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segunda-feira, 30 de junho de 2008

Entenda o embate na Argentina (ruralistas do agronegócio exportador versus Cristina Kirchner

Na disputa entre Cristina Kirchner e ruralistas, um sinal para o Brasil

Estradas argentinas foram bloqueadas pelos latifundiários em protestos as reformas tributárias de Cristina Kirchner

Queda queda-de-braços entre o governo da Argentina e os grandes proprietários de terras mostra que é, sim, possível redistribuir os lucros do agronegócio

(Por Marília Arantes, da Redação)


No último mês de março, colunas de ruralistas argentinos seguiram rumo a Buenos Aires. A mobilização buscava obrigar a presidente Cristina Kirchner a voltar atrás de uma decisão tomada em 11/3, quando foram elevadas as alíquotas do imposto sobre a exportação de produtos agrícolas. Em parte, conseguiu resultados. Três semanas de protestos (que incluíram corte do abastecimento alimentício à capital, por meio de bloqueio das estradas por caminhões), deixaram a capital federal desabastecida e caótica, fazendo sofrer os portenhos. Setores da população, sensibilizados contra o que a maior parte da mídia chamou de “confisco” contra os produtores agrícolas, aderiram. Contudo, no último 2/4, a situação foi normalizada. Ao fazer concessões aos pequenos produtores, Cristina isolou os grandes ruralistas. Novas mobilizações, em favor das medidas da presidente, superaram as contrárias. Os tributos sobre as exportações continuam valendo. Na Argentina, ao menos uma parte dos ganhos extraordinários obtidos pelos proprietários de terras, com a alta internacional das matérias-primas, é redistribuída por meio de impostos.

Os fatos ajudam a jogar luz sobre novas relações econômicas e políticas, em países que são (como o Brasil) fortes produtores agrícolas. A reporter Stella Spinelli conta, no site Peace Reporter, (ler também aqui) que as exportações de grãos da Argentina – para a velha Europa e agora também para China, Índia e Sudoeste da Ásia, onde o consumo de alimentos cresce sem parar – chegaram a 13 bilhões de dólares anuais. As grandes plantações de milho, girassol e principalmente de soja transgênica invadiram o interior do país, tomando espaço da criação de gado e de culturas tradicionais, como o trigo e o algodão. Além disto, 80% dos lucros do agronegócio ficam nas mãos dos grandes proprietários. Somente 2% dos produtores concentram a propriedade de 55% da terra cultivada para os fins de exportação, em uma média de 15 mil hectares cada fazenda. Estão associados a gigantes mundiais do processamento e comércio de produtos agrícolas, como Bunge, Dreyfus e Cargill
É justo que tão poucos enriqueçam com a nova conjuntura? A quem pertencem a água que irriga as lavouras, ou a luz que as alimenta: aos que já monopolizam a terra? Desde 2002, o governo argentino criou um tributo – denominado taxa de retenção – sobre o valor das exportações agrícolas. A alíquota foi elevada para 35% na presidência de Nestor Kirchner. Ainda assim, os preços internacionais são tão apetitosos que as vendas ao exterior continuaram crescendo – a ponto de provocar desabastecimento interno. A nova elevação do imposto (agora para 44%, no caso da soja) visou, também, enfrentar este problema. O país ganha: entre outras ações, a receita tem servido para financiar a produção de milho e trigo, consumidos no mercado interno e cultivados, em geral, por pequenos produtores. Os exportadores não perdem, como mostra artigo publicado em 8 de abril pelo ex-ministro da Fazenda brasileiro Luiz Carlos Bresser Pereira, insuspeito de esquerdismo (ler no clip).
A reação à medida de Cristina é principalmente ideológica: os grandes produtores não suportam a idéia de distribuir o que julgam “seu”. Em sua grita, souberam mobilizar parte dos pequenos – muito mais numerosos, e também obrigados ao tributo.

Cristina cede aos pequenos produtores e isola a “oligarquia rural”

Para enfrentar o que chama de oligarquia rural, a presidente fez concessões aos menores, apresentadas num pacote de sete medidas, no início de abril. Entre outros benefícios, o Estado restituirá automaticamente, a quem exporta até 50 toneladas anuais, parte do valor arrecadado com a nova alíquota. Também participará com 50% do preço do frete até o porto, quando a distância percorrida for superior a 400 quilômetros. Foi o que isolou, ao menos até o momento, os grandes ruralistas – que contam com enorme apoio no Legislativo, na mídia, no próprio aparato do Estado.
É uma pena que o conflito argentino seja tratado, no Brasil, sem a profundidade necessária. O país caminha para se tornar o maior exportador agrícola mundial. As exportações agrícolas (e de minérios) foram as principais responsáveis pelos expressivos saldos comerciais dos últimos anos. Mas esta “eficiência” tem sido alcançada com enorme concentração da propriedade, condições de trabalho desumanas e ataque permanente aos principais ecossistemas do país (em especial, o cerrado e a Amazônia). A adoção bem-sucedida, no país vizinho, de um imposto sobre as exportações revela que é perfeitamente possível rever, aqui, o modelo de favorecimento ao agronegócio e adotar políticas que distribuam de forma mais eqüânime os benefícios de nossa potencialidade agrícola.

Le Monde Diplomatique (Edição Brasileira — Blog da Redação- Sexta-Feira, 11 Abril 2008)

sábado, 28 de junho de 2008

Imigração e Emigração (Europa-América-Europa) uma perspectiva histórica

Atualizado em 01/07/2008

O Presidente da Bolívia, Evo Morales, em carta aberta à União Européia a respeito da "
diretriz de retorno"- política de endurecimento das condições de detenção e expulsão de imigrantes na Europa- que, segundo organizações dos Direitos Humanos, ferem direitos básicos, manifesta preocupação a esta política.

Em sua carta ele também tece uma interessante perspectiva crítica do processo de colonização, recuperando metáforas clássicas de autores latino-americanos como Eduardo Galeano e seu clássico livro sobre o processo de colonização na América "As veias abertas da América Latina".


Esse é um interessante documento para se fazer uma relação pertinente entre presente-passado-presente-futuro, propondo atividades comparativas com vários documentos disponíveis no volume de 7º ano, especialmente nos capítulos de colonização da América, assim como nos de 8º ano sobre o processo de independência das colônias hispano-americanas.


Não deixe de ler também o artigo do jornalista Altamiro Borges sobre a diretriz de retorno e as postagens relacionadas à questão da imigração no Brasil e nos EUA sugeridas ao final.

"Os europeus sempre foram bem-vindos. Vieram ao nosso continente para explorar riquezas e para transferi-las para a Europa, com um altíssimo custo para as populações originais da América. (...)
Tal como a conhecemos hoje, é uma diretriz da vergonha. Chamo também a União Européia a elaborar, nos próximos meses, uma política migratória respeitosa dos direitos humanos, que permita manter este dinamismo proveitoso para ambos os continentes e que possa reparar, de uma vez por todas, a tremenda dívida histórica, econômica e ecológica que os países da Europa têm com grande parte do Terceiro Mundo, que feche de uma vez as veias ainda abertas da América Latina. Não podem falhar hoje em suas "políticas de integração" como fracassaram com sua suposta "missão civilizadora" do tempo das colônias." (Evo Morales)


CARTA ABERTA: O papel real dos imigrantes

Até o final da Segunda Guerra Mundial, a Europa foi um continente de emigrantes. Dezenas de milhões de europeus partiram rumo às Américas para colonizar, escapar da fome, das crises financeiras, das guerras ou dos totalitarismos europeus e da perseguição às minorias étnicas.

Hoje, estou acompanhando com preocupação o processo da chamada "diretriz de retorno". O texto, validado no passado 5 de junho pelos ministros do Interior dos 27 países da União Européia, deve ser votado no dia 18 de junho no Parlamento Europeu. Sinto que endurece de maneira drástica as condições de detenção e expulsão aos imigrantes indocumentados, qualquer que seja seu tempo de permanência nos países europeus, sua situação laboral, seus laços familiares, sua vontade e suas tentativas de integrar-se.

Os europeus chegaram massivamente aos países da América Latina e da América do Norte, sem vistos nem condições impostas pelas autoridades. Foram sempre bem-vindos. E continuam sendo, em nossos países do continente americano, que absorveram, naquela época, a miséria econômica européia e suas crises políticas. Vieram ao nosso continente para explorar riquezas e para transferi-las para a Europa, com um altíssimo custo para as populações originais da América. Como no caso do nosso Cerro Rico de Potosí e suas fabulosas minas de prata, que permitiram dar massa monetária ao continente europeu do século XVI até o século XIX. As pessoas, os bens e os direitos dos imigrantes europeus sempre foram respeitados.

