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domingo, 25 de janeiro de 2009

A ocupação em Gaza, o Hamas, um pouco da História na questão Israel e Palestina

As origens da guerra entre Israel e Palestina

23/01/2009

Para historiador Christian Karam, a questão religiosa muitas vezes serve como pretexto para encobrir fins políticos e econômicos

Para historiador Christian Karam, a questão religiosa muitas vezes serve como pretexto para encobrir fins políticos e econômicos

por Patrícia Benvenuti, da Redação

O reconhecimento do Hamas por parte de Israel como o governo democraticamente eleito dos palestinos e o direito de retorno dos refugiados são alguns dos principais desafios postos atualmente para a criação do Estado palestino. A avaliação é do historiador Christian Karam, estudioso da História do Islã, do Oriente Médio e do conflito palestino-israelense. Em entrevista, ele explica como se deu o Estado de Israel e como a influência de outros países tem prejudicado o processo de paz entre os dois povos

Brasil de Fato – O mundo assistiu estarrecido o terror que o Estado de Israel impoe ao povo palestino. Para entender melhor a origem desse conflito, o senhor poderia recuperar como se deu a criação do Estado de Israel?

Christian Karam - O termo “Sionismo” foi criado em 1885 pelo escritor judeu-austríaco Nathan Birnbaum como uma alusão a “Sion”, um dos nomes bíblicos de Jerusalém (Al-Quds para os árabes e muçulmanos). Nessa época, “Sionismo” basicamente significava uma resposta ao problema nacional judeu que advinha de dois fatos principais: da dispersão judaica em vários países e regiões do mundo; e da sua constituição, em cada um desses países, como uma minoria populacional, onde inclusive muitos judeus eram perseguidos, como era o caso da Europa anti-semita do século 19. Assim, a solução sionista pretendia acabar com essa situação, através do retorno a “Sion”, onde conformariam uma maioria populacional e uma entidade político-estatal independente. Assim, é nesse espectro que surge o sionismo político internacional fundado pelo jornalista judeu-húngaro Theodor Herzl na Europa de fins do século 19 como um movimento nacionalista preponderantemente laico e secular que visava à fundação de um Estado nacional judaico. Após o término da guerra, diante do impacto do Holocausto nazista, a Inglaterra propôs à Organização das Nações Unidas (ONU) a divisão da Palestina entre árabes e judeus. Assim, uma vez aprovada a partilha da Palestina britânica em novembro de 1947, ficou estabelecido que o Estado judeu deveria ocupar 56% do território, enquanto ao Estado árabe competiria controlar os restantes 43%. Já o 1% remanescente de Jerusalém e seu entorno seria colocado sob mandato internacional da ONU. Essa divisão respeitava muito pouco dois fatores essenciais: a ocupação das terras e a maioria populacional, já que grande parte do território seria controlada pela minoria judaica, que somava apenas 30%.

Por que da localizaçõa geográfica, o lugar escolhido para o Estado de Israel?

Penso que pela simbologia histórica e religiosa que a região da Palestina histórica representa no imaginário dos judeus (por mais que isso tenha sido uma construção histórica idealizada dos séculos 19-20), herdeiros da última grande diáspora que os expulsou dali, aquela perpetrada pelos romanos no século primeiro. Em fins do século 19, os sionistas haviam proposto a colonização judaica da Palestina otomana, apesar de terem cogitado outras regiões, como Uganda (na África oriental) e a bacia do rio da Prata, na Argentina. Assim, se em algum momento do período entre-Guerras (1918-1945) especulou-se sobre outro território que não o da província turca da Palestina e, após 1920, aquele da Palestina colonial britânica para a fundação de um Estado hebreu, a imigração e a colonização em curso comprovaram que a decisão pela Palestina turca já havia sido tomada, especialmente quando, a partir de 1917, a Declaração Balfour britânica passou a “ver com bons olhos” a criação de um “lar nacional judaico” na Palestina turco-otomana (de maioria populacional árabe e islâmica). Isso denota o claro apoio à causa nacional sionista por parte do imperialismo inglês, que planejava beneficiar-se da presença de uma terceira força político-nacional na região, principalmente em um contexto de guerra contra os alemães e seus aliados na região, os turcos.


