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sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O bloqueio à Gaza é instrumento da ocupação israelense.

Gaza resiste. Gaza sobrevive.

Por Ramzi Kysia*

(17/11/2008).


FAIXA DE GAZA, Palestina
- Num pequeno café na cidade de Gaza, Amjad Shawa, coordenador da Rede Palestinense de ONGs (PNGO), toma café e rumina sobre o bloqueio com que os israelenses castigam Gaza. "Esse bloqueio nada tem a ver com segurança, nem com o Hamás," diz ele. "Israel só pensa em separar Gaza da Cisjordânia, para enterrar o projeto nacional palestino."

Na Faixa de Gaza, estreita planície litorânea de 30 km de comprimento, apertada entre Israel e o Egito, vivem 1,5 milhão de palestinenses. Apesar da pequena extensão territorial, concentra-se ali, em vários sentidos, o núcleo duro de dois gigantescos conflitos: o crescimento político do islamismo e a idéia, ocidental, de que o islamismo político possa ser derrotado mediante algum castigo coletivo e um brutal bloqueio econômico.

Desde que o Hamás venceu eleições parlamentares, em janeiro de 2006, Israel vem submetendo Gaza a bloqueio cada vez mais severo. Em junho de 2007, depois de militantes do Hamás terem-se aliado ao presidente Máhmude Abbas e assumiram o controle de Gaza, Israel cerrou ainda mais o bloqueio, que passou a incluir praticamente tudo, apenas mitigado com a chegada, esporádica, de alguns produtos, todos de ajuda humanitária. A economia local foi destruída, o que fez subir todos os indicadores de desemprego, de miséria, de desnutrição infantil.

Enquanto Abbas e o partido Fatah ainda governam a Cisjordânia, com apoio de Israel, o futuro do Hamás é incerto. Apesar de o Hamás ainda ter massivo apoio popular, a população em Gaza começa a dar sinais de frustração, ante a economia moribunda.

Para Rawya Shawa, membro independente do Conselho Legislativo Palestino de Gaza, a Palestina está num limbo político. "Quando se chega ao poder, as coisas mudam", diz Shawa. "70% dos habitantes de Gaza são refugiados. A Fatah liderou os palestinos por 45, 50 anos, e fracassou. Nada fizeram do que prometeram. Agora, o Hamás está no poder. Estão tentando. A população está à espera de resultados."

CRESCIMENTO DO HAMÁS

Em situação de declínio do nacionalismo pan-arabista, que esteve no auge nos anos 60 e 70 e que entrou em colapso a partir de 1993, depois dos acordos de Oslo, o Hamás encontrou terreno fértil na Palestina, combinando projetos bem-sucedidos de bem-estar e melhoria de condições de vida para a população, tradicionalismo religioso, anti-elitismo (o primeiro-ministro Ismail Haniyeh ainda vive na casa em que nasceu, em Beach Camp, uma das áreas mais pobres de Gaza) e oposição dura à presença de Israel na Região. Embora atualmente o Hamás esteja respeitando um cessar-fogo unilateral, os seus grupos armados são responsáveis pelos rojões Qassam lançados contra Israel e por ataques de homens-bomba, motivo pelo qual o grupo está classificado como "organização terrorista" por EUA e Israel.

Praticamente ninguém, em Gaza, aceita essa classificação. Para o grupo B'Tselem, de israelenses ativistas dos direitos humanos, 955 crianças palestinenses foram mortas pelo exército de Israel; e 123, nos ataques palestino, desde o início da II intifada em setembro de 2000. Por causa do bloqueio, cerraram as portas 3.500 das 3.900 fábricas que havia em Gaza, o que levou à demissão de mais de 100 mil empregados do setor privado. A renda per capita em Gaza é inferior a 2 dólares/dia; 80% das famílias dependem integralmente de auxílio internacional para comer.

O bloqueio levou a racionamentos cada vez mais terríveis, que abalaram todas as estruturas da economia e da sociedade. A falta de combustível, elevou os preços da gasolina para mais de $50/galão no início do verão e levou, em seguida, à falta de energia elétrica. Hospitais, que dependem de geradores a diesel para funcionar, ficam paralisados regularmente por até 12 horas por dia. Sem combustível para as bombas de irrigação, as colheitas, já minguadas, desaparecem. Nas casas, só há água corrente durante menos de 6 horas por dia, e um terço das casas não tem água encanada.

