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sábado, 29 de maio de 2010

Qual a melhor saída para o desenvolvimento da África?

De acordo com o secretário-geral da comunidade que envolve 14 países do continente, é criar condições internas deixando de depender tanto da ajuda dos países mais desenvolvidos. Uma das referências dele é o Brasil.

Obama e o fracasso da política externa dos EUA

A política sem rumo de Obama e uma superpotência evanescente

Por: Dilip Hiro*

27/5/2010

Façam a política que fizerem, todos os políticos dos quais mais se deva desconfiar do que confiar apresentam, todos, um traço comum: todos são indiferentes ao dano que causam, em muitos casos, ao mundo. George W. Bush é bom exemplo; Tony Blair, ex-primeiro-ministro britânico, outro exemplo. No que tenha a ver com política externa, vemos acontecer a mesma coisa hoje, na Casa Branca de Obama.

O padrão-Obama de governar é claro: escolha alguém, no ‘mundo exterior’, e pressione. Ameace. Diga que você fará e acontecerá se ele não se curvar aos desejos de Washington. Quando ‘o inimigo’ não se render e, pior, se responder e falar grosso, retroceda correndo, trate de supercompensar o fracasso com vitórias em alguma outra área e entre em modo ‘reparar danos’.

Em seu pouco mais de um ano de governo, Barack Obama já deu vários exemplos de como governar à sua moda. O presidente dos EUA absolutamente é incapaz de avaliar o peso das cartas de um ou outro dos adversários que escolha atormentar, nem sabe avaliar a determinação de jogar aplicadamente com as cartas que cada um tenha.

Obama tende à retirada, ao primeiro sinal de resistência; o que mostra que não é homem nem de coragem nem de convicções, dois ingredientes cuja presença ou ausência definem os políticos profissionais e os estadistas. Insistindo numa política externa sem rumo, rateando sempre que tem de enfrentar desejos diferentes dos seus, Obama, sem querer, ajuda a dar razão aos que dizem que os EUA já não são nem superpotência nem poder emergente: são poder evanescente – e que a evanescência da ex-única-superpotência é irreversível.

Dentre os que se recusaram a ceder ante a tática linha-dura das ameaças iniciais de Obama (e ante o impacto do poder dos EUA) estão hoje, não só os presidentes de China (megapotência, das grandes) e do Brasil, potência mediana, mas também os líderes israelenses, poder apenas local e visceralmente dependente de Washington para a própria sobrevivência, e até o Afeganistão, estado-cliente. Até aí, ainda sem mencionar a junta militar de Honduras, entidade desimportante, mas que enfrentou as ordens de Obama como se fosse o Politburo da ex-URSS.

Em Honduras, Obama rateou

Quando derrubaram o governo civil e eleito do presidente Manuel Zelaya em junho de 2009, os generais hondurenhos passaram a fazer jus à vergonhosa distinção de serem os primeiros autores de golpe na América Central, da era pós-Guerra Fria. Por que o golpe? O fator decisivo foi o presidente Zelaya ter optado por um Referendum (só consultivo, que nada decidiria), para que a população se manifestasse sobre alterações a serem introduzidas na Constituição. As alterações, se houvesse, seriam feitas pelo Parlamento, votadas, aprovadas ou rejeitadas.

Ao denunciar o golpe como “terrível precedente” na região, e exigir a volta ao Estado de Direito em Honduras, o presidente Obama começou por dizer e repetir que “não queremos voltar àqueles dias negros do passado. Somos e estamos do lado da democracia.”

Para dar peso às palavras, Obama precisaria ter retirado seu embaixador de Tegucigalpa (como fizeram Bolívia, Brasil, Cuba, Equador, Nicarágua e Venezuela) e suspenso imediatamente a ajuda dos EUA, da qual Honduras depende. Nada disso. Em vez dessas atitudes, o que se viu foi a secretária de Estado Hillary Clinton, que declarou que o governo Obama não classificaria formalmente o golpe como golpe… “por hora” – e mesmo depois de a ONU, a OEA e a União Europeia já o terem feito.

Dado que os EUA recuaram, os generais golpistas encheram-se de coragem. Com eles, encorajaram-se também os seus apoiadores no Congresso. O governo imposto de Roberto Micheletti, testa-de-ferro dos militares golpistas contratou uma renomada empresa de “Relações Públicas” em Washington, e puseram-se a trabalhar.

Bastou isso, para enfraquecer toda a “decisão” democrática do presidente dos EUA, homem de belos discursos, mas sem qualquer convicção política no que tenha a ver com política exterior. Foi quando a secretária de Estado Clinton pos-se a tagarelar sobre reconciliar o presidente deposto e o governo golpista de Micheletti, tratando-os ambos os grupos, um governo legítimo e um governo ilegítimo, como se fossem irmãos gêmeos.

Os generais hondurenhos logo viram que a tática de fingir que Washington não pia estava dando bons resultados; e empinaram o peito. Só quando Clinton disse e repetiu que o Departamento de Estado não reconheceria o resultado da eleição presidencial de novembro, porque haveria dúvidas quanto à transparência e lisura das eleições, os generais aceitaram conversar, um mês antes das eleições. Concordariam com a volta de Zelaya ao palácio, para levar o mandato até o término.

Foi quando o senador Republicano linha-dura de direita Jim DeMint, fanático apoiador dos generais hondurenhos, entrou em ação. O governo Obama só receberia aprovação para seus indicados para postos-chave na América Latina, se a secretária Clinton reconhecesse o resultado das eleições, e pouco importava o que fosse feito de Zelaya. Clinton capitulou.

Como resultado, Obama passou a ser o segundo presidente – o outro foi o presidente do Panamá – dos 34 países-membros da OEA, a apoiar a nova “eleição” presidencial em Honduras. O que talvez pareça negociação rotineira na política doméstica do Capitólio foi vista na comunidade internacional que interessa como humilhante retirada do governo Obama, ao ser desafiado por um punhado de generais hondurenhos. Vários políticos e grupos políticos, é claro, tomaram nota.

Retirada ainda mais dramática, seria imposta a Obama, quando trançou chifres com o primeiro ministro de Israel Benjamin Netanyahu.

O esperto Netanyahu levou a melhor

Ao assumir Obama, a Casa Branca anunciou com muita fanfarra que começaria imediatamente a cuidar da difícil questão Israel-palestinos. Examinando então o ‘Mapa do Caminho’ de 2003, de uma paz apoiada pela ONU, por EUA, Rússia e União Europeia, descobriram que Israel, um dia, prometera cessar completamente a construção nas colônias exclusivas para judeus, eufemisticamente chamadas pela Casa Branca e sua mídia, de “assentamentos”.

Na primeira reunião com Netanyahu em meados de maio de 2009, Obama exigiu a suspensão imediata de qualquer construção nas colônias na Cisjordânia e na parte ocupada de Jerusalém Leste, onde já vivem cerca de meio milhão de judeus. Disse que ali estaria o principal obstáculo ao estabelecimento de um Estado palestino independente. Netanyahu rugiu – e jogou a carta iraniana: que o programa nuclear iraniano seria ameaça existencial a Israel.

Obama caiu como patinho na armadilha de Netanhyahu. Em conferência conjunta de imprensa, Obama aproximou as duas questões: as conversações de paz entre israelenses e palestinos e a ameaça que o Irã representaria para a sobrevivência de Israel. Em seguida, para deleite de Netanyahu, Obama deu prazo – “até o final do ano” – a Teerã, para responder aos seus acenos diplomáticos. Assim, o astuto primeiro-ministro de Israel levou o presidente dos EUA a apertar o nó que, dali em diante, manteria atadas uma à outra as duas questões, as quais antes, sempre existiram desconectadas uma da outra. E Netanhyahu sequer precisou oferecer alguma coisa em troca do serviço que Obama prestou-lhe.

Depois, Netanyahu introduziria nova diferença entre a expansão das colônias exclusivas para judeus já existentes e a construção de novas colônias; e a nada se comprometeu, em relação às já existentes. Ainda mais, separou completamente a Cisjordânia e Jerusalém Leste, a qual, como jamais parou de repetir, seria parte integral e inseparável e “capital eterna de Israel” e, portanto, não sujeita a qualquer restrição que se definisse sobre construção nas novas (e também nas velhas) colônias exclusivas para judeus.

No mesmo estilo cenográfico de todo o governo Obama, Clinton respondeu com o que parecia ser firmeza: “Não haverá exceções no congelamento dos assentamentos”. Logo depois, se viu que não passavam de palavras ocas, que nada mudaram na questão real.

Quando Netanyahu rejeitou publicamente as exigências de Obama, de que pusesse fim a construções nas colônias na Cisjordânia, Obama subiu o cacife: sugeriu que a intransigência dos israelenses aumentaria os riscos para a segurança dos EUA.

Dia 15/10, depois de muito vai-e-vem de coxias entre os dois governos, Netanyahu anunciou que dera por encerrada a discussão com Washington sobre “os assentamentos”. Em seguida, em reunião posterior com Clinton, disse que reduziria algumas construções em algumas colônias. A jogada valeu-lhe agradecimentos efusivos da secretária Clinton, que apresentou o gesto como “concessão sem precedentes”, sinal evidente de que, sim, sim, seria possível retomar sem condições as conversações de paz entre palestinos e israelenses.

Os palestinos enfureceram-se com os EUA virarem-lhe tão acintosamente as costas. “Supus que os EUA fossem contrários à expansão das colônias ilegais”, disse um furioso porta-voz do governo palestino, Ghassan Khatib. “Precisamos de negociações para acabar com a ocupação, não de novas colônias para aprofundar a ocupação.”

