Sobre o texto crítico "E se Obama fosse brasileiro?" que a antropóloga Heloisa Pires Lima escreveu sobre o artigo de Mia Couto, intitulado "E se Obama fosse africano?", Mia treplicou. Eis a resposta do escritor moçambicano:
Querida Heloisa
Muito obrigado pelo artigo (que muito apreciei) e pela atenção de mo fazer chegar às mãos (melhor, aos olhos). Concordo consigo sobre os riscos em que incorre um texto jornalístico como o meu.
Existem várias Africas e eu salvaguardo as excepções. Sou de uma África que, felizmente, mora do lado das excepções. O meu propósito no texto foi atacar o cinismo com que algumas elites lidam com a questão da raça e da africanidade e sugerir que se pense na ideia de identidade e lealdade fundada na cor da pele. O nosso “irmão” Obama passará muito cedo à categoria de “traidor” quando se pronunciar sobre a questão do Zimbabwe, por exemplo. Condolleeza Rice foi chamada de “escrava aos serviço dos brancos” por Mugabe que saudou Obama como “um irmão africano”. A defesa de solidariedade racial é uma das principais armas de que se servem as elites predadoras de Africa assim como a construção de falsas bipolaridades do tipo “Ocidente” versus “Africa” ou “Democracia” versus “regimes autenticamente africanos”. A fobia contra a homossexualidade assume, muitas vezes, proporções inimagináveis. É ainda absolutamente dominante a passividade e complacência para com crimes cometidos para com regimes ditatoriais. Evidentemente, isto não tem nada a ver com um destino marcado ou com a “natureza” particular dos africanos. Esses fenómenos ocorrem nos outros continentes. Muito do que se pensa ser maleita africana é também brasileira, americana, em suma, humana. A diferença é que na Europa e na América as possibilidades sociais e políticas de contrariar esta voracidade são mais fortes e mais antigas. A diferença esta na História e não na genética. Faço parte deste processo de iniciar no meu país o embrião de uma sociedade civil que possa pressionar governos futuros e obrigar as futuras administrações a prestarem contas pelo que fazem. Mas mesmo em Moçambique (caso de excepção em África) esse processo está ainda no princípio. E posso assegurar-lhe que, mesmo em Moçambique, que tem uma história exemplar tudo o que é processo de envolvimento democrático é frágil como uma pluma.
Um abraço amigo
Mia Couto
Nenhum comentário:
Postar um comentário