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sábado, 29 de maio de 2010

Obama e o fracasso da política externa dos EUA

A política sem rumo de Obama e uma superpotência evanescente

Por: Dilip Hiro*

27/5/2010

Façam a política que fizerem, todos os políticos dos quais mais se deva desconfiar do que confiar apresentam, todos, um traço comum: todos são indiferentes ao dano que causam, em muitos casos, ao mundo. George W. Bush é bom exemplo; Tony Blair, ex-primeiro-ministro britânico, outro exemplo. No que tenha a ver com política externa, vemos acontecer a mesma coisa hoje, na Casa Branca de Obama.

O padrão-Obama de governar é claro: escolha alguém, no ‘mundo exterior’, e pressione. Ameace. Diga que você fará e acontecerá se ele não se curvar aos desejos de Washington. Quando ‘o inimigo’ não se render e, pior, se responder e falar grosso, retroceda correndo, trate de supercompensar o fracasso com vitórias em alguma outra área e entre em modo ‘reparar danos’.

Em seu pouco mais de um ano de governo, Barack Obama já deu vários exemplos de como governar à sua moda. O presidente dos EUA absolutamente é incapaz de avaliar o peso das cartas de um ou outro dos adversários que escolha atormentar, nem sabe avaliar a determinação de jogar aplicadamente com as cartas que cada um tenha.

Obama tende à retirada, ao primeiro sinal de resistência; o que mostra que não é homem nem de coragem nem de convicções, dois ingredientes cuja presença ou ausência definem os políticos profissionais e os estadistas. Insistindo numa política externa sem rumo, rateando sempre que tem de enfrentar desejos diferentes dos seus, Obama, sem querer, ajuda a dar razão aos que dizem que os EUA já não são nem superpotência nem poder emergente: são poder evanescente – e que a evanescência da ex-única-superpotência é irreversível.

Dentre os que se recusaram a ceder ante a tática linha-dura das ameaças iniciais de Obama (e ante o impacto do poder dos EUA) estão hoje, não só os presidentes de China (megapotência, das grandes) e do Brasil, potência mediana, mas também os líderes israelenses, poder apenas local e visceralmente dependente de Washington para a própria sobrevivência, e até o Afeganistão, estado-cliente. Até aí, ainda sem mencionar a junta militar de Honduras, entidade desimportante, mas que enfrentou as ordens de Obama como se fosse o Politburo da ex-URSS.

Em Honduras, Obama rateou

Quando derrubaram o governo civil e eleito do presidente Manuel Zelaya em junho de 2009, os generais hondurenhos passaram a fazer jus à vergonhosa distinção de serem os primeiros autores de golpe na América Central, da era pós-Guerra Fria. Por que o golpe? O fator decisivo foi o presidente Zelaya ter optado por um Referendum (só consultivo, que nada decidiria), para que a população se manifestasse sobre alterações a serem introduzidas na Constituição. As alterações, se houvesse, seriam feitas pelo Parlamento, votadas, aprovadas ou rejeitadas.

Ao denunciar o golpe como “terrível precedente” na região, e exigir a volta ao Estado de Direito em Honduras, o presidente Obama começou por dizer e repetir que “não queremos voltar àqueles dias negros do passado. Somos e estamos do lado da democracia.”

Para dar peso às palavras, Obama precisaria ter retirado seu embaixador de Tegucigalpa (como fizeram Bolívia, Brasil, Cuba, Equador, Nicarágua e Venezuela) e suspenso imediatamente a ajuda dos EUA, da qual Honduras depende. Nada disso. Em vez dessas atitudes, o que se viu foi a secretária de Estado Hillary Clinton, que declarou que o governo Obama não classificaria formalmente o golpe como golpe… “por hora” – e mesmo depois de a ONU, a OEA e a União Europeia já o terem feito.

Dado que os EUA recuaram, os generais golpistas encheram-se de coragem. Com eles, encorajaram-se também os seus apoiadores no Congresso. O governo imposto de Roberto Micheletti, testa-de-ferro dos militares golpistas contratou uma renomada empresa de “Relações Públicas” em Washington, e puseram-se a trabalhar.