Em dezembro, Netanyahu aceitou uma moratória de dez meses na construção nas colônias, mas só depois de o Estado ter autorizado a construção de mais 3.000 apartamentos na Cisjordânia ocupada. Firmes na posição assumida, os palestinos rejeitaram qualquer simulacro de conversações de paz, até que a construção de novos prédios nas colônias exclusivas para judeus venha a ser realmente paralisada.

Dia 9/3/2010, exatamente quando o vice-presidente Joe Biden chegava a Jerusalém, como parte da campanha de Washington para iniciar o “processo de paz”, as autoridades do governo de Israel divulgaram a aprovação para que se construam mais 1.600 novas casas exclusivas para judeus em Jerusalém Leste. Movimento violento e arrogante, aprofundou o desafio à autoridade de Obama e enfureceu Biden (além de Obama).

Com sua proposta de reforma da Saúde em disputa por aprovação na Câmara de Deputados, dia 24 de março, quando recebeu Netanyahu em Washington, Obama estava numa roda viva. Ao que se sabe, apresentou três condições para dar por encerrada a crise com Biden: estender o congelamento de novas construções nas colônias, para até depois de setembro de 2010; fim de qualquer novo projeto de construção em colônias em Jerusalém Leste; e retirada dos soldados de Israel para trás das linhas existentes antes da Segunda Intifada. E Obama deixou Netanyahu em reunião com assessores na Casa Branca, para só voltarem a reunir-se quando “houver alguma novidade”. Mais uma vez, como no caso dos golpistas de Honduras, a fala de Obama não passou disso: fala.

O objetivo de toda essa atividade foi conseguir que os palestinos voltassem à mesa das conversações de paz com Israel, conversações muito justificadamente suspensas pelos palestinos quando Israel atacou a Faixa de Gaza em dezembro de 2008. Netanyahu aceitaria novas conversações, desde que “sem qualquer precondição” imposta pelos palestinos.

Ao final, Netanyahu obteve praticamente tudo que queria: nem teve de aceitar precondições do governo Obama, nem teve de aceitar precondições dos palestinos. Em resumo, Obama curvou-se aos desejos de Netanyahu. O cachorro sacudiu o rabo.

Os infelizes representantes da Autoridade Palestina entenderam a mensagem. Depois de alguns protestos apenas rituais, aceitaram participar de “conversações indiretas” com o governo Netanyahu, com George Mitchell, enviado de Washington ao Oriente Médio, levando as conversas de um lado ao outro. ‘Isso’, chamado “conversações indiretas”, começou dia 9/5/2010. Ao longo dos próximos quatro meses, a dura missão de Mitchell será tentar diminuir as diferenças (cada dia maiores) entre o que Israel e os palestinos entendem por “Estado palestino” – sendo que, agora, os dois lados sabem que o governo Obama meterá o rabo entre as pernas e não pressionará Israel, aconteça o que acontecer.

Escaramuças com a China e, de repente, aquecimento

Os problemas de Obama com a República Popular da China começaram em novembro de 2009 quando, para grande desapontamento de Obama, o governo chinês não lhe deu tratamento de Alteza Real em sua primeira visita à China.

As relações Washington-Pequim esfriaram ainda mais quando o governo Obama autorizou venda no valor de 6,4 bilhões de dólares de armamento avançado a Taiwan, inclusive mísseis antimísseis, e Obama recebeu o Dalai Lama, líder espiritual do Tibete, na Casa Branca (embora num salão secundário). A República Popular da China considera Taiwan província separatista e o Tibete como parte da República chinesa, o que faz do Dalai Lama chefe de grupo separatista, aos olhos de Pequim.

Altos funcionários dos EUA qualificaram seus movimentos como “um troco” que Obama estaria dando à China, a qual estaria apostando mais alto do que podia. Com esses movimentos, prosseguiu, incansável, a pressão para que Pequim valorizasse sua moeda, o yuan. O governo de Obama serviu-se de uma lei que exige que o Departamento do Tesouro notifique, duas vezes ao ano, casos de país que manipule a taxa de câmbio entre sua moeda e o dólar americano em busca de ganhos extra no comércio internacional. A data para o próximo relatório desse tipo – antessala para possíveis sanções –, 15 de abril, foi repetida ad nauseam por funcionários do Tesouro e do governo dos EUA.

Em meados de abril, Obama estava preparando um encontro sobre segurança nuclear internacional em Washington. Queria reunir o maior número possível de presidentes. No mínimo, queria reunir os líderes dos quatro países nucleares com poder de veto no Conselho de Segurança – Grã-Bretanha, França, Rússia e China.

Era o que esperava o presidente chinês Hu Jintao, sobre cuja cabeça pendia a espada obamiana, que ameaçava denunciar a China pelo crime de manipular a moeda contra o dólar. Hu declarou que não compareceria à reunião ‘nuclear’ de Obama. Obama piscou. Adiou a data para divulgação do parecer do Departamento do Tesouro, sine die. Em troca, Hu viajou a Washington e encontrou-se com Obama no Salão Oval, na Casa Branca.

Pequim – o coletivo de dirigentes muito realistas e muito experientes – não foi surpreendida por tensões montantes entre China e EUA. A atitude deles apareceu manifesta em editorial do China Daily, pouco depois da posse de Obama. “Os líderes dos EUA jamais se mostraram contidos, ao falar das suas ambições nacionais”, lia-se lá. “Para eles, está-lhes garantida a glória por direito divino, independente do que pensem os demais países.” E o editorial previa que “Obama, que defenderá os interesses dos EUA, acabará inevitavelmente em confronto com os interesses dos demais países.” Exatamente o que se vê acontecer hoje, repetidas vezes.

Esse realismo contrasta vivamente com o estado de espírito da Casa Branca, onde se crê, simploriamente, que alguns poucos discursos enunciados em capitais por todo o mundo, por um eloquente novo presidente, bastariam para restaurar o prestígio dos EUA que as políticas de George W. Bush deixou em ruínas. O que o presidente e sua entourage parecem não ver, contudo, apareceu em pesquisa do importante Pew Research Center. Mostrava-se ali que, depois da campanha pública da diplomacia de Obama, enquanto a imagem dos EUA realmente melhorara consideravelmente na Europa, México e Brasil, a melhora foi menos significativa na Índia e na China; foi apenas marginal no Oriente Médio árabe; e igual a zero na Rússia, Paquistão e Turquia .

Paralisado num modo autocongratulatório, a equipe de Obama não deu atenção à ampla gama de opções de jogo que ainda há em mãos de outras potências, para retaliar contra a pressão dos EUA. Por exemplo, não previram que Pequim ameaça impor sanções contra grandes empresas norte-americanas fornecedoras de armas a Taiwan; tampouco previram a dura resistência da República Popular da China, que não considerou, até agora, sequer a possibilidade de desvalorizar o yuan.

Há quem atribua o comportamento dos chineses a um crescente nacionalismo e ao medo, nos líderes, de que, se cederem a pressão de “estrangeiros”, abalarão a própria imagem “interna”. Mas a verdadeira razão pela qual os chineses resistem tem mais a ver com as durezas da economia, do que com qualquer preocupação com emoções populares. Nos dias iniciais da Grande Recessão de 2008-09, simbolizada pelo colapso do gigantesco banco de investimentos Lehman Brothers, a China logo farejou movimentos tectônicos em andamento no próprio equilíbrio do poder econômico internacional – com desgaste importante à, até então, “única superpotência”.

Enquanto se contraíam as economias de EUA e Europa, Pequim rapidamente adotou políticas que visavam a estimular a demanda interna e os investimentos em infraestrutura. Daí nasceu crescimento impressionante: 9% no PIB em 2009, com 12% já previstos para 2010. Com isso, até os analistas do Goldman Sachs já preveem que a China será a primeira potência econômica mundial, já a partir de 2050.

Pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, não são os EUA que arrancam o resto do mundo das garras do crescimento negativo: é a China. Os EUA emergiram da carnificina financeira como a nação mais endividada do planeta, sendo a China o principal credor, com impressionantes – e sem precedentes – reservas de $2,4 trilhões em moeda estrangeira.

Suas ricas corporações endinheiradas estão comprando empresas e recursos naturais futuros da Austrália ao Peru, do Canadá ao Afeganistão onde, ano passado, o Congjiang Copper (cobre) Group, corporação chinesa, ofereceu $3,4 bilhões – um bilhão de dólares a mais que a mais alta proposta das metalúrgicas ocidentais – para assegurar-se o direito de minerar cobre de um dos mais ricos depósitos do planeta.

Karzai, o Perigo, torna-se Karzai, o Indispensável

Ao assumir a presidência, Obama não fez segredo do desagrado que lhe inspirava o presidente afegão, Hamid Karzai. Para dispensar-se de enfrentar a viciosa corrupção que contamina todo o governo afegão, altos funcionários e militares dos EUA inventaram a ideia de negociar diretamente com os governadores das províncias e distritos afegãos. Na eleição presidencial de agosto de 2009, escolheram apoiar Abdullah Abdullah, principal e importante adversário de Karzai, como todos sabiam.

Quando Karzai manipulou pesadamente as eleições para garantir a reeleição, e fez-se de surdo aos clamores de Washington para que ‘limpasse’ o governo, Obama decidiu servir-se do porrete para disciplinar mais esse regime-cliente. Em gesto dramático, embarcou para viagem de 26 horas – de Washington a Cabul –, no último fim-de-semana de março, para dar lições pessoais a Karzai sobre sua (de Karzai) incompetência para governar e combater a corrupção. Karzai, sem alternativas, deixou que Obama falasse e nada disse.

