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domingo, 18 de janeiro de 2009

Um debate entre dois jornalistas sobre a questão Israel- Palestina

No que tenha a ver com Gaza, deixem a II Guerra Mundial fora disso.

por Robert Fisk*

17/1/2009, The Independent, UK



Detesto exageros. Comecei a detestar há anos, nos anos 70s, quando o Provisional IRA (Provisional Irish Republican Army, grupo de ação armada ativo a partir de 1969, na Irlanda e na Inglaterra) declarou que a prisão de Long Kesh seria "pior que Belsen[1]". Não que houvesse algo de bom em Long Kesh – a prisão Maze, como depois foi rebatizada, polidamente. Simplesmente, não foi pior que Belsen. Agora, começou outra vez. Passando por Paris, essa semana, vi, numa manifestação pró-Palestina, cartazes em que se lia "Gaza é Guernica" e "Gaza-sur-Glane".

Guernica, como se sabe, foi a cidade basca destruída pela Luftwaffe em 1937; Oradour-sur-Glane, a vila francesa cujos habitantes foram massacrados pela SS em 1944. A selvageria de Israel em Gaza também tem sido descrita como "genocídio" e – claro –, como um "holocausto". A União Francesa das Organizações Islâmicas descreveu-a como "genocídio sem precedentes" –, o que vale uma medalha, quando até o Papa "ministro para paz e justiça entre os homens" comparou Gaza a um "grande campo de concentração".

Antes de pôr-me a escrever o óbvio, gostaria, só, de que a União Francesa das Organizações Islâmicas chamasse o genocídio dos armênios de genocídio. Não chamam porque não têm coragem, de medo de ofender os turcos e, além disso, quero dizer... eh... o milhão e meio de armênios massacrados em 1915, eh... eram, quero dizer... cristãos.

Aliás, vejam só, o mesmo acontece com George Bush, porque também não pode ofender os generais turcos de cujas bases aéreas os EUA precisam muito para continuar em guerra no Iraque. E nem Israel jamais chamou o genocídio dos armênios de genocídio, de medo de perder o único aliado muçulmano que ainda lhe resta no Oriente Médio. Não é estranho? Quando acontece um verdadeiro genocídio – o genocídio dos armênios – ninguém usa a palavra. Quando não há, imediatamente a palavra aparece em todas as bocas.

Sim, sim, sei o que tantos estão tentando fazer: construir uma conexão direta entre Israel e a Alemanha de Hitler. Muitas entrevistas por rádio, essa semana, ao mesmo tempo, já condenam tais comparações. Como sentem-se, sobreviventes do holocausto, ao ser chamados de nazistas? Ora. Como alguém tem coragem de comparar o exército de Israel à Wehrmacht? Fácil: porque a comparação é ato de anti-semitismo.

Já, várias vezes, estive sob fogo do exército de Israel. Nessa condição, não estou convencido de que o exército de Israel seja "exército nazista". De fato, não entendo por que bombardear as estradas do norte da França em 1940 foi considerado crime de guerra... e bombardear as estradas do sul do Líbano não foi considerado crime de guerra.

O massacre de mais de 1.700 palestinenses nos campos de refugiados de Sabra e Chatila – perpetrado pela Falange Libanesa aliada de Israel, e assistido por soldados de Israel que nada fizeram – pode ser mais bem comparado à II Guerra Mundial. O número de mortos estimado por Israel – vergonhosos 460 – só perde por nove para o massacre nazista da cidade tcheca de Lidice, em 1942, quando quase 300 mulheres e crianças foram mandadas para Ravensbrück (esse, sim, verdadeiro campo de concentração). Lidice foi destruída por Reinhard Heydrich, para vingar a morte de agentes aliados.

Os palestinenses foram chacinados, em Sabra e Chatila, depois que Ariel Sharon disse ao mundo – de fato, mentiu ao mundo – que um palestinense havia assassinado o falangista libanês Bashir Gemayel.

E foi o valente Professor Yeshayahu Leibovitz, da Hebrew University (e editor da Encyclopaedia Hebraica) quem escreveu que o massacre de Sabra e Chatila "foi feito por nós. Os Falangistas são mercenários pagos por nós, exatamente como os ucranianos e os croatas e os eslovacos foram mercenários de Hitler, que os organizou em exército e como soldados, para trabalharem para ele.

