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segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Rumo a uma nova Nakba? O gueto de Gaza contado por aqueles que estão presos nele


A carta que publicamos aqui - datada o 22 de janeiro de 2008 – permite conhecer desde dentro a situação de desamparo em que se encontrava a população de Gaza presa nesta angustiosa prisão «cuja chave Israel jogou no mar» (*), quando ainda não tinha caído o muro da vergonha de Rafah.

31 de Janeiro de 2008

« Nos têm asfixiados e sofremos atrozmente. Três mil mulheres e crianças foram hoje até a fronteira egípcia a suplicar aos guardiãos que deixem os doentes passar pro Egito. Os militares egípcios os atacaram, bateram neles com os cacetetes, os rociaram com água e gases lacrimogêneos.

Como você sabe, Gaza está completamente presa. É uma situação indescritível. Há doentes e feridos que morrem por falta de medicinas. Não há gasolina nem diesel. As provisões que Israel autorizou em 21 de janeiro são insuficientes; não dá para fazer voltar a funcionar a bomba da central elétrica.

Precisamos de ajuda urgentemente. Não temos comida nem medicinas nem reservas de água. As lojas de alimentação estão vazias. Cortaram a eletricidade. Estamos economizando o gás que resta no botijão.

Tudo depende da eletricidade e, por tanto, do diesel. A água só sai da torneira com eletricidade. Como Israel nos priva de diesel, não há eletricidade nem água potável.

Desde faz muito tempo já não funciona o abastecimento de água nem a evacuação de águas residuais, que dependem da rede elétrica. Se as coisas não mudarem, de hoje para amanhã, vamos afundar. Acabou a reserva de água. Iremos à casa do vizinho e o vizinho estará na mesma situação que nós.

Sem diesel para que funcionem os geradores, todas as estações de filtrado estão mortas. Desde que Israel a bombardeou em 2006, a central elétrica só funciona com o mínimo de sua capacidade. Mas agora estamos secos. Se nada acontecer nas próximas horas vamos morrer de sede.

Refugiados palestinos, Líbano 1948 (UNRWA)

Acreditamos que Israel tem um plano preciso, que faz tudo isto para que derrubemos as portas, para ver como fugimos para o Egito. É sua maneira de se desfazer de nós.

Agora somos absolutamente conscientes que cortando a nossa água e os víveres Israel quer é nos estrangular. Como não pode nos massacrar a todos de golpe, nos corta os víveres e a água. Assim, eles acreditam que acabaremos por fugir em massa empurrados pela fome e a sede. A isso é que os israelenses chamam de transferência.

Tem jovens que pensam em ir embora para sempre se abrirem a fronteira. Ir onde for para fugir deste inferno.

Eu não irei embora. Fugir para encontrar-nos estacionados eternamente em lixões, como nossos irmãos que desde faz 60 anos estão estacionados nos campos de refugiados do Líbano? Não! Olhe os refugiados no Líbano e a Jordânia! O que se faz para tirá-los de onde estão presos?

Aqui ainda nos sentimos em casa, inclusive sob as bombas. Este é um sentimento essencial. Porque embora aqui, em Gaza, vivamos no inferno, ainda temos conseguido salvaguardar a nossa dignidade.

Pedimos aos jornalistas que vêm a Gaza que se comportem como seres humanos, que parem de ocultar a verdade ao mundo, quanto Israel nos faz sofrer.

Aqui há um povo que está morrendo de fome, de sede, de doenças, de miséria. Este povo pede pouco: que se reconheça o sofrimento e a injustiça que sofre, que se diga a verdade mostrando as imagens atrozes que falam por si mesmas. Senão, quem acreditará no que dizemos?

Somos seres humanos, não somos «terroristas».

Temos os mesmos direitos que os cidadãos de seus países. Pedimos aos meios de comunicação que parem de ocultar à opinião pública o fato de que Israel endurece cada vez mais seus castigos e de que nos esteja matando de fome e de sede porque votamos em Hamas em vez de Al Fatah.

Estamos estrangulados pelo bloqueio, economicamente; estamos estrangulados humanamente; estamos estrangulados em todos os sentidos pelos israelenses. Mas façam o que fizerem e por mais que nos esmaguem e nos encerrem, o único que conseguirão é fazer com que a nossa resistência aumente.

Agindo dessa forma cruel, os israelenses não conseguirão nunca que cesse o lançamento de foguetes. Cada uma das ações punitivas de Israel provocará uma reação da nossa parte.

Quando se acurrala um gato, ele se converte em leão.

O bloqueio que estamos sofrendo não começou em 17 de janeiro como dizem os meios de comunicação. Sofremos o bloqueio israelense desde faz dos anos. Nossa situação ficou ainda mais difícil porque também estamos submetidos ás sanções econômicas da União Européia.

O que piorou a nossa sorte é que agora estamos presos hermeticamente. Esperamos um milagre.

Sempre estamos divididos entre a esperança e o desespero. Às vezes nos desespera a idéia de que Israel nunca se verá obrigado a nos devolver a nossa liberdade; às vezes temos a esperança de ver que as portas se abrem.