Quando, porém, Karzai soube, pelos jornais, que um militar norte-americano não identificado havia sugerido que seu meio irmão mais jovem, Ahmed Wali, principal representante do governo Karzai na província de Candahar, no sul, deveria ter seu nome incluído na lista do Pentágono de barões da droga a serem assassinados ou presos, a paciência de Karzai esgotou-se, de vez.

O presidente afegão indignado respondeu com declarações de que os EUA obravam deliberadamente para intensificar e aprofundar a guerra no Afeganistão, para conseguir permanecer na região; não para pacificá-la, mas para controlá-la. Disse também que, se Washington insistisse nessa tática suja, aliar-se-ia aos Talibã. (Karzai, de fato, foi importante arrecadador de fundos para financiar os Talibã, depois que capturaram Cabul, em setembro de 1996.)

Obama reagiu como sempre, em iguais circunstâncias: se desafiado, retrocede. De porreteador maluco, transformou-se instantaneamente em distribuidor de cenouras durante a visita de Karzai a Washington no início de maio (a qual, em março, a equipe de Obama ameaçava adiar indefinidamente).

O ponto alto do movimento de bajular Karzai – digno de ser incluído em versão contemporânea de Alice no País das Maravilhas – foi um jantar oferecido a ele pelo vice-presidente Joe Biden, em sua mansão. Karzai, além de sentir-se vingado, deve ter rido muito. Em fevereiro, Biden protagonizara movimento de ofensa operística, ao levantar-se e sair de jantar com Karzai no palácio presidencial, depois de Karzai ter desmentido que seu governo fosse corrupto e dito que, mesmo que houvesse corrupção, o grande corruptor jamais foram nem ele nem sua família.

Apesar do tratamento “tapete vermelho”, e das táticas de “ofensiva de charme” e “poder soft”, Karzai foi cristalmente objetivo e claro na entrevista coletiva; ao lado de Obama, declarou que “o Irã é nação amiga do Afeganistão, nossa nação-irmã”.

Sentimentos semelhantes foram pouco depois expressos também por outro presidente – no Brasil.

O presidente Lula do Brasil e Obama

Desde que assumiu a presidência no Brasil, em 2003, Luiz Inacio Lula da Silva, sempre que necessário, trilhou caminho diferente do prescrito por Washington. Na Rodada de Doha, a questão foi o comércio mundial. E o mesmo se tem visto nas questões de aquecimento global e das sanções contra Cuba.

Em dezembro de 2008, o presidente do Brasil presidiu reunião de 31 países latino-americanos e do Caribe, excluídos os EUA, num centro turístico em território brasileiro, Sauípe. Mês seguinte, em vez de ir ao Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça, da Silva compareceu ao 8º Fórum Social Mundial em Belém, cidade à beira do rio Amazonas.

Criticou o modo como Obama desconsiderara a via democrática em Honduras e, apesar do desagrado manifesto do governo Obama e da oposição no Brasil, convidou o presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad a visitar Brasília em novembro de 2009 para conversações sobre o programa nuclear iraniano – primeiro movimento importante da diplomacia brasileira sob seu governo. (Uma semana adiante, da Silva recebera calorosamente o presidente Shimon Peres de Israel, em Brasília.) Seis semanas depois, da Silva estava em Teerã – e fez história, para desconsolo patético de Washington.

Atuando em conjunto com o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan, da Silva reviveu uma proposta de acordo nuclear de outubro de 2009 e, contra todas as expectativas, conseguiu definir um acordo nuclear com Ahmadinejad.

Surpreendido, de fato aturdido, com o sucesso de Brasil e Turquia, e com a pouca importância que haviam dado à ‘desaprovação’ de Washington, o governo Obama desconsiderou toda a própria política até ali e passou a exigir que o Irã cancelasse seu programa de enriquecimento de combustível nuclear. E pôs-se freneticamente a tentar impor ao Conselho de Segurança da ONU uma resolução para mais sanções contra o Irã, como se o acordo costurado por Brasil e Turquia não existisse.

A dificuldade para ver a realidade é miopia, para dizer o mínimo. A incapacidade para avaliar, do presidente dos EUA e de sua secretária de Estado, ignora todos os movimentos relevantes que agitam o mundo (real), hoje. A influência das potências ‘medianas’ no cenário mundial está aumentando. Todos os governos, no mundo, sentem – com razão – que não precisam render-se ‘preventivamente’ às exigências de Washington. Nada mais estimulante, hoje, do que esse movimento.

Esse é o caminho pelo qual essas potências ‘medianas’ (ditas “emergentes”, mas, de fato, já plenamente “emergidas”), começam a conseguir reunir-se e atuar nas questões internacionais, tomando iniciativas diplomáticas com boa chance de serem bem-sucedidas.

Hoje, em todo o mundo, do Afeganistão a Honduras, do Brasil à China, líderes globais, dos maiores aos menores, pressentem que o governo Obama mais late que morde. É evidência de que, por mais que os EUA ainda sejam potência mundial, já não são nem a única nem a determinante. Esse desgraçado “século dos EUA” está irreversivelmente a caminho do fim.

* Dilip Hiro

Fonte do artigo original, em inglês: Tom Dispatch

Tradução: Caia Fittipaldi



quinta-feira, 27 de maio de 2010

Beto Almeida: João Cândido, petróleo, racismo e emprego


Por: Beto Almeida (*)
07/05/2010

A Transpetro lançou ao mar o navio petroleiro João Cândido. Batizado com o nome de um dos nossos heróis, marinheiro negro, filho de escravos e líder da Revolta da Chibata, o navio tem 247 metros de comprimento, casco duplo que previne acidente e vários significados históricos. Primeiro, leva a industrialização para Pernambuco, contribuindo para reduzir as desigualdades regionais. Em segundo lugar, dá um cala-boca para quem insinuou de forma maldosa que o PAC era apenas virtual. Em terceiro, prova que está em curso a remontagem da indústria naval brasileira criminosamente destruída na era da privataria. Como um simbolismo adicional, um total de 120 operários dekasseguis foram trazidos do Japão, com suas famílias, para juntarem-se aos operários nordestinos que construíram o navio. Os primeiros não precisam mais morar longe da pátria; os outros, saem do canavial para a indústria e não precisam mais pegar o pau-de-arara, nem entoar com amargura a Triste Partida, de Patativa do Assaré, como um certo pernambucano teve que fazer na década de 50. Até que virou presidente.

Mulheres trabalhando como chefes de equipe de soldagem no Estaleiro Atlântico Sul, no município de Ipojuca, em Pernambuco, pronunciavam frases orgulhosas lembrando que não sabiam nem que esta também poderia ser uma tarefa feminina. O ex-pescador de caranguejo contava em depoimento agreste que antes do estaleiro não sabia direito como ganhar o sustento da família a cada dia que acordava. O ex-canavieiro, agora operário, destaca que não depende mais temporalidade insegura da colheita da cana e quando acorda já tem para onde ir, quando antes vivia a insegurança. Estes alguns dos vários depoimentos colhidos na inauguração do navio petroleiro João Cândido ao ser lançado ao mar pernambucano. Deixa em terra um rastro de transformação.

Inicialmente, na vida destas pessoas antes lançadas ao deus-dará de uma economia nordestina reprimida, desindustrializada. A transformação atinge os municípios mais próximos, pois no local onde foi construído o estaleiro, uma antiga moradora, Mônica Roberta de França, negra de 24 anos, que foi escolhida para ser a madrinha do navio, dizia que ali era um imenso areal, não tinha nada. Agora tem uma indústria e uma escola técnica para os jovens da região. E que só agora ela tem seu primeiro emprego na vida com carteira assinada.

Desculpas à Nação
Para o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, o lançamento do João Cândido ao mar tem o mesmo alcance histórico do gesto de Getúlio Vargas quando deu forte impulso à nacionalização da indústria naval brasileira, na década de 30, por meio da empresa de navegação estatal. “Aqueles que destruíram a indústria naval tem que assumir sua responsabilidade e pedir desculpas à Nação”, disse Campos na solenidade que teve a participação de 5 mil pessoas aproximadamente, sobretudo dos operários.

O Navio João Cândido abre uma nova rota para a economia brasileira. Incialmente, porque a Petrobrás já não será obrigada a desembolsar cerca de 2,5 bilhões de reais por ano com o afretamento de navios estrangeiros. Há, portanto, um revigoramento do papel do estado na medida em que a reconstrução da indústria naval brasileira é resultado direto de encomendas da nossa empresa estatal petroleira. O que também permite avaliar a gravidade e o caráter antinacional das decisões que levaram um país com a enorme costa que possui, tendo montado uma economia naval de peso internacional respeitável, retroceder em um setor tão estratégico.

E isso quando nossa economia petroleira, há anos, já dava sinais de expansão, mesmo quando estavam no poder os que promoveram o espantoso sucateamento, a desnacionalização e a abertura da navegação em favor dos países que querem impedir nosso desenvolvimento. Este tema, certamente, não poderá faltar nos debates da campanha presidencial deste ano.

Almirante negro
A escolha do nome João Cândido também foi destacada na solenidade por meio do novo ministro da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, Eloy Moreira. Vale registrar que há pouco mais de um ano Lula participou de homenagem ao Almirante Negro inaugurando sua estátua na Praça XV, no Rio, que estava há anos guardada, supostamente porque não teria havido grande empenho da Marinha na realização desta solenidade. Pois bem, agora João Cândido não está apenas nas “pedras pisadas do cais”, com diz a maravilhosa canção de Bosco e Blanc. Está na estátua e está cruzando mares levando para o mundo afora o nome de um de nossos heróis.