Hoje, a União Européia é o principal destino dos imigrantes do mundo, o que é conseqüência de sua positiva imagem de espaço de prosperidade e de liberdades públicas. A imensa maioria dos imigrantes vem para a UE para contribuir com esta prosperidade, não para aproveitar-se dela. Ocupam os empregos de obras públicas, construção, nos serviços a pessoas e hospitais, que não podem ou não querem ocupar os europeus.

Contribuem para o dinamismo demográfico do continente europeu, para manter a relação entre ativos e inativos que torna possível seus generosos sistemas de seguridade social e dinamizam o mercado interno e a coesão social. Os imigrantes oferecem uma solução aos problemas demográficos e financeiros da UE.

Para nós, nossos imigrantes representam a ajuda para o desenvolvimento que os Europeus não nos dão - uma vez que poucos países alcançam realmente o mínimo objetivo de 0,7% de seu PIB na ajuda para o desenvolvimento. A América Latina recebeu, em 2006, 68 bilhões de dólares em remessas, ou seja, mais do que o total dos investimentos estrangeiros em nossos países. A nível mundial, chegam a 300 bilhões de dólares, que superam os 104 bilhões concedidos como ajuda para o desenvolvimento. Meu próprio país, a Bolívia, recebeu mais de 10% do PIB em remessas (1,1 bilhões de dólares) ou um terço das nossas exportações anuais de gás natural.

Ou seja, que os fluxos migratórios são benéficos tanto para os europeus e, de modo marginal, para nós, do Terceiro Mundo, uma vez que também perdemos contingentes que somam milhões da nossa mão de obra qualificada, na qual, de um modo ou de outro, nossos Estados, mesmo pobres, investiram recursos humanos e financeiros.

Lamentavelmente, o projeto da "diretriz de retorno" complica terrivelmente esta realidade. Apesar de que concebemos que cada Estado ou grupo de Estados pode definir suas políticas migratórias com toda soberania, não podemos aceitar que os direitos fundamentais das pessoas sejam negados aos nossos compatriotas e irmãos latino-americanos. A "diretriz de retorno" prevê a possibilidade de prisão dos imigrantes indocumentados por até 18 meses antes de sua expulsão - ou "afastamento", segundo o termo da diretriz. 18 meses! Sem julgamento nem justiça! Tal como está hoje, o projeto de texto da diretriz viola claramente os artigos 2, 3, 5, 6, 7, 8 e 9 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Especialmente o artigo 13 da Declaração, que diz:

1. Toda pessoa tem o direito de circular livremente e de escolher sua residência no território de um Estado.
2. Toda pessoa tem direito de sair de qualquer país, inclusive do próprio, e de voltar para o seu país".

E, o pior de tudo, existe a possibilidade de encarcerar mães de família e menores de idade, sem levar em consideração sua situação familiar ou escolar, nestes centros de internação, nos quais sabemos que ocorrem depressões, greves de fome, suicídios. Como podemos aceitar sem reagir que sejam concentrados em campos compatriotas e irmãos latino-americanos indocumentados, dos quais a imensa maioria está há anos trabalhando e se integrando? De que lado está hoje o dever de ingerência humanitária? Onde estão a "liberdade de circular", a proteção contra prisões arbitrárias?

Paralelamente, a União Européia tenta convencer a Comunidade Andina de Nações (Bolívia, Colômbia, Equador e Peru) de que assinem um "Acordo de Associação" que inclui em seu terceiro pilar um Tratado de Livre Comércio, da mesma natureza e conteúdo que os impostos pelos Estados Unidos. Estamos sob intensa pressão da Comissão Européia para aceitar condições de profunda liberalização para o comércio, os serviços financeiros, propriedade intelectual ou nossos serviços públicos. Além disso, em nome da proteção jurídica somos pressionados pelo processo de nacionalização da água, do gás e das telecomunicações realizados no Dia Mundial dos Trabalhadores. Pergunto, nesse caso, onde está a "segurança jurídica" para nossas mulheres, adolescentes, crianças e trabalhadores que buscam melhores horizontes na Europa?

Promovem a liberdade de circulação de mercadorias e finanças, enquanto vemos à frente encarceramento sem julgamento para nossos irmãos que tentaram circular livremente. Isso é negar os fundamentos da liberdade e dos direitos democráticos.

Sob estas condições, caso for aprovada esta "diretriz de retorno", estaríamos na impossibilidade ética de aprofundar as negociações com a União Européia e nos reservamos o direito de adotar com os cidadãos europeus as mesmas obrigações de visto que são impostas aos Bolivianos desde primeiro de abril de 2007, segundo o princípio diplomático de reciprocidade. Não o exercemos até agora, justamente por esperar bons sinais da UE.

O mundo, seus continentes, seus oceanos e seus pólos conhecem importantes dificuldades globais: o aquecimento global, a contaminação, o desaparecimento lento mas certo de recursos energéticos e biodiversidade, enquanto aumenta a fome e a pobreza em todos os países, fragilizando nossas sociedades. Fazer dos imigrantes, quer sejam documentados ou não, os bodes expiatórios destes problemas globais, não é nenhuma solução. Não corresponde a nenhuma realidade. Os problemas de coesão social que a Europa está sofrendo não são culpa dos imigrantes, mas o resultado do modelo de desenvolvimento imposto pelo Norte, que destrói o planeta e desmembra as sociedades dos homens.

Em nome do povo da Bolívia, de todos os meus irmãos do continente e de regiões do mundo como o Maghreb, Ásia e os países da África, faço um chamado à consciência dos líderes e deputados europeus, dos povos, cidadãos e ativistas da Europa, para que não seja aprovado o texto da "diretriz de retorno".
Tal como a conhecemos hoje, é uma diretriz da vergonha. Chamo também a União Européia a elaborar, nos próximos meses, uma política migratória respeitosa dos direitos humanos, que permita manter este dinamismo proveitoso para ambos os continentes e que possa reparar, de uma vez por todas, a tremenda dívida histórica, econômica e ecológica que os países da Europa têm com grande parte do Terceiro Mundo, que feche de uma vez as veias ainda abertas da América Latina. Não podem falhar hoje em suas "políticas de integração" como fracassaram com sua suposta "missão civilizadora" do tempo das colônias.

Recebam todos vocês, autoridades, europarlamentares, companheiras e companheiros, saudações fraternas desde a Bolívia. E, especialmente, nossa solidariedade com todos os "clandestinos".

Evo Morales Ayma
Presidente da República da Bolívia

Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutores- 13/06/2008 originalmente publicado em Carta Maior.

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O jornalista Altamiro Borges também publicou um contundente texto sobre a questão:

Limpeza Étnica na europa Fascista

por Altamiro Borges, em seu blog

O Parlamento do Mercosul, reunido na cidade argentina de San Miguel de Tucumán, aprovou ontem uma dura resolução de repúdio às novas regras migratórias em vigor na União Européia, a fascista “Diretiva de Retorno”. Segundo relatos de bastidores, o documento foi articulado pelo ministro de Relações Exteriores do Brasil, o embaixador Celso Amorin, foi consensual entre os países membros do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) e teve o entusiástico apoio dos governos da Venezuela e Bolívia, ainda em fase de adesão formal ao bloco regional.

“O Parlamento do Mercosul declara seu repúdio à denominada Diretiva de Retorno, que constitui uma violação aos direitos humanos básicos, em particular ao direito de livre circulação... Declara a sua esperança na capacidade do Parlamento Europeu rever, com base nos valores civilizatórios da Europa, essa decisão equivocada e estéril, que mancha a imagem da União Européia”, afirma a incisiva resolução, que será encaminhada a todas as instâncias internacionais. Alguns governos latino-americanos também não descartam a possibilidade de adotar duras medidas de represália, no espírito do direito à reciprocidade, como forma de pressão sobre as nações européias.

Oito milhões de “criminosos”

A Diretiva de Retorno, aprovada pelo parlamento europeu em 18 de junho, representa uma brutal regressão na política migratória e reflete a atual onda direitista no velho continente, com a vitória de vários governantes xenófobos. Ela relembra a fúria racista do período nazi-fascista. Fixa que, a partir de 2010, o estrangeiro em situação irregular em qualquer país da União Européia terá de sete a 30 dias para voltar ao seu país de origem, independentemente do tempo de residência na Europa e mesmo de sua situação familiar. Caso não deixe o país, ele ficará sujeito à detenção por seis meses, prorrogáveis por mais 12 meses. Os filhos nascidos na Europa também poderão ser separados dos pais imigrantes e os deportados não poderão retornar à Europa durante cinco anos.

