7/6/2009
por Paul Craig Roberts*
O que fazemos, do discurso de Obama na Universidade do Cairo, no Egito?
Obama disse "Vim ao Cairo em busca de um recomeço, entre os EUA e os muçulmanos de todo o mundo; recomeço baseado em interesse mútuo e mútuo respeito."
Cairo é a capital do Egito, Estado-fantoche dos EUA, cujo governo reprime todas as aspirações dos muçulmanos egípcios e coopera com Israel no bloqueio de Gaza. Ao contrário da Universidade Islâmica de Al-Azhar, a Universidade do Cairo foi criada como universidade laica. A plateia que ouviu Obama na Universidade do Cairo foi plateia secular.
Seja como for, Obama disse palavras surpreendentes que soaram como palavras de esperança para muitos muçulmanos. Disse que o colonialismo e a Guerra Fria negaram direitos e oportunidades aos muçulmanos e resultaram em Estados muçulmanos serem tratados como fantoches, sem atenção às suas aspirações. Disso surgiram "extremistas violentos" que semearam medo e desconfiança entre os mundos ocidental e muçulmano. Falou do Corão, lembrou seu segundo nome e falou de conexões familiares com o Islam. Elogiou as contribuições do Islam para a civilização.
Também declarou sua "responsabilidade como presidente dos EUA, de lutar contra os estereótipos negativos do Islam, onde quer que apareçam.” Reconheceu a "responsabilidade que temos uns com os outros como seres humanos." Reconheceu o direito do Iran "de construir capacidade nuclear para fins pacíficos". Declarou que "nenhum sistema de governo pode ou deve ser imposto por uma nação a outra".
As palavras mais explosivas tiveram a ver com Israel e Palestina: "Os israelenses têm de reconhecer que, assim como não se pode negar o direito à existência de Israel, tampouco se pode negar o direito dos palestinos. Os EUA não aceitam a legitimidade da continuada construção de colônias israelenses."
Obama declarou que "a única solução possível para atender às aspirações dos dois lados é criarem-se dois Estados, nos quais israelenses e palestinos possam viver em paz e em segurança. Atende aos interesses de Israel e atende aos interesses dos palestinos; atende aos interesses dos EUA e atende aos interesses do mundo. Por isso me aplicarei pessoalmente para chegar a esse resultado, com a paciência que a tarefa exige. Os deveres acordados pelas duas partes no "Mapa do Caminho" são claros. Para que se faça a paz, é tempo de eles – e todos nós – fazermos o que é de nossa responsabilidade."
Para que se faça o que Obama se aplicará pessoalmente para que seja feito, Israel terá de devolver a terra roubada na Cisjordânia, derrubar o muro, aceitar o direito de retorno dos refugiados palestinos e libertar o 1,5 milhão de palestinos que vivem confinados no Ghetto de Gaza. Dado que essa é uma coleção de eventos todos altamente improváveis, a "Solução dos Dois Estados" que Obama endossa é solução que teremos de esperar para saber se algum dia acontecerá.
Depois que amainar a atenção eufórica à retórica idealista, Obama será criticado pelas palavras extravagantes que criam expectativas inalcançáveis.
Mas as palavras extravagantes terão sido alguma coisa além de um primeiro ato para engambelar os muçulmanos, para aquietar a Fraternidade Muçulmana no Egito, Estado-fantoche dos EUA, e para fazê-los engolir sem reclamar a agressão dos EUA ao Iraque, ao Afeganistão e ao Paquistão?
Obama prega mudança, mas continua a praticar o que diz que muda; invoca direitos humanos para ganhar a simpatia dos árabes seculares. Admite que o Iraque foi "guerra escolhida", mas que o 11/9 converteu o Afeganistão em guerra necessária.
Obama disse que "os eventos do 11/9" e a responsabilidade da Al Qaeda, não o desejo dos EUA de ter bases militares e de ser hegemônicos, são as razões pelas quais não diminuirá o empenho com que os EUA combatem o extremismo violento no Afeganistão.
Será que os muçulmanos não verão o quanto há de hipocrisia na defesa que Obama fez do extremismo violento dos EUA no Afeganistão e, agora, também no Paquistão?
Al Qaeda, diz Obama, "escolheu matar cruelmente" cerca de 3.000 pessoas no 11/9 "e mesmo hoje reafirma sua determinação para matar em escala massiva." Essas mortes são uma gota, no mar de sangue que as invasões norte-americanas criaram no mundo muçulmano. Mais: a esmagadora maioria dos muçulmanos que os EUA massacraram são civis, como são civis, também, os palestinos massacrados pelos israelenses que massacram com armas norte-americanas.
Contra a Al Qaeda, cujas "ações são irreconciliáveis com os direitos dos seres humanos", Obama invoca a proibição, no Corão, de matar um único inocente.
Obama não vê que as escrituras aplicam-se também aos EUA e à sua "coalizão de 46 países" em armas?
Todas as guerras dos EUA são guerras escolhidas. O mais de um milhão de mortos no Iraque não foram mortos pela Al Qaeda. Nem os quatro milhões de refugiados iraqueanos são refugiados por obra da Al Qaeda. Pois, para Obama, os iraqueanos estão em melhor situação hoje, com o país reduzido a ruínas e um quinto da população extraviada ou morta, porque se livraram de Saddam Hussein, governo secular.
Ninguém conhece o número exato dos mortos e refugiados produzidos pelos EUA no Afeganistão. Apesar disso, disse Obama, "a situação no Afeganistão comprova os objetivos dos EUA e a necessidade de trabalharmos juntos".
Nos 100 primeiros dias de governo, Obama já criou um milhão de refugiados paquistaneses. Israel precisou de 60 anos para criar 3,5 milhões de refugiados palestinos.
O que Obama realmente fez com seu discurso foi aceitar a responsabilidade por implantar a agenda dos neoconservadores, de ampliar a hegemonia ocidental mediante o extermínio dos "extremistas muçulmanos", quer dizer, muçulmanos que querem governar-se eles mesmos, seguindo o Islam como o entendem, não como alguma espécie secularizada e ocidentalizada de falso Islam.
Muçulmanos extremistas são criaturas criadas por décadas de colonização e secularização ocidentalizantes que criaram uma elite que só é muçulmana no nome, para governar povos religiosos e suprimir os saberes islâmicos. Todos os especialistas sabem disso, e a maioria deles saúda o projeto como meio para levar progresso e desenvolvimento ao mundo muçulmano.
Obama disse que "o progresso humano não pode ser negado", mas "não precisa haver contradição entre desenvolvimento e tradição.” Mas é o ocidente quem define desenvolvimento e educação. Essas palavras significam o que nelas lemos, só no ocidente. As mesmas palavras, para os muçulmanos extremistas, significam ameaça de extermínio do Islam.
De modo tipicamente norte-americano, Obama ofereceu dinheiro aos muçulmanos, "desenvolvimento tecnológico" e "centros de excelência científica".
Basta que os muçulmanos cooperem com os EUA e sejam pacíficos... e, então... os EUA respeitarão "a dignidade de todos os seres humanos".
Paul Craig Roberts* foi Secretário-assistente do Tesouro no governo Reagan.
É coautor de The Tyranny of Good Intentions. Recebe e-mails em PaulCraigRoberts@yahoo.com
Texto originalmente publicado em Counterpunch
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