"A destruição sistemática de lugares sagrados, de escolas, universidades e a matança de inocentes são crimes de guerra. Os criminosos serão julgados."
O autor dessas perguntas, Lev Grinberg, é cientista político e diretor do Instituto Humphrey de Pesquisa Social da Universidade Ben Gurion, em Israel. Não é, portanto, nenhum "anti-semita", nenhum "islâmico fanático", nenhum "apoiador do holocausto", ninguém, em resumo, que possa ser enquadrado nos habituais e imbecis insultos destinados a qualquer um que critique o governo de Israel.
Grinberg continua: "Quero perguntar: quem prenderá Sharon, a pessoa diretamente responsável pelas ordens para assassinar os palestinos? Quando ele também será qualificado como terrorista? Por quanto tempo ainda o mundo pretende ignorar aquilo que dizem os palestinos – que eles apenas querem liberdade e independência? Quando vamos parar de ignorar o fato de que o objetivo do governo israelense não é a segurança, mas sim a permanente ocupação e dominação do povo palestino?"
O Relato de Mário Lill
A julgar pelas cenas de nazismo explícito praticado nas últimas semanas pelo exército de Israel contra o povo palestino, pessoas como o professor Grinberg ainda terão de esperar muito para aplacar sua angústia e indignação.
Vejamos o que relata Mário Lill, o brasileiro que ficou famoso ao entregar uma bandeira do MST a Yasser Arafat, durante um encontro mantido em seu escritório, na cidade sitiada de Ramallah. Lill fazia parte de uma comitiva internacional organizada pela Via Campesina, em solidariedade para com o povo palestino. A comitiva chegou em Ramallah no dia 28 de março, quase que no mesmo momento em que começou o pesadelo.
Em entrevistas diárias concedidas à rede de rádio CBN e em emails distribuídos pela Internet, Lill disse que "Sharon comanda um genocídio". Segundo ele, o exército israelense "está matando civis nas ruas e em suas casas, indiscriminadamente". E mais: "Os soldados também estão entrando nos hospitais, matando pessoas feridas e prendendo os médicos. As ambulâncias estão impedidas de circular e recolher os feridos. Até mesmo ambulâncias com organizações humanitárias estrangeiras estão sendo detidas".
Mentiras de um certo "jornalista"
Não é exatamente esse quadro que transparece na cobertura feita pela mídia internacional e brasileira. Thomas Friedman, o articulista do New York Times especializado em Oriente Médio, espécie de porta-voz daquele jornal, responsabiliza Yasser Arafat pela prática de terrorismo. Insiste na velha tecla de que Arafat poderia ter aceito o acordo de paz oferecido, em julho de 2000, por Bill Clinton e o então primeiro ministro israelense Ehud Barak, durante as negociações de Camp David. A ocupação israelense teria terminado, então, e estaria aberta a via para a formação do Estado Palestino. Arafat, ao recusar o acordo, teria estragado tudo. O único problema é que Friedman é cínico, mentiroso e parece acreditar que o mundo é povoado de imbecis.
A "tese" de Friedman – de resto, também defendida por um sem-número de papagaios sábios que , invariavelmente, adotam ares profundos de doutores para falar sobre o assunto – não resiste à menor análise.
Stephen Shalom, professor de ciências políticas na universidade William Paterson, de Nova Jersey, e articulista da revista eletrônica Z Net, lembra que um dos integrantes da equipe de negociadores de Bill Clinton, Robert Malley, lançou um livro definitivo sobre o assunto, no qual mostra que Arafat não poderia aceitar o acordo simplesmente porque não havia acordo algum (Camp David: The Tragedy of Errors, Robert Malley e Hussein Agha, New York Review of Books).
No livro, Malley nota que Barak, longe de ser o "democrata cordial" pintado pela mídia, multiplicou o número de assentamentos israelenses nos territórios palestinos ocupados durante o ano que durou o seu mandato. Em Camp David, diz Malley, Barak fez uma oferta indecente a Arafat, e ainda assim jamais escrita nem detalhada. Segundo Malley, "estritamente falando, nunca houve uma proposta israelense".