Imigrantes clandestinos descansam no porto de Arguineguin, na ilha de Gran Canaria, Espanha.



Segundo estimativas, atualmente há oito milhões de imigrantes ilegais no continente – entre eles, cerca de 800 mil brasileiros. A partir da vigência desta lei, já batizada de Diretiva da Vergonha, todos passarão a viver como criminosos, perseguidos pela polícia migratória e discriminados por europeus envenenados pelas manipulações racistas difundidas na mídia hegemônica. O clima de terror já impera. Na Itália, o magnata da mídia Silvio Berlusconi, durante a sua campanha para o terceiro governo, pregou abertamente a “tolerância zero contra o rom [ciganos], os clandestinos e os criminosos”. Eleito, já ordenou a destruição de acampamentos e a prisão sumária de ciganos.

Arsenal de desgraças do colonizador

Na França, liderada por outro fascista, Nicolas Sarkozy, foram fixadas cotas anuais de expulsão de estrangeiros. Também foi autorizado o interrogatório de “suspeitos” durante seis dias, sem a presença de advogados, e as normas de controle dos aeroportos agora serão secretas. O governo francês ainda decretou que os patrões deverão denunciar funcionários sem documentos sob pena de multa de 15 mil euros e cinco anos de prisão. Na Espanha, o social-democrata Luis Zapatero se vangloriou de ter expulsado 330 mil imigrantes – 50% mais do que nos últimos quatro anos de José Aznar. Outros países autorizaram a polícia a deter os imigrantes por 42 dias sem acusação formal e os serviços secretos já vasculham, sem sentença judicial, os correios eletrônicos.

Na opinião do jornalista Luis Eça, a escalada xenófoba na Europa, que explica a recente vitória de governantes fascistas, teria vários motivos. “A aversão da população européia aos imigrantes se explica, em parte, pelo racismo – nem sempre expresso, mas, em geral, latente –, herdado dos tempos coloniais, quando os africanos eram acoimados de selvagens e os asiáticos de bárbaros que deveriam ser ‘civilizados’. Outra razão, talvez mais importante, é o temor de que os intrusos venham a tomar postos de trabalho da população local”. Os imigrantes seriam as vítimas destas injustiças. “Após séculos, primeiro escravizando e depois explorando impiedosamente a África, a América Latina e parte da Ásia, a Europa parece não ter esgotado o seu arsenal de desgraças”.

Novos escravos da Europa

No seu calvário, o imigrante sofre ao tentar ingressar no “primeiro mundo”, ao ser violentamente explorado e, agora, ao ser perseguido e expulso. Ele trabalha nas áreas mais penosas e insalubres, numa jornada média de 60 horas semanais, com salários baixos e sem qualquer direito. Temendo ser denunciado à polícia, ele se submete às horas não pagas, à truculência patronal, às demissões arbitrárias, à ausência de indenizações e ao trabalho noturno e no final de semana. Os imigrantes ilegais, mas também os legais, são utilizados pela burguesia para instigar a concorrência entre os trabalhadores, o que estimula a divisão na própria classe e os piores instintos xenófobos.

Reportagem contundente do jornal O Estado de S.Paulo, intitulada “Novos escravos da Europa”, revelou o drama de dois africanos, Adam Mohamed e John Kawala, que venderam suas lojas de artesanato em Gana “para reunir dinheiro e pagar todas as propinas necessárias para cruzar várias fronteiras e chegar a Europa. Em três semanas, passaram por Gana, Togo, Benin, Níger, Líbia e finalmente cruzaram o mar Mediterrâneo até o sul da Itália. Gastaram 4 mil cada um na viagem. Tudo isso para, três meses depois, viverem na condição parecida com a da escravidão na Europa. ‘Se eu soubesse que viria ao inferno, não teria iniciado a viagem’, afirma Kawala, 35 anos”.

Violação dos direitos humanos

O artigo mostra que esta é a sina da maioria dos 500 mil africanos, latino-americanos e asiáticos que ingressa no bloco todos os anos. O grosso trabalha ilegalmente, sendo responsável por quase 12% do PIB europeu. Muitos vivem “em condições de indigência. Eles sofrem diariamente com violência, vivem em edifícios abandonados, sem eletricidade ou água, e infestados de ratos. Pior: não podem voltar diante das dívidas que acumularam com seus patrões. Conhecida por criticar as condições de trabalho na produção da cana-de-açúcar no Brasil ou de têxteis na China, a Europa está sendo obrigada agora a admitir a existência dessas violações em seu próprio território”.

No trabalho nos campos da Itália, França ou Espanha, “quem ousa fugir é até perseguido pelos capatazes das fazendas. Há dois anos, a região [da Calábria] ainda foi tomada por um escândalo envolvendo a morte de poloneses que também trabalhavam no campo. Investigações feitas pela Justiça mostraram que algumas das mulheres encontradas mortas poderiam ter sido estupradas e aquela foi a primeira vez que os italianos passaram a saber a real situação dos imigrantes... Hoje, os que morrem não têm muitas vezes nem como ter seu corpo transportado para seus países”.

Resposta deve ser dura

Além de comer o pão que o diabo amassou, em condições desumanas de trabalho, o imigrante será agora mais perseguido e humilhado. Para Emir Sader, “a mensagem européia é clara. Diz um colunista espanhol: ‘Imigrante, não, muito obrigado. Petróleo, passe, por favor’. Em outras palavras, livre comércio, mas, numa sociedade que considera o ser humano mercadoria, estes são excluídos da lei geral. As mercadorias podem circular livremente, os seres humanos, não... Não é necessário recordar que sempre aceitamos imigrantes europeus, sem nenhuma política de cotas”.

Para o renomado sociólogo, é urgente repudiar esta barbárie fascista. “Uma vez García Márquez anunciou que não permitiria mais a venda dos seus livros na Espanha se passasse a ser solicitado visto aos colombianos. Agora, Hugo Chávez anuncia que deixará de vender petróleo aos países que aplicarem a Diretiva da Vergonha”. A resposta dos governos e dos povos latino-americanos, africanos e asiáticos deve ser dura. Nos séculos 19 e 20, os países do Sul “receberam milhões de italianos, portugueses, franceses, alemães, espanhóis e ingleses, que para cá vieram em busca de melhores oportunidades que seus países não ofereciam. Mas, na Europa de Berlusconi, Sarkozy, Merkel e Brown, gratidão não é um argumento levado em conta”, ironiza Luis Eça.

Manifestação de imigrantes nos EUA no Primeiro de maio.

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quinta-feira, 26 de junho de 2008

CAMPANHA CONTRA RAPOSA/SERRA DO SOL VISA "REESCREVER" CONSTITUIÇÃO DE 88

Luiz Carlos Azenha 26 de junho de 2008

Os direitos constitucionais dos índios estão expressos num capítulo específico da Carta de 1988 (título VIII, "Da Ordem Social", capítulo VIII, "Dos Índios"), além de outros dispositivos dispersos ao longo de seu texto e de um artigo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Trata-se de direitos marcados por pelo menos duas inovações conceituais importantes em relação a Constituições anteriores e ao chamado Estatuto do Índio. A primeira inovação é o abandono de uma perspectiva assimilacionista, que entendia os índios como categoria social transitória, fadada ao desaparecimento. A segunda é que os direitos dos índios sobre suas terras são definidos enquanto direitos originários, isto é, anterior à criação do próprio Estado. Isto decorre do reconhecimento do fato histórico de que os índios foram os primeiros ocupantes do Brasil.

A nova Constituição estabelece, desta forma, novos marcos para as relações entre o Estado, a sociedade brasileira e os povos indígenas.

Com os novos preceitos constitucionais, assegurou-se aos povos indígenas o respeito à sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Pela primeira vez, reconhece-se aos índios no Brasil o direito à diferença; isto é: de serem índios e de permanecerem como tal indefinidamente. É o que reza o caput do artigo 231 da Constituição:

"São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens."

Note-se que o direito à diferença não implica menos direito nem privilégios. Daí porque a Carta de 88 tenha assegurado aos povos indígenas a utilização das suas línguas e processos próprios de aprendizagem no ensino básico ( artigo 210, § 2º), inaugurando, assim, um novo tempo para as ações relativas à educação escolar indígena.

Além disso, a Constituição permitiu que os índios, suas comunidades e organizações, como qualquer pessoa física ou jurídica no Brasil, tenham legitimidade para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses.

Direito à terra


A nova Constituição inovou em todos os sentidos, estabelecendo, sobretudo, que os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam são de natureza originária. Isso significa que são anteriores à formação do próprio Estado, existindo independentemente de qualquer reconhecimento oficial.

