento que já foi desenvolvido, com apoio-chave dos EUA. Os assentamentos garantem que Israel tomará a terra de valor dentro do "muro de separação" ilegal (incluindo as fontes primárias de água da região), assim como o Vale do Jordão, aprisionando, assim, os palestinos dentro de um território limitado que, além disso, está sendo dividido em cantões pela invasão de assentamentos/infraestrutura que se estendem muito a leste.

Também não foi mencionado que Israel está tomando a Grande Jerusalém, o local de seus principais programas de desenvolvimento atuais, deslocando muitos árabes, de forma que aquilo que restar aos palestinos será separado do centro de sua vida cultural, econômica e sociopolítica.

E esta atividade de assentamento viola a legislação internacional.

Vale lembrar que houve uma quebra no apoio EUA-Israelense que bloqueou o consenso internacional. O Presidente Clinton reconheceu que os termos que havia oferecido nas reuniões fracassadas em Camp David, em 2000, não eram aceitáveis para nenhum palestino e, em dezembro, ele propôs seus "parâmetros," que avançaram em direção a um possível acordo. Ele então anunciou que ambos os lados tinham aceitado os parâmetros, embora com suas reservas.

Os negociadores israelenses e palestinos se reuniram em Taba, no Egito, para resolver as diferenças, e fizeram um progresso considerável. Em sua última coletiva à imprensa, eles anunciaram que uma resolução total poderia ser alcançada em poucos dias. Contudo, Israel cancelou prematuramente as negociações, que não foram formalmente retomadas.

Esta única exceção indica que se um presidente americano tiver a intenção de tolerar um acordo diplomático significativo, é provável que este seja alcançado.

A administração Bush I foi um pouco além das palavras na objeção a projetos israelenses de assentamentos ilegais, a saber, ao negar-lhes apoio econômico dos EUA. Em contraste, as autoridades da administração Obama afirmaram que tais medidas "não estão sob discussão" e que quaisquer pressões sobre Israel para que cumpra os termos do Road Map serão, "em grande parte, simbólicas", como noticiou o New York Times.

Nos bastidores da viagem ao Oriente Médio está a meta da administração Obama, claramente enunciada pelo Senador John Kerry, Presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado, de forjar uma aliança entre Israel e os países árabes "moderados" contra o Irã. Tal aliança serviria como uma salvaguarda para a dominação dos EUA sobre as regiões vitais de produção de energia.

(O termo "moderado", aliás, nada tem a ver com o caráter do país, mas mostra sua intenção de cumprir as demandas dos EUA).

Os serviços sem paralelo que Israel oferece às agências de inteligência e militares dos EUA, assim como à indústria de alta tecnologia, permitem certa liberdade para desafiar as ordens vindas de Washington - embora com o risco de ofender seu patrocinador. O extremismo do atual governo israelense tem sido controlado por elementos mais sérios.

Caso Israel vá muito longe, na verdade isso poderia irromper uma confrontação da política entre EUA e Israel do tipo que muitos comentadores percebem hoje - até agora, com pouca base factual, no discurso do Cairo ou em outro lugar. A previsão para a política dos EUA na área Israel-Palestina provavelmente apresentará mais do mesmo.


Noam Chomsky é professor emérito de lingüística e filosofia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts em Cambridge, Massachusetts. Artigo distribuído pelo The New York Times Syndicate. O texto traduzido foi publicado no portal Terra

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Entenda a riqueza do pré-sal e a importância de garanti-lo para mantermos a soberania nacional

Entrevista com os engenheiros Fernando Siqueira (presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras- AEPET) e Fernando Metri (ex-ANP e Conselheiro do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro). O vídeo é muito didático. Atentem para o artigo 26 da lei de 1997 votada durante o governo do presidente FHC e que entra em choque com a Constituição Brasileira.

Não deixem também de conhecer o twitter
blogpetrobras e o novo blog da Petrobras.

Agradeço a indicação deste vídeo ao meu amigo @direitodopovo.




domingo, 7 de junho de 2009

Uma outra visão sobre o discurso de Obama no Cairo

Mas... e fazemos o quê, do discurso dele?

7/6/2009
por Paul Craig Roberts*

O que fazemos, do discurso de Obama na Universidade do Cairo, no Egito?