E qual foi a proposta que não houve? Para "resolver" o problema dos assentamentos israelenses, os palestinos receberiam uma área (não especificada, que Israel escolheria) equivalente a 1 por cento do total da Cisjordânia, em troca de 9 por cento da Cisjordânia onde já estavam formados assentamentos, que, na prática, dividem a Cisjordânia em regiões separadas. Isto é, a "proposta generosa" de Barak se resumia a criar bantustões palestinos.
Suicidas e terroristas
Stephen Shalon também nota que não há, nem pode haver, qualquer simetria entre o gesto desesperado dos palaestinos suicidas e a matança a sangue frio promovida pelos soldados israelenses. A razão é tão simples quanto trágica: "Muitos daqueles que aderem aos grupos terroristas enfrentam uma vida de desemprego e pobreza (...). Quando o desemprego atinge a margem dos 40 por cento e cerca de 45 por cento da população tem menos de 15 anos (como é o caso da Cisjordânia e Faixa de Gaza), as pessoas têm dificuldade em acreditar que seu futuro será brilhante". Essas considerações foram feitas a congressistas, dia 6 de fevereiro, pelo insuspeito Carl W. Ford Jr., secretário assistente de informação e pesquisa de Estado dos Estados Unidos.
Ninguém está dizendo, aqui, que a miséria justifica o terrorismo. Não justifica. Mas os números revelam a tragédia humana vivida pelos palestinos. Não há como comparar um jovem desesperado de 15 anos com soldados treinados para praticar o genocídio. Não há como dizer que Arafat é o responsável pelo presente caos, quando se sabe que Sharon é, reconhecidamente, um gorila truculento nazista, e que foi ele quem provocou a "nova Intifada" ao visitar, em setembro de 2000 – protegido por um exército de guarda-costas e abençoado pelo "democrata" Ehud Barak -, a Esplanada das Mesquitas, no coração da Velha Jerusalém, um lugar sagrado para os muçulmanos.
Novamente, essa percepção não é defendida por "islâmicos fanáticos" ou "anti-semitas", mas por gente digna e honesta, como os já citados Lev Grinberg e Stephen Shalom, e por muitos outros professores, ativistas, escritores e intelectuais israelenses, como Michael Warchawski, Uri Avneri e o filósofo Sergio Yahni (membro do Conselho Consultivo do Fórum Social Mundial), que aliás foi preso, no dia 19 de março, por ter se recusado a servir, como reservista no Exército facínora de Sharon.
Tolices da Mídia Brasileira
A mídia brasileira, finalmente, prossegue – com raras e honrosas exceções – a sua tradição e repetir as tolices, os preconceitos, as mentiras, os mitos e as falsificações propagados pela mídia americana. A frase "novo atentado suicida praticado por terrorista palestino" é repetida inúmeras vezes, em artigos, na televisão e no rádio, sem que jamais alguém pare para perguntar o que leva um jovem a se matar. Claro, existe até um resposta pronta, caso alguém faça uma pergunta tão estranha: os suicidas são islâmicos, ora, e portanto fanáticos, logo terroristas. E está tudo certo.
Mas como explicar, então, a brutalidade da "ocidental" e "democrática" sociedade israelense? Não faltam os "especialistas" de plantão para dizer, por exemplo, que a "dureza" dos soldados de Sharon é resultado da "perplexidade da sociedade israelense" face aos "atentados terroristas palestinos". Assim, a vítima é responsável por seu próprio flagelo! E os autores de teses tão sofisticados e brilhantes ocupam, não raro, postos importantes nos maiores e melhores centros universitários desta país. É amargamente risível.
O nazista Sharon promove um genocídio, eis tudo. Só que, com isso, ele está também destruindo a sociedade israelense. Não há como viver em um país cercado de inimigos. Pela primeira vez, começa a haver uma nova diáspora judaica de Israel. A "terra prometida", hoje, só promete a angústia. Sharon é a morte para judeus e palestinos.Publicado em Abril de 2002 na Revista Caros Amigos
por José Arbex Jr.