O texto em vigor eleva também à categoria constitucional o próprio conceito de Terras Indígenas, que assim se define, no parágrafo 1º. de seu artigo 231:


"São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições."

São determinados elementos, portanto, que definem uma sorte de terra como indígena. Presentes esses elementos, a serem apurados conforme os usos, costumes e tradições indígenas, o direito à terra por parte da sociedade que a ocupa existe e se legitima independentemente de qualquer ato constitutivo. Nesse sentido, a demarcação de uma Terra Indígena, fruto do reconhecimento feito pelo Estado, é ato meramente declaratório, cujo objetivo é simplesmente precisar a real extensão da posse para assegurar a plena eficácia do dispositivo constitucional. E a obrigação de proteger as Terras Indígenas cabe ao Estado.

No que se refere às Terras Indígenas, a Constituição de 88 ainda estabelece que:

  • incluem-se dentre os bens da União;
  • são destinadas à posse permanente por parte dos índios;
  • são nulos e extintos todos os atos jurídicos que afetem essa posse, salvo relevante interesse público da União;
  • apenas os índios podem usufruir das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes;
  • o aproveitamento dos seus recursos hídricos, aí incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais, só pode ser efetivado com a autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada a participação nos resultados da lavra;
  • é necessária lei ordinária que fixe as condições específicas para exploração mineral e de recursos hídricos nas Terras Indígenas;
  • as Terras Indígenas são inalienáveis e indisponíveis, e o direito sobre elas é imprescritível;
  • é vedado remover os índios de suas terras, salvo casos excepcionais e temporários, previstos no § 6º do artigo 231.

Nas Disposições Constitucionais Transitórias, fixou-se em cinco anos o prazo para que todas as Terras Indígenas no Brasil fossem demarcadas. O prazo não se cumpriu, e as demarcações ainda são um assunto pendente (ver Demarcação).

Outros dispositivos

Dispersos pelos texto constitucional, outros dispositivos referem-se aos índios:

  • a responsabilidade de defender judicialmente os direitos indígenas inclui-se dentre as atribuições do Ministério Público Federal;
  • legislar sobre populações indígenas é assunto de competência exclusiva da União;
  • processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas é competência dos juízes federais;
  • o Estado deve proteger as manifestações das culturas populares, inclusive indígenas.

Na prática

A Constituição de 88 criou a necessidade de revisão da legislação ordinária e inclusão de novos temas no debate jurídico relativo aos índios. A partir de 1991, projetos de lei foram apresentados pelo Executivo e por deputados, a fim de regulamentar dispositivos constitucionais e adequar uma velha legislação, pautada pelos princípios da integração dos índios à "comunhão nacional" e da tutela, aos termos da nova Carta.

Assim, a base legal das reivindicações mais fundamentais dos índios no Brasil foi construída pela nova Constituição e vem sendo presentemente ampliada e rearranjada. Porém, a realidade brasileira demonstra que cabe aos índios e seus aliados a difícil tarefa de, fazendo cumprir as leis, garantir o respeito aos direitos indígenas na prática, diante dos mais diversos interesses econômicos que teimam em ignorar-lhes a própria existência.

Assegurar plena efetividade ao texto constitucional é o desafio que está posto. Cabe aos índios, mas também às suas organizações, entidades de apoio, universidades, Ministério Público e outros mais. Sabe-se que se trata de um processo lento, que está inclusive condicionado à tarefa de conscientização da própria sociedade. O êxito dependerá necessariamente do grau de comprometimento diário nessa direção por parte de todos os que atuam na questão.

Constituições anteriores

Todas as Constituições de nossa era republicana, ressalvada a omissão da Constituição de 1891, reconheceram aos índios direitos sobre os territórios por eles habitados:

Constituição de 1934

"Art. 129 – Será respeitada a posse de terras de silvícolas que nelas se achem permanentemente localizados, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las."

Constituição de 1937

"Art. 154 – Será respeitada aos silvícolas a posse das terras em que se achem localizados em caráter permanente, sendo-lhes, no entanto, vedado aliená-las".

Constituição de 1946

"Art. 216 – Será respeitada aos silvícolas a posse das terras onde se achem permanentemente localizados, com a condição de não a transferirem."

Constituição de 1967

"Art. 186 – É assegurada aos silvícolas a posse permanente das terras que habitam e reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes".

Emenda Constitucional número 1/ 1969

"Art. 198 – As terras habitadas pelos silvícolas são inalienáveis nos termos em que a lei federal determinar, a eles cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas e de todas as utilidades nelas existentes".

Carlos Frederico Marés (sócio fundador do ISA e colaborador do Programa de Política e Direito Socioambiental/ISA) aborda o universo das Constituições nacionais das Américas e traça comparações entre algumas delas:

Até a década de 80, com raras exceções, as Constituições nem sequer se referiam aos direitos dos povos indígenas. Alguns países, como a Bolívia, de maioria de população indígena, criaram um sistema jurídico à margem da diferença étnica, alterando a situação somente em 1994.

Neste conjunto, a Constituição brasileira é um marco. Antes dela, o tratamento das Constituições era reticente e remetia sempre à legislação infra-constitucional, ainda assim não conseguia reconhecer a etnodiversidade e a multiculturalidade. Quem lê a Constituição do Panamá (1983) , por exemplo, é incapaz de saber que a realidade construiu comarcas indígenas com verdadeira jurisdição alternativa. Ver também Canadá (1982), Equador (1983), Guatemala (1985), Nicarágua (1987).

Em 1988, embora sem coragem para declarar o país multiétnico e pluricultural, a Constituição brasileira reconheceu a diversidade na fórmula de reconhecer a organização social, os costumes, a língua, crença e tradições dos povos indígenas além do direito originário sobre as terras que habitam.

Aberta a porta, as novas constituições americanas vão reconhecendo a sociodiversidade de nossos países: Colômbia (1991) reconhece e protege a sua diversidade étnica e cultural; México (1992) assume que tem uma "composição pluricultural";Paraguai (1992), além de reconhecer a existência dos povos indígenas, se declara como um país pluricultural e bilíngüe, considerando as demais línguas patrimônio cultural da Nação; o Peru (1993) não vai tão longe e apenas admite como línguas oficiais, ao lado do castelhano, o quetchua, o aimara e outras línguas "aborígenas"; finalmente, a Bolívia (1994), com sua fulgurante maioria indígena, admite romper a tradição de silêncio integracionista e se define como multiétnica e pluricultural.

Na década de 1990, houve, portanto, um significativo avanço no reconhecimento constitucional dos povos indígenas da América. Oxalá os próximos anos sejam conhecidos como anos em que a realidade latino-americana ficou parecida com suas Constituições! (Carlos F. Marés – 1995).

Depois de escrito este texto, a Venezuela (1999) também reconheceu direitos específicos para povos indígenas que vivem em seu território.

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100 mil contra a ditadura


100 mil contra a ditadura


“Enquanto eu estiver aqui, não permitirei que o Rio se transforme numa nova Paris”
(General-presidente Costa e Silva)

“Não se repetirá aqui o que houve na França. Vai ser muito pior”.
(Luís Raul Machado, vice-presidente da UNE)


Augusto Buonicore
25.06.2008
___________________________________

Depois das grandes manifestações que se seguiram ao assassinato do secundarista Edson Luís, o movimento estudantil se retirou para as escolas. Esta foi uma das decisões tomadas pelo Conselho Nacional de Entidades da UNE, ocorrido na Bahia em maio. Além de concentrar a ação nas lutas específicas foi decidido aceitar a proposta de diálogo com a ditadura, como meio de desmascará-la. Teses defendidas pelas chamadas Dissidências do PCB em aliança com militantes deste mesmo Partido.
A Ação Popular (AP), que detinha a presidência da UNE, havia sido derrotada por um ínfimo número de votos nestes dois pontos cruciais. Ela defendia manter as mobilizações de rua, priorizando as bandeiras gerais contra a ditadura e o imperialismo, e rejeitava categoricamente qualquer tipo de diálogo com o regime, pois induziria o povo a uma ilusão perigosa.

Mas, a truculência policial iria, novamente, retirar os estudantes de dentro das universidades e lançá-los às ruas em defesa das liberdades democráticas. Em 20 de junho ocorreu uma assembléia dos estudantes  da UFRJ. Nela se discutiu a situação do ensino e a democracia interna daquele estabelecimento de ensino. A reitoria e o corpo de professores, muitos a contragosto, foram obrigados a participar. Em um certo momento o prédio foi cercado por um forte esquema policial-militar. O clima ficou tenso.