Qual território deveria ser ocupado pelos palestinos?

Se fossem cumpridas as resoluções da ONU, o território que o Estado hebreu hoje teria de ocupar seria aquele anterior às fronteiras de 1967, quando, com o fim da Guerra dos Seis Dias, Israel invadiu e passou a ocupar ilegalmente a Faixa de Gaza (então parte do Egito), a Cisjordânia e Jerusalém Oriental (então pertencentes à Jordânia) e as colinas de Golã, que eram da Síria. Desse modo, o território que hoje constituiria o Estado de Israel seriam aproximadamente 70% da Palestina britânica. Em torno de 13 a 14% dessa área foram conquistados ao território árabe-palestino e anexados como resultado da primeira guerra árabe-israelense de 1948-9. Desse modo, hoje não se fala dos territórios que a partilha da ONU de 1947 determinara para a constituição do Estado árabe-palestino (43%) e do Estado judeu (56%), mas, no caso de Israel, deste percentual acrescido da parcela acima mencionada que foi conquistada na chamada “primeira guerra árabe-israelense” de 1948-9, quando inclusive Jerusalém, que, pela proposta original, seria uma área internacional, teve sua porção ocidental anexada por Israel, que a declarou como sua capital em 1950, embora sem obter reconhecimento internacional. Por outro lado, o território que o Estado palestino ocuparia, caso hoje fosse declarada sua criação, não seria mais de 20 a 22% da área da Palestina britânica, se fossem mantidos os enclaves de colonos sionistas na Cisjordânia e a ocupação de Jerusalém Oriental. Porém, se ocorresse uma completa desocupação por parte de Israel dessas regiões, então ambos territórios, somados à retirada unilateral israelense da Faixa de Gaza ocorrida em 2005, teríamos os 30% de terras palestinas correspondentes aos outros 70% de território israelense. Em suma, o Estado da Palestina estaria formado pela Cisjordânia, Faixa de Gaza e por Jerusalém Oriental, que o nacionalismo palestino quer ter como sua capital.

A criação do Estado de Israel foi uma proposta da Organização das Nações Unidas. E agora a ONU parece ter perdido o controle sobre a questão. Qual seria a causa dessa "perda de autoridade" ao longo dos anos?

Parece-me que a ONU nunca foi um ator politicamente muito ativo na questão, uma vez que suas principais resoluções, como a que obriga Israel a retirar-se dos territórios invadidos durante a Guerra dos Seis Dias de 1967, nunca foram implementadas. Além disso, durante a Guerra Fria, quem realmente deu as cartas do jogo político foram, em nível internacional, os EUA e a URSS e, em nível regional, além de Israel, o Egito, a Síria, o Iraque e as chamadas “monarquias árabes conservadoras” lideradas pela Arábia Saudita. Após a revolução islâmica de 1979, outro importante ator político que entra em cena é o Irã. E, com o fim da Guerra Fria e a dissolução da URSS, os EUA reafirmam-se enquanto potência internacional hegemônica no Oriente Médio, que é apoiada, importante dizer, não somente por Israel, mas, cada vez mais, pelos árabes conservadores do Golfo Pérsico, pelo Egito e, em menor medida, pela ala mais centrista da OLP, a Fatah, que, na época, dava sua guinada à direita.

Os discursos da Fatah e do Hamas parecem denotar diferenças entre os próprios
palestinos a respeito da criação de um Estado. Como podem ser resumidas
essas diferenças e como elas interferem no processo de paz na região?

