Por José Arbex Jr.
Israel é uma potência militar que há quatro décadas mantém a ocupação ilegal da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, contra todas as determinações da ONU. É um estado neocolonialista. O povo palestino, incluindo o Hamas, tem o pleno direito de reagir às humilhações, às agressões, à segregação cultural, étnica e religiosa.
Alguém poderá dizer que o quadro descrito acima é exagerado. Muito bem. Vamos aos fatos.
“Em Gaza, os colonizadores judeus eram apenas 8 mil em 2005, comparados com 1,4 milhão de residentes. Ainda assim, controlavam 25% do território e 40% da terra arável. A maioria da população vivia em pobreza abjeta e miséria inimaginável. Oitenta por cento deles ainda subsiste com menos de 2 dólares por dia.”
Os dados são fornecidos pelo judeu israelense Avi Shlaim, “alguém que serviu lealmente ao Exército de Israel na metade dos anos 60 e nunca questionou a legitimidade do Estado de Israel dentro das fronteiras pré-1967”. Apóio-me, portanto, nas afirmações de alguém que jamais poderá ser acusado de “anti-semita” ou qualquer estupidez semelhante (estupidez sempre muito conveniente, aliás).
“Quatro décadas de controle israelense causaram danos incalculáveis à economia da Faixa de Gaza”, continua Shlaim. “Gaza, no entanto, não é apenas um caso de subdesenvolvimento, mas um caso unicamente cruel de ‘des-desenvolvimento’ deliberado. Para usar uma frase bíblica, Israel transformou o povo de Gaza em hewers of wood and drawers of water, em fonte de trabalho barato e um mercado cativo para os bens de Israel. O desenvolvimento da indústria local foi ativamente impedido para tornar impossível aos palestinos acabar com sua subordinação a Israel e estabelecer as bases essenciais para uma independência política real. Gaza é um caso clássico de exploração colonial na era pós-colonial.”
Em agosto de 2005, o então primeiro-ministro Ariel Sharon retirou 8 mil colonos de Gaza, mas ao mesmo tempo promoveu o assentamento de 12 mil novos colonos na Cisjordânia. Cercada pelo terceiro ou quarto exército mais poderoso do mundo (às custas do contribuinte estadunidense), Gaza tornou-se uma imensa prisão a céu aberto. A retirada dos colonos não correspondeu a um movimento pela paz, mas sim a uma tentativa de desenhar as fronteiras do Estado israelense, à revelia dos palestinos. Não é possível ao povo palestino constituir um Estado viável tendo como base a Faixa de Gaza e os retalhos de uma Cisjordânia entrecortada pelo ilegal “muro da vergonha”.
Resta o argumento de que os foguetes do Hamas atingem israelenses inocentes e os terroristas do Hamas usam civis como escudos. Sim, é verdade. Mas as torcidas do Corinthians e do Flamengo sabem que Israel estimulou o surgimento do Hamas (para fazer oposição a Yasser Arafat). E se tem alguém que chantageia, oprime, assassina, ataca, humilha e esmaga a população civil palestina é Israel. A invasão de Gaza só agrava o quadro.
O caminho para a paz não passa pela invasão de Gaza, mas pela retirada de Israel de todos os territórios ocupados. Israel deve abandonar sua condição de Estado pirata.
José Arbex Jr. é doutor em História pela USP e diretor de Relações Internacionais do Icarabe (Instituto de Cultura Árabe).
Nenhuma nação se estabeleceu sem passar por uma guerra
Por José Luiz Goldfarb
Pode uma guerra ser justificada? A guerra sempre diminui nossa dimensão humana. Nela, o ser humano é menos ser humano: tem que matar semelhantes e seguir em frente na batalha sem poder se sentir abalado pelo ato realizado, e assim tem sua condição humana necessariamente diminuída. Se quisermos uma sociedade realmente humana, a guerra não pode ser justificada. Isto posto, como posso responder positivamente à questão aqui colocada? Não há uma contradição explícita?
Creio que não, e vejamos por quê. O moderno Estado de Israel é uma resposta do povo judeu a milhares de anos de vida no exílio sem possuir objetivamente um defensor efetivo contra sangrentas perseguições empreendidas por movimentos anti-semitas ao longo da história. Após o Holocausto nazista, ficou claro para os judeus que viver sem pátria, espalhados pelo mundo, tornara-se uma situação insustentável, um risco permanente.
A modernidade tornara-se um mundo de nações, e os judeus estavam ficando fora das normas do mundo moderno. Assim, a conquista de um pequeno pedaço de terra onde seus antepassados viveram e estabeleceram as bases de sua cultura milenar tornara-se uma questão de sobrevivência.