Neste momento vemos que nossos vizinhos árabes começaram a se manifestar e fazer chamamentos a seus governos para que reajam. Ao mesmo tempo, sabemos que os dirigentes árabes só farão declarações para salvar a cara.

Como você sabe, Mubarak se associou com Israel para manter fechado o passo a Egito. Que podemos esperar de um Mubarak que, hoje, enviou soldados de reforços para que disparem contra as mães que foram [à fronteira] a pedir que deixem sair os doentes e feridos, que não se podem curar em Gaza e a quem espera uma morte segura?

Êxodo de palestinos de Gazaa para o Egito, 23/01/2008

Israel quer nos fazer desaparecer. Mas não o conseguirá nunca. Nunca. Embora consiga matar-nos a todos nos privando de água e comida, outros palestinos da Cisjordânia e do mundo lutarão para que Gaza siga existindo.

Creio que os vier depois de nós se vingarão destes colonizadores israelenses que nos acurralam em nossa terra. Façam o que fizerem nunca conseguirão se desfazer de nós, os palestinos nativos.»

Post scriptum.

Este relato, sóbrio embora preciso, é capital. Quando foi escrito seu autor ignorava que os palestinos estavam abrindo no muro uma brecha que permitiria a toda esta população cativa e faminta procurar provisões como último recurso no Egito. Mas era plenamente consciente de este espantoso dado, ou seja, de que lhes cortando a água e os víveres, Israel queria levá-los ao pior: o êxodo. Ou seja, acabar a «transferência».

Os palestinos sempre lembram como depois de ter massacrado os habitantes do povo de Deir Yassin em 1948 os grupos terroristas judaicos provocaram um pânico geral que teve como conseqüência o desarraigo de 900.000 palestinos aterrorizados que fugiram para salvar a vida, o que permitiu aos colonos israelitas instalar-se nas terras árabes e criar nelas o estado de Israel.

Foi uma expulsão planejada metodicamente, uma «limpeza étnica», à que Israel chamou de «transferência» voluntária. E para encanar melhor ao mundo, fingiu que foram os dirigentes árabes os que deram a ordem para que os palestinos fugissem.

Hoje se repete o mesmo cenário. Como em 1948, a propaganda das autoridades israelenses, repetida por muitos cronistas no mundo, deixa entender que foram os dirigentes palestinos (de Hamas) os que organizaram um «golpe de força» que fez o muro cair [em Rafah] e que saísse uma maré humana para o Egito; em outras palavras, voltam a atribuir a dirigentes palestinos a responsabilidade de um êxodo que, na realidade, foi provocado por umas condições intoleráveis impostas por Israel [1].

Desde finais de novembro de 2007 as forças de ocupação militar israelenses multiplicaram os atos de terror contra a população de Gaza, por terra, mar e are, que deixaram quase a diário uns cinqüenta feridos e dezenas de mortos. Este terror se incrementou mais ainda pela proibição de entrada tanto de abastecimento como dos caminhões que transportam medicinas, e a proibição de deixar sair os feridos graves para que recebam tratamento no Egito.

Para a população de Gaza não existe a menor dúvida de que, como em 1948, se trata de um processo deliberado e calculado destinado a empurrar as pessoas à loucura; e de que Israel está executando a mesma política que em 1948; de que se trata fazê-los morrer de fome, de usar a força militar e técnicas de guerra psicológica para criar um forte sentimento de medo, esperando que sob o efeito do pânico e do estrês, à menor apertura, as pessoas se precipitariam para fora de Gaza.

Israel fez o que fez e agora vai manipular as coisas para lavar-se as mãos. Altos cargos israelenses já declararam que abastecer Gaza é assunto do Egito.

O objetivo das estratégias israelenses é conseguir que uma vez que se empurre ao Egito aos nativos de Gaza, já não sejam considerados palestinos e que os refugiados que têm direito a retornar a suas terras das foram expulsos por primeira vez em 1948 se estabeleçam também no Egito e se somem aos milhões de refugiados que apodrecem nos campos de refugiados da Jordânia, a Síria e o Líbano.

Existem importantes motivos para crer que o calvário de Gaza só está começando.

[1] Para os comentaristas que apóiam a postura do ocupante israelense, se trata de deixar entender que são os dirigentes de Hamas os que empurraram os habitantes de Gaza a partir, como o ilustram estas palavras:

«A idéia brilhante que encontraram os dirigentes de Hamas em Gaza foi a de se fazer levar até a fronteira egípcia para fraternizar aí com o exército, para abrir a fronteira e para dar assim a sensação de que a liberação vinha do sul. Esta operação se efetuou da mão do amo; obviamente, dadas as restrições às que estava submetida, a população se emprestou a isso com entusiasmo; mas se tratava de uma operação mandada, organizada pela a direção do partido [Hamas]».


E este comentário demonstra que Israel tem interesse no êxodo de Gaza:

« … Por temor a uma fraternização total entre o exército egípcio e os manifestantes palestinos, o governo de Cairo cedeu, abriu sua fronteira; talvez se abrirá de forma permanente o que fará que pese sobre o Egito a responsabilidade de abastecer o enclave; em última instância, os israelenses o desejariam… ».
Para ler toda a argumentação deste propagandista, acesse aqui.