Bastou isso, para enfraquecer toda a “decisão” democrática do presidente dos EUA, homem de belos discursos, mas sem qualquer convicção política no que tenha a ver com política exterior. Foi quando a secretária de Estado Clinton pos-se a tagarelar sobre reconciliar o presidente deposto e o governo golpista de Micheletti, tratando-os ambos os grupos, um governo legítimo e um governo ilegítimo, como se fossem irmãos gêmeos.

Os generais hondurenhos logo viram que a tática de fingir que Washington não pia estava dando bons resultados; e empinaram o peito. Só quando Clinton disse e repetiu que o Departamento de Estado não reconheceria o resultado da eleição presidencial de novembro, porque haveria dúvidas quanto à transparência e lisura das eleições, os generais aceitaram conversar, um mês antes das eleições. Concordariam com a volta de Zelaya ao palácio, para levar o mandato até o término.

Foi quando o senador Republicano linha-dura de direita Jim DeMint, fanático apoiador dos generais hondurenhos, entrou em ação. O governo Obama só receberia aprovação para seus indicados para postos-chave na América Latina, se a secretária Clinton reconhecesse o resultado das eleições, e pouco importava o que fosse feito de Zelaya. Clinton capitulou.

Como resultado, Obama passou a ser o segundo presidente – o outro foi o presidente do Panamá – dos 34 países-membros da OEA, a apoiar a nova “eleição” presidencial em Honduras. O que talvez pareça negociação rotineira na política doméstica do Capitólio foi vista na comunidade internacional que interessa como humilhante retirada do governo Obama, ao ser desafiado por um punhado de generais hondurenhos. Vários políticos e grupos políticos, é claro, tomaram nota.

Retirada ainda mais dramática, seria imposta a Obama, quando trançou chifres com o primeiro ministro de Israel Benjamin Netanyahu.

O esperto Netanyahu levou a melhor

Ao assumir Obama, a Casa Branca anunciou com muita fanfarra que começaria imediatamente a cuidar da difícil questão Israel-palestinos. Examinando então o ‘Mapa do Caminho’ de 2003, de uma paz apoiada pela ONU, por EUA, Rússia e União Europeia, descobriram que Israel, um dia, prometera cessar completamente a construção nas colônias exclusivas para judeus, eufemisticamente chamadas pela Casa Branca e sua mídia, de “assentamentos”.

Na primeira reunião com Netanyahu em meados de maio de 2009, Obama exigiu a suspensão imediata de qualquer construção nas colônias na Cisjordânia e na parte ocupada de Jerusalém Leste, onde já vivem cerca de meio milhão de judeus. Disse que ali estaria o principal obstáculo ao estabelecimento de um Estado palestino independente. Netanyahu rugiu – e jogou a carta iraniana: que o programa nuclear iraniano seria ameaça existencial a Israel.

Obama caiu como patinho na armadilha de Netanhyahu. Em conferência conjunta de imprensa, Obama aproximou as duas questões: as conversações de paz entre israelenses e palestinos e a ameaça que o Irã representaria para a sobrevivência de Israel. Em seguida, para deleite de Netanyahu, Obama deu prazo – “até o final do ano” – a Teerã, para responder aos seus acenos diplomáticos. Assim, o astuto primeiro-ministro de Israel levou o presidente dos EUA a apertar o nó que, dali em diante, manteria atadas uma à outra as duas questões, as quais antes, sempre existiram desconectadas uma da outra. E Netanhyahu sequer precisou oferecer alguma coisa em troca do serviço que Obama prestou-lhe.

Depois, Netanyahu introduziria nova diferença entre a expansão das colônias exclusivas para judeus já existentes e a construção de novas colônias; e a nada se comprometeu, em relação às já existentes. Ainda mais, separou completamente a Cisjordânia e Jerusalém Leste, a qual, como jamais parou de repetir, seria parte integral e inseparável e “capital eterna de Israel” e, portanto, não sujeita a qualquer restrição que se definisse sobre construção nas novas (e também nas velhas) colônias exclusivas para judeus.