Obama disse "Vim ao Cairo em busca de um recomeço, entre os EUA e os muçulmanos de todo o mundo; recomeço baseado em interesse mútuo e mútuo respeito."

Cairo é a capital do Egito, Estado-fantoche dos EUA, cujo governo reprime todas as aspirações dos muçulmanos egípcios e coopera com Israel no bloqueio de Gaza. Ao contrário da Universidade Islâmica de Al-Azhar, a Universidade do Cairo foi criada como universidade laica. A plateia que ouviu Obama na Universidade do Cairo foi plateia secular.

Seja como for, Obama disse palavras surpreendentes que soaram como palavras de esperança para muitos muçulmanos. Disse que o colonialismo e a Guerra Fria negaram direitos e oportunidades aos muçulmanos e resultaram em Estados muçulmanos serem tratados como fantoches, sem atenção às suas aspirações. Disso surgiram "extremistas violentos" que semearam medo e desconfiança entre os mundos ocidental e muçulmano. Falou do Corão, lembrou seu segundo nome e falou de conexões familiares com o Islam. Elogiou as contribuições do Islam para a civilização.

Também declarou sua "responsabilidade como presidente dos EUA, de lutar contra os estereótipos negativos do Islam, onde quer que apareçam.” Reconheceu a "responsabilidade que temos uns com os outros como seres humanos." Reconheceu o direito do Iran "de construir capacidade nuclear para fins pacíficos". Declarou que "nenhum sistema de governo pode ou deve ser imposto por uma nação a outra".

As palavras mais explosivas tiveram a ver com Israel e Palestina: "Os israelenses têm de reconhecer que, assim como não se pode negar o direito à existência de Israel, tampouco se pode negar o direito dos palestinos. Os EUA não aceitam a legitimidade da continuada construção de colônias israelenses."

Obama declarou que "a única solução possível para atender às aspirações dos dois lados é criarem-se dois Estados, nos quais israelenses e palestinos possam viver em paz e em segurança. Atende aos interesses de Israel e atende aos interesses dos palestinos; atende aos interesses dos EUA e atende aos interesses do mundo. Por isso me aplicarei pessoalmente para chegar a esse resultado, com a paciência que a tarefa exige. Os deveres acordados pelas duas partes no "Mapa do Caminho" são claros. Para que se faça a paz, é tempo de eles – e todos nós – fazermos o que é de nossa responsabilidade."

Para que se faça o que Obama se aplicará pessoalmente para que seja feito, Israel terá de devolver a terra roubada na Cisjordânia, derrubar o muro, aceitar o direito de retorno dos refugiados palestinos e libertar o 1,5 milhão de palestinos que vivem confinados no Ghetto de Gaza. Dado que essa é uma coleção de eventos todos altamente improváveis, a "Solução dos Dois Estados" que Obama endossa é solução que teremos de esperar para saber se algum dia acontecerá.

Depois que amainar a atenção eufórica à retórica idealista, Obama será criticado pelas palavras extravagantes que criam expectativas inalcançáveis.

Mas as palavras extravagantes terão sido alguma coisa além de um primeiro ato para engambelar os muçulmanos, para aquietar a Fraternidade Muçulmana no Egito, Estado-fantoche dos EUA, e para fazê-los engolir sem reclamar a agressão dos EUA ao Iraque, ao Afeganistão e ao Paquistão?

Obama prega mudança, mas continua a praticar o que diz que muda; invoca direitos humanos para ganhar a simpatia dos árabes seculares. Admite que o Iraque foi "guerra escolhida", mas que o 11/9 converteu o Afeganistão em guerra necessária.

Obama disse que "os eventos do 11/9" e a responsabilidade da Al Qaeda, não o desejo dos EUA de ter bases militares e de ser hegemônicos, são as razões pelas quais não diminuirá o empenho com que os EUA combatem o extremismo violento no Afeganistão.

Será que os muçulmanos não verão o quanto há de hipocrisia na defesa que Obama fez do extremismo violento dos EUA no Afeganistão e, agora, também no Paquistão?