Sem diesel, as bombas de escoamentos dos esgotos não funcionam, e os detritos já começam a ser lançados diretamente no Mediterrâneo, o que faz das praias latrina a céu aberto. Em 2008, foram lançados no Mediterrâneo mais de 15 bilhões de litros de esgotos não tratados, o que já dizima a flora e a fauna marinha nas regiões costeiras.

Em comparação a dezembro de 2005, menos de 20% dos produtos que Israel normalmente exporta para Gaza ainda são entregues, mas os números encolhem diariamente. Tanto o Banco Mundial quanto várias organizações israelenses de direitos humanos já exigiram o fim do bloqueio, sem sucesso.

"Não é um desastre natural", diz John Ging, diretor da Agência da ONU para Auxílio Humanitário em Gaza. "É desastre construído e planejado pelas políticas desumanas de Israel."

AÇÃO DIRETA

As pessoas, em Gaza não esperam que o fim do bloqueio porá fim à crise. Em janeiro, centenas de milhares de pessoas passaram pela fronteira, em direção ao Egito, quando o Hamás demoliu parte do muro de fronteira que Israel construiu em 2003. Em fevereiro, o Comitê Popular contra o Bloqueio organizou uma "corrente humana", de milhares de palestinenses, ao longo de toda a fronteira da Faixa de Gaza.

"Meu telefone não parou de tocar, porque eles [os israelenses] pensam que vamos demolir a fronteira", diz Sameh Habeeb, um dos organizadores do evento. "Israel não acredita que milhares de árabes sejam capazes de organizar um protesto pacífico. Quando há resistência armada, Israel manda seus mísseis e F-16s, mas eles ficam sem saber o que fazer nos movimentos de resistência civil. A não-violência enlouquece os israelenses."

O mais impressionante ato de resistência não-violenta em Gaza é sobreviver.

Várias famílias aprenderam a caçar e criar coelhos e pássaros selvagens, para suplementar a dieta. Há uma precária mas eficiente rede de túneis que atravessam a fronteira do Egito, cuja construção custou muitas vidas, mas que é importante via pela qual chegam suprimentos e remédios. Nas últimas semanas, começou a operar uma rede de tubulações, subterrânea, que aliviou consideravelmente a falta de combustível. Alguns carros rodam movidos a gás de cozinha, vendido a 300 dólares o botijão. A falta de gás para cozinhar fez muitas famílias reverter aos fogões à lenha. Não havendo concreto, começam a reaparecer em Gaza construções feitas de tijolos de barro queimado.

O colapso da economia em Gaza é mostra do imperialismo de guerra em estágios extremos: economia obrigada a operar sem matérias-primas, esfacelamento de todas as indústrias locais mediante a violência militar e o bloqueio, acesso permitido só a produtos manufaturados importados exclusivamente da potência ocupante, pressão para forçar os habitantes a consumir todas e quaisquer reservas ou poupanças que tenham armazenado. Quando o bloqueio terminar, algum dia, a população ainda demorará muito para recuperar-se, mesmo com extensa ajuda humanitária.

Amjad Shawa, diretor da Rede Palestinense de ONGs, lembra que o bloqueio é instrumento da ocupação israelense. "O estatuto legal de Gaza é "território ocupado". O bloqueio é um instrumento da mesma agressão. Por isso os ataques a Gaza, por Israel, configuram crime de guerra. De fato, por mais que precisemos de ajuda humanitária, a solução não virá daí. Precisamos pôr fim à ocupação".


*Ramzi Kysia é escritor e ativista árabe-estadunidense, um dos organizadores do Movimento "Gaza Livre". Para saber mais, visite www.FreeGaza.org.
Fonte do artigo: Indypendent.org

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Operação "cast lead"


Uri Avnery (distribuído por e-mail, traduzido por Carla Fittipaldi)

Pouco depois da meia-noite, o canal árabe Aljazeera exibia matéria sobre os eventos em Gaza. De repente, a câmera apontou para o céu escuro. Tela negra. Não se via coisa alguma. Mas ouvia-se o ruído dos aviões, assustador, um rugido apavorante.

Impossível não pensar nas dezenas de milhares de crianças de Gaza que ouviam aquele ruído naquele momento, encolhidas, paralisadas de medo, à espera da explosão das bombas.

