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domingo, 7 de junho de 2009

"E enquanto Obama proclama o nascimento do século 21… o governo de Israel está voltando ao século 19."

Discurso de Obama: o tom e a música*

Por Uri Avnery
6/6/2009

Um homem falou ao mundo, e o mundo ouviu.

Subiu ao palco no Cairo, só, sem quem o recebesse e sem assessores, e pregou um sermão a uma platéia de bilhões. Egípcios e norte-americanos, israelenses e palestinos, judeus e árabes, sunitas e xiitas, coptas e maronitas – e todos o ouviram atentamente.

Desdobrou à frente de todos o mapa de um novo mundo, mundo diferente, sobre cujos valores e leis falou fala simples e clara – uma mistura de idealismo e política prática, visão e pragmatismo.

Barack Hussein Obama – como cuidou de dar-se nome, ele mesmo – é o homem de mais poder em toda a Terra. Cada palavra que diga é um fato político.

“Um discurso histórico", declararam comentadores, em uma centena de idiomas. Prefiro outro adjetivo.

O discurso foi correto.

Cada palavra em seu lugar, cada sentença, precisa; todos os tons em harmonia. A obra-prima de um homem trazendo nova mensagem ao mundo.

Desde a primeira palavra, todos os presentes na Universidade do Cairo e o resto do mundo sentiram a honestidade do homem; que coração e fala estavam em harmonia; que não é político à moda antiga – hipócrita, solene, calculista. A linguagem corporal e suas expressões faciais falavam claras.

Por isso o discurso foi tão importante. Uma nova integridade moral e um novo senso de honestidade aumentaram o impacto do conteúdo revolucionário. E não há dúvidas de que foi discurso revolucionário.

Em 55 minutos, não só varreu os oito anos de George W. Bush, mas também varreu boa parte de décadas anteriores, desde a II Guerra Mundial.

A nave norte-americana mudou de rota – não com o peso e a lentidão que se espera de um cargueiro, mas ágil como lancha a motor.

Isso implica muito mais que uma mudança política. Chega às raízes da consciência nacional norte-americana. O presidente falou a centenas de milhões de cidadãos norte-americanos, tanto quanto a um bilhão de muçulmanos.

A cultura norte-americana carrega o mito do Oeste Selvagem, com seus 'mocinhos' e seus 'bandidos', com justiça pela violência e duelos ao sol do meio-dia. Dado que a nação norte-americana é feita de imigrantes de todo o mundo, sua unidade parece sempre exigir um inimigo ameaçador que venha do mundo exterior – como os nazistas, os japoneses ou os comunistas. Depois do colapso do império soviético, o Islam assumiu o papel.

Cruel, fanático, sedento de sangue, aquele Islam; Islam como religião de morte e destruição; um Islam que quer o sangue de mulheres e crianças. Esse inimigo capturou a imaginação das massas e ofereceu material para a televisão e o cinema. Ofereceu temas para conferências e palestras de professores e letrados e inspiração renovada para autores mais populares. A Casa Branca foi ocupada por um néscio que declarou uma "Guerra ao Terror" em todo o planeta.

Agora, quando Obama destroi pela raiz esse mito, revoluciona a cultura norte-americana. Varre para o lixo o quadro do inimigo único, sem inventar outro inimigo que o substitua. Prega contra a própria atitude de adversário violento e trabalha para substituí-lo por uma cultura de parceria entre nações, civilizações e religiões.

Vejo Obama como o primeiro grande mensageiro do século 21. Filho de uma nova era, na qual a economia é global e toda a humanidade enfrenta risco de não sobreviver no planeta Terra. Uma era na qual a Internet conecta um rapaz na Nova Zelândia e uma moça na Namíbia, em tempo real; quando uma doença que surja numa vila mexicana espalha-se para todo o mundo em poucos dias.

Esse mundo exige uma lei mundial, uma ordem mundial, uma democracia mundial. Por isso o discurso foi realmente histórico: Obama traçou os contornos básicos de uma constituição mundial.

E enquanto Obama proclama o nascimento do século 21… o governo de Israel está voltando ao século 19.

O século 19 foi o século em que os nacionalismos mais estreitos, autocêntricos, agressivos, enraizaram-se em muitos países. Século que santificou a nação beligerante que oprime minorias e subjuga vizinhos. Século que fez nascer o moderno antissemitismo e a reação a ele: o moderno sionismo.

A visão de Obama não é antinacional. Ele fala com orgulho, da sua nação norte-americana. Mas o nacionalismo de Obama é de outro tipo: é nacionalismo inclusivo, multicultural e não-sexista; inclui todos os cidadãos de um país e respeita os demais países.

Esse é o nacionalismo do século 21, que inexoravelmente buscará estruturas supranacionais, regionais e mundiais.