Navegar é possível
O novo petroleiro estatal, portanto, é uma prova real de que sim “navegar é possível”, como dizia uma faixa no ato. Navegar na rota inversa daquela que promoveu o desmantelamento da nossa indústria naval. Navegar na rota da revitalização e qualificação do papel protagonista do estado. Recuperar um curso que havia sido fundado lá durante a Era Vargas onde se combinava industrialização e nacionalização com geração de empregos e direitos trabalhistas. Se no período neoliberal foi proclamada a idéia de destruir a “Era Vargas”, agora, está não apenas proclamada, mas já colocada em marcha, a necessidade de reconstruir a partir dos escombros da ruína das privatizações - entulho neoliberal - tendo no dorso no navio-gigante o nome heróico do líder da Revolta da Chibata. Sem revanchismo, o episódio permite lembrar outra canção: “É a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”

(*) Presidente da TV Cidade Livre de Brasília

fonte: Carta Maior

sábado, 22 de maio de 2010

Israel está apagando os palestinos do mapa

Se Israel apóia a solução dos dois estados, pode começar pelo redesenho dos mapas oficiais que ignoram as fronteiras internacionalmente reconhecidas e a maioria das cidades palestinas. Uma olhada no mais recente material de divulgação do Ministério de Turismo de Israel dá uma resposta forte. O material do governo em 2009 elimina qualquer presença palestina. O ministro do Turismo, Stas Misezhnikov, é um quadro da direita radical do partido Yisrael Beiteinu, liderado pelo ministro de relações exteriores Avigdor Leiberman. O ministério apagou completamente a Cisjordânia e as áreas palestinas de seus materiais de divulgação. O artigo é de Daoud Kuttab.

Agora que as negociações entre israelenses e palestinos recomeçam, os palestinos estão determinados a começar enfrentando a questão das fronteiras, antes de recuar para discutir o estabelecimento sobre um estado palestino. Uma vez alcançado um acordo sobre as fronteiras, tudo leva a crer que ficará mais claro quem tem o direito de decidir se a construção dos assentamentos continua ou não.

Naturalmente, toda essa conversa tem um ponto central. Enquanto fronteiras exatas forem objeto de negociação, fica difícil começar a conversar, à medida que um dos lados insiste em antecipar uma solução fixa. E, pior, a maioria dos mapas mais recentes publicados unilateralmente pelo governo anexa a Palestina a Israel enquanto ignora a existência de várias comunidades palestinas.

É muito difícil aceitar o argumento de Israel, de que se trata de uma questão meramente simbólica. Símbolos importam e, no impedimento da realização de um estado palestino, Israel tem lhes dado plena atenção.

Durante anos foram os palestinos que se confrontaram com suas próprias questões simbólicas, seja no estatuto da Autoridade Nacional Palestina ou nos mapas dos livros escolares palestinos. Israel e seus propagandistas usam os mapas palestinos para questionar o reconhecimento palestino de Israel. Os palestinos são questionados por que em alguns mapas palestinos falta a demarcação da Cisjordânia e por que cidades israelenses como Tel Aviv desapareceram desses mapas enquanto a vizinha Jaffa é mencionada.

No passado, os palestinos respondiam frequentemente com o questionamento das fronteiras de Israel. Elas incluiriam ou não Jerusalém? Os israelenses de fato aceitam o estado palestino vizinho ao mesmo tempo em que exigem o reconhecimento pelos palestinos do estado de Israel?

Ainda assim, a despeito da retórica, eles silenciosamente mudaram bastante e seguiram os conselhos de seus amigos internacionais de fazer mudanças nos mapas e em especial nos livros escolares.

Desde 1994 a Autoridade Nacional Palestina revisou os antigos textos didáticos, levando Nathan Brown, professor de Ciência Política na George Washington University a publicar um autêntico estudo livrando a Autoridade Palestina das acusações de que representava a geografia regional de maneira errada.

“Os novos livros contam a história de um ponto de vista palestino, mas não visam a apagar Israel, deslegitimá-lo ou substituí-lo por um 'estado Palestino'”, escreveu Brown.

“Cada livro contém um prólogo descrevendo a Cisjordânia e Gaza como 'duas partes da terra natal'; os mapas mostram algum embaraço mas às vezes indicam a linha de 1967 e algumas outras medidas que permitem indicar fronteiras; a esse respeito eles realmente estão mais avançados do que os mapas israelenses. Os livros evitam tratar Israel detalhadamente mas de fato o mencionam pelo seu nome”.

A despeito dessas mudanças, a questão continua a assombrar os palestinos internacionalmente. De acordo com Brown, quase todas as acusações recentes estão vinculadas a uma única organização, o Centro de Monitoramento do Impacto da Paz, uma ONG pró-israelense. O grupo, diz Brown, se fundamenta “na desinformação e nos relatórios tendenciosos que apóiam seus chamados de incitação”. Há alguns anos o Congresso dos Estados Unidos também fez um estudo e chegou a uma conclusão similar.

Essas investigações conclusivas deveriam pôr um fim às acusações, mas poucos têm questionado o óbvio. Qual a posição israelense sobre os palestinos e como os mapas israelenses demarcam o território palestino?

Uma olhada no mais recente material de divulgação do ministério do turismo israelense dá uma resposta forte. O material do governo em 2009 elimina qualquer presença palestina.

O ministro do turismo, Stas Misezhnikov, é um quadro da direita radical do partido Yisrael Beiteinu, liderado pelo ministro de relações exteriores Avigdor Leiberman. Sob essa liderança extremista, o ministério apagou completamente a Cisjordânia e as áreas palestinas de seus materiais de divulgação. A região dos palestinos é retratada sem quaisquer fronteiras ou demarcações. Todos os mapas usados na campanha publicitária (disponível online em http://www.goisrael.com) omitem as áreas e as cidades palestinas.

Agora que as negociações começam, será que chegou o momento de Israel substituir a conversa vazia pela ação? E será que chegou a hora de a comunidade internacional fazer a simples exigência de que Israel pare de ignorar os palestinos e a Palestina, ao menos nos seus mapas oficiais?

Daoud Kuttab é um jornalista palestino premiado e ex-professor da cátedra Ferris de Jornalismo na Universidade Princeton. Ele vive entre Jerusalém e Aman.

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: Carta Maior

segunda-feira, 17 de maio de 2010

O significado do 13 de maio

Por: Ricardo Barros Sayeg*

O dia 13 de maio de 1888 marcou oficialmente o fim da escravidão no Brasil, através de uma lei assinada pela Princesa Isabel, durante uma viagem de Dom Pedro II ao exterior. Naquela oportunidade houve uma série de comemorações, principalmente no Rio de Janeiro, capital do Império. Vários ex-escravos saíram às ruas comemorando o feito. É verdade que em várias regiões do país o trabalho escravo persistiu e só foi abolido no início do século XX. Ainda nos dias de hoje, volta e meia a imprensa nos dá informações sobre a existência do trabalho escravo em várias regiões do país.

O movimento negro, então, resolveu abolir essa data e comemorar a negritude no dia 20 de novembro, denominado Dia da Consciência Negra. Razão mais que justa, pois, de fato, o 13 de maio foi uma data que ocorreu de “cima para baixo”, sem a participação dos principais interessados no tema, apesar de haver no Brasil um movimento abolicionista bem forte naquele período, principalmente nas cidades mais importantes do sudeste do país.

O Dia da Consciência Negra não existe por acaso. Em 20 de novembro de 1695, Zumbi, principal liderança do Quilombo dos Palmares – a maior comunidade formada por escravos fugitivos das fazendas no interior de Alagoas – foi morto em uma emboscada na Serra Dois Irmãos, em Pernambuco, após liderar uma resistência que resultou no início da destruição daquela comunidade. Portanto, comemorar o Dia da Consciência Negra nessa data é uma forma de homenagear e manter viva na memória coletiva essa figura tão importante para a história do Brasil e para o povo negro em especial. Não somente a imagem do líder, mas também a sua importância na luta pela libertação da escravidão e na melhoria das condições de vida para esse povo.

Entretanto o 13 de maio de 1888 também tem seu significado. Liberal, a Princesa Isabel apoiava abertamente o movimento abolicionista. Ela chegou a amparar artistas e intelectuais que atuavam em favor do movimento da abolição da escravidão no Brasil. Muitos desses artistas e intelectuais apoiavam também a criação do sistema republicano no Brasil. Ela chegou a financiar a alforria de alguns escravos e dava guarida a muitos deles na sua casa em Petrópolis.

Joaquim Nabuco, um dos grandes políticos do Império, afirmava que a escravidão no Brasil era "a causa de todos os vícios políticos e fraquezas sociais; um obstáculo invencível ao seu progresso; a ruína das suas finanças, a esterilização do seu território; a inutilização para o trabalho de milhões de braços livres; a manutenção do povo em estado de absoluta e servil dependência para com os poucos proprietários de homens que repartem entre si o solo produtivo".

No dia 13 de maio de 1888 aconteceram as últimas votações de um projeto de abolição da escravidão no nosso país. A regente então, desceu de Petrópolis, cidade serrana, para aguardar no Paço Imperial o momento de assinar a Lei Áurea. Usou uma pena de ouro especialmente confeccionada para a ocasião, recebendo a aclamação do povo do Rio de Janeiro. O Jornal da Tarde, do dia 15 de maio de 1888, noticiou que "o povo que se aglomerava em frente do Paço, ao saber que já estava sancionada a grande Lei, chamou Sua Alteza, que aparecendo à janela, foi saudada por estrepitosos vivas."