No mesmo estilo cenográfico de todo o governo Obama, Clinton respondeu com o que parecia ser firmeza: “Não haverá exceções no congelamento dos assentamentos”. Logo depois, se viu que não passavam de palavras ocas, que nada mudaram na questão real.

Quando Netanyahu rejeitou publicamente as exigências de Obama, de que pusesse fim a construções nas colônias na Cisjordânia, Obama subiu o cacife: sugeriu que a intransigência dos israelenses aumentaria os riscos para a segurança dos EUA.

Dia 15/10, depois de muito vai-e-vem de coxias entre os dois governos, Netanyahu anunciou que dera por encerrada a discussão com Washington sobre “os assentamentos”. Em seguida, em reunião posterior com Clinton, disse que reduziria algumas construções em algumas colônias. A jogada valeu-lhe agradecimentos efusivos da secretária Clinton, que apresentou o gesto como “concessão sem precedentes”, sinal evidente de que, sim, sim, seria possível retomar sem condições as conversações de paz entre palestinos e israelenses.

Os palestinos enfureceram-se com os EUA virarem-lhe tão acintosamente as costas. “Supus que os EUA fossem contrários à expansão das colônias ilegais”, disse um furioso porta-voz do governo palestino, Ghassan Khatib. “Precisamos de negociações para acabar com a ocupação, não de novas colônias para aprofundar a ocupação.”

Em dezembro, Netanyahu aceitou uma moratória de dez meses na construção nas colônias, mas só depois de o Estado ter autorizado a construção de mais 3.000 apartamentos na Cisjordânia ocupada. Firmes na posição assumida, os palestinos rejeitaram qualquer simulacro de conversações de paz, até que a construção de novos prédios nas colônias exclusivas para judeus venha a ser realmente paralisada.

Dia 9/3/2010, exatamente quando o vice-presidente Joe Biden chegava a Jerusalém, como parte da campanha de Washington para iniciar o “processo de paz”, as autoridades do governo de Israel divulgaram a aprovação para que se construam mais 1.600 novas casas exclusivas para judeus em Jerusalém Leste. Movimento violento e arrogante, aprofundou o desafio à autoridade de Obama e enfureceu Biden (além de Obama).

Com sua proposta de reforma da Saúde em disputa por aprovação na Câmara de Deputados, dia 24 de março, quando recebeu Netanyahu em Washington, Obama estava numa roda viva. Ao que se sabe, apresentou três condições para dar por encerrada a crise com Biden: estender o congelamento de novas construções nas colônias, para até depois de setembro de 2010; fim de qualquer novo projeto de construção em colônias em Jerusalém Leste; e retirada dos soldados de Israel para trás das linhas existentes antes da Segunda Intifada. E Obama deixou Netanyahu em reunião com assessores na Casa Branca, para só voltarem a reunir-se quando “houver alguma novidade”. Mais uma vez, como no caso dos golpistas de Honduras, a fala de Obama não passou disso: fala.

O objetivo de toda essa atividade foi conseguir que os palestinos voltassem à mesa das conversações de paz com Israel, conversações muito justificadamente suspensas pelos palestinos quando Israel atacou a Faixa de Gaza em dezembro de 2008. Netanyahu aceitaria novas conversações, desde que “sem qualquer precondição” imposta pelos palestinos.

Ao final, Netanyahu obteve praticamente tudo que queria: nem teve de aceitar precondições do governo Obama, nem teve de aceitar precondições dos palestinos. Em resumo, Obama curvou-se aos desejos de Netanyahu. O cachorro sacudiu o rabo.

Os infelizes representantes da Autoridade Palestina entenderam a mensagem. Depois de alguns protestos apenas rituais, aceitaram participar de “conversações indiretas” com o governo Netanyahu, com George Mitchell, enviado de Washington ao Oriente Médio, levando as conversas de um lado ao outro. ‘Isso’, chamado “conversações indiretas”, começou dia 9/5/2010. Ao longo dos próximos quatro meses, a dura missão de Mitchell será tentar diminuir as diferenças (cada dia maiores) entre o que Israel e os palestinos entendem por “Estado palestino” – sendo que, agora, os dois lados sabem que o governo Obama meterá o rabo entre as pernas e não pressionará Israel, aconteça o que acontecer.

