por Luiz Carlos Azenha, em seu blog
O Milton Hayek* deixou um comentário dia desses sobre a formação de fuzileiros navais da Namíbia por instrutores da Marinha brasileira. Não consegui encontrar o link, mas estou certo de que ele deixará o caminho nos comentários. Antes de avançar no tema, acho importante situar geograficamente a Namíbia (ao sul de Angola), para quem tem pouca familiaridade com a África:
Geograficamente, a Namíbia tem um papel importante no Atlântico Sul. Um papel que deve se tornar ainda mais importante no futuro. Deste lado do Atlântico, temos as grandes reservas do pré-sal. Do outro lado, há também grandes reservas de petróleo em exploração na costa de Angola e da Nigéria e a expectativa de futuras descobertas especialmente em torno de São Tomé e Príncipe.
A essa altura já não é novidade o crescente papel que a diplomacia chinesa tem jogado no continente africano. A China importa cerca de 1/3 de todo o petróleo que consome de países africanos, especialmente de Angola. Os Estados Unidos, de olho no futuro, buscam multiplicar os seus fornecedores e reduzir a dependência do Oriente Médio. Não é por acaso que os Estados Unidos criaram um comando militar exclusivamente para “cuidar” da África. A cooperação militar chinesa se dá sobretudo em países como o Sudão, onde Beijing tem grandes investimentos públicos e privados na produção de petróleo. Faz sentido, já que a distância geográfica é bem menor. A relação da China com múltiplos parceiros africanos se baseia na implantação de projetos de engenharia de impacto social (uns mais, outros menos), no acesso aos mercados locais para a venda de produtos chineses e na presença física de milhares de chineses, que atuam especialmente no comércio.
Nem o Brasil, nem os Estados Unidos tem algo parecido no conjunto da África. A Líbia em uma ponta e a África do Sul em outra financiam projetos de desenvolvimento na vizinhança. A presença da Índia é crescente, tirando proveito da existência de comunidades hindus, a maior delas em Durban, na África do Sul.
Fala-se muito em um novo “Scramble for Africa”, parecido com o processo que levou à divisão do continente em esferas de influência dos poderes europeus no fim do século 19. É o forte apetite dos chineses por matérias primas (petróleo, minério e madeira) que guia esse processo, seja lá qual o nome que se dê a ele.
Algumas grandes empresas brasileiras, especialmente a Petrobras, a Vale (em Moçambique) e a Odebrecht (em Angola) tem uma presença importante no continente.
Como vocês sabem, é difícil falar em uma África. São muitas. As desigualdades regionais, a falta de infraestrutura e as diferenças culturais são barreiras fortes a um espaço econômico integrado, que ofereça possibilidade de escala aos exportadores. A China resolveu isso exportando… empreendedores chineses.
Por isso, quando se fala em um mercado com 900 milhões de consumidores há um certo exagero. Algumas empresas resolveram isso redesenhando seus produtos, para torná-los mais baratos. Desenvolveram redes locais e informais de distribuição (mais ou menos como a Nestle fez no Nordeste brasileiro). Grosso modo, os africanos dependem da agricultura para acumular renda. Nas regiões onde as chuvas são irregulares, a produção é incerta. Faltam represas e dinheiro para montar sistemas de irrigação.
Por isso, me parece bastante adequado que a ofensiva brasileira se dê em duas frentes: 1) apoiando a reivindicação dos africanos pela redução das barreiras alfandegárias, fitossanitárias e outras que reduzem o potencial de exportação agrícola (com o potencial de aumentar a renda e o consumo locais); 2) oferecendo apoio técnico através da Embrapa (especialmente das tecnologias para melhorar a produtividade da savana, como aconteceu com o cerrado brasileiro).
É nesse contexto multipolar que precisamos considerar a atuação do IBAS, o fórum que reúne Índia, Brasil e África do Sul. Como vocês sabem, Índia e China travam uma guerra surda na Ásia por influência regional. Embora o trio não se choque diretamente com a China na África, não deixa de oferecer uma alternativa a governos locais. Neste mundo crescentemente multipolar, há circunstâncias que unirão no continente Brasil e Estados Unidos; Brasil e França; Brasil e China; Brasil, Índia e África do Sul; Brasil e Namíbia (os países costeiros da África, cujos recursos marítimos são enormes, são as grandes vítimas de frotas internacionais de pesqueiros que atuam de forma predatória).
Isso requer cálculos políticos e movimentos diplomáticos que superem o pensamento binário dos tempos da guerra fria. Requer que a Argentina seja considerada mais que um destino comercial do Mercosul: com a África do Sul, a Namíbia e Angola, a Argentina é parceira estratégica para garantir que o Atlântico Sul, onde estão as duas principais cidades brasileiras, não fique subordinado a interesses contrários aos do Brasil. Um dia o Atlântico será apenas um rio a nos separar da África, como já foi no passado colonial (pensem no potencial que isso tem para a indústria naval brasileira).
A quem se interessa pelo assunto, recomendo a leitura deste artigo da Foreign Affairs (com a visão que os Estados Unidos tem da presença chinesa) e do livro A Biography of Africa, de John Reader.
O que me leva à notícia que recebi hoje, por e-mail:
Brasília, 3 de maio de 2010.
Universidade Brasil-África é prioridade do governo esta semana
O projeto que cria a Universidade Luso-Afro-Brasileira (Unilab) é uma das prioridades do governo na Câmara esta semana. O líder do Governo, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), afirmou que o presidente Lula considera o PL 2891/08 muito importante “do ponto de vista político, quanto às relações com o continente africano, e também por uma questão de justiça com povos que foram escravizados durante séculos”. A instituição, de acordo com o projeto, deve ser instalada em Redenção (CE), município onde foi registrada a primeira ocorrência de tráfico negreiro.
“O presidente Lula falou sobre esse projeto comigo quando me convidou para ser líder do governo”, enfatizou. Segundo Vaccarezza, a intenção do presidente é sancionar a proposta em quinze dias, antes da chegada ao Brasil de uma delegação de chefes de Estado africanos.
A proposta havia sido aprovada em caráter conclusivo na Comissão de Constituiçaõ e Justiça da Câmara, mas terá de ir a plenário por ter sido objeto de recurso do líder do PSDB, deputado João Almeida (BA). “Ele [Almeida] defende que a Unilab vá para a Bahia, mas por esse argumento – local de grande influência da cultura africana – poderia ser Rio de Janeiro ou União dos Palmares (AL)”, disse Vaccarezza, adiantando que vai conversar com Almeida para a votação ser agilizada na Câmara e seguir para o Senado.
Uma das finalidades da Unilab é promover intercâmbio cultural com o continente africano e incentivar estudos que tenham como foco o desenvolvimento de ciência e tecnologia.
***
“Reconhecer” a África, portanto, atende a interesses políticos, econômicos e históricos de toda a população brasileira. Quem sabe a Copa do Mundo da África do Sul seja uma boa oportunidade para acelerar o processo.
Para quem quer conhecer um pouquinho dos desafios diante da África, um pequeno trecho da entrevista que o programa Nova África fez com a prêmio Nobel Wangari Maathai, no Quênia:
Wangari Maathai from Baboon Filmes on Vimeo.
*Links sugeridos pelo leitor do Azenha
Brasil com um pé na África
Marinha do Brasil forma Primeira Turma de Soldados Fuzileiros Navais da Namíbia
Infantaria de Fuzileiros Navais da Namíbia inicia suas atividades
Instituto de Pesquisas da Marinha na Ilha do Governador
Revisão do TNP
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