Não me parece que os discursos e ações políticas de ambos partidos caracterizam diferenças a respeito da criação do Estado palestino, mas sim demonstram a diversidade política, ideológica e econômica que permeia a questão, ou seja, que tipo de Estado e de sociedade se deseja para a população palestina. No que se refere à adoção de determinado modelo econômico e programa político-ideológico e à formação de alianças regionais e internacionais, Fatah e Hamas divergem em vários aspectos. Aquela, oriunda de uma tradição da esquerda nacionalista e terceiro-mundista dos anos 1960-70, que flertou com o nasserismo e o socialismo árabe, porém sem nunca ter sido comunista, sofreu uma guinada à direita após o fim da Guerra Fria nos anos 1990 e, hoje, não contesta o liberalismo econômico e político dominantes. O Hamas, por outro lado, surgiu de uma conjuntura de crise política: a Intifada palestina de 1987-90. Expulsa do Líbano em guerra em 1982, a OLP, desacreditada e politicamente enfraquecida para lidar com a questão nacional palestina e para lutar contra a ocupação israelense de Gaza e da Cisjordânia, verá nascer um importante adversário, porém, à época, ainda informal e secundário. O próprio Estado de Israel fomentou e armou o Hamas contra a OLP de Arafat e suas facções nacionalistas laicas de tradição esquerdista, a fim de dividir o movimento nacional palestino, e também para tentar lidar com um novo grupo político que fosse mais fraco e, portanto, menos exigente quanto às demandas nacionais palestinas. Inicialmente, o Hamas se absteve de realizar ataques abertos contra Israel. Porém, em pouco tempo, isso mudou, e o Hamas assumiu um importante protagonismo na resistência e no nacionalismo palestinos, ainda numa fase em que sua ideologia e ação política poderiam ser consideradas conservadoras ou “fundamentalistas”. Porém, especialmente após as primeiras crises do processo de paz dos anos 1996-2000, o Hamas vêm assumindo grande parte da ação política e social entre as classes sociais mais pobres e marginalizadas da sociedade palestina, que a Fatah, quando no poder, relevou ao segundo plano, em parte devido ao próprio “aburguesamento” liberal e à corrupção de vários de seus quadros.

A respeito da interferência dessas divergências políticas e econômicas que existem entre a Fatah e o Hamas no processo de paz com Israel, costuma-se afirmar que um dos principais empecilhos seria o não-reconhecimento ao direito de existência de Israel por parte do Hamas. De fato, em algum momento o Hamas terá de repensar a questão e emitir uma declaração formal que reconheça o Estado hebreu, embora já tenha havido vários posicionamentos informais nesse sentido por parte de algumas lideranças. Por outro lado, inimigo que não se reconhece é aquele contra o qual não se luta. E, nesse sentido, a experiência histórica prova que, embora informalmente, Israel e o Hamas têm se relacionado, mesmo que na maioria das vezes seja para divergir e combater entre si. Da mesma forma, Israel, assim como os EUA e a União Européia, precisam reconhecer formalmente o Hamas como partido político e movimento social legítimo da sociedade palestina que o elegeu democraticamente como seu representante no parlamento e no governo, a fim de que se possa partir de um diálogo em um nível pelo menos política e juridicamente igualitário.


Que outros desafios poderiam ser citados para a criação de um Estado palestino?

Outros importantes desafios, que preferiria chamar de direitos palestinos inalienáveis, são: a questão dos refugiados (de três a quatro milhões) espalhados em diversos países do Oriente Médio; a declaração de Jerusalém Oriental (uma vez desocupada por Israel) como sede da capital palestina; a determinação precisa das fronteiras da Palestina, tanto com Israel quanto com os demais países vizinhos (Egito e Jordânia); a suspensão da construção e a posterior destruição do muro que Israel hoje constrói na Cisjordânia, inclusive anexando território palestino, mais conhecido por “Muro da Vergonha”, que somente serve para semear mais segregação entre os dois povos; e, o principal de todos, a retirada total e incondicional de Israel e de suas tropas e colonos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, que seria o retorno às fronteiras de 1967. Nesta questão, é preciso mencionar Gaza, pois, embora tenha havido, em 2005, a desocupação unilateral de que falávamos, Israel seguidamente viola o espaço aéreo de Gaza e realiza incursões militares terrestres na região. Da forma como a imprensa e a mídia burguesas têm abordado esta última crise ocorrida em Gaza, parece que o Hamas resolveu pôr um fim à trégua e atacar Israel sem quaisquer motivos, quando, na verdade, Israel se retirou apenas formalmente da Faixa de Gaza em 2005, pois nunca deixou de invadir a região e, inclusive, imiscuir-se nos assuntos de política interna do governo do Hamas, isso sem falar no fato de que nunca o reconheceu como representante político legítimo dos palestinos de Gaza, pois foi democraticamente eleito por estes em 2006.