Comparado a isso, como é miserável o mundo mental da direita israelense! Como é miserável o mundo violento, religioso-fanático dos colonizadores dos "assentamentos" – que são "colônias", não são "assentamentos" –, o ghetto chovinista de Netanyahu, Lieberman e Barak, o mundo racista-fascista fechado nele mesmo, de seus aliados Kahanistas!

É preciso entender a dimensão moral e espiritual do discurso de Obama, antes de considerar suas implicações políticas. Obama e Netanyahu estão em rota de colisão, sim, mas não só na esfera política. A colisão que está em processo é colisão entre dois mundos mentais, tão diferentes um do outro como o sol e a lua.

No mundo mental de Obama, não há lugar para a direita israelense, nem para seus equivalentes em outras partes do mundo. Nem para a terminologia da direita, nem para os "valores" da direita, nem, muito menos, para as ações da direita israelense.

Na esfera política, também, há uma ravina aberta a separar os governos de Israel e dos EUA.

Durante os últimos anos, sucessivos governos israelenses surfaram a onda da islamofobia que se espalhou pelo ocidente. O mundo islâmico foi posto como inimigo mortal, os EUA galopavam sombriamente rumo ao Choque de Civilizações; em cada muçulmano viu-se um terrorista potencial.

Os líderes da direita em Israel rejubilaram. Afinal, os palestinos são árabes; os árabes são muçulmanos; os muçulmanos são terroristas – e assim Israel garantia lugar de protagonista na guerra entre os Filhos da Luz contra os Filhos das Sombras.

Foi o Jardim do Éden dos demagogos racistas. Avigdor Lieberman pôde defender a expulsão dos árabes, de Israel; Ellie Yishai pôde propor leis para revogar a cidadania dos não-judeus. Membros obscuros do Parlamento chegaram às manchetes dos jornais, com leis que pareciam paridas em Nuremberg.

Esse Jardim do Éden acabou. As implicações disso apareçam logo, ou demorem mais para aparecer – têm direção óbvia. Se insistir no caminho em que está, Israel será convertida em colônia de leprosos.

O tom faz a música – o que se aplica também às palavras do presidente sobre Israel e Palestina. Falou longamente sobre o Holocausto – palavras sinceras e corajosas, cheias de empatia e compaixão, recebidas em silêncio pelos egípcios, mas com respeito. Destacou o direito de Israel à existência. E, sem pausa, falou sobre o sofrimento dos refugiados palestinos, a situação intolerável em que vivem os palestinos em Gaza, as aspirações dos palestinos, por um Estado deles.

Falou com respeito sobre o Hamás. Não mais uma "organização terrorista", mas parte do povo palestino. Exigiu que reconheçam Israel e parem a violência, mas também deixou claro que considerará bem-vindo um governo palestino de unidade nacional.

A mensagem política foi clara e inequívoca: a Solução dos Dois Estados tem de ser implantada. Obama pessoalmente se empenhará para que aconteça. A construção nas colônias tem de parar. Diferente dos antecessores, Obama não calou e pronunciou a palavra decisiva: "Palestina", nome de um território e de um Estado.

E não menos importante: a guerra do Iran foi excluída da agenda. O diálogo com Teeran, parte do novo mundo, não tem limite de tempo. De agora em diante, que ninguém, nem em sonho, espere algum "OK" dos EUA, para que Israel ataque o Iran.

COMO o governo de Israel respondeu? Primeiro, a reação foi de negação: "foi discurso sem importância". "Nada de novidade". Os comentaristas do establishment israelense selecionaram algumas poucas frases pró-Israel e ignoraram as demais. Afinal, "são só palavras. Ele fala. Nada acontecerá, de diferente."

Isso é nonsense. Palavras do presidente dos EUA jamais são "só palavras". São fatos políticos. Fazem mudar as percepções de centenas de milhões. O público muçulmano ouviu-as atentamente. O público norte-americano, também. É possível que a mensagem precise de algum tempo para reverberar.

Mas, depois desse discurso, o lobby pró-Israel jamais será o que foi antes do discurso. A era dos “foile shtik” (hídiche, "truques sujos") acabou. A desonestidade matreira de um Shimon Peres, o fingimento traiçoeiro de um Ehud Olmert, a conversa falsa de um Bibi Netanyahu – tudo isso é passado.

O povo de Israel, agora, tem de decidir: ou segue o governo de direita até a inevitável colisão com Washington – como os judeus fizeram há 1940 anos, quando seguiram os zelotes em guerra suicida contra Roma –, ou juntam-se à marcha de Obama rumo a um novo mundo.

* URI AVNERY, 6/6/2009, originalmente publicado em "The Tone and the Music", Gush Shalom [Grupo da Paz], Telavive.

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