É bem verdade que a Abolição da escravidão representou também a queda da monarquia no Brasil. Em 15 de novembro de 1889, o Império sucumbia, principalmente pela falta de apoio político daqueles que até então eram os únicos a sustentarem politicamente o Império: os grandes produtores rurais donos de escravos.

O 13 de maio, entretanto, não deve ser esquecido. Ele tem um lugar de enorme importância na história desse país e do povo brasileiro.

*Ricardo Barros Sayeg é Mestre em Educação, Bacharel em História e Pedagogia pela Universidade de São Paulo e Professor de História do Colégio Paulista.

"A Construção da Igualdade -- História da Resistência Negra no Brasil"

"A Construção da Igualdade -- História da Resistência Negra no Brasil": o vídeo contribui na aplicação da Lei nº 10.639, que torna obrigatória a inclusão, no currículo das escolas, o estudo da História da África e Cultura Afro-brasileira. Trás depoimentos de acadêmicos, escritores, artistas em geral e ações do movimento negro.

Parte 1:



Parte 2:

Israel barra entrada de Chomsky nos territórios palestinos


O Ministério do Interior de Israel quer aprovar entrada do professor norte-americano só para a Cisjordânia; grupos de direitos humanos dizem que a decisão é característica de regime totalitário. O professor Noam Chomsky, linguista e ativista de esquerda teve a entrada em Israel e na Cisjordânia negadas, neste domingo. Funcionários disseram a Chomsky que ele escrevia coisas de que o governo de Israel não gostava”. “Eu sugeri que eles encontrassem algum governo no mundo que gostasse das coisas que eu escrevo”, disse o linguista.

O professor Noam Chomsky, linguista e ativista de esquerda teve a entrada a Israel e a Cisjordânia negadas, neste domingo (16 de maio). Inicialmente nenhuma razão foi dada para explicar a decisão, mas o Ministério do Interior mais tarde disse que os oficiais da imigração na fronteira da Ponte Allenby sobre o Rio Jordão entenderam mal as intenções de Chomsky, achando que ele também visitaria Israel.

Chomsky, que está dando uma série de palestras na região, foi convidado para falar na Universidade Bir Zeit, na Cisjordânia, na Segunda-feira.

A porta-voz do Ministério do Interior Sabine Haddad disse que os oficiais estavam tentando obter esclarecimentos do Exército Israelense, que controla o acesso a Cisjordânia, para permitir a entrada de Chomsky no território palestino.

“Estamos tentando contatar os militares para esclarecer as coisas e se eles não tiverem objeções não vemos razão por que ele não seja autorizado a entrar”, disse Haddad

Chomsky disse que os inspetores carimbaram as palavras “entrada negada” em seu passaporte, enquanto ele tentava atravessar o Rio Jordão pela Ponte Allenby. Quando ele perguntou ao inspetor israelense por que não tinha obtido permissão, foi-lhe dito que uma explicação seria enviada por escrito a Embaixada dos EUA. “Eles aparentemente não gostaram do fato de que eu estava indo dar uma palestra numa universidade palestina e não em Israel”, disse Chomsky a Reuters, por telefone, de Aman, na Jordânia.

Chomsky chegou na Ponte Alleny 13:30h e foi levado para interrogatório até ser liberado de volta a Aman, por volta de 16: 30h . Numa entrevista por telefone ao Canal 10, ele disse que os interrogadores tinham lhe dito que ele escrevia coisas de que o governo de Israel não gostava”. “Eu sugeri que eles encontrassem algum governo no mundo que gostasse das coisas que eu escrevo”, disse o linguista.

Chomsky é professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e é considerado um dos maiores intelectuais do mundo. Ele se identifica com a esquerda radical e é crítico frequente tanto das políticas estadunidenses como da israelense. Ele disse que sua última visita a Israel e a Cisjordânia foi em 1997, quando deu uma palestra na Universidade Ben-Gurion e também na Bir Zeit e que todas as suas visitas anteriores a Cisjordânia tinham sido parte de viagens a Israel.

Seu anfitrião palestino, Mustapha Barghouti, chamou a decisão de “uma ação fascista, que visa à supressão da liberdade de expressão”.

A Associação pelos Direitos Civis em Israel acusou o Ministério do Interior de “usar a detenção e a deportação para impedir que um homem expresse sua opinião”, chamando a isso de “característico de um regime totalitário”

“Um país democrático em que a liberdade de expressão é um princípio fundamental não se fecha a críticas ou diante de idéias que não lhe são confortáveis e não nega entrada a visitantes só porque não aceita suas opiniões. Ao contrário, lida com essas opiniões através da discussão pública”, disse a ACRI, numa declaração.

Othiel Schneller, do Kadima, por outro lado, aprovou a medida. “É bom que Israel não permita que seus acusadores não entrem em seu território”, disse. “Eu recomendo a Chomsky que tente usar os túneis que conectam Gaza ao Egito”.

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: Carta Maior

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Estudos sobre o arquivo Deops-SP revelam como funcionava a lógica da repressão nos tempos da ditadura


A arca documental dos anos de chumbo

Estudos sobre o arquivo Deops-SP revelam como funcionava a lógica da repressão nos tempos da ditadura

Por Carlos Haag

Edição Impressa 171 - Maio 2010

À primeira vista de um leigo nada parece ser mais modorrento do que um arquivo cheio de antigos documentos. O desinteresse se converte rapidamente em debate apaixonado quando esse arquivo guarda a história de violações e repressão da ditadura militar e, em muitas instituições, está fechado a sete chaves para a sociedade civil apesar do interesse do seu conteúdo e do tempo passado. Basta ver a expectativa da ratificação no Senado após sua recente aprovação no Congresso da nova lei de direito de acesso a informações públicas, que inclui os arquivos da repressão, idealizada para diminuir os prazos de sigilo de documentos e informações guardados pelo poder público e estabelecer procedimentos para acesso a esses dados, colocando fim ao sigilo eterno anteriormente fixado. Se aprovado, o novo texto estabelece que documentos ultrassecretos podem ser classificados por até 25 anos com uma única renovação possível.

“Felizmente algumas luzes como essa iluminam esse nosso labirinto dos ‘arquivos da repressão’, que são também arquivos-símbolos da resistência. Esses documentos permitem, com certeza, reconstituirmos e reavaliarmos as circunstâncias em que as violações ocorreram, identificarmos os agentes da repressão e recuperarmos, nas entrelinhas, os vestígios deixados pelos torturadores. Mas é preciso que os arquivos não fiquem presos na engrenagem jurídica e venham à luz em todo o Brasil para serem estudados”, explica a historiadora e professora da Universidade de São Paulo (USP) Maria Luiza Tucci Carneiro, coordenadora do projeto temático apoiado pela FAPESP Arquivos da repressão e resistência, história e memória: mapeamento e análise da documentação do Deops, que conta com a participação de nove professores doutores, além da equipe de bolsistas, para averiguar os meandros da repressão policial entre 1955 e 1983, com destaque para o período da ditadura militar. “Os familiares dos mortos e desaparecidos e o povo brasileiro, na sua totalidade, têm direito à informação, à verdade e à memória. Essa questão não é página virada da história e muito menos ‘referência histórica’, pois ela ainda é fato, ainda é história em movimento”, diz a pesquisadora. O temático dá continuidade a outro, anterior, de 1999, também apoiado pela FAPESP, que originou o Proin (Projeto Integrado Arquivo do Estado -Universidade de São Paulo) e resultou na organização da documentação do período entre 1924 e 1954.

Além da abertura dos arquivos, a sua análise por pesquisadores é fundamental para que a nova lei do sigilo de informações não passe de letra morta jurídica. “Quando os documentos são liberados ainda se depende de pesquisas sistemáticas dedicadas a identificar as violações dos direitos humanos perpetrados pelo Estado. Localizar documentos que comprovem as prisões arbitrárias, a tortura, os assassinatos não é tarefa fácil. Mas, felizmente, existe uma ordem por procedência e data que, cruzada com testemunhos orais, pode nos aproximar dos mandantes dos crimes. Temos que aprender a ‘ler nas entrelinhas’ em busca de indícios e sinais”, analisa Maria Luiza. Assim, por exemplo, se alguém que era do movimento estudantil de resistência à ditadura foi preso junto com o jornalista Vladimir Herzog durante a ditadura pode ter o seu prontuário de prisão catalogado, segundo a lógica militar, em “movimento estudantil”, e não entre outros tantos prontuários de prisão daquele dia, o que dificulta bastante para a família localizar os dados do desaparecido político. “Daí a importância e a necessidade de digitalizar todo o arquivo para poder acessar sua totalidade e cruzar dados e informações que levem ao paradeiro de um nome na multidão. No caso desse estudante fictício, por exemplo, ele pode ter o seu prontuário esvaziado e a parte referente à sua prisão ir parar em outros dossiês temáticos, algo que, creio, pode ter sido uma estratégia policial para dispersar as informações e dificultar o acesso de propósito”, afirma a pesquisadora.