Al Qaeda, diz Obama, "escolheu matar cruelmente" cerca de 3.000 pessoas no 11/9 "e mesmo hoje reafirma sua determinação para matar em escala massiva." Essas mortes são uma gota, no mar de sangue que as invasões norte-americanas criaram no mundo muçulmano. Mais: a esmagadora maioria dos muçulmanos que os EUA massacraram são civis, como são civis, também, os palestinos massacrados pelos israelenses que massacram com armas norte-americanas.

Contra a Al Qaeda, cujas "ações são irreconciliáveis com os direitos dos seres humanos", Obama invoca a proibição, no Corão, de matar um único inocente.

Obama não vê que as escrituras aplicam-se também aos EUA e à sua "coalizão de 46 países" em armas?

Todas as guerras dos EUA são guerras escolhidas. O mais de um milhão de mortos no Iraque não foram mortos pela Al Qaeda. Nem os quatro milhões de refugiados iraqueanos são refugiados por obra da Al Qaeda. Pois, para Obama, os iraqueanos estão em melhor situação hoje, com o país reduzido a ruínas e um quinto da população extraviada ou morta, porque se livraram de Saddam Hussein, governo secular.

Ninguém conhece o número exato dos mortos e refugiados produzidos pelos EUA no Afeganistão. Apesar disso, disse Obama, "a situação no Afeganistão comprova os objetivos dos EUA e a necessidade de trabalharmos juntos".

Nos 100 primeiros dias de governo, Obama já criou um milhão de refugiados paquistaneses. Israel precisou de 60 anos para criar 3,5 milhões de refugiados palestinos.

O que Obama realmente fez com seu discurso foi aceitar a responsabilidade por implantar a agenda dos neoconservadores, de ampliar a hegemonia ocidental mediante o extermínio dos "extremistas muçulmanos", quer dizer, muçulmanos que querem governar-se eles mesmos, seguindo o Islam como o entendem, não como alguma espécie secularizada e ocidentalizada de falso Islam.

Muçulmanos extremistas são criaturas criadas por décadas de colonização e secularização ocidentalizantes que criaram uma elite que só é muçulmana no nome, para governar povos religiosos e suprimir os saberes islâmicos. Todos os especialistas sabem disso, e a maioria deles saúda o projeto como meio para levar progresso e desenvolvimento ao mundo muçulmano.

Obama disse que "o progresso humano não pode ser negado", mas "não precisa haver contradição entre desenvolvimento e tradição.” Mas é o ocidente quem define desenvolvimento e educação. Essas palavras significam o que nelas lemos, só no ocidente. As mesmas palavras, para os muçulmanos extremistas, significam ameaça de extermínio do Islam.

De modo tipicamente norte-americano, Obama ofereceu dinheiro aos muçulmanos, "desenvolvimento tecnológico" e "centros de excelência científica".

Basta que os muçulmanos cooperem com os EUA e sejam pacíficos... e, então... os EUA respeitarão "a dignidade de todos os seres humanos".


Paul Craig Roberts* foi Secretário-assistente do Tesouro no governo Reagan.
É coautor de The Tyranny of Good Intentions. Recebe e-mails em PaulCraigRoberts@yahoo.com
Texto originalmente publicado em Counterpunch

"E enquanto Obama proclama o nascimento do século 21… o governo de Israel está voltando ao século 19."

Discurso de Obama: o tom e a música*

Por Uri Avnery
6/6/2009

Um homem falou ao mundo, e o mundo ouviu.

Subiu ao palco no Cairo, só, sem quem o recebesse e sem assessores, e pregou um sermão a uma platéia de bilhões. Egípcios e norte-americanos, israelenses e palestinos, judeus e árabes, sunitas e xiitas, coptas e maronitas – e todos o ouviram atentamente.

Desdobrou à frente de todos o mapa de um novo mundo, mundo diferente, sobre cujos valores e leis falou fala simples e clara – uma mistura de idealismo e política prática, visão e pragmatismo.

Barack Hussein Obama – como cuidou de dar-se nome, ele mesmo – é o homem de mais poder em toda a Terra. Cada palavra que diga é um fato político.

“Um discurso histórico", declararam comentadores, em uma centena de idiomas. Prefiro outro adjetivo.

O discurso foi correto.