"Israel tem de defender-se contra os foguetes que aterrorizam as cidades do sul do país", explicou o porta-voz israelense. "Os palestinenses têm de reagir contra o assassinato de seus combatentes na Faixa de Gaza", declarou o porta-voz do Hamás.

De fato, não se pode dizer que o cessar-fogo foi rompido, porque nem chegou a haver cessar-fogo, para começar. A principal exigência, para que haja qualquer cessar-fogo na Faixa de Gaza é que se libere a passagem nos postos de fronteira. Não há vida possível em Gaza sem um fluxo regular de suprimentos. E os postos não foram abertos, senão apenas por algumas horas, esporadicamente. O bloqueio por terra, mar e ar contra 1,5 milhão de seres humanos é ato de guerra, tanto quanto lançar bombas ou lançar rojões. O bloqueio paralisa a vida na Faixa de Gaza: extingue fontes de trabalho e emprego, limita oportunidades onde já praticamente não há oportunidade alguma, leva centenas de milhares de pessoas à fome, impede que os hospitais funcionem, corta o suprimento de eletricidade e água.

Os que decidiram fechar os postos de passagem - seja qual tenha sido o pretexto - sabem que nunca haveria e não houve efetivo cessar-fogo, nessas condições.

Isso é o principal. Depois, vieram as provocações menores, planejadas para obrigar o Hamás a reagir. Depois de vários meses, durante os quais praticamente não foram lançados rojões Qassam, uma unidade do exército foi mandada à Faixa, para "destruir um túnel localizado muito próximo da cerca de fronteira". De um ponto de vista estritamente militar, faria mais sentido montar uma emboscada dos dois lados da cerca. Mas o objetivo era criar um pretexto para pôr fim ao cessar-fogo, de modo que parecesse plausível culpar os palestinenses. Afinal, depois de várias pequenas ações, nas quais foram assassinados combatentes do Hamás, o Hamás retaliou com lançamento massivo de rojões, e - abracadabra - acabou o cessar-fogo. Todos culparam o Hamás.

Para quê? Tzipi Livni disse abertamente: para derrubar o governo do Hamás em Gaza. Os rojões Qassam foram o pretexto.

Derrubar o governo do Hamás? Soa como capítulo de "A Marcha da Insensatez". Afinal de contas, todo mundo sabe que, para começar, o governo de Israel praticamente criou o Hamás. Uma vez, perguntei a um ex-chefe do Shin-Bet, Yaakov Peri, sobre isso, e ele respondeu-me com ar enigmático: "Não criamos, mas tampouco dificultamos."

Durante anos, as autoridades da ocupação estimularam o movimento islâmico nos territórios ocupados. Quaisquer outras atividades políticas foram rigorosamente suprimidas, mas a atividade dos movimentos islâmicos nas mesquitas continuou liberada. O cálculo foi tão simples quanto ingênuo: a OLP era considerada o principal inimigo de Israel, Yasser Arafat era o demônio da hora. O movimento islâmico combatia a OLP e Arafat. 'Então'... foi tratado como aliado de Israel.

Na primeira intifada, em 1987, o movimento islâmico oficialmente se rebatizou: passou a chamar-se Hamás (sigla, em árabe, de "Movimento da Resistência Islâmica") e mergulhou na luta. Mesmo então, o Shin-Bet nada fez contra o Hamás durante quase um ano, enquanto os membros do Fatah eram executados ou presos aos magotes. Israel só reagiu depois de um ano, e prendeu também Sheikh Ahmed Yassin e seus seguidores.

Depois disso, as coisas mudaram. Hoje, o demônio da hora é o Hamás, e a OLP é vista por muitos em Israel quase como um braço do movimento sionista. A conclusão lógica, se o governo de Israel quisesse a paz, seria aceder ao que pedem as lideranças do Fatah: fim da ocupação, assinar um tratado de paz, instituir um Estado da Palestina, retorno às fronteiras de 1967, solução razoável para o problema dos refugiados, libertação de todos os prisioneiros palestinenses. Com isso, com certeza, o crescimento do Hamás teria sido contido.

Mas lógica e política não se dão bem. Nada daquilo aconteceu. Aconteceu o contrário. Depois do assassinato de Arafat, Ariel Sharon declarou que Máhmude Abbas, que sucedeu Arafat, era "galinha depenada". Não permitiram que Abbas contabilizasse a seu favor nenhum feito político, por pequeno que fosse. As negociações, patrocinadas pelos EUA, viraram piada. O mais autêntico dos líderes do Fatah, Marwan Barghouti, foi preso, com sentença de prisão perpétua. Em vez de libertação de prisioneiros, só "gestos" estreitos e insultantes.

Abbas passou a ser sistematicamente humilhado, o Fatah virou saco vazio e o Hamás obteve retumbante vitória eleitoral nas eleições na Palestina - as eleições mais democráticas que jamais houve no mundo árabe. Israel imediatamente pôs-se a boicotar o governo eleito. Na luta interna que se seguiu, o Hamás obteve controle direto sobre a Faixa de Gaza.

Agora, depois de tudo isso, o governo de Israel decidiu "liquidar o poder do Hamás em Gaza" - com sangue, fogo e colunas de fumaça.

O NOME OFICIAL da guerra é "Cast Lead" [provavelmente, "soldadinho de chumbo", dentre outras traduções possíveis], duas palavras tiradas de uma canção infantil sobre um brinquedo do Hanukkah.

Mais adequado seria que a chamassem "Guerra das Urnas".

Já outras vezes, no passado, também houve guerra durante campanhas eleitorais. Menachem Begin bombardeou o reator nuclear do Iraque durante a campanha eleitoral em 1981. Quando Shimon Peres reclamou que seria golpe eleitoral, Begin esbravejou, logo no comício seguinte: "Judeus! Crêem que eu mandaria nossos valentes rapazes para a morte ou, pior, para cair prisioneiros nas mãos de animais, só para vencer uma eleição?" Begin venceu.

Peres não é Begin. Quando, durante a campanha de 1996, ordenou a invasão do Líbano (operação "Vinhas da Ira"), todos sabiam que o fizera por puro cálculo eleitoral. A guerra foi um fracasso para Israel, Peres perdeu e Binyamin Netanyahu chegou ao poder.

Barak e Tzipi Livni recorrem agora ao mesmo velho golpe. Segundo as pesquisas, só nas últimas 48 horas, Barak já conquistou mais cinco cadeiras no Parlamento. Cerca de 80 cadáveres de palestinos por voto eleitoral.

Fato é que é muito difícil caminhar sobre uma pilha de cadáveres. Os ganhos eleitorais podem evaporar. Basta, para que evaporem, que a opinião pública em Israel passe a ver a guerra como um fracasso. Por exemplo, se os Qassams continuarem a atingir Beersheba, ou se a invasão por terra levar a muitas mortes de soldados israelenses.

O timing foi cuidadosamente escolhido, também por outro critério. Os ataques começaram dois dias depois do Natal, quando os líderes europeus e norte-americanos estão em férias, até o Ano Novo. A idéia brilhante: ainda que alguém sinta algum ímpeto de deter a guerra, ninguém desistirá do feriado. Assim, Israel ganhou vários dias sem qualquer pressão do exterior.

Mais uma razão para a ocasião escolhida: são os últimos dias de George Bush na Casa Branca. Cabia esperar que esse tolo encharcado de sangue apoiasse entusiasticamente a chacina, o que, de fato, ele fez. Barack Obama ainda não tomou posse e encontraria pretexto perfeito, pronto, para não interferir: "só há um presidente". O silêncio nada acrescenta, de positivo, à história do governo Obama.

A IDÉIA CENTRAL foi: não repetiremos os erros da Segunda Guerra do Líbano. Essa fala foi incansavelmente repetida em todos os jornais, nas entrevistas e noticiários de televisão. O que não altera o fato: a Guerra de Gaza é réplica quase idêntica da Segunda Guerra do Líbano.

O conceito estratégico é o mesmo: aterrorizar a população civil, com ataques implacáveis por ar, semeando a maior quantidade possível de morte e destruição. Esse tipo de estratégia não implica risco para os pilotos israelenses, porque os palestinenses não têm qualquer armamento de defesa anti-aérea. O plano: se a infra-estrutura de manutenção da vida diária das populações que vivem na Faixa for completamente destruída e se se implantar total anarquia... a população se levantará e derrubará o regime do Hamás. Então, Máhmude Abbas voltará para Gaza montado nos tanques de Israel.

No Líbano, o mesmo plano deu errado. A população chacinada, inclusive cristãos, reuniu-se em torno do Hizbóllah, e Hassan Nasrallah tornou-se herói do mundo árabe. O mesmo, provavelmente, acontecerá agora. Generais entendem de matar e movimentar tropas, não de psicologia de massas.

Há algum tempo escrevi que o bloqueio de Gaza é experimento científico, para determinar o quanto agüenta uma população privada de tudo, antes de que a espinha dorsal se parta. É experimento conduzido com o generoso apoio da Europa e dos EUA. Até agora, deu em nada. O Hamás tornou-se mais forte e os Qassam alcançam alvos cada vez mais distantes. A guerra, hoje, é a continuação do mesmo experimento, por outros meios.

É possível que não tenha restado "outra alternativa" ao exército, além de tentar reocupar a Faixa de Gaza, porque não há outro meio de deter os Qassams - exceto um acordo com o Hamás, o que contraria a política do governo. Quando começar o avanço por terra, tudo dependerá da motivação e da capacidade de combate dos soldados do Hamás, contra os soldados israelenses. Ninguém sabe o que acontecerá.

DIA A DIA, noite após noite, o canal árabe Al-Jazeera exibe imagens atrozes: corpos mutilados, velhos e crianças chorando, à procura dos seus, nas dezenas de cadáveres espalhados no chão, uma mulher puxando de uma pilha de cadáveres o cadáver de uma menina, médicos exauridos, sem remédios e sem gaze, tentando salvar a vida dos feridos. (O canal Aljazeera que transmite em inglês, diferente do canal que transmite em árabe, tem exibido imagens saneadas e repetido a incansável propaganda do governo de Israel. Seria interessante descobrir o que houve por lá.)

Milhões de pessoas estão vendo aquelas imagens terríveis, tela após tela, dia e noite. São imagens que ficam gravadas na memória para sempre: Israel, a horrível. Israel, a abominável. Israel, a desumana. Cria-se hoje mais uma geração que odeia. É erro horrendo, pelo qual Israel continuará a pagar, até muito depois de todos esquecerem quaisquer outros resultados dessa guerra.

Mas outra coisa está também sendo inscrita para sempre, na mente de milhões: o retrato dos miseráveis, corruptos, passivos regimes árabes. Do ponto de vista dos árabes, um fato é hoje visível, inescapável: que governos vergonhosos!

Para o milhão e meio de árabes em Gaza, que sofrem tão terrivelmente, a única abertura para o mundo, não controlada por Israel, é a fronteira com o Egito. Só por ali podem chegar comida para matar a fome, ou medicamentos para os feridos. Essa fronteira permanece fechada, no momento do terror máximo. O exército egípcio bloqueou a única via possível para que cheguem remédios, em momento em que os feridos estão sendo operados sem anestésicos.

Por todo o mundo árabe, de um extremo a outro, ecoaram as palavras de Hassan Nasrallah: Os líderes egípcios são cúmplices do crime. Estão colaborando com o "inimigo sionista" na tentativa de dobrar o povo da Palestina. Evidentemente, não se referia apenas a Mubarak, mas a todos os demais, do rei da Arábia Saudita ao presidente palestino. Quem assista às manifestações que estão acontecendo em todo o mundo árabe e ouça seus slogans terá a impressão de que, para muitos árabes, os políticos parecem patéticos, no melhor dos casos; ou criminosos colaboracionistas, no pior.

Tudo isso terá consequências históricas. Uma geração inteira de líderes árabes, uma geração imbuída da ideologia secular do nacionalismo árabe, os sucessores de Gamal Abd-al-Nasser, Hafez al-Assad e Yasser Arafat, pode estar sendo varrida do cenário. Podem estar dando lugar, no mundo árabe, à única alternativa que ainda parece viável: a ideologia do fundamentalismo islâmico.

Essa guerra é como um graffiti no muro: Israel está perdendo a chance histórica de fazer paz com o nacionalismo árabe secular. Amanhã talvez seja obrigada e enfrentar um mundo uniformemente árabe fundamentalista, o Hamás multiplicado por mil.

MEU MOTORISTA DE TÁXI, em Telavive, dia desses, pensou em voz alta: Por que não convocam os filhos dos ministros e dos deputados, organizam batalhões e os mandam invadir Gaza por terra?

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