Em relação ao tema dos refugiados e seu direito de retorno, a solução da questão é bem mais complexa, uma vez que estes reivindicam retornar para as áreas que suas famílias ocupavam quando da criação de Israel em 1948, o que poderia acarretar numa incursão em massa de palestinos ao atual território israelense. Ainda que essa solução fosse implantada, não creio que a maioria dos palestinos que vive na diáspora exerceria esse direito de retorno, pois muitos já possuem laços sociais, familiares e profissionais em outros países. Porém, se esse direito de retorno fosse concedido, ele deveria ser conferido a todos os descendentes dos refugiados de 1948 sem restrições. Parece-me que uma solução diplomática intermediária seria que se procedesse à retirada incondicional de Israel da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental e, assim, através da proclamação de um Estado palestino, o direito de retorno talvez pudesse ser exercido nessas regiões e em Gaza.


Na sua avaliação, qual é o peso da questão religiosa neste conflito?

A questão religiosa muitas vezes serve como pretexto para encobrir fins políticos e econômicos. Para mim, está muito claro (e a maioria dos pesquisadores do tema afirma isso) que o problema é de ordem nacional e, portanto, requer soluções políticas e econômicas de ambos os lados. Assim, volta-se à questão sobre em que tipo de Estado a sociedade palestina quer viver. E a resposta dadas nas últimas eleições, que conduziram o Hamas ao poder, parece ser a rejeição do projeto político-econômico liberalizante da Fatah e de parte da OLP, bem como a desaprovação de práticas de corrupção na condução da Autoridade Nacional Palestina, associados ao fracasso do processo de paz dos anos 1990 e à irrupção da Segunda Intifada em 2000. A tese equivocada de que o “fundamentalismo islâmico” - e, no caso palestino, o Hamas seria, segundo o senso comum, seu representante - abriga os ideais da maioria das sociedades muçulmanas do mundo é um profundo erro. Em termos político-ideológicos e econômicos, talvez ainda não seja possível determinar com precisão aquilo que o Hamas e seu programa político realmente representam, porém a estratégica política de luta e alguns de seus ideais os fazem assumir um papel dissonante daquele da globalização neoliberal. Em geral, hoje se diz que o dilema político dos EUA e da Europa no Oriente Médio é ter de escolher entre o apoio a muitas ditaduras militares de direita ou esquerda (porém laicas e seculares) e o respaldo a governos adeptos de um programa político-religioso islamista/fundamentalista (porém cada vez mais eleitos democraticamente).


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23/01/2009

Em entrevista ao Brasil de Fato, o economista e professor Nildo Ouriques critica a afirmação do presidente dos EUA, Barack Obama, de que os israelenses têm o direito de se defender do grupo islâmico da Palestina

Em entrevista ao Brasil de Fato, o economista e professor Nildo Ouriques critica a afirmação do presidente dos EUA, Barack Obama, de que os israelenses têm o direito de se defender do grupo islâmico da Palestina

Patrícia Benvenuti
Da Redação


Em seus primeiros dias como presidente dos Estados Unidos, Barack Obama ordenou o fechamento do centro de detenção de Guantánamo num prazo de um ano. Logo em seguida, declarou que seu país continuará apoiando o "direito de Israel de se defender de ameaças legítimas".

Na avaliação do do economista Nildo Ouriques, professor do departamento de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), as primeiras medidas do mandatário estadunidense indicam que ele não irá promover grandes mudanças em sua gestão, tanto internamente quanto externamente. "Sobre o Obama não há nada ainda, só o beneficio da ilusão", afirma Ouriques, em entrevista ao Brasil de Fato.