"Quem deveria ser preso pelo assassinato de 120 paramédicos palestinos? Quem deveria ser condenado pela morte de mais de 1200 palestinos e pela punição coletiva imposta a 3 milhões de civis nos últimos dezoito meses? E quem deveria enfrentar a justiça internacional pela ocupação ilegal de terras palestinas e pela desobediência às resoluções da ONU por mais de 35 anos?"
O autor dessas perguntas, Lev Grinberg, é cientista político e diretor do Instituto Humphrey de Pesquisa Social da Universidade Ben Gurion, em Israel. Não é, portanto, nenhum "anti-semita", nenhum "islâmico fanático", nenhum "apoiador do holocausto", ninguém, em resumo, que possa ser enquadrado nos habituais e imbecis insultos destinados a qualquer um que critique o governo de Israel.
Grinberg continua: "Quero perguntar: quem prenderá Sharon, a pessoa diretamente responsável pelas ordens para assassinar os palestinos? Quando ele também será qualificado como terrorista? Por quanto tempo ainda o mundo pretende ignorar aquilo que dizem os palestinos – que eles apenas querem liberdade e independência? Quando vamos parar de ignorar o fato de que o objetivo do governo israelense não é a segurança, mas sim a permanente ocupação e dominação do povo palestino?"
O Relato de Mário Lill
A julgar pelas cenas de nazismo explícito praticado nas últimas semanas pelo exército de Israel contra o povo palestino, pessoas como o professor Grinberg ainda terão de esperar muito para aplacar sua angústia e indignação.
Vejamos o que relata Mário Lill, o brasileiro que ficou famoso ao entregar uma bandeira do MST a Yasser Arafat, durante um encontro mantido em seu escritório, na cidade sitiada de Ramallah. Lill fazia parte de uma comitiva internacional organizada pela Via Campesina, em solidariedade para com o povo palestino. A comitiva chegou em Ramallah no dia 28 de março, quase que no mesmo momento em que começou o pesadelo.
Em entrevistas diárias concedidas à rede de rádio CBN e em emails distribuídos pela Internet, Lill disse que "Sharon comanda um genocídio". Segundo ele, o exército israelense "está matando civis nas ruas e em suas casas, indiscriminadamente". E mais: "Os soldados também estão entrando nos hospitais, matando pessoas feridas e prendendo os médicos. As ambulâncias estão impedidas de circular e recolher os feridos. Até mesmo ambulâncias com organizações humanitárias estrangeiras estão sendo detidas".
Mentiras de um certo "jornalista"
Não é exatamente esse quadro que transparece na cobertura feita pela mídia internacional e brasileira. Thomas Friedman, o articulista do New York Times especializado em Oriente Médio, espécie de porta-voz daquele jornal, responsabiliza Yasser Arafat pela prática de terrorismo. Insiste na velha tecla de que Arafat poderia ter aceito o acordo de paz oferecido, em julho de 2000, por Bill Clinton e o então primeiro ministro israelense Ehud Barak, durante as negociações de Camp David. A ocupação israelense teria terminado, então, e estaria aberta a via para a formação do Estado Palestino. Arafat, ao recusar o acordo, teria estragado tudo. O único problema é que Friedman é cínico, mentiroso e parece acreditar que o mundo é povoado de imbecis.
A "tese" de Friedman – de resto, também defendida por um sem-número de papagaios sábios que , invariavelmente, adotam ares profundos de doutores para falar sobre o assunto – não resiste à menor análise.
Stephen Shalom, professor de ciências políticas na universidade William Paterson, de Nova Jersey, e articulista da revista eletrônica Z Net, lembra que um dos integrantes da equipe de negociadores de Bill Clinton, Robert Malley, lançou um livro definitivo sobre o assunto, no qual mostra que Arafat não poderia aceitar o acordo simplesmente porque não havia acordo algum (Camp David: The Tragedy of Errors, Robert Malley e Hussein Agha, New York Review of Books).
No livro, Malley nota que Barak, longe de ser o "democrata cordial" pintado pela mídia, multiplicou o número de assentamentos israelenses nos territórios palestinos ocupados durante o ano que durou o seu mandato. Em Camp David, diz Malley, Barak fez uma oferta indecente a Arafat, e ainda assim jamais escrita nem detalhada. Segundo Malley, "estritamente falando, nunca houve uma proposta israelense".