Cada palavra em seu lugar, cada sentença, precisa; todos os tons em harmonia. A obra-prima de um homem trazendo nova mensagem ao mundo.

Desde a primeira palavra, todos os presentes na Universidade do Cairo e o resto do mundo sentiram a honestidade do homem; que coração e fala estavam em harmonia; que não é político à moda antiga – hipócrita, solene, calculista. A linguagem corporal e suas expressões faciais falavam claras.

Por isso o discurso foi tão importante. Uma nova integridade moral e um novo senso de honestidade aumentaram o impacto do conteúdo revolucionário. E não há dúvidas de que foi discurso revolucionário.

Em 55 minutos, não só varreu os oito anos de George W. Bush, mas também varreu boa parte de décadas anteriores, desde a II Guerra Mundial.

A nave norte-americana mudou de rota – não com o peso e a lentidão que se espera de um cargueiro, mas ágil como lancha a motor.

Isso implica muito mais que uma mudança política. Chega às raízes da consciência nacional norte-americana. O presidente falou a centenas de milhões de cidadãos norte-americanos, tanto quanto a um bilhão de muçulmanos.

A cultura norte-americana carrega o mito do Oeste Selvagem, com seus 'mocinhos' e seus 'bandidos', com justiça pela violência e duelos ao sol do meio-dia. Dado que a nação norte-americana é feita de imigrantes de todo o mundo, sua unidade parece sempre exigir um inimigo ameaçador que venha do mundo exterior – como os nazistas, os japoneses ou os comunistas. Depois do colapso do império soviético, o Islam assumiu o papel.

Cruel, fanático, sedento de sangue, aquele Islam; Islam como religião de morte e destruição; um Islam que quer o sangue de mulheres e crianças. Esse inimigo capturou a imaginação das massas e ofereceu material para a televisão e o cinema. Ofereceu temas para conferências e palestras de professores e letrados e inspiração renovada para autores mais populares. A Casa Branca foi ocupada por um néscio que declarou uma "Guerra ao Terror" em todo o planeta.

Agora, quando Obama destroi pela raiz esse mito, revoluciona a cultura norte-americana. Varre para o lixo o quadro do inimigo único, sem inventar outro inimigo que o substitua. Prega contra a própria atitude de adversário violento e trabalha para substituí-lo por uma cultura de parceria entre nações, civilizações e religiões.

Vejo Obama como o primeiro grande mensageiro do século 21. Filho de uma nova era, na qual a economia é global e toda a humanidade enfrenta risco de não sobreviver no planeta Terra. Uma era na qual a Internet conecta um rapaz na Nova Zelândia e uma moça na Namíbia, em tempo real; quando uma doença que surja numa vila mexicana espalha-se para todo o mundo em poucos dias.

Esse mundo exige uma lei mundial, uma ordem mundial, uma democracia mundial. Por isso o discurso foi realmente histórico: Obama traçou os contornos básicos de uma constituição mundial.

E enquanto Obama proclama o nascimento do século 21… o governo de Israel está voltando ao século 19.

O século 19 foi o século em que os nacionalismos mais estreitos, autocêntricos, agressivos, enraizaram-se em muitos países. Século que santificou a nação beligerante que oprime minorias e subjuga vizinhos. Século que fez nascer o moderno antissemitismo e a reação a ele: o moderno sionismo.

A visão de Obama não é antinacional. Ele fala com orgulho, da sua nação norte-americana. Mas o nacionalismo de Obama é de outro tipo: é nacionalismo inclusivo, multicultural e não-sexista; inclui todos os cidadãos de um país e respeita os demais países.

Esse é o nacionalismo do século 21, que inexoravelmente buscará estruturas supranacionais, regionais e mundiais.

Comparado a isso, como é miserável o mundo mental da direita israelense! Como é miserável o mundo violento, religioso-fanático dos colonizadores dos "assentamentos" – que são "colônias", não são "assentamentos" –, o ghetto chovinista de Netanyahu, Lieberman e Barak, o mundo racista-fascista fechado nele mesmo, de seus aliados Kahanistas!

É preciso entender a dimensão moral e espiritual do discurso de Obama, antes de considerar suas implicações políticas. Obama e Netanyahu estão em rota de colisão, sim, mas não só na esfera política. A colisão que está em processo é colisão entre dois mundos mentais, tão diferentes um do outro como o sol e a lua.