Escaramuças com a China e, de repente, aquecimento

Os problemas de Obama com a República Popular da China começaram em novembro de 2009 quando, para grande desapontamento de Obama, o governo chinês não lhe deu tratamento de Alteza Real em sua primeira visita à China.

As relações Washington-Pequim esfriaram ainda mais quando o governo Obama autorizou venda no valor de 6,4 bilhões de dólares de armamento avançado a Taiwan, inclusive mísseis antimísseis, e Obama recebeu o Dalai Lama, líder espiritual do Tibete, na Casa Branca (embora num salão secundário). A República Popular da China considera Taiwan província separatista e o Tibete como parte da República chinesa, o que faz do Dalai Lama chefe de grupo separatista, aos olhos de Pequim.

Altos funcionários dos EUA qualificaram seus movimentos como “um troco” que Obama estaria dando à China, a qual estaria apostando mais alto do que podia. Com esses movimentos, prosseguiu, incansável, a pressão para que Pequim valorizasse sua moeda, o yuan. O governo de Obama serviu-se de uma lei que exige que o Departamento do Tesouro notifique, duas vezes ao ano, casos de país que manipule a taxa de câmbio entre sua moeda e o dólar americano em busca de ganhos extra no comércio internacional. A data para o próximo relatório desse tipo – antessala para possíveis sanções –, 15 de abril, foi repetida ad nauseam por funcionários do Tesouro e do governo dos EUA.

Em meados de abril, Obama estava preparando um encontro sobre segurança nuclear internacional em Washington. Queria reunir o maior número possível de presidentes. No mínimo, queria reunir os líderes dos quatro países nucleares com poder de veto no Conselho de Segurança – Grã-Bretanha, França, Rússia e China.

Era o que esperava o presidente chinês Hu Jintao, sobre cuja cabeça pendia a espada obamiana, que ameaçava denunciar a China pelo crime de manipular a moeda contra o dólar. Hu declarou que não compareceria à reunião ‘nuclear’ de Obama. Obama piscou. Adiou a data para divulgação do parecer do Departamento do Tesouro, sine die. Em troca, Hu viajou a Washington e encontrou-se com Obama no Salão Oval, na Casa Branca.

Pequim – o coletivo de dirigentes muito realistas e muito experientes – não foi surpreendida por tensões montantes entre China e EUA. A atitude deles apareceu manifesta em editorial do China Daily, pouco depois da posse de Obama. “Os líderes dos EUA jamais se mostraram contidos, ao falar das suas ambições nacionais”, lia-se lá. “Para eles, está-lhes garantida a glória por direito divino, independente do que pensem os demais países.” E o editorial previa que “Obama, que defenderá os interesses dos EUA, acabará inevitavelmente em confronto com os interesses dos demais países.” Exatamente o que se vê acontecer hoje, repetidas vezes.

Esse realismo contrasta vivamente com o estado de espírito da Casa Branca, onde se crê, simploriamente, que alguns poucos discursos enunciados em capitais por todo o mundo, por um eloquente novo presidente, bastariam para restaurar o prestígio dos EUA que as políticas de George W. Bush deixou em ruínas. O que o presidente e sua entourage parecem não ver, contudo, apareceu em pesquisa do importante Pew Research Center. Mostrava-se ali que, depois da campanha pública da diplomacia de Obama, enquanto a imagem dos EUA realmente melhorara consideravelmente na Europa, México e Brasil, a melhora foi menos significativa na Índia e na China; foi apenas marginal no Oriente Médio árabe; e igual a zero na Rússia, Paquistão e Turquia .

Paralisado num modo autocongratulatório, a equipe de Obama não deu atenção à ampla gama de opções de jogo que ainda há em mãos de outras potências, para retaliar contra a pressão dos EUA. Por exemplo, não previram que Pequim ameaça impor sanções contra grandes empresas norte-americanas fornecedoras de armas a Taiwan; tampouco previram a dura resistência da República Popular da China, que não considerou, até agora, sequer a possibilidade de desvalorizar o yuan.