Exatamente do mesmo modo, nós, os israelenses, organizamos os assassinos libaneses para assassinar palestinenses". Lição que foi saudada por Yosef Burg, então ministro do Interior e Assuntos Religiosos, com uma pergunta inolvidável: "Cristãos matam muçulmanos... E a culpa é dos judeus?!"

Há muito tempo enfureço-me contra quaisquer comparações que envolvam a II Guerra Mundial – seja na vertente Arafat-é-Hitler, já encenada por Menachem Begin, seja na vertente "os pacifistas-estão-pacificando-os-anos-30", encenada recentemente por George Bush & Lord Blair de Kut al-Amara[2].

Os manifestantes pró-Palestina bem poderiam pensar duas vezes antes de pôr-se a falar sobre genocídio, porque o Grande Mufti de Jerusalém apertou a mão de Hitler e disse – em Berlin, dia 2/11/1943, exatamente – "Os alemães sabem como livrar-se de judeus. Definitivamente, conseguiram resolver o problema judeu." O Grande Mufti, para quem não saiba, era palestinense. Repousa hoje, num túmulo escuro, aqui, a poucos quilômetros do meu apartamento em Beirute.

Mas, de fato, a razão mais importante pela qual o paralelo "Gaza-Genocídio" é perigoso é porque é um falso paralelo.

O 1,5 milhão de refugiados de Gaza são tratados com brutalidade terrível, mas não estão sendo mandados para câmaras de gás ou empurrados para marchas da morte.

Que o exército de Israel é uma horda, é, não há dúvida – e achei engraçado que, semana passada, um dos correspondentes regulares da revista Newsweek o tenha descrito como "esplêndido exército" –, mas isso não implica dizer que todos os soldados israelenses sejam criminosos de guerra.

E tudo faz crer que, sim, cometeram-se crimes de guerra em Gaza. Bombardear escolas da ONU é ato criminoso, que fere todos os protocolos da Cruz Vermelha Internacional. Não há atenuante possível para o assassinato de tantas mulheres e crianças.

Devo acrescentar que fui tomado por sincera emoção de simpatia pelo ministro do Exterior sírio o qual, essa semana, perguntou por que já se organizara em Haia um tribunal internacional inteiro para investigar a morte de um único homem (o ex-primeiro ministro do Líbano, Rafiq Hariri)... mas ainda não se organizara nenhum tribunal em Haia para julgar a morte de mais de 1.000 palestinenses.

Contudo, devo acrescentar que bem pode acontecer de algum tribunal de Haia apontar o dedo para a Síria... e será minha vez de perguntar por que não se organiza nenhum tribunal em Haia para julgar os sírios responsáveis pelo massacre de Hama, em 1982, quando milhares de civis foram mortos a tiro, por soldados das forças especiais de Rifaat al-Assad. O retro-referido Rifaat, sou obrigado a acrescentar, vive hoje em perfeita segurança, dentro da União Européia.

E que tal outro tribunal internacional em Haia, para julgar os soldados da artilharia de Israel que massacraram 106 civis – mais da metade dos quais crianças – na base da ONU em Qana, em 1996?

O xis da questão é a legislação internacional. O xis da questão é a punibilidade. O xis da questão é a administração da justiça – justiça sempre inalteravelmente mal distribuída e que os cidadãos palestinenses jamais receberam – e trata-se de levar bandidos a julgamento. Todos os bandidos, sejam os criminosos de guerra árabes sejam os criminosos de guerra israelenses, o bando todo.

E que ninguém diga que é impossível. É possível – o que ficou bem demonstrado no tribunal ioguslavo. Vários assassinos não foram condenados? Foram. A II Guerra Mundial nada tem a ver com nada disso.

[1] Campo de concentração de prisioneiros dos nazistas, na Baixa Saxônia. Sobre Belsen, ver Wikipédia
[2] Sobre Kut-al-Amara, ver Google


*Robert Fisk, é jornalista, autor de A Grande Guerra pela Civilização: A Conquista do Oriente Médio (1.111 páginas)

**************

A propósito do artigo de Robert Fisk


por Ahmad Schabib*

Ouso fazer algumas ponderações ao artigo do extraordinário correspondente de guerra Robert Fisk (de quem sou fã anônimo), no qual ele faz algumas considerações sobre a excessiva associação da conduta do governo israelense às atrocidades cometidas pelo nazismo de triste memória, em sua inegável einjustificável guerra de extermínio à população de Gaza, na Palestina
ocupada.