A respeito das declarações do presidente sobre Israel, o economista diz: "Israel tem 300 bombas atômicas, recebe mais de cerca de um bilhão de dólares por ano dos Estados Unidos. Então, acreditar que a história começa com os foguetes do Hamas a Israel é esquecer que o Hamas chegou ao poder por uma eleição limpa, ganhou e foi bloqueado por Israel, pelas Nações Unidas e pelos Estados Unidos".

Poderia fazer uma avaliação sobre as declarações dos primeiros dias do novo presidente dos Estados Unidos, como a promessa de fechamento de Guantánamo?

Sobre o Obama não há nada ainda, só o beneficio da ilusão. Ele não fechou Guantánamo. O que ele fez foi suspender por 120 dias os tribunais de Guantánamo. Em segundo lugar, ele não tem que fechar as prisões de Guantánamo, tem que devolver Guantánamo para os cubanos. Isso é fundamental, mas não está em seus planos. Então, agora há o benefício da ilusão, o afro, o negro na presidência dos Estados Unidos, o adeus ao Bush...

Mas a mídia é totalmente favorável a ele, é o Jesus Cristo que chegou na Terra. Mas medidas, nenhuma. As medidas concretas foram, para a América Latina, a continuidade do subsecretário para a América Latina, que é do partido Republicano. Ele manteve o do Bush. Em segundo lugar, no mundo das finanças ele colocou, em postos-chave da economia, todo mundo do "big business", do mundo das finanças. Então, o que fez o Obama até agora foi muito negativo, não teve mudança.

Ele assinou uma ordem executiva para o fechamento de Guantánamo...
A ordem é para suspensão dos juízos e a possibilidade de, dentro de um ano, fechar Guantánamo. O que tem de imediato da ordem presidencial é a suspensão dos juízos do centro de detenção, que não está sob jurisdição estadunidense. Provavelmente o que ele vai fazer é transferir os prisioneiros para os Estados Unidos e dar um juízo dentro da lei estadunidense, porque em Guantánamo as leis são de exceção.

Ainda na quinta-feira (22), comentando a ofensiva de Israel contra os palestinos em Gaza, Obama afirmou que os israelenses têm o direito de se defender contra os foguetes do Hamas. Como avalia essa declaração?

Israel tem 300 bombas atômicas, recebe mais de cerca de um bilhão de dólares por ano dos Estados Unidos. Então, acreditar que a história começa com os foguetes do Hamas a Israel é esquecer que o Hamas chegou ao poder por uma eleição limpa, ganhou e foi bloqueado por Israel, pelas Nações Unidas e pelos Estados Unidos. Essa história de começar a crônica com os foguetes do Hamas é ocultar o essencial da história. Basta ler o livro do [Robert] Fisk sobre o Líbano ou a "Grande Guerra pela Civilização". A primeira coisa é a vitória do Hamas em uma eleição democrática, que foi boicotada pelos Estados Unidos e por Israel. Israel tem o direito de se defender, e os palestinos têm o direito à pátria, que é anterior e, mais ainda, à sua terra. Estamos iguais - aliás, a desigualdade segue.

Qual a expectativa para o governo Obama em termos de política externa? E em relação à Gaza?

Não são os Estados Unidos, é o Estado. Não é o Obama, é governo do Estado. Tem que ser leninista, o pessoal esquece Lênin. Tem Estado e tem governo, e o Estado é o bloco do poder. E, sobre tudo que o Obama está fazendo até agora, não tem nenhuma medida destinada a equilibrar as forças no Oriente Médio, que implica no seguinte: o Irã tem direito à bomba atômica, não somente o Paquistão e Israel; Israel tem que ser desarmado, e os territórios ocupados têm que ser todos desocupados, se é para falar sério. Não tem medida nenhuma até agora.

E a promessa de retirada de tropas do Iraque?

Promessas têm, mas, com governo, eu não dou o menor valor para promessas. O Obama era promessa até ontem. Desde ontem, ele tem a caneta. E eu, como analista, tenho que analisar o que ele faz, e não o que ele diz que vai fazer. E ele não fez nada até agora. Aliás, a mídia fez muito mais por ele do que ele próprio.

No sentido de propaganda?