E qual foi a proposta que não houve? Para "resolver" o problema dos assentamentos israelenses, os palestinos receberiam uma área (não especificada, que Israel escolheria) equivalente a 1 por cento do total da Cisjordânia, em troca de 9 por cento da Cisjordânia onde já estavam formados assentamentos, que, na prática, dividem a Cisjordânia em regiões separadas. Isto é, a "proposta generosa" de Barak se resumia a criar bantustões palestinos.
Suicidas e terroristas
Stephen Shalon também nota que não há, nem pode haver, qualquer simetria entre o gesto desesperado dos palaestinos suicidas e a matança a sangue frio promovida pelos soldados israelenses. A razão é tão simples quanto trágica: "Muitos daqueles que aderem aos grupos terroristas enfrentam uma vida de desemprego e pobreza (...). Quando o desemprego atinge a margem dos 40 por cento e cerca de 45 por cento da população tem menos de 15 anos (como é o caso da Cisjordânia e Faixa de Gaza), as pessoas têm dificuldade em acreditar que seu futuro será brilhante". Essas considerações foram feitas a congressistas, dia 6 de fevereiro, pelo insuspeito Carl W. Ford Jr., secretário assistente de informação e pesquisa de Estado dos Estados Unidos.
Ninguém está dizendo, aqui, que a miséria justifica o terrorismo. Não justifica. Mas os números revelam a tragédia humana vivida pelos palestinos. Não há como comparar um jovem desesperado de 15 anos com soldados treinados para praticar o genocídio. Não há como dizer que Arafat é o responsável pelo presente caos, quando se sabe que Sharon é, reconhecidamente, um gorila truculento nazista, e que foi ele quem provocou a "nova Intifada" ao visitar, em setembro de 2000 – protegido por um exército de guarda-costas e abençoado pelo "democrata" Ehud Barak -, a Esplanada das Mesquitas, no coração da Velha Jerusalém, um lugar sagrado para os muçulmanos.
Novamente, essa percepção não é defendida por "islâmicos fanáticos" ou "anti-semitas", mas por gente digna e honesta, como os já citados Lev Grinberg e Stephen Shalom, e por muitos outros professores, ativistas, escritores e intelectuais israelenses, como Michael Warchawski, Uri Avneri e o filósofo Sergio Yahni (membro do Conselho Consultivo do Fórum Social Mundial), que aliás foi preso, no dia 19 de março, por ter se recusado a servir, como reservista no Exército facínora de Sharon.
Tolices da Mídia Brasileira
A mídia brasileira, finalmente, prossegue – com raras e honrosas exceções – a sua tradição e repetir as tolices, os preconceitos, as mentiras, os mitos e as falsificações propagados pela mídia americana. A frase "novo atentado suicida praticado por terrorista palestino" é repetida inúmeras vezes, em artigos, na televisão e no rádio, sem que jamais alguém pare para perguntar o que leva um jovem a se matar. Claro, existe até um resposta pronta, caso alguém faça uma pergunta tão estranha: os suicidas são islâmicos, ora, e portanto fanáticos, logo terroristas. E está tudo certo.
Mas como explicar, então, a brutalidade da "ocidental" e "democrática" sociedade israelense? Não faltam os "especialistas" de plantão para dizer, por exemplo, que a "dureza" dos soldados de Sharon é resultado da "perplexidade da sociedade israelense" face aos "atentados terroristas palestinos". Assim, a vítima é responsável por seu próprio flagelo! E os autores de teses tão sofisticados e brilhantes ocupam, não raro, postos importantes nos maiores e melhores centros universitários desta país. É amargamente risível.
O nazista Sharon promove um genocídio, eis tudo. Só que, com isso, ele está também destruindo a sociedade israelense. Não há como viver em um país cercado de inimigos. Pela primeira vez, começa a haver uma nova diáspora judaica de Israel. A "terra prometida", hoje, só promete a angústia. Sharon é a morte para judeus e palestinos.Publicado em Abril de 2002 na Revista Caros Amigos
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