Com todo o respeito jornalístico (e político) de que Robert Fisk é digno, mas não há como concordar com ele quando diz que comparar o exército deIsrael à *wehrmacht* (as forças armadas da Alemanha nazista), bem comochamar um sobrevivente do holocausto de nazista, é um flagrante ato deanti-semitismo. Sem ser leviano, mas na correta acepção do termo, os árabes
(descendentes de Ismael, filho de Hagar com Abraão, segundo a tradição) também são semitas – e, portanto, chamá-los de terroristas, de atrasados e outros tantos adjetivos de baixo calão e, sobretudo, chaciná-los como insetos (matar suas crianças e seus anciões, destruir impunemente suas moradias, seus hospitais, seus templos religiosos, seus cemitérios, suas escolas, bibliotecas, centros de pesquisa etc) não é um ato flagrante de anti-semitismo? A história esta repleta de episódios em que árabes e judeus, na Idade Média, eram perseguidos por terem sido aliados no tempo em que os chamados mouros eram hegemônicos em boa parte do planeta. Isso não tem mais valor histórico?

Para os pouco chegados à história (talvez por serem discípulos de Francis Fukuyama e sua bizarra tese do fim da história), basta fazer uma breve retrospectiva, na grande imprensa, para, por meio da cobertura facciosa e nada isenta das agências noticiosas hegemônicas, constatar a guinada ideológica dada pelo *establishment* israelense rumo à intolerante prática nazi-fascista desde a eleição do terrorista (assim qualificado pelo serviço secreto britânico pelo atentado ao hotel Rei David em Jerusalém pouco antes da partilha do território da Palestina) Menachem Beguin (do agora extintoultradireitista Likud), sucedido por seu correligionário Itzhak Shamir.

Depois, houve uma ligeira virada à centro-esquerda com a eleição de dois trabalhistas, Shimon Peres e Itzhak Rabin (este último responsável pelo histórico acordo de Oslo com Yasser Arafat, e que foi assassinado por um judeu ortodoxo por considerá-lo traidor de Israel). Em seguida, Benjamin Netaniahu (eleito numa coalizão de extrema direita em que partidos religiosos ultraconservadores que só aceitavam negociar a paz mediante a rendição incondicional dos palestinos), Ariel Sharon (do Likud, acusado pelo massacre de Sabra e Chatila e de outros crimes de guerra, mas nunca condenado por qualquer tribunal internacional) e agora Ehud Olmert (do Kadima, para onde também migraram Shimon Peres e Ariel Sharon, teoricamente de centro, mas de fato ainda mais à direita que o extinto Likud). Os fatos são eloqüentes e falam por si mesmos: só para refrescar a memória dos incautos, *Bibi* (apelido de Netaniahu) cometeu uma sucessão de trapalhadas no exercício de seu medíocre mas funesto mandato de primeiro-ministro israelense, em meados da década de 1990 – um dos mais bizarros foi a ordem de assassinar o então presidente da autoridade palestina e líder máximo da extinta OLP, Yasser Arafat. Portanto, qualquer semelhança com a intolerância nazi-fascista antes e depois da Segunda Guerra Mundial, não é nem será mera coincidência.

Que o brilhante jornalista, sobretudo por seu singular faro de repórter insaciável à caça do fato jornalístico, tem todo o direito do mundo de nutrir toda a solidariedade às vítimas da insanidade política européia de meados do século passado (cujas ações foram praticadas dentro das fronteiras dos países europeus, e nisso os árabes e muçulmanos nada têm a ver com as dívidas e as gentilezas feitas pelas potências européias e ocidentais por meio da cessão do território palestino, distante milhares de quilômetros das nefastas localidades em que, além de judeus, ciganos, comunistas e mendigos foram também enterrados vivos em valas comuns ou mortos em câmaras de gás), mas daí a querer justificar a insanidade que se abateu no *establishment* do Estado judeu é inconcebível nos parâmetros da racionalidade. Não é demais recorrer a um historiador conterrâneo dele, Arnold Joseph Toynbee, muito combatido pela esquerda marxista e pela direita ocidental quando vivo, mas hoje discretamente reconhecido por historiadores independentes, sobretudo pelo seu poder de análise de livre-pensador, num tempo em que a disputa ideológica estava muito acirrada entre os marxistas e os liberais, em que ele cometera a heresia de dar uma importância maior à influência das religiões nas lutas de poder. Paradoxalmente, depois de os liberais e anti-soviéticos terem dado uma mãozinha a grupelhos religiosos reacionários no Oriente Médio e no Golfo Pérsico, para combater a influência marxista em contraposição ao Ocidente, Toynbee (que faleceu em 1975) está mais atual que os demais em sua análise de que, no século 21, a luta de classes não seria o eixo central, mas a luta religiosa (e, lamentavelmente, é o que vemos em todas as denominações religiosas, para tragédia da humanidade).

Não recorreremos aos ícones da perspectiva histórica marxista, mas a expoentes da história liberal como o historiador estadunidense Edward Mc.Neil Burns (além do já citado Toynbee) para compreender que no desenvolvimento do processo – conhecido como "civilizatório" entre os
eurocentristas – o generoso papel desempenhado pelos árabes, seja na filosofia, nas ciências, nas artes, nas letras, na economia, na arquitetura etc, que de bandeja o ofereceram ao Ocidente sem qualquer mutilação (a maior evidência dessa postura foram os oitocentos anos de presença iluminada dos chamados mouros na Península Ibérica, mas que seus descendentes em menos de trezentos anos promoveram toda sorte de genocídio e saques, seja na América espanhola ou portuguesa – não por acaso no território da atual Espanha se falam mais de cinco idiomas, sendo que o espanhol é corretamente chamado de castelhano, enquanto na América Latina o espanhol e o português, em menos da metade do tempo e por meio de uma colonização intolerante e opressora, são hegemônicos sem compaixão nem piedade). E aí vem a velha discussão: não, é que o modelo de colonização era de exploração, não de *plantation*, como com o do Grande Irmão do Norte... Nem entraremos no mérito do abominável tráfico de seres humanos para fins de escravidão (o funesto comércio negreiro) ao longo de três séculos e da pirataria desavergonhada que enriqueceu os cofres de sua majestade e cacifou a maior frota naval da história...

E quanto ao tema, de fato incômodo para a comunidade árabe e muçulmana (sobre o posicionamento do Grande Múfti de Jerusalém, de nacionalidade palestina, ao lado de Hitler em 1943), temos, sim, que reconhecer e dialeticamente assumir esse equívoco histórico cometido pelas gerações passadas, pelo qual, aliás, os diferentes estados (sobretudo as populações) árabes pagaram (e continuam pagando) um elevado preço, com vidas de milhões de inocentes, perda de soberania, opressão e intolerância. Longe de pretender justificar a atitude do máximo religioso muçulmano de Jerusalém na primeira metade do século 20, há de se fazer uma necessária contextualização histórica do episódio: a Palestina era um "mandato" (eufemismo de colônia) da Inglaterra, inimiga, portanto, do Eixo, capitaneado por Hitler; a totalidade das nações árabes e muçulmanas então se encontrava sob o jugo colonial inglês ou francês (sobretudo desde o fim da Primeira Guerra Mundial, com o fim do obscurantista Império Turco-Otomano, tão tirano quanto o britânico e o francês); tanto o colonialismo inglês quanto o francês impunham um regime de opressão à intelectualidade e à resistência árabe e muçulmana, tal como nos tempos dos turcos; a total ausência de líderes políticos laicos da estatura de Gamal Abdel Nasser (que entrou no cenário político no início da década de 1950, com a deposição do rei Faruk, do Egito) fragilizava os árabes; era de conhecimento dos intelectuais e resistentes árabes a famigerada Declaração Balfour, pela qual era assegurada a entrega do território palestino a pessoas de diferentes nacionalidades que tinham como fator de unidade entre si a confissão religiosa judaica (além do não menos nefasto Acordo Sykes-Picot, pelo qual a Grã-Bretanha e a França, por meio de seus chanceleres, assumiam o compromisso com o Movimento Sionista Internacional de entregar o território da Palestina tão logo o Império Turco-Otomano caísse de podre); finalmente, o massacre de Deir Yassin por sionistas acontecera em 1938, com evidente complacência inglesa.

Para concluir, é honesto e ético que os profissionais da informação, sobretudo aqueles que gozam de um prestígio internacional por seu aguçado faro jornalístico, quando tratarem de determinado tema, não incorram na leviandade de fazer uma análise fragmentada e fora de contexto, pois a história, como ciência humana, não pode ser mais uma vítima da guerra ideológica travada em campo de batalha.

Fraternalmente,

*Ahmad Schabib Hany é membro da secretaria-executiva do Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário (FORUMCORLAD) e fundador e coordenador-adjunto da Organização de Cidadania, Cultura e Ambiente (OCCA).

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