O resultado é um novo quadro do que foi a lógica da repressão. “Os relatórios de investigação e as fichas de investigação que compõem esses processos documentam décadas de violência e terrorismo de Estado. A primeira sensação que temos é de que a sociedade brasileira foi, durante décadas, mapeada, invadida no seu cotidiano, estuprada. A ditadura militar não foi tão ‘branda’ como alguns querem fazer acreditar.” Havia, segundo ela, “o grande olho do Deops [Departamento Estadual de Ordem Política e Social] sobre São Paulo”. Ao mesmo tempo, para um historiador, essa invasão não deixa de ser, a contrapelo, uma dádiva, pois reúne uma documentação minuciosa sobre toda e qualquer resistência, chegando aos grupos anônimos que foram ocupando as ruas. “Eles confiscavam arquivos e a vida do cidadão para provar que havia subversão e assim criaram, para a posteridade, arquivos do que foi a resistência surgida a partir dessa repressão. Daí o nome do nosso projeto temático”, explica. Nos vários dossiês sobre a USP, que chegam a somar 151 volumes, por exemplo, há dados precisos sobre as aulas de professores vistos como suspeitos, como Florestan Fernandes, e mesmo a bibliografia indicada que podia, inclusive, ser anexada ao processo em forma de livro. “Temos uma mistura da história da vigilância com a história do impresso revolucionário e a história da leitura. Pode-se hoje saber o que um operário lia, pois ao invadir sua casa seus livros e escritos eram confiscados e anexados aos dossiês. Há mesmo casos belos de manuscritos de poemas e romances inéditos que foram roubados pela polícia e agora podem vir novamente à luz. Recupera-se com a repressão a história da repressão.” Era a obsessão pela vigilância.

Persecutório - “Essa obsessão como forma de prevenir a atuação ‘subversiva’ acabava por gerar uma lógica da suspeita ou ethos persecutório. Os milhares de agentes envolvidos, funcionários públicos ou delatores cooptados, eram regidos por essa lógica e, ao incorporá-la, acabavam produzindo um fenômeno típico de regimes autoritários: mais importante do que a produção da informação em si era a produção da suspeita”, analisa o historiador Marcos Napolitano, da Universidade Federal do Paraná, que trabalha sobre os arquivos do Deo­ps para sua pesquisa Políticas culturais e resistência democrática no Brasil nos anos 1970, apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Esse conjunto de documentos tinha a clara função de peças acusatórias, em eventuais processos ou punições mais direcionadas, prontos para ser acionados a qualquer momento. Além de registrar palavras e atitudes, os textos revelam as inferências dos agentes, no sentido de apontar a existência de uma conspiração perpétua, orquestrada por grupos políticos ‘subversivos’. Uma simples observação, contida num registro sobre as atividades do suspeito poderia tornar-se mais destacada em futuros relatórios produzidos pelos organismos, numa técnica de reiteração crescente que agravava o grau de suspeição sobre os vigiados.” Algo que poderia acontecer, por vezes, num espaço de dias. Num interrogatório de um aluno sobre o professor Warvick Estevam Kerr, geneticista e ex-diretor científico da FAPESP, grafado das formas mais esdrúxulas pelo escrevente, há uma mudança notável diante do terror. “Que ignora se professor Warckis Kerr da Faculdade de Ribeirão Preto seja de esquerda”, no dia 22 de junho de 1971; “Seus contatos com o professor Warvick Koer, da cadeira de genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, eram de caráter estritamente funcional. O declarante desconhece a ideologia política do citado professor”, no dia 23 de junho; “Que acredita que o professor seja realmente um elemento ativo na política de esquerda; que espera ao terminar de responder as acusações que ora lhe são imputadas continuar seu curso de medicina e nunca mais se envolver em política”, no dia 25 de junho daquele ano.

“O controle do cidadão é realizado pelo Estado, que procura obter a adesão do cidadão ao regime político por meio da repressão e da censura. Por meio da geopolítica do controle, o Estado procura inibir os atos de protesto e as rebeliões populares apoiados por legislação específica. Nesse contexto, a domesticação das massas depende da vigilância sistemática da aplicação legal do conceito de crime político e do controle da informação, ações que implicam a privação progressiva da cidadania”, explica Maria Luiza. Para conseguir vigiar o cidadão, é preciso acumular nos arquivos o máximo de informações, registros obtidos por investigadores treinados em detectar suspeitos e criminosos políticos que se infiltravam nos grupos avaliados como subversivos e os observavam. As informações, continua a pesquisadora, iam sendo acumuladas de forma a subsidiar a acusação, na maior parte das vezes arbitrária, do crime político. Afinal, o paradoxal nas ações dos Estados, mesmo as mais secretas ou realizadas em períodos de exceção, é que elas são, pela dinâmica burocrática, registradas. “É preciso lembrar que o crime político é um crime de ideias que, para ser comprovado, deve ser materializado através de provas confiscadas dos acusados. Essas provas eram anexadas aos prontuários nominais ou institucionais que serviam para a ‘construção’ da acusação.” “A prisão do grupo da Ala Vermelha em Embu-Guaçu, confirma mais uma vez a participação de estudantes no processo subversivo-terrorista em curso em São Paulo. Os jovens secundaristas e universitários estão sendo ‘trabalhados’ intensamente pelas organizações subversivas e muitos deles, despreparados e sem orientação dos pais e mestres, estão aderindo, endossando as fileiras das referidas organizações”, afirmava um Relatório Especial de Informações de 1969.

“O discurso da ordem assume um tom acusatório ao apontar para o inimigo cuja imagem negativa vai sendo construída a partir de provas recolhidas junto aos espaços da sedição (daí os autos de busca e apreensão e os relatórios de investigação). Nesse caso quem ‘constrói’ parte da história oficial e a verdade aparente é a autoridade policial que, com base na observação e na materialização do crime (provas concretas), interfere na realidade. Estas provas, ao serem julgadas pelas instâncias superiores e propagadas junto à grande imprensa, através de notícias preparadas pela Agência Nacional, tornam-se consenso, legitimando a repressão”, avalia Maria Luiza. Nem sempre, porém, os agentes tiveram sucesso. “Achamos que o declarante não possui o mínimo de conhecimento político-partidário, desconhecendo mesmo até o que seja AP (Ação Popular). Da mesma forma revelou desconhecer quais as atividades de uma organização terrorista. Foi convidado para trabalhar contra a ‘ditadura’, termo este que não sabe o que significa ao certo, julgando tratar de um governo que manda através de um presidente cujo povo pretende derrubar. Concluindo o declarante revelou um baixo nível intelectual e completa ignorância sobre assuntos políticos e ideológicos”, afirmava um interrogatório preliminar. Em outro, o preso declarou que “reconhece ter sido ‘imbecil’ ao guardar o material explosivo sem saber do que se tratava. Que não é membro de qualquer organização clandestina e desconhece nomes de guerra, sendo Lou um apelido familiar do amigo. Que foi totalmente iludido pelo amigo e que não tem tempo para pensar em política, não tem qualquer livro de ideologia comunista em sua residência”.

“Esses interrogatórios refletem a tentativa de impor determinada ordem do discurso, na qual os valores e princípios do governo militar eram reafirmados em detrimento das concepções políticas dos interrogados”, observa a historiadora Mariana Joffily, autora da tese de doutorado No centro da engrenagem, orientada por Maria Aparecida de Aquino e defendida em 2008 na USP. “O depoente é cínico e mentiroso, omitindo detalhes de sua participação no POC, bem como esclarecer elementos que atualmente encontram-se militando, só abrindo ex-militantes e pessoas que se encontram foragidas do país”, dizia um interrogatório. “O depoente é frio e calculista, limitando-se a prestar declarações dos fatos que ocorreram estritamente com sua pessoa, negando peremptoriamente a mencionar os nomes das pessoas que militaram com sua pessoa na organização. Fez uma apologia da Revolução Armada, referindo às autoridades do país como por exemplo: gorilões, milicos, pseuda (sic) Revolução, etc.” Outros registros do Deops podem até causar um riso incontido como a carta enviada ao então governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins, em razão do show realizado no Ginásio do Ibirapuera, sob patrocínio da administração estadual, em que a cantora Mercedes Sosa cantara a música Somos todos hermanos, o que permitiu ao público gritar palavras de ordem contra a ditadura. “Como isso pode ter ocorrido num show promovido pelo próprio Estado?”, pergunta a carta do chefe do SNI ao governador.

Sigiloso - Outras não são tão risíveis. Em 1969, o então reitor da USP encaminhou ao Deops a relação dos funcionários aprovados em concurso com a observação de que “face à crescente anormalidade nos meios universitários pediu-se o reitor para que todos os concursados sejam triados neste departamento em caráter urgente e sigiloso”. Da lista, 19 dos aprovados tiveram algum reparo do Deops por serem mencionados em algum tipo de investigação em curso registrada nos arquivos. Há mesmo a preocupação de infiltração comunista nos arquivos do Deops sobre a escola de samba Vai Vai, já que esta começava a ser visitada por elementos de esquerda como Ruth Escobar e Ricardo Zaratini. Presidenciá­veis não escaparam do rigor do Deops e estão registrados nos arquivos. “Uma das cabeças da revolução comunista. Ele tem sido um grande agitador e causador de problemas desde que era presidente da UNE. Um experimentado doutrinador da ideologia marxista, ele dita normas de conduta para todas as organizações estudantis”, diz o prontuário de José Serra. “Ela já está presa”, afirma uma nota escrita a lápis sobre a ficha de Dilma Rousseff nos arquivos, encaminhada aos Deops estaduais.

O arquivo Deops-SP, sobre o qual se debruça o temático, é uma grande exceção graças à postura do governo paulista, que, em 1994, liberou totalmente a consulta aos documentos do fundo sob guarda do Arquivo do Estado. O regime militar, através dos “governadores biônicos” em fim de mandato, extinguiu os Deops paulista e carioca e transferiu seus arquivos para as dependências da Polícia Federal. “Em outros estados houve ocultação ou destruição de arquivos, como em Minas Gerais, onde a polícia alega ter incinerado a documentação original do Deops. Em 1991 teve início o processo de recolhimento da documentação da polícia política para os Arquivos Públicos, a primeira etapa no caminho do franqueamento desses documentos ao público”, conta o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e autor de Em guarda contra o perigo vermelho (Editora Perspectiva). “Na Região Sul, apenas no Paraná os documentos do Deops foram recolhidos integralmente. Em Santa Catarina, o Arquivo Público desconhece a localização da documentação e no Rio Grande do Sul apenas parte do arquivo foi recolhida. A melhor situação está no Sudeste, pois em seus quatro estados os documentos estão nos respectivos arquivos”, afirma. “No Centro-Oeste, o único arquivo Deops aberto à consulta é o de Goiás, sob a custódia da Biblioteca Central da Universidade Federal de Goiás. Na Região Nordeste estão nos respectivos Arquivos Públicos os documentos dos Deops pernambucano, cearense, potiguar e sergipano. Na Bahia e na Paraíba, os Arquivos Públicos desconhecem o paradeiro dos documentos. Em 11 estados da federação, de um total de 20, os arquivos Deops foram recolhidos e preservados. O que se conseguiu ainda é insatisfatório.”

“Dar acesso a essa documentação deve fazer parte de um processo mais amplo de reparação, verdade e justiça. Mas não é um conjunto de documentos que qualquer cidadão tem condições de interpretar como documentos de um museu. É um conjunto que precisa ser intermediado por pesquisadores e professores. O alvo de nossas políticas de divulgação é esse e deve ser de financiamento público para o desenvolvimento de pesquisas e produtos acadêmicos. Parece-me o melhor jeito de garantir a capilaridade desta matéria na sociedade”, explica Rodolfo Peres Rodrigues, responsável pelo arquivo Deops de Goiás, sob a guarda da Universidade Federal de Goiás no Centro de Informação, Documentação e Arquivo. “O acesso a tais documentos representa a ampliação da cidadania, já que possibilita às pessoas que tanto sofreram com a repressão que tenham a chance de reivindicar seus direitos. Além disso, é importante que o período militar possa ser revisitado em seus pormenores institucionais registrados na atuação da polícia política em Minas Gerais. A divulgação do acervo significou a abertura de novos campos de pesquisa dada a dificuldade em se conseguir fontes que não haviam passado pelo filtro da censura no período. Apesar disso, há a possibilidade de que os microfilmes que recebemos sejam apenas parte dos documentos do Deops-MG e que a polícia possa ter retido parte substancial dos arquivos”, afirma Maria Eugênia Lage, superintendente do Arquivo Público mineiro.

O Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro trabalha com a coleção mais completa de imprensa alternativa desde 1960 e é dirigido pela historiadora Beatriz Kushnir. “Não basta apenas os historiadores pesquisarem sobre os arquivos, mas as informações precisam chegar até os estudantes secundaristas por meio dos professores de primeiro e segundo graus. Eles desconhecem essa documentação e precisamos quebrar essa distância. Daí a importância real de se abrir de uma vez os arquivos do aparelho do Estado, que precisa devolver à sociedade civil o que ele levou das pessoas”, afirma Beatriz.

Fonte: FAPESP

terça-feira, 4 de maio de 2010

A riqueza da diversidade na experiência do sagrado

Candomblé é religião e um terreiro é um templo

Por: FÁTIMA OLIVEIRA*, no jornal O Tempo em: 04/05/2010

“Formação de Professores e Religiões de Matrizes Africanas: um Diálogo Necessário”, livro do sacerdote da religião de matriz africana, professor Erisvaldo Pereira dos Santos, da Universidade Federal de Ouro Preto, preenche uma lacuna, pois a bibliografia na área é escassa e a implementação da lei nº 10.639/03 e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira exigem suporte acadêmico confiável para enfrentar ignorâncias e preconceitos contra as religiões de tradição oral, como as expressas no candomblé das nações ketu, efon, ijexá e xambá, que cultuam orixás; e angola e jeje, que, respectivamente, veneram inquices e voduns. Logo, os candomblés são muitos.

O vocábulo candomblé é de origem bantu: ca = uso, costume + ndomb = negro, preto + lê = lugar, casa, terreiro e/ou pequeno atabaque, significando “lugar de costume dos negros”. Candomblé é religião e um terreiro de candomblé é um templo, um local sagrado. Num contexto de recrudescimento de intolerância religiosa, é louvável um livro que aborda a tolerância religiosa como a valorização do sagrado do outro. Um ponto fascinante é a abordagem da oralidade, “uma marca das culturas de raízes africanas”, que para Juana Elbein dos Santos, autora de “Os Nàgó e a Morte”, é mais que uma pedagogia: “é instrumento a serviço da estrutura dinâmica nagô”.

E o autor acrescenta: “Mesmo reconhecendo o valor da importância da oralidade no processo de transmissão dos conteúdos sobre as heranças africanas, assumi o desafio de contribuir mais efetivamente para a formação de professores, através da escrita (…), em prol do respeito, do diálogo e do acolhimento à diversidade religiosa brasileira”.

O livro do pai de santo Erisvaldo – Babá Mejeuí, “Erisvaldo d’Ogum”, filho da yalorixá Lídia de Oxalá – é significativo para quaisquer comunidades religiosas, pois, como ele diz, “não é possível construir atitudes de respeito e valorização do sagrado do outro sem que se conheça a história, os valores e o sentido inerentes à experiência de sagrado presente na religião. O êxito dessa tarefa está relacionado a dois fatores significativos: o primeiro é uma formação de professores com sólidos embasamentos teóricos e comprometidos com os objetivos de uma educação democrática e republicana, fundada em princípios éticos. O segundo diz respeito ao exercício do ofício das lideranças religiosas, no sentido de contribuir para a construção de convivência respeitosa e pacífica entre adeptos de diferentes crenças”. Ah, o livro é da Editora Nandyala Livros e Serviços Ltda, de Belo Horizonte!

Admiradora do patrimônio cultural do povo de santo, sou figurinha fácil nas festas do Ilê Axé Ogunfunmilayo – Casa de Cultura e Tradição Afrobrasileira de Minas Gerais, no Quintas Coloniais, em Contagem. É um deslumbre religioso e gastronômico o Caruru de Cosme e Damião, no dia consagrado a eles, 27 de setembro. Uma festa linda e doce – uma vitrine do sincretismo religioso, como fala Lecticia Cavalcanti: “A devoção nos foi trazida pelo colonizador português, tendo sido a primeira igreja, em honra deles, construída em Igaraçu-PE (1530). Os escravos que aqui vieram, todos da África Ocidental (Angola, Costa do Marfim, Guiné e Congo), mantiveram os rituais religiosos e a fé nos deuses de sua terra distante. Inclusive nos orixás-meninos (ibejis). Mas aprenderam a sincretizar com os santos católicos, cujos cultos lhes eram impostos”.

Fátima de Oliveira é médica, contato: fatimaoliveira@ig.com.br

Entre a Namíbia e o Brasil, “o mundo”

4 de maio de 2010 às 1:12

por Luiz Carlos Azenha, em seu blog

O Milton Hayek* deixou um comentário dia desses sobre a formação de fuzileiros navais da Namíbia por instrutores da Marinha brasileira. Não consegui encontrar o link, mas estou certo de que ele deixará o caminho nos comentários. Antes de avançar no tema, acho importante situar geograficamente a Namíbia (ao sul de Angola), para quem tem pouca familiaridade com a África:

Geograficamente, a Namíbia tem um papel importante no Atlântico Sul. Um papel que deve se tornar ainda mais importante no futuro. Deste lado do Atlântico, temos as grandes reservas do pré-sal. Do outro lado, há também grandes reservas de petróleo em exploração na costa de Angola e da Nigéria e a expectativa de futuras descobertas especialmente em torno de São Tomé e Príncipe.

A essa altura já não é novidade o crescente papel que a diplomacia chinesa tem jogado no continente africano. A China importa cerca de 1/3 de todo o petróleo que consome de países africanos, especialmente de Angola. Os Estados Unidos, de olho no futuro, buscam multiplicar os seus fornecedores e reduzir a dependência do Oriente Médio. Não é por acaso que os Estados Unidos criaram um comando militar exclusivamente para “cuidar” da África. A cooperação militar chinesa se dá sobretudo em países como o Sudão, onde Beijing tem grandes investimentos públicos e privados na produção de petróleo. Faz sentido, já que a distância geográfica é bem menor. A relação da China com múltiplos parceiros africanos se baseia na implantação de projetos de engenharia de impacto social (uns mais, outros menos), no acesso aos mercados locais para a venda de produtos chineses e na presença física de milhares de chineses, que atuam especialmente no comércio.

Nem o Brasil, nem os Estados Unidos tem algo parecido no conjunto da África. A Líbia em uma ponta e a África do Sul em outra financiam projetos de desenvolvimento na vizinhança. A presença da Índia é crescente, tirando proveito da existência de comunidades hindus, a maior delas em Durban, na África do Sul.

Fala-se muito em um novo “Scramble for Africa”, parecido com o processo que levou à divisão do continente em esferas de influência dos poderes europeus no fim do século 19. É o forte apetite dos chineses por matérias primas (petróleo, minério e madeira) que guia esse processo, seja lá qual o nome que se dê a ele.