O próprio reitor assumiu a negociação entre os estudantes e a polícia. Depois de horas de tensão, ficou acertado que os jovens desocupariam o local pacificamente e a polícia não os atacaria. O governador confirmou o acordo. Mas tudo não passou de uma armadilha policial. Na saída os estudantes foram agredidos e uma parte acabou sendo encurralada e aprisionada dentro do campo do Botafogo. Ali ocorreram inúmeros atos de selvageria. Os estudantes foram obrigados a se deitarem no chão com as mãos na cabeça e espancados covardemente. Soldados urinavam sobre eles. O pior aconteceria com as moças que foram humilhadas sexualmente pelos policiais. Mais de 300 estudantes acabaram sendo presos naquela noite sombria.

As fotos publicadas nos principais jornais estarreceram a população. Este foi mais um grande golpe na imagem da ditadura junto à classe média. A cidade se transformou num verdadeiro paiol de pólvora. Bastava uma faísca para que tudo fosse pelos ares. Premonitoriamente o editorial do jornal oposicionista Correio da Manhã afirmou “A nação está diante de uma explosão de irracionalismo político que, se não for imediatamente detido, nos levará a um Calabouço ampliado”. Referia-se a morte de Edson Luís durante o protesto ocorrido na restaurante Calabouço.

Uma pequena manifestação estudantil saiu às ruas para condenar o que havia ocorrido no dia anterior e cobrar o diálogo do regime. Ela ameaçou se aproximar da Embaixada dos Estados Unidos – símbolo da opressão imperialista. A resposta foi uma primeira saraivada de balas disparada pela polícia. Três garotas foram atingidas e uma delas, Maria Ângela Ribeiro, faleceu. Diante da truculência as principais lideranças estudantis buscaram dispersar a manifestação. Pensavam preparar novas mobilizações para os dias seguintes. Mas, mesmo sem direção, a luta continuou pelas ruas da cidade.

Agora não eram apenas os estudantes que lutavam. A eles se juntaram um grande número de pessoas, em geral jovens, que trabalhavam no centro do Rio de Janeiro. Eram bancários, comerciários, escriturários, ofice boys, vendedores ambulantes etc. Do alto dos edifícios eram atirados todos os tipos de objetos. Um deles, por sinal, iria matar um dos soldados que participavam da repressão. Os policiais acuados atiravam a esmo contra o alto dos prédios e as pessoas que se aglomeravam. Dezenas delas – manifestantes ou não - caíram baleadas.

Assim descreveu a cena o então vice-presidente da UNE, José Roberto Arantes: “Às duas horas da tarde, praticamente, não existia estudantes  nas ruas. A maioria fugira do centro da cidade à bomba e à bala. Mesmo assim a violência continuou (...) Das janelas dos prédios começavam a despencar, jogados por funcionários de escritórios e moradores de apartamentos, os objetos disponíveis em cada lugar: água, grampeadores, prendedores de papel, garrafas e até máquinas de escrever. Quando um PM foi morto por um desses objetos, era preciso ver a gritaria com que sua queda foi recebida (..) E o tiroteio continuou até às 8 horas da noite, quando os últimos grupos de populares deixaram de responder à polícia”. José Roberto Arantes seria assassinado pela ditadura pouco tempo depois.

Segundo Zuenir Ventura: “O balanço de alguns hospitais – nem todos divulgaram os totais, registrou: 23 pessoas baleadas, quatro mortas, inclusive um soldado da PM (...) 35 soldados feridos a pau e pedra, seis intoxicados e 15 espancados pela polícia. No DOPS, à noite, amontoavam-se cerca de mil presos”. Concluiu Ventura: “nos seis governos militares pós-1964, incluindo a Junta, foi o que mais se pareceu com uma insurreição popular”.

A sexta-feira sangrenta, como ficou conhecido este dia, foi uma demonstração evidente do grau que havia chegado o desgaste do regime militar junto à população dos grandes centros urbanos.

No enterro do soldado, o chefe da Casa Militar do governo do estado afirmou: “a Guanabara não verá mais manifestações nas ruas, mesmo que para evitá-las a PM tenha que agir ainda mais violentamente”. Mais violentamente?! Este seria o tom do discurso assumido pela cúpula militar. Mas, o governo Costa e Silva, desgastado pelos últimos acontecimentos, seria obrigado a fazer uma concessão aos grupos oposicionistas.

As lideranças estudantis já haviam decidido realizar uma nova manifestação. Esta iniciativa foi apoiada por representantes de amplos setores sociais, mas que não queriam confrontos com a polícia. Uma comissão de cerca de 300 intelectuais e artistas foi ao governador para solicitar autorização para realizar uma passeata pacífica no centro do Rio de Janeiro. Da comitiva participavam Hélio Pelegrino, Oscar Niemeyer, Ferreira Gullar, Clarice Lispector, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Nara Leão, Paulo Autran, Tônia Carreiro e Odete Lara entre outros. A permissão acabaria sendo concedida. Esta decisão, sem dúvida, contou com o aval do general Costa e Silva, que queria diminuir o desgaste sofrido com o massacre no campo do Botafogo e a Sexta-feira sangrenta.

E assim foi sendo construída a grande manifestação de 26 de junho. Neste dia cerca de 100 mil pessoas marcharam calmamente pelas ruas da “cidade maravilhosa”, na maior manifestação oposicionista desde a implantação da ditadura militar em março de 1964. Ali estavam os estudantes, os professores, os intelectuais, os artistas, o clero progressista e os assalariados urbanos, que tiveram grande papel nos conflitos da “sexta-feira sangrenta”.

A polícia desapareceu das ruas que passaram a ser controladas pela massa estudantil. Uma convocatória assinada pelas mães dos estudantes cariocas afirmava: “Não vamos continuar assistindo impassíveis às humilhações e ao massacre de que estão sendo vítimas nossos filhos. Queremos assim manifestar a mais viva repulsa às últimas violências e pedir ao povo brasileiro que nos apóie com sua compreensão e nos acompanhe em nosso protesto”.

O Correio da Manhã descreveu, assim, a manifestação: “Por dez horas, mais de 100 mil cariocas protestaram contra o governo, apoiando o movimento dos estudantes que, conforme previsto, foi sem incidentes, com dezenas de discursos de universitários, operários, professores e padres, que definiram ‘o compromisso histórico da igreja com o povo”. “Com perfeito dispositivo de segurança, os estudantes garantiram a realização da passeata, sem depredações, chegando a prender e soltar um policial que incitava a que fosse apedrejado o prédio do Conselho de Segurança Nacional. A concentração começou às 10 horas, com os primeiros grupos de padres e estudantes, sem qualquer policiamento”. O jornal, ironicamente, afirmou: “A primeira conclusão a retirar-se é a de que a repressão policial contra atividades legítimas é que gera os conflitos”.

Um dos destaques daquele ato foi Dom José de Castro Pinto, vigário-geral do Rio de Janeiro, e uma grande comitiva de clérigos. O presidente da Associação Católica da Guanabara, Padre Vicente Adamo, também se fez presente. Após o golpe parte importante do clero passou a apoiar a luta pela democratização da sociedade e se solidarizar com as lutas populares e estudantis. Por isso a “passeata dos cem mil” foi uma “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, com sinais trocados.

A quase totalidade dos artistas e intelectuais, excetuando os mais reacionários, que estavam no Rio, participou da manifestação. Podiam ser vistos Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Vianinha, Paulo Pontes, Nara Leão, Vinícius de Moraes, Tônia Carrero, Paulo Autran, Ferreira Gullar etc.etc. Era mais fácil citar os artistas que não passaram por lá naquele dia.

Vladimir Palmeira, como representante da União Metropolitana dos Estudantes (UME), comandou a passeata. O presidente da UNE, Luís Travassos, também estava presente. Não era possível deixar de sentir a divisão que existia no movimento estudantil e popular. De um lado ouvia-se a palavra de ordem “o povo organizado derruba a ditadura”, entoado pelos simpatizantes e militantes vinculados ao PCB, e, de outro, “o povo armado derruba a ditadura”, bradado pelos militantes das dissidências armadas e da AP.

Palmeira dava o tom do comício: “Pessoal: a gente é a favor da violência quando ela é aplicada para fins maiores. No momento, ninguém deve usar a força contra a polícia, pois a violência é própria das autoridades, que tentam, por todos os meios, calar o povo. Somos a favor da violência quando através de um processo longo, chegar a hora de pegar em armas. Aí, nem a polícia, nem qualquer outra força repressiva da ditadura poderá deter o avanço do povo”. Antes de encerrar o ato os manifestantes queimaram “ordeiramente” uma bandeira dos Estados Unidos.