Há quem atribua o comportamento dos chineses a um crescente nacionalismo e ao medo, nos líderes, de que, se cederem a pressão de “estrangeiros”, abalarão a própria imagem “interna”. Mas a verdadeira razão pela qual os chineses resistem tem mais a ver com as durezas da economia, do que com qualquer preocupação com emoções populares. Nos dias iniciais da Grande Recessão de 2008-09, simbolizada pelo colapso do gigantesco banco de investimentos Lehman Brothers, a China logo farejou movimentos tectônicos em andamento no próprio equilíbrio do poder econômico internacional – com desgaste importante à, até então, “única superpotência”.

Enquanto se contraíam as economias de EUA e Europa, Pequim rapidamente adotou políticas que visavam a estimular a demanda interna e os investimentos em infraestrutura. Daí nasceu crescimento impressionante: 9% no PIB em 2009, com 12% já previstos para 2010. Com isso, até os analistas do Goldman Sachs já preveem que a China será a primeira potência econômica mundial, já a partir de 2050.

Pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, não são os EUA que arrancam o resto do mundo das garras do crescimento negativo: é a China. Os EUA emergiram da carnificina financeira como a nação mais endividada do planeta, sendo a China o principal credor, com impressionantes – e sem precedentes – reservas de $2,4 trilhões em moeda estrangeira.

Suas ricas corporações endinheiradas estão comprando empresas e recursos naturais futuros da Austrália ao Peru, do Canadá ao Afeganistão onde, ano passado, o Congjiang Copper (cobre) Group, corporação chinesa, ofereceu $3,4 bilhões – um bilhão de dólares a mais que a mais alta proposta das metalúrgicas ocidentais – para assegurar-se o direito de minerar cobre de um dos mais ricos depósitos do planeta.

Karzai, o Perigo, torna-se Karzai, o Indispensável

Ao assumir a presidência, Obama não fez segredo do desagrado que lhe inspirava o presidente afegão, Hamid Karzai. Para dispensar-se de enfrentar a viciosa corrupção que contamina todo o governo afegão, altos funcionários e militares dos EUA inventaram a ideia de negociar diretamente com os governadores das províncias e distritos afegãos. Na eleição presidencial de agosto de 2009, escolheram apoiar Abdullah Abdullah, principal e importante adversário de Karzai, como todos sabiam.

Quando Karzai manipulou pesadamente as eleições para garantir a reeleição, e fez-se de surdo aos clamores de Washington para que ‘limpasse’ o governo, Obama decidiu servir-se do porrete para disciplinar mais esse regime-cliente. Em gesto dramático, embarcou para viagem de 26 horas – de Washington a Cabul –, no último fim-de-semana de março, para dar lições pessoais a Karzai sobre sua (de Karzai) incompetência para governar e combater a corrupção. Karzai, sem alternativas, deixou que Obama falasse e nada disse.

Quando, porém, Karzai soube, pelos jornais, que um militar norte-americano não identificado havia sugerido que seu meio irmão mais jovem, Ahmed Wali, principal representante do governo Karzai na província de Candahar, no sul, deveria ter seu nome incluído na lista do Pentágono de barões da droga a serem assassinados ou presos, a paciência de Karzai esgotou-se, de vez.

O presidente afegão indignado respondeu com declarações de que os EUA obravam deliberadamente para intensificar e aprofundar a guerra no Afeganistão, para conseguir permanecer na região; não para pacificá-la, mas para controlá-la. Disse também que, se Washington insistisse nessa tática suja, aliar-se-ia aos Talibã. (Karzai, de fato, foi importante arrecadador de fundos para financiar os Talibã, depois que capturaram Cabul, em setembro de 1996.)

Obama reagiu como sempre, em iguais circunstâncias: se desafiado, retrocede. De porreteador maluco, transformou-se instantaneamente em distribuidor de cenouras durante a visita de Karzai a Washington no início de maio (a qual, em março, a equipe de Obama ameaçava adiar indefinidamente).