Silvia Cattori

(*) «Gaza é uma prisão» em que Israel encerrou os palestinos e depois «jogou a chave no mar» é uma imagem utilizada por John Dugard, professor de direito.

Traduzido do francês para espanhol por Beatriz Morales Bastos.

Versão em português: Tali Feld Gleiser de América Latina Palavra Viva.

O artigo original (francês) encontra-se aqui.

Esta versão aqui publicada foi reproduzida do blog da jornalista suiça


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E aqui um relato do dia 04/01/2009



Rami Almeghari*, da Faixa de Gaza ocupada, Palestina, 4/1/2009


Prossegue pelo oitavo dia o incansável bombardeio de Israel na Faixa de Gaza. Pelo Skype, Rami Almeghari, correspondente da Electronic Intifada, conta como segue a vida, no início da noite de domingo, em Gaza:

Minha família é da vila de Karatiya, a poucos quilômetros da Faixa de Gaza, em território hoje ocupado por Israel. Karatiya é uma das 450 cidades da Palestina história que sofreu limpeza étnica das milícias sionistas em 1948. Minha família, como centenas de milhares de outras famílias palestinenses, perdeu tudo.

Moro hoje no campo de refugiados de Maghazi, na Faixa de Gaza, que nesse momento está sob bombardeio dos tanques de Israel, na linha da fronteira, pelos F-16s fabricados nos EUA, pelo ar, e pelo mar. Ontem, o exército de Israel entrou na Faixa de Gaza e há combates na parte norte da Faixa e a leste da cidade de Gaza.

Acabo de ligar o computador, porque agora há eletricidade aqui. Passamos sem luz quase todo o dia. Tento usar o gerador, mas o combustível está no fim. Logo sairei do ar; é terrível, para uma jornalista não ter meios para escrever.

Onde estou não ouço sinal de combates, pelo menos até agora. Os jornalistas não conseguem obter informação, porque é perigoso demais e tudo é proibido.

Há notícias de muitos mortos e feridos no norte da Faixa. A imprensa israelense comunicou a morte de um soldado. Há resistência, mais do que se diz que os israelenses esperavam. O governo do Hamás, afinal, vive sob ataque há já quase dois anos e meio.

Na região leste de Gaza houve combates em Shajaiyeh, a leste da cidade de Gaza. O exército parece ter mesmo dividido a cidade em duas áreas, como testemunhas confirmaram. Os tanques avançaram mais rapidamente hoje, que ontem, e parece que há tantes na colônia israelense de Netzarim, ao sul. Cai a noite e a luta continua. (...)

Uma casa foi destruída no ataque dos aviões em al-Tuffah, perto da cidade de Gaza. Hoje, Israel bombardeou o mercado popular de Firaz, perto do prédio da prefeitura da cidade de Gaza.

Há notícias de que os israelenses estariam usando armas ou munição radioativa. Os médicos e os paramédicos falam de queimaduras, abrasões e fraturas nos feridos e nos mortos que são condizentes com esse tipo de munição cujo uso é expressamente proibido pelas leis e convenções internacionais.

Saí um pouco hoje cedo, para tentar comprar alguma coisa e falar com alguém – o mesmo que todos estão tentando fazer por aqui. As estradas principais estão quase completamente desertas, nem carros nem pessoas. Todos ficam em casa, assustados. Só se sai, mesmo, em caso de emergência.

Meus vizinhos estão calmos. De fato, não há para onde ir nem o que fazer. Mas não vejo sinais de pânico nem de desespero. O que se ouve é que ninguém pensa em fugir ou em abandonar as casas, e que ficaremos onde estamos, mesmo que Israel chegue e destrua tudo. As pessoas que moram aqui são refugiados que perderam suas casas há 60 anos e estão passando por uma experiência que conhecem bem. Sabem que Israel preferiria que eles não existissem, e que espera que todos se mudem espontaneamente para o Egito ou para a Jordânia. Os refugiados sabem disso e já aprenderam que ficar onde estão é um modo de resistir.

Uma das minhas vizinhas disse que mesmo que Gaza seja destruída completamente, há milhões de palestinenses que continuarão a lutar contra a ocupação. Não digo isso para parecer emocional ou sentimental. Ouço isso por toda parte. Todos estão assustados, têm medo de morrer, mas pensam também como grupo, como povo. Parece mentira, mas é verdade.

Muitos tiveram notícias de que há manifestações em todo o mundo. Que se fala mais da Palestina hoje, do que das outras vezes. Todos confiam em que haja luz no fim desse túnel. Ao mesmo tempo, todos falam mal dos políticos e dos governantes que ouvem falar na televisão. Sentem-se ofendidos.

*Rami Almeghari colabora para a Electronic Intifada, IMEMC.org, para a Free Speech Radio News e é professora adjunta de Mídia e Tradução Política na Universidade Islâmica em Gaza.

Foi tradutora-chefe de inglês e editora-chefe do Centro Internacional de Imprensa do Serviço Palestinense de Informações, em Gaza.

Recebe e-mails em rami_almeghari@hotmail.com .

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