Infelizmente, não há nenhuma nação humana, no presente ou no passado, que tenha se estabelecido sem passar por uma situação bélica. Apenas para lembrar o caso das Américas, as nações indígenas foram exterminadas para que os países hoje existentes fossem estabelecidos. Cada pedacinho de terra que hoje pertence a esta ou aquela nação pelo planeta afora tem sua história sangrenta, foi marcado por uma guerra em sua constituição. Obviamente, cada povo espera que após estabelecer sua nação, possa entender-se com seus vizinhos e com aqueles que habitavam a terra que conquistaram para viver em paz.
Ainda hoje estamos nós brasileiros, por exemplo, acertando a situação dos povos indígenas – e com bastante dificuldade. A Europa viveu séculos de batalhas intermináveis e sangrentas até chegar ao século XX e provocar duas guerras mundiais, para finalmente iniciar um processo de entendimento que hoje parece consolidar-se, permitindo a convivência pacífica.
Infelizmente Israel, que em seus apenas 60 anos de existência, pode desenvolver uma fantástica cultura artística, científica, estabelecer uma nação avançada, não conseguiu estabelecer o diálogo com a totalidade de seus vizinhos árabes e equacionar a convivência pacífica com os palestinos, de modo que estes também estabeleçam sua nação independente.
Assim, com muito pesar, nós judeus temos ainda de estar prontos para enfrentar a situação terrível que diminui nossa condição humana e enfrentar conflitos armados com árabes e palestinos. A iniciativa do grupo Hamas, atacando o sul de Israel com foguetes e mísseis, não poderia ficar indefinidamente impune. É o caminho de nosso povo para estabelecer sua nação livre, soberana, garantindo a sobrevivência de seus habitantes.
Como todas as nações na Terra, negar este direito aos judeus é agir como os anti-semitas de todos os tempos, que de uma forma ou outra encontram argumentos para a eliminação dos judeus. Espero que o internauta atento faça uma reflexão séria frente a toda a maré de ataques (armados ou não) ao povo judeu e possa formar um juízo mais objetivo sobre a defesa de Israel aos ataques do Hamas. Shalom (paz).
José Luiz Goldfarb é professor de História da Ciência na PUC-SP e diretor cultural do Clube Hebraica.
Israel é uma potência militar que há quatro décadas mantém a ocupação ilegal da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, contra todas as determinações da ONU. É um estado neocolonialista. O povo palestino, incluindo o Hamas, tem o pleno direito de reagir às humilhações, às agressões, à segregação cultural, étnica e religiosa.
Alguém poderá dizer que o quadro descrito acima é exagerado. Muito bem. Vamos aos fatos.
“Em Gaza, os colonizadores judeus eram apenas 8 mil em 2005, comparados com 1,4 milhão de residentes. Ainda assim, controlavam 25% do território e 40% da terra arável. A maioria da população vivia em pobreza abjeta e miséria inimaginável. Oitenta por cento deles ainda subsiste com menos de 2 dólares por dia.”
Os dados são fornecidos pelo judeu israelense Avi Shlaim, “alguém que serviu lealmente ao Exército de Israel na metade dos anos 60 e nunca questionou a legitimidade do Estado de Israel dentro das fronteiras pré-1967”. Apóio-me, portanto, nas afirmações de alguém que jamais poderá ser acusado de “anti-semita” ou qualquer estupidez semelhante (estupidez sempre muito conveniente, aliás).
“Quatro décadas de controle israelense causaram danos incalculáveis à economia da Faixa de Gaza”, continua Shlaim. “Gaza, no entanto, não é apenas um caso de subdesenvolvimento, mas um caso unicamente cruel de ‘des-desenvolvimento’ deliberado. Para usar uma frase bíblica, Israel transformou o povo de Gaza em hewers of wood and drawers of water, em fonte de trabalho barato e um mercado cativo para os bens de Israel. O desenvolvimento da indústria local foi ativamente impedido para tornar impossível aos palestinos acabar com sua subordinação a Israel e estabelecer as bases essenciais para uma independência política real. Gaza é um caso clássico de exploração colonial na era pós-colonial.”
Em agosto de 2005, o então primeiro-ministro Ariel Sharon retirou 8 mil colonos de Gaza, mas ao mesmo tempo promoveu o assentamento de 12 mil novos colonos na Cisjordânia. Cercada pelo terceiro ou quarto exército mais poderoso do mundo (às custas do contribuinte estadunidense), Gaza tornou-se uma imensa prisão a céu aberto. A retirada dos colonos não correspondeu a um movimento pela paz, mas sim a uma tentativa de desenhar as fronteiras do Estado israelense, à revelia dos palestinos. Não é possível ao povo palestino constituir um Estado viável tendo como base a Faixa de Gaza e os retalhos de uma Cisjordânia entrecortada pelo ilegal “muro da vergonha”.
Resta o argumento de que os foguetes do Hamas atingem israelenses inocentes e os terroristas do Hamas usam civis como escudos. Sim, é verdade. Mas as torcidas do Corinthians e do Flamengo sabem que Israel estimulou o surgimento do Hamas (para fazer oposição a Yasser Arafat). E se tem alguém que chantageia, oprime, assassina, ataca, humilha e esmaga a população civil palestina é Israel. A invasão de Gaza só agrava o quadro.
O caminho para a paz não passa pela invasão de Gaza, mas pela retirada de Israel de todos os territórios ocupados. Israel deve abandonar sua condição de Estado pirata.
José Arbex Jr. é doutor em História pela USP e diretor de Relações Internacionais do Icarabe (Instituto de Cultura Árabe).
Nenhuma nação se estabeleceu sem passar por uma guerra
Por José Luiz Goldfarb
Pode uma guerra ser justificada? A guerra sempre diminui nossa dimensão humana. Nela, o ser humano é menos ser humano: tem que matar semelhantes e seguir em frente na batalha sem poder se sentir abalado pelo ato realizado, e assim tem sua condição humana necessariamente diminuída. Se quisermos uma sociedade realmente humana, a guerra não pode ser justificada. Isto posto, como posso responder positivamente à questão aqui colocada? Não há uma contradição explícita?
Creio que não, e vejamos por quê. O moderno Estado de Israel é uma resposta do povo judeu a milhares de anos de vida no exílio sem possuir objetivamente um defensor efetivo contra sangrentas perseguições empreendidas por movimentos anti-semitas ao longo da história. Após o Holocausto nazista, ficou claro para os judeus que viver sem pátria, espalhados pelo mundo, tornara-se uma situação insustentável, um risco permanente.
A modernidade tornara-se um mundo de nações, e os judeus estavam ficando fora das normas do mundo moderno. Assim, a conquista de um pequeno pedaço de terra onde seus antepassados viveram e estabeleceram as bases de sua cultura milenar tornara-se uma questão de sobrevivência.
Infelizmente, não há nenhuma nação humana, no presente ou no passado, que tenha se estabelecido sem passar por uma situação bélica. Apenas para lembrar o caso das Américas, as nações indígenas foram exterminadas para que os países hoje existentes fossem estabelecidos. Cada pedacinho de terra que hoje pertence a esta ou aquela nação pelo planeta afora tem sua história sangrenta, foi marcado por uma guerra em sua constituição. Obviamente, cada povo espera que após estabelecer sua nação, possa entender-se com seus vizinhos e com aqueles que habitavam a terra que conquistaram para viver em paz.
Ainda hoje estamos nós brasileiros, por exemplo, acertando a situação dos povos indígenas – e com bastante dificuldade. A Europa viveu séculos de batalhas intermináveis e sangrentas até chegar ao século XX e provocar duas guerras mundiais, para finalmente iniciar um processo de entendimento que hoje parece consolidar-se, permitindo a convivência pacífica.
Infelizmente Israel, que em seus apenas 60 anos de existência, pode desenvolver uma fantástica cultura artística, científica, estabelecer uma nação avançada, não conseguiu estabelecer o diálogo com a totalidade de seus vizinhos árabes e equacionar a convivência pacífica com os palestinos, de modo que estes também estabeleçam sua nação independente.
Assim, com muito pesar, nós judeus temos ainda de estar prontos para enfrentar a situação terrível que diminui nossa condição humana e enfrentar conflitos armados com árabes e palestinos. A iniciativa do grupo Hamas, atacando o sul de Israel com foguetes e mísseis, não poderia ficar indefinidamente impune. É o caminho de nosso povo para estabelecer sua nação livre, soberana, garantindo a sobrevivência de seus habitantes.
Como todas as nações na Terra, negar este direito aos judeus é agir como os anti-semitas de todos os tempos, que de uma forma ou outra encontram argumentos para a eliminação dos judeus. Espero que o internauta atento faça uma reflexão séria frente a toda a maré de ataques (armados ou não) ao povo judeu e possa formar um juízo mais objetivo sobre a defesa de Israel aos ataques do Hamas. Shalom (paz).
José Luiz Goldfarb é professor de História da Ciência na PUC-SP e diretor cultural do Clube Hebraica.
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