Algumas grandes empresas brasileiras, especialmente a Petrobras, a Vale (em Moçambique) e a Odebrecht (em Angola) tem uma presença importante no continente.

Como vocês sabem, é difícil falar em uma África. São muitas. As desigualdades regionais, a falta de infraestrutura e as diferenças culturais são barreiras fortes a um espaço econômico integrado, que ofereça possibilidade de escala aos exportadores. A China resolveu isso exportando… empreendedores chineses.

Por isso, quando se fala em um mercado com 900 milhões de consumidores há um certo exagero. Algumas empresas resolveram isso redesenhando seus produtos, para torná-los mais baratos. Desenvolveram redes locais e informais de distribuição (mais ou menos como a Nestle fez no Nordeste brasileiro). Grosso modo, os africanos dependem da agricultura para acumular renda. Nas regiões onde as chuvas são irregulares, a produção é incerta. Faltam represas e dinheiro para montar sistemas de irrigação.

Por isso, me parece bastante adequado que a ofensiva brasileira se dê em duas frentes: 1) apoiando a reivindicação dos africanos pela redução das barreiras alfandegárias, fitossanitárias e outras que reduzem o potencial de exportação agrícola (com o potencial de aumentar a renda e o consumo locais); 2) oferecendo apoio técnico através da Embrapa (especialmente das tecnologias para melhorar a produtividade da savana, como aconteceu com o cerrado brasileiro).

É nesse contexto multipolar que precisamos considerar a atuação do IBAS, o fórum que reúne Índia, Brasil e África do Sul. Como vocês sabem, Índia e China travam uma guerra surda na Ásia por influência regional. Embora o trio não se choque diretamente com a China na África, não deixa de oferecer uma alternativa a governos locais. Neste mundo crescentemente multipolar, há circunstâncias que unirão no continente Brasil e Estados Unidos; Brasil e França; Brasil e China; Brasil, Índia e África do Sul; Brasil e Namíbia (os países costeiros da África, cujos recursos marítimos são enormes, são as grandes vítimas de frotas internacionais de pesqueiros que atuam de forma predatória).

Isso requer cálculos políticos e movimentos diplomáticos que superem o pensamento binário dos tempos da guerra fria. Requer que a Argentina seja considerada mais que um destino comercial do Mercosul: com a África do Sul, a Namíbia e Angola, a Argentina é parceira estratégica para garantir que o Atlântico Sul, onde estão as duas principais cidades brasileiras, não fique subordinado a interesses contrários aos do Brasil. Um dia o Atlântico será apenas um rio a nos separar da África, como já foi no passado colonial (pensem no potencial que isso tem para a indústria naval brasileira).

A quem se interessa pelo assunto, recomendo a leitura deste artigo da Foreign Affairs (com a visão que os Estados Unidos tem da presença chinesa) e do livro A Biography of Africa, de John Reader.

O que me leva à notícia que recebi hoje, por e-mail:

Brasília, 3 de maio de 2010.

Universidade Brasil-África é prioridade do governo esta semana

O projeto que cria a Universidade Luso-Afro-Brasileira (Unilab) é uma das prioridades do governo na Câmara esta semana. O líder do Governo, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), afirmou que o presidente Lula considera o PL 2891/08 muito importante “do ponto de vista político, quanto às relações com o continente africano, e também por uma questão de justiça com povos que foram escravizados durante séculos”. A instituição, de acordo com o projeto, deve ser instalada em Redenção (CE), município onde foi registrada a primeira ocorrência de tráfico negreiro.

“O presidente Lula falou sobre esse projeto comigo quando me convidou para ser líder do governo”, enfatizou. Segundo Vaccarezza, a intenção do presidente é sancionar a proposta em quinze dias, antes da chegada ao Brasil de uma delegação de chefes de Estado africanos.

A proposta havia sido aprovada em caráter conclusivo na Comissão de Constituiçaõ e Justiça da Câmara, mas terá de ir a plenário por ter sido objeto de recurso do líder do PSDB, deputado João Almeida (BA). “Ele [Almeida] defende que a Unilab vá para a Bahia, mas por esse argumento – local de grande influência da cultura africana – poderia ser Rio de Janeiro ou União dos Palmares (AL)”, disse Vaccarezza, adiantando que vai conversar com Almeida para a votação ser agilizada na Câmara e seguir para o Senado.

Uma das finalidades da Unilab é promover intercâmbio cultural com o continente africano e incentivar estudos que tenham como foco o desenvolvimento de ciência e tecnologia.

***

“Reconhecer” a África, portanto, atende a interesses políticos, econômicos e históricos de toda a população brasileira. Quem sabe a Copa do Mundo da África do Sul seja uma boa oportunidade para acelerar o processo.

Para quem quer conhecer um pouquinho dos desafios diante da África, um pequeno trecho da entrevista que o programa Nova África fez com a prêmio Nobel Wangari Maathai, no Quênia:


Wangari Maathai from Baboon Filmes on Vimeo.

*Links sugeridos pelo leitor do Azenha

Brasil com um pé na África
Marinha do Brasil forma Primeira Turma de Soldados Fuzileiros Navais da Namíbia
Infantaria de Fuzileiros Navais da Namíbia inicia suas atividades
Instituto de Pesquisas da Marinha na Ilha do Governador
Revisão do TNP

segunda-feira, 3 de maio de 2010

A FALTA DE HISTÓRIA

Parece que nem todos os jornalistas da Folha comungam com a versão da Ditabranda do Editorial da Folha sobre a memória e história da ditadura militar no Brasil. Janio de Freitas está no coro dissonante.


Transcrevo seu artigo, publicado no IHU-UNISINOS em 2/5/2010


"A OAB pretendeu o reconhecimento, como é tese internacional crescente, de que aqueles crimes dos porões ditatoriais não são políticos. São crimes comuns, crimes de lesa humanidade, e, portanto, não abrangidos por anistia política e sem prescrição. A própria Lei da Anistia não os menciona, em sentido algum", escreve Janio de Freitas, jornalista, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 02-05-2010.

Por Janio de Freitas


Na garantia de impunidade dada pelo Supremo Tribunal Federal aos autores de tortura, morte, estupro e desaparecimento de presos na ditadura, o saber jurídico brasileiro não traiu o costume nacional em relação ao crime social ou politicamente forte, mas tratou a História com um desprezo desonroso e fundamental para a decisão.

Autora da ação que levou ao STF a Lei da Anistia, de 1979, a Ordem dos Advogados do Brasil pretendeu o reconhecimento, como é tese internacional crescente, de que aqueles crimes dos porões ditatoriais não são políticos. São crimes comuns, crimes de lesa humanidade, e, portanto, não abrangidos por anistia política e sem prescrição. A própria Lei da Anistia não os menciona, em sentido algum.

Sete dos votos no STF adotaram, com mínimas diferenças verbais, o argumento de que "a anistia foi amplamente negociada entre civis e militares". Mas que negociação foi essa e qual foi a amplitude alegada, agora como à época?

A reivindicação de anistia começou ainda no ano em que se deram o golpe e suas primeiras formas de repressão política e física, incluída a tortura na base de Ilha das Flores, da Marinha, e na Vila Militar, do Exército, ambas no Rio, como se deu também em Recife, Belo Horizonte e tantos outros lugares. Não faltam registros das reivindicações e de seus motivos. Quando a anistia foi discutida, porém, já os militares estavam no poder havia 15 anos.

Logo, estava evidente, e poderia estar nas considerações do STF, quais eram as partes da negociação. De um lado, o poder discricionário, poder armado, sem condicionamentos institucionais, e sem pejo no uso dessas características do regime. De outro lado, os oponentes postos ainda sob a sujeição àquelas características do regime, sempre procurando pequenas brechas (e às vezes altos riscos) onde cultivar mais uns palmos de resistência. A oposição parlamentar, existente só por consentimento do regime, e "depurada" dos oponentes mais perturbadores, não esteve livre daquelas condições no decorrer do breve processo de discussão e fixação dos termos da anistia.

Foi sob a desigualdade extrema das partes que se deram as "negociações amplamente feitas entre civis e militares". De que meios a oposição ao regime dispunha para fazer exigências, ou uma que fosse? Nenhum. Nem por isso faltaram menções à punição dos autores de tortura, mortes, estupros e desaparecimentos de presos. Tais cobranças foram publicadas por alguns jornais, no Congresso houve quem ousasse levá-las à tribuna. O regime recusou-se a discuti-las. Era a limitação pela força. A oposição esticou o quanto as condições lhe permitiram. Os militares entregaram até onde começava a própria razão de admitirem a anistia parcial ao "inimigo", como dizem ainda.

A razão era objetiva: tratar de se assegurarem a impunidade, sem risco algum para a continuidade de suas carreiras ou fora dela. Assim como se dava no exterior, aqui, até entre empresários beneficiados pelo regime, a mínima abertura no governo Geisel foi bastante para demonstrar que o poder imposto entrara em esgotamento irreversível. Nessa perspectiva, admitir a possibilidade de punição a qualquer ato traria risco a suas ramificações na hierarquia das responsabilidades. Na forma e no teor, a anistia foi feita pelo poder militar para o poder militar.

A OAB não "levou 30 anos" para "rever o seu próprio juízo, como se tivesse acordado tardiamente", ao que pensa o presidente do STF, Cezar Peluso. Nem isso se dá com os que se põem contra a impunidade dos autores de tortura, mortes, estupros e desaparecimento de presos. O tempo foi necessário para que a OAB e os demais supusessem haver condições, enfim, para investigar e submeter a julgamento os crimes horrendos da ditadura. Foi engano.