É claro. A mídia é um modelo de propaganda, não tem nada a ver com jornalismo. O jornalismo é uma coisa que não existe, existe é um modelo de propaganda.

Como viu então a cobertura da imprensa brasileira?

Foi vergonhosa. A cobertura da imprensa brasileira foi um lobby pró-Obama e pró-judaico. Foi ridículo, as vozes críticas dos Estados Unidos não apareceram.

Ainda sobre sua política externa, acredita que ele manterá o embargo a Cuba?

Não tem nada sobre isso, nem uma declaração, nada na campanha, absolutamente nada. Só um jogo duro contra a Venezuela, contra tudo que eles consideram que é ameaça.

Obama, inclusive, afirmou em uma de suas declarações que Chávez tem sido um entrave para o desenvolvimento da América Latina...

Como o Chávez vai ser um entrave? Entrave são os Estados Unidos. Eu considero que o Obama é um entrave para o desenvolvimento dos Estados Unidos. Estamos iguais. Ele considera que o Chávez é um entrave para o desenvolvimento da América Latina, e eu considero que o Obama é um entrave para o desenvolvimento dos Estados Unidos e do mundo. Pronto. Qual o valor da afirmação do Obama e da minha? Nenhuma. É propaganda, é um presidente dos Estados Unidos fazendo propaganda. Quem autorizou os Estados Unidos a julgar o Chávez? Nos Estados Unidos, o habeas corpus está suspenso, prisões extra-judiciais, intervenção no correio eletrônico, tortura... O que tu achas de tortura reconhecida pelo Estado? O que tu queres mais? Invasão no Iraque, invasão no Afeganistão. Como é que nós levamos a sério considerações do Estado mais terrorista do mundo, os Estados Unidos? Como eles vêm falar para nós que alguém é entrave, Evo [Morales], Rafael [Correa], qualquer um? Nem o Uribe.

Há perspectivas de haver um diálogo maior com lideranças da América Latina?

Aí eu estou com o Fidel e com o Raul, que disseram: "Tomara que ele tenha". Tudo que a gente quer é que os Estados Unidos abandonem o terrorismo de Estado e comecem a dialogar. Eu gostaria que o Obama começasse um diálogo porque, desde que os Estados Unidos se afirmaram como potência, eles usam o porrete. Eu gostaria que fosse diferente, mas eu não me iludo. Eu acho que não existe essa possibilidade.

E qual é sua avaliação em relação à composição do governo de Obama?

É um governo ultra conservador, e essa é a transição mais conservadora da história dos Estados Unidos. Eu não recordo de outro presidente, democrata ou republicano, que manteve em postos-chave figuras do outro partido. Porque a vitalidade do sistema estadunidense é: quando os republicanos entram, saem todos os democratas. Quando os democratas entram, saem todos os republicanos. Agora, o que a gente está vendo é ele conservando um monte de gente. Por isso eu digo que é a transição mais conservadora dentro dos Estados Unidos.

E quanto à política interna, como deve ser sua postura diante da crise? Quais devem ser suas principais medidas?

É uma crise tremenda. Imagine, 44 milhões de estadunidenses sem plano de saúde, 2,16 milhões de presidiários, mais 4 milhões com mandato judicial, são seis milhões. A economia destruída, o desemprego em alta, a tarefa interna é gigantesca. Mas ele fortaleceu os monopólios, mais um pacote de 400 bilhões agora para os monopólios, sem garantia de que as empresas vão garantir os empregos. Os monopólios enquadraram ele.

Uma das promessas foi o acesso universal à saúde..

Não esqueça de que o Bill Clinton, quando assumiu, junto com a Hillary - que é especialista em sistemas de saúde -, por um ano e meio ela também propagandeou tudo, e depois foi enquadrada nos monopólios privados do sistema de saúde. Tomara que o Obama mude, mas eu não vi mudança nenhuma até agora.

Para o senhor, então, a figura do Obama até agora não representa mudança?

Nenhuma. Eu vou esperar daqui a três meses e nós vamos ver. Se ele mudar para melhor, eu vou ficar muito feliz, vou reconhecer e saudar. Mas até agora nada, e o que eu vejo é muito ruim.


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