No mundo mental de Obama, não há lugar para a direita israelense, nem para seus equivalentes em outras partes do mundo. Nem para a terminologia da direita, nem para os "valores" da direita, nem, muito menos, para as ações da direita israelense.

Na esfera política, também, há uma ravina aberta a separar os governos de Israel e dos EUA.

Durante os últimos anos, sucessivos governos israelenses surfaram a onda da islamofobia que se espalhou pelo ocidente. O mundo islâmico foi posto como inimigo mortal, os EUA galopavam sombriamente rumo ao Choque de Civilizações; em cada muçulmano viu-se um terrorista potencial.

Os líderes da direita em Israel rejubilaram. Afinal, os palestinos são árabes; os árabes são muçulmanos; os muçulmanos são terroristas – e assim Israel garantia lugar de protagonista na guerra entre os Filhos da Luz contra os Filhos das Sombras.

Foi o Jardim do Éden dos demagogos racistas. Avigdor Lieberman pôde defender a expulsão dos árabes, de Israel; Ellie Yishai pôde propor leis para revogar a cidadania dos não-judeus. Membros obscuros do Parlamento chegaram às manchetes dos jornais, com leis que pareciam paridas em Nuremberg.

Esse Jardim do Éden acabou. As implicações disso apareçam logo, ou demorem mais para aparecer – têm direção óbvia. Se insistir no caminho em que está, Israel será convertida em colônia de leprosos.

O tom faz a música – o que se aplica também às palavras do presidente sobre Israel e Palestina. Falou longamente sobre o Holocausto – palavras sinceras e corajosas, cheias de empatia e compaixão, recebidas em silêncio pelos egípcios, mas com respeito. Destacou o direito de Israel à existência. E, sem pausa, falou sobre o sofrimento dos refugiados palestinos, a situação intolerável em que vivem os palestinos em Gaza, as aspirações dos palestinos, por um Estado deles.

Falou com respeito sobre o Hamás. Não mais uma "organização terrorista", mas parte do povo palestino. Exigiu que reconheçam Israel e parem a violência, mas também deixou claro que considerará bem-vindo um governo palestino de unidade nacional.

A mensagem política foi clara e inequívoca: a Solução dos Dois Estados tem de ser implantada. Obama pessoalmente se empenhará para que aconteça. A construção nas colônias tem de parar. Diferente dos antecessores, Obama não calou e pronunciou a palavra decisiva: "Palestina", nome de um território e de um Estado.

E não menos importante: a guerra do Iran foi excluída da agenda. O diálogo com Teeran, parte do novo mundo, não tem limite de tempo. De agora em diante, que ninguém, nem em sonho, espere algum "OK" dos EUA, para que Israel ataque o Iran.

COMO o governo de Israel respondeu? Primeiro, a reação foi de negação: "foi discurso sem importância". "Nada de novidade". Os comentaristas do establishment israelense selecionaram algumas poucas frases pró-Israel e ignoraram as demais. Afinal, "são só palavras. Ele fala. Nada acontecerá, de diferente."

Isso é nonsense. Palavras do presidente dos EUA jamais são "só palavras". São fatos políticos. Fazem mudar as percepções de centenas de milhões. O público muçulmano ouviu-as atentamente. O público norte-americano, também. É possível que a mensagem precise de algum tempo para reverberar.

Mas, depois desse discurso, o lobby pró-Israel jamais será o que foi antes do discurso. A era dos “foile shtik” (hídiche, "truques sujos") acabou. A desonestidade matreira de um Shimon Peres, o fingimento traiçoeiro de um Ehud Olmert, a conversa falsa de um Bibi Netanyahu – tudo isso é passado.

O povo de Israel, agora, tem de decidir: ou segue o governo de direita até a inevitável colisão com Washington – como os judeus fizeram há 1940 anos, quando seguiram os zelotes em guerra suicida contra Roma –, ou juntam-se à marcha de Obama rumo a um novo mundo.

* URI AVNERY, 6/6/2009, originalmente publicado em "The Tone and the Music", Gush Shalom [Grupo da Paz], Telavive.