O ponto alto do movimento de bajular Karzai – digno de ser incluído em versão contemporânea de Alice no País das Maravilhas – foi um jantar oferecido a ele pelo vice-presidente Joe Biden, em sua mansão. Karzai, além de sentir-se vingado, deve ter rido muito. Em fevereiro, Biden protagonizara movimento de ofensa operística, ao levantar-se e sair de jantar com Karzai no palácio presidencial, depois de Karzai ter desmentido que seu governo fosse corrupto e dito que, mesmo que houvesse corrupção, o grande corruptor jamais foram nem ele nem sua família.

Apesar do tratamento “tapete vermelho”, e das táticas de “ofensiva de charme” e “poder soft”, Karzai foi cristalmente objetivo e claro na entrevista coletiva; ao lado de Obama, declarou que “o Irã é nação amiga do Afeganistão, nossa nação-irmã”.

Sentimentos semelhantes foram pouco depois expressos também por outro presidente – no Brasil.

O presidente Lula do Brasil e Obama

Desde que assumiu a presidência no Brasil, em 2003, Luiz Inacio Lula da Silva, sempre que necessário, trilhou caminho diferente do prescrito por Washington. Na Rodada de Doha, a questão foi o comércio mundial. E o mesmo se tem visto nas questões de aquecimento global e das sanções contra Cuba.

Em dezembro de 2008, o presidente do Brasil presidiu reunião de 31 países latino-americanos e do Caribe, excluídos os EUA, num centro turístico em território brasileiro, Sauípe. Mês seguinte, em vez de ir ao Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça, da Silva compareceu ao 8º Fórum Social Mundial em Belém, cidade à beira do rio Amazonas.

Criticou o modo como Obama desconsiderara a via democrática em Honduras e, apesar do desagrado manifesto do governo Obama e da oposição no Brasil, convidou o presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad a visitar Brasília em novembro de 2009 para conversações sobre o programa nuclear iraniano – primeiro movimento importante da diplomacia brasileira sob seu governo. (Uma semana adiante, da Silva recebera calorosamente o presidente Shimon Peres de Israel, em Brasília.) Seis semanas depois, da Silva estava em Teerã – e fez história, para desconsolo patético de Washington.

Atuando em conjunto com o primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan, da Silva reviveu uma proposta de acordo nuclear de outubro de 2009 e, contra todas as expectativas, conseguiu definir um acordo nuclear com Ahmadinejad.

Surpreendido, de fato aturdido, com o sucesso de Brasil e Turquia, e com a pouca importância que haviam dado à ‘desaprovação’ de Washington, o governo Obama desconsiderou toda a própria política até ali e passou a exigir que o Irã cancelasse seu programa de enriquecimento de combustível nuclear. E pôs-se freneticamente a tentar impor ao Conselho de Segurança da ONU uma resolução para mais sanções contra o Irã, como se o acordo costurado por Brasil e Turquia não existisse.

A dificuldade para ver a realidade é miopia, para dizer o mínimo. A incapacidade para avaliar, do presidente dos EUA e de sua secretária de Estado, ignora todos os movimentos relevantes que agitam o mundo (real), hoje. A influência das potências ‘medianas’ no cenário mundial está aumentando. Todos os governos, no mundo, sentem – com razão – que não precisam render-se ‘preventivamente’ às exigências de Washington. Nada mais estimulante, hoje, do que esse movimento.

Esse é o caminho pelo qual essas potências ‘medianas’ (ditas “emergentes”, mas, de fato, já plenamente “emergidas”), começam a conseguir reunir-se e atuar nas questões internacionais, tomando iniciativas diplomáticas com boa chance de serem bem-sucedidas.

Hoje, em todo o mundo, do Afeganistão a Honduras, do Brasil à China, líderes globais, dos maiores aos menores, pressentem que o governo Obama mais late que morde. É evidência de que, por mais que os EUA ainda sejam potência mundial, já não são nem a única nem a determinante. Esse desgraçado “século dos EUA” está irreversivelmente a caminho do fim.

* Dilip Hiro

Fonte do artigo original, em inglês: Tom Dispatch

Tradução: Caia Fittipaldi



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