A manifestação, convertida em assembléia popular e com o aval da direção da UME e do PCB, elegeu uma comissão que iria apresentar as reivindicações da “sociedade civil” ao governo de Costa e Silva. Desta comissão participavam Hélio Peregrino, representando os intelectuais; Irene Papi, as mães, o padre João Batista, o clero; José Américo Pessanha, os professores e Franklin Martins e Marcos Medeiros, os estudantes. Estranhamente nenhum operário – ou representante popular - foi incluído nela.

Da pauta que seria apresentada constava: libertação de todos os presos, reabertura do restaurante Calabouço, anulação da censura aos teatros e uma reforma universitária democrática. Foi estabelecido um prazo de uma semana para que o governo desse uma resposta às reivindicações. A Ação Popular e o PCdoB não aprovaram a proposta de formação da comissão de negociação, pois a considerava uma tentativa envergonhada de estabelecer diálogo com a ditadura. (Trataremos especificamente da atuação do PCdoB em 1968 num dos próximos artigos)

A reunião da comissão com o general-presidente foi um completo fracasso. Nenhum dos itens apresentados foi atendido. Costa e Silva começou a conversa impondo uma condição: “vocês tem que parar as passeatas (...) Se vocês garantem, vou tomar providências para libertar os cinco presos da alçada do Executivo e pedir que se estude a situação dos demais.” Os estudantes presentes reagiram: “Não aceitamos condição. Queremos a libertação de todos os companheiros imediatamente. Não viemos aqui barganhar.” Mais à frente os representantes dos estudantes voltaram a questionar desdenhosamente o ditador: “Escuta aqui, professor, eu quero saber o seguinte: o senhor vai ou não vai soltar nossos companheiros?!”.

“Eu não aceito ultimato, nem desrespeito. A dignidade da Presidência não admite ameaças. Está encerrada a reunião”, bradou o general Costa e Silva. Deste modo chegava ao fim o breve “diálogo” com o regime. Era claro que a margem de manobra dos dois lados era bem próxima à zero.

Diante do não atendimento de suas reivindicações, os estudantes realizariam uma grande manifestação em três de julho, que ficaria conhecida como a “passeata dos 50 mil”. Nela já se percebia o abandono de alguns setores sociais que haviam participado da passeata anterior. O tom dos protestos se tornava mais radical. A idéia do diálogo, alimentado por inúmeros setores oposicionistas, ruía sob o golpe de cassetetes e balas de fuzil. Podia se sentir um forte cheiro de pólvora no ar. As férias de julho pareciam ter adiado o confronto final. Uma sombra sinistra se projetava no horizonte.

Augusto Buonicore: historiador, mestre em ciência política pela Unicamp.

Bibliografia Dirceu , José. Palmeira, Vladimir – Abaixo a ditadura, Ed. Grammond, 1998.

Martins Filho, João Roberto – Movimento estudantil e ditadura militar (1964-1968), SP: Ed. Papirus, 1987.

Poerner, Artur J. – O poder jovem, Ed. Civilização brasileira, 1979.

Reis Filho, Daniel Aarão e Moraes, Pedro de – 68: a paixão de uma utopia, Ed. FGV, 1988.

Sanfelice, José Luís – Movimento estudantil: a UNE na resistência ao golpe de 64, Ed. Autores Associados, 1986.

Santos, N. e outros – História da UNE – depoimentos de ex-dirigentes, vol. 1 – Ed. Livramento, 1980.

Valle, Maria Ribeiro do – 1968: O diálogo é a violência, ed. Unicamp, 2008.

Ventura, Zuenir – 1968: O ano que não terminou, Ed. Nova Fronteira, 1988. Ver também o artigo “Assassinaram um estudante, poderia ser seu filho”

Fonte: www.vermelho.org.br




_____________

Para entender os embates atuais da Raposa Serra do Sol

Nesta postagem vou reproduzir alguns artigos e o documentário cuja direção e reportagem são do jornalista Luiz Carlos Azenha sobre os conflitos em Roraima na Raposa Serra do Sol.

Posteriormente farei um parecer pedagógico para contribuir com o uso desse documentário de grande valor jornalístico em sala de aula.

Por hora reproduzo uma pequena avaliação do documentário feita por um telespectador bastante crítico, Eduardo Guimarães do MSM:

A escolha do Azenha

Todos os dias venho aqui e escrevo sobre mau jornalismo. Hoje, inverterei tudo, escreverei sobre jornalismo bom.

Tive o privilégio de assistir ao documentário dirigido e reportado por Luiz Carlos Azenha para a TV Cultura de São Paulo. Eu sabia o que esperar, porque neste cerca de um ano em que fui me aproximando dele desde o primeiro momento vi que era um homem de bem.

Mas o documentário foi como que um corolário desse processo em que me aproximei do jornalista, primeiro, pela internet, depois, por telefone e, por fim, pessoalmente.

Foi um trabalho jornalístico estritamente correto. Ao fim do programa, considerei-me de posse de todas as informações necessárias para formar minha opinião sobre a disputa na reserva indígena Raposa / Serra do Sol, em Roraima.

Se alguém, ao fim do documentário, pendeu para um dos lados, é porque esse lado tinha melhores argumentos. Azenha deu espaço idêntico a todos. Não fez pegadinhas. Não omitiu, diminuiu ou aumentou alguns desses argumentos.

Todos disseram o que quiseram. Não houve lado sem ser ouvido. Justiça, grileiros, índios, população branca, índios que criticam índios, o Estado, as Forças Armadas... Todos os que tinham o que dizer sobre o assunto, disseram. A cada acusação uma resposta; a cada argumento um contra-argumento.

Por conta de tão boas informações que recebi, vou tentar simplificar a questão.

Suponhamos que os americanos resolvam ocupar áreas desocupadas em São Paulo. Dirão que estão trazendo o desenvolvimento porque têm mais condições do que os paulistas para promover esse desenvolvimento, e que defenderão o Estado de invasões ultramarinas, pois, afinal, somos todos americanos, ou seja, vivemos todos no continente americano.

Claro que o caso da disputa em Roraima não é bem esse. Usei uma metáfora para fazer prevalecer o conceito de nação. Alguns confundem nação com país. Não são a mesma coisa. O conceito de nação envolve a cultura, os laços e as raízes de um povo, e o conceito de país envolve basicamente a geografia e a política.

Os índios são os donos da América. Os brancos vieram, há alguns séculos, e os mataram, escravizaram e, por fim, submeteram aos seus desígnios. As reservas indígenas são um prêmio de consolação aos verdadeiros donos da América, mas os brancos não se conformaram em tirar-lhes quase toda a terra. Querem terminar o “serviço”.

Os grileiros deixam escapar a excelência da terra em Roraima e, sobretudo, na reserva Raposa / Serra do Sol. Mas não usam essa excelência como argumento para retalhar a reserva indígena. Preferem dizer que estão lá para “defender o Brasil de invasões estrangeiras”. E os militares que apóiam os grileiros não explicam por que não defendem o povoamento em outras regiões abandonadas de fronteira. Seria por serem menos atrativas do ponto de vista da agricultura ou da mineração?

O jornalismo pode ser belo. Pode exalar honestidade e decência ou desonestidade e perversão. Luiz Carlos Azenha escolheu a primeira opção.



(PARTE 1)


(PARTE 2)


(PARTE 3)


(PARTE 4)


(PARTE 5)


(PARTE 6)


(PARTE 7)

Os inimigos da Amazônia estão aqui, e são brasileiros

Postagem atualizada em 01/07/2008

Virgílio Viana


Fonte: Eco 21
(em 24/06/2008)

Uma infeliz série de artigos, incluindo um publicado no jornal The New York Times, realimentou um fantasma que nos persegue há bastante tempo: o risco da internacionalização da Amazônia. Um dos poucos brasileiros que tinha a coragem de apontar para o equívoco desta "iminente ameaça à nossa soberania" era o saudoso Senador Jefferson Peres que, num dos seus últimos discursos, disse: "Não tenho tanto medo da cobiça internacional sobre a Amazônia. Tenho medo da cobiça nacional sobre a Amazônia, da ação de madeireiros, de pecuaristas e de outros que podem provocar, repito, o holocausto ecológico naquela região".

Não creio que exista uma conspiração em curso com o objetivo de internacionalizar a Amazônia. A lógica é simples: os alegados interesses econômicos de outros países não precisam de tropas ou domínio estrangeiro para usufruir das riquezas da região. Basta ver o setor de mineração, com forte domínio de multinacionais, que lavram nossas riquezas à luz do dia, amparadas pela Lei, em todo o território nacional, incluindo a Amazônia.

Recentemente uma licitação colocou nas mãos de um consórcio internacional a responsabilidade sobre a hidroelétrica do Jirau que terá importância estratégica para a região e o País. Empresas multinacionais apóiam a produção de soja na Amazônia. Poderíamos falar sobre a participação estrangeira em setores estratégicos como telecomunicações etc. Tudo isto sem a necessidade de nenhuma "invasão" ou "domínio" de outros países ou aquisição de terras por estrangeiros.

Alguns enganos são realimentados pela imprensa e servem para nutrir o debate sobre a "internacionalização", que deveria ser periférico na discussão sobre o futuro da Amazônia. A frase atribuída ao ex-Vice-Presidente dos Estados Unidos, Al Gore, não foi dita por ele, mas sim por um congressista norte-americano de pequena expressão. Os cadernos escolares estadunidenses com o mapa da Amazônia excluída do Brasil nunca existiram de fato e foram montados por um site na Internet. Existem muitos outros enganos repetidos de forma equivocada.

O cerne da "questão amazônica" é outro e mais incômodo: os inimigos da Amazônia estão aqui mesmo, dentro do nosso País. Na sua quase absoluta totalidade, são brasileiros aqueles que desmatam, produzem e compram madeira ilegal, plantam soja promovem a grilagem de terras e assassinam líderes dos movimentos sociais. A ação do poder público brasileiro, salvo raras exceções, tem sido insuficiente para reverter este quadro. Infelizmente, essa é a dura realidade. O problema está aqui e não no exterior.

A solução inclui quatro componentes principais. Primeiro precisamos de um Projeto Nacional para a Amazônia que explicite o óbvio: desmatar é contra o interesse nacional. Das florestas amazônicas depende a chuva que irriga a agropecuária e abastece as hidroelétricas e as cidades em quase todo o Brasil. Soma-se a isso o potencial socioeconômico de produtos florestais, obtidos sob regime de manejo sustentável.

O Projeto Nacional para a Amazônia deve seguir o exemplo das políticas de sustentabilidade do Amazonas, baseadas num princípio simples: a floresta deve valer mais em pé do que derrubada. Segundo, precisamos de políticas públicas eficazes e na escala correta. Sabemos como promover o desenvolvimento sustentável na região. Existem muitos exemplos de sucesso que precisam apenas ganhar escala. Faltam investimentos públicos e gestão eficiente. Terceiro, precisamos envolver a sociedade civil, universidades e o setor privado numa grande cruzada em prol da sustentabilidade do desenvolvimento da Amazônia. Devemos combinar os conhecimentos tradicionais e os científicos, a criatividade e o empreendedorismo brasileiros a favor de um projeto nacional de sustentabilidade para a região. Quarto, devemos ser proativos no cenário internacional. O caminho é utilizar o interesse internacional a nosso favor, cobrando dos países desenvolvidos mecanismos financeiros que valorizem o papel de nossas florestas para a sustentabilidade do Planeta.

Buscar vilões estrangeiros é mais cômodo e simples, mas, infelizmente, não irá resolver o cerne do problema. O problema está aqui, na nossa cara. De nada adianta satanizar organizações não-governamentais que, no geral, realizam ações positivas nos campos sociais e econômicos. Dificultar a participação de estrangeiros no desenvolvimento científico e tecnológico da região? Burrice. Deveríamos, ao contrário, fomentar parcerias e a cooperação inteligente. Proteger contra a biopirataria? O caminho é fomentar o desenvolvimento tecnológico e o desenvolvimento de indústrias de biotecnologia na região. Deixar as florestas amazônicas fora do mercado de carbono? Não. Deveríamos defender a instituição de mecanismos de pagamento por serviços ambientais para remunerar as populações que vivem na floresta. Ao invés de optarmos por uma posição retranqueira e isolacionista, deveríamos ser proativos e propositivos no cenário internacional.

Obviamente, reposicionar o debate sobre a soberania da Amazônia não significa que devamos negligenciar os interesses e movimentos de outros países na região. Temos que estar alertas. Existem, em toda parte, interesses escusos que devemos combater especialmente o narcotráfico em áreas de fronteira. Felizmente, os militares representam o que há de melhor em termos de presença do Estado na região, ao desempenhar com competência sua função de guardiões do nosso território. Identificar os inimigos certos e nossas metas estratégicas é essencial para vencermos a batalha pela defesa da Amazônia. Nosso desafio é cuidar bem da sustentabilidade da Amazônia. Com competência e seriedade. Esta é a melhor arma para defendermos os interesses estratégicos e a soberania do Brasil na região.

Virgílio Viana, Diretor-Geral da Fundação Amazonas Sustentável

***********

Restrição de crédito a desmatadores entra em vigor

Luana Lourenço
Da Agência Brasil (
01/07/2008 - 11h37)

Começa a valer nesta terça-feira (1°) a resolução do CMN (Conselho Monetário Nacional) que determina a restrição de crédito a proprietários rurais do bioma amazônico que não cumprirem critérios ambientais. A restrição na liberação de crédito para a safra 2008/2009 deverá ser executada por instituições financeiras públicas e privadas.

A resolução condiciona a liberação de crédito agrícola à apresentação, pelos produtores, do CCIR (Certificado de Cadastro de Imóvel Rural) vigente e certificado, certidão ou licença ambiental do imóvel onde será implantado o projeto a ser financiado e declaração de que inexistem embargos de uso econômico de áreas desmatadas ilegalmente na propriedade.

A medida, anunciada em fevereiro, causou polêmica entre a então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e os governadores de Mato Grosso, Blairo Maggi, e de Rondônia, Ivo Cassol, contrários à mudança nas regras de concessão de crédito.

Em maio, o novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, assinou portaria para 'esclarecer' a resolução do CMN. O texto detalhou que nem todas as propriedades da Amazônia Legal estarão sujeitas à restrição, apenas as que estão localizadas em áreas de floresta.

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, os produtores que estiverem irregulares do ponto de vista ambiental não precisam recuperar toda a área legal este ano, e sim georreferenciar a propriedade e apresentar um plano de recuperação que pode ser a médio prazo.

O governo vai garantir 30% dos recursos para regularização ambiental e cerca de R$1 bilhão para financiar quem desmatou a floresta ilegalmente e é obrigado por lei a recompor a área.

Beneficiários do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e produtores rurais que disponham de área não superior a quatro módulos fiscais devem apresentar - no lugar do CCIR e da licença ambiental - uma declaração individual atestando a existência física de reserva legal e área de preservação permanente, conforme previsto no Código Florestal.

Produtores com renda familiar de até R$ 4 mil estão isentos da apresentação desses documentos.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Mídia e poder

Recentemente no Rio de Janeiro ocorreu o primeiro Fórum de Mídia Livre. Intelectuais, jornalistas, lideranças sociais e diferentes grupos da sociedade civil se reuniram nas dependências da UFRJ para discutir a necessidade da sociedade civil produzir mídia.

Vídeos deste evento podem ser assistidos aqui

No denso artigo reproduzido a seguir o professor Bernardo Kucinski
traça um retrato das grandes transformações da mídia nacional no Brasil ao longo desses cinco anos.

Vale a pena ler o artigo, refletir sobre ele. Vale a pena passar a observar a prática de produção de factóides que ele denuncia e formular as próprias conclusões.


MÍDIA & PODER - CARTA MAIOR

'A VEJA lançara sua própria operação de objetivos estratégicos muito antes. Entre 2003 e 2006, VEJA produziu 50 capas contra Lula , sendo 18 delas consecutivas.'




Por que o governo Lula perdeu a batalha da comunicação

E como a Globo definiu a narrativa dominante e única da crise do mensalão. A central de Brasília, dizem jornalistas que trabalharam no sistema Globo, formou uma espécie de “gabinete de crise" com líderes da oposição do qual faziam parte ACM Neto e Paes de Andrade. Fechar a Radiobrás foi o ato síntese de todos os grandes erros na política da comunicação do governo Lula. A análise é de Bernardo Kucinski.

A mídia na era Lula deixou de funcionar como mediadora da política, passando a atuar diretamente como um partido político de oposição. Apesar de disputarem agressivamente o mercado entre si, há mais unidade programática hoje entre os veículos da mídia oligárquica do que no interior de qualquer partido político brasileiro, até mesmo partidos ideológicos como o PT e o PSOL. Todos os grandes veículos, sem exceção, apóiam as privatizações, a contenção dos gastos públicos, a redução de impostos; a obtenção de um maior superávit primário, a adesão do Brasil à ALCA; todos são críticos à criação de um fundo soberano, ao controle na entrada de capitais, ao Bolsa Família, à política de cotas nas universidades para negros, índios e alunos oriundos da escola pública, à entrada de Venezuela no Mercosul e ao próprio Mercosul. Todos criticam o governo sistematicamente, em todas as frentes da administração, faça o governo o que fizer ou deixar de fazer.

Na campanha da grande imprensa que levou Vargas ao suicídio, o governo ainda contava como apoio da poderosa cadeia nacional de jornais Última Hora. Hoje, não há exceção entre os grandes jornais. Outra diferença desta vez é a adesão ampla de jornalistas à postura de oposição, e sua disseminação por todos os gêneros jornalísticos tornando-se uma sub-cultura profissional. Emulada por editores, prestigiada por jornalistas bem sucedidos e comandada pelos intelectuais orgânicos das redações, os colunistas, essa sub-cultura é dotada de um modo narrativo e jargão próprios.

Em contraste com o jornalismo clássico, que trabalha com assertivas verazes para esclarecer fatos concretos, sua narrativa não tem o objetivo de esclarecer e sim o de convencer o leitor de determinada acusação, usando como fio condutores seqüências de ilações. É ao mesmo tempo grosseira na omissão inescrupulosa de fatos que poderiam criar outras narrativas, e sofisticada na forma maliciosa como manipula falas, datas e números. O enunciador dessa narrativa conhece os bastidores do poder e não precisar provar suas assertivas. VEJA acusou o PT de receber dinheiro de Cuba, admitindo na própria narrativa não ter provas de que isso tenha acontecido. Em outra ocasião, justificou a acusação alegando não haver nenhuma prova de que aquilo não havia acontecido.

Trata-se de uma sub- cultura agressiva. Chegam a atacar colegas jornalistas que a ela se recusaram a aderir, criando nas redações um ambiente adverso a nuances de interpretação ou divergências de análise. O meta-sentido construído por essa narrativa é o de que o governo Lula é o mais corrupto da história do Brasil, é incompetente, trapalhão, só tem alto índice de aprovação porque o povo é ignorante ou se deixa levar pelo bolso, não pela cabeça.

Levantam como principal bandeira o repúdio à corrupção. Mas como quase todo o moralismo em política, trata-se de mais uma modalidade de falso moralismo: é o “moralismo dirigido” que denuncia os “ mensaleiros do PT” e deixa pra lá o valerioduto dos tucanos, onde tudo de fato começou, e mais recentemente o escândalo do Detran de Yeda Crusius, no Rio Grande do Sul onde tudo continua. É “moralismo instrumental”, que visa menos o restabelecimento da ética e mais a destruição do PT e do petismo.

O que poucos sabem é que essa sub-cultura se tornou dominante graças a uma mãozinha da Globo. Quando foi revelada em fevereiro de 2004 a propina recebida dois anos antes por Waldomiro Diniz, sub-chefe da assessoria parlamentar da Casa Civil do governo Lula, a Globo vislumbrou a oportunidade de uma ofensiva de caráter estratégico: cortar o barato do petismo e de sua ameaça de governar o Brasil por 40 anos. Com esse objetivo, mudou o modus operandi do seu jornalismo político. Logo depois das denúncias de Roberto Jefferson, criou uma central de operações, em Brasília, unificando as coberturas de política da TV, CBN e jornal O Globo sob o comando de Ali Kamel, que para isso se deslocou para Brasília.

Em quase todas as campanhas eleitorais os grandes jornais criam uma instância adicional de decisão sob o comando de alguem de confiança da casa, que passa a centralizar toda a cobertura política. A central coordenada por Ali Kamel em Brasília reflete essa passagem de um jornalismo normal para um jornalismo de campanha, apesar de não estar em curso uma campanha eleitoral.

A central de Brasília, dizem jornalistas que trabalharam no sistema Globo, formou uma espécie de “gabinete de crise" com líderes da oposição do qual faziam parte ACM Neto e Paes de Andrade, pautando-os e por eles se pautando. Vários jornalistas faziam parte da operação, cada um encarregado de uma “fonte” da oposição. Tinham a ordem de repercutir junto àquela fonte, todos os dias, falas e acusações, matérias do dia anterior, entrevistando sempre os mesmos protagonistas: Heloísa Helena, ACM Neto, Gabeira, Onix Lorenzoni. No dia seguinte, os jornais davam essas falas em manchete, como se fosse fatos. Assim surgiu todo um processo de construção de um relato da crise destinado a se tornar a narrativa dominante e única.

A VEJA lançara sua própria operação de objetivos estratégicos muito antes. Entre 2003 e 2006, VEJA produziu 50 capas contra Lula , sendo 18 delas consecutivas.

Quando surgiu a fita de Waldomiro Diniz, a revista revelou esse objetivo em ato falho: “Os ares em torno do Palácio tinham na semana passada sabor de fim de governo.”

Na Globo, a operação encontrou resistências internas de jornalistas que ainda lambiam as feridas provocadas pelo falseamento do debate Collor- Lula, e da cobertura da campanha das Diretas Já. Deu-se então a marginalização de Franklin Martins da cobertura política. Esse afastamento teve grande importância porque institui no corpo de jornalistas a sensação de insegurança e o medo, necessários para a imposição da nova ordem. Sua saída foi um baque”, avaliou Luiz Nassif em entrevista a Forum.

Com o vazamento de informações sobre o clima interno de intolerância, em especial uma reportagem de Raimundo Pereira em Carta Capital, e matérias críticas em blogs e no site Carta Maior, a cúpula jornalística da empresa mandou circular um manifesto cobrando lealdade à casa. Três jornalistas que se recusam a assinar foram expurgados.

Da Globo o expurgo respingou a outros veículos da grande imprensa. O último capítulo desse processo foi a não renovação do mandato do Ombudsman da Folha, Mário Magalhães por criticar na internet a forma como a Folha reportou o vazamento dos gastos do governo FHC com cartões corporativos. Apontou falta de transparência por não indicarem as fontes da acusação de que Dilma Roussef foi a mandante, e a falha de não ouvir os causados. No caminho também perdeu seu espaço Paulo Henrique Amorim. Mino Carta, em solidariedade, desligou-se do IG.

Na campanha contra Getúlio a sobre-determinante era a guerra-fria, que desqualificava o nacionalismo e as demandas sindicais como meros instrumentos do comunismo. Hoje a sobre-determinante é o neoliberalismo que desqualifica opções de política econômica em nome de uma verdade única à qual é atribuído o monopólio da eficácia. A unanimidade anti-Lula da grande mídia só tem paralelo na unanimidade pró-neoliberal dessa mesma mídia.

Mas temos um paradoxo. O governo Lula tem mantido religiosamente seu acordo estratégico com o capital financeiro, que é o setor dominante hoje no capitalismo mundial e brasileiro. E apesar do vasto leque de políticas públicas de apoio aos pobres, não brigou com nenhum dos outros grupos de interesses do grande capital. Por que então tanta hostilidade da mídia? É como se a grande mídia agisse por conta própria, pouco ligando para a dupla capital financeiro-capital agrário e na qual se apóia.

É uma mídia governista, ou ”áulica”, na adjetivação de Nelson Werneck Sodré, quando o governo faz o jogo da dependência, como foram os governos de Dutra, Café Filho, Jânio Quadros e Fernando Henrique. E anti-governista, quando os governos são portadores de projetos de autonomia nacional, como foram os governos de Getúlio, Juscelino, que rompeu com o FMI, Jango e agora o de Lula.

Uma mídia que já nasceu neoliberal, muito antes do neoliberalismo se impor como ideologia dominante e organizativa das políticas públicas. Nunca aceitaram o Estado que chamam pejorativamente de “populista”. Em artigo recente na Folha, Bresser Pereira associou diretamente o discurso da mídia contra o populismo e sua inclinação pelo golpe à nossa extrema pobreza e polarização de renda. “Como a apropriação do excedente econômico não se realiza principalmente por meio do mercado mas do Estado, a probabilidade de que facções das elites recorram ao golpe de Estado quando se sentem ameaçadas é sempre grande.” Diz ainda que nossas elites “estão quase sempre associadas às potências externas e às suas elites.” Daí, diz ele ”O que vemos na imprensa, além de ameaças de golpe é o julgamento negativo dos seus governantes...”

A incompatibilidade entre governos populares portadores de projetos nacionais e a mídia oligárquica é de tal ordem que muitos desses governantes tiveram que jogar o mesmo jogo do autoritarismo, para dela se proteger. Getulio criou a Hora do Brasil como programa informativo de rádio para defender a revolução tenentista contra a oligarquia ainda em 1934, quando o regime era democrático, fundado na Constituição de 34. No Estado Novo foi ao extremo de instituir a censura previa criando o Departamento de Imprensa e Propaganda. (DIP). No retorno democrático, estimulou Samuel Wainer a criar sua cadeia Última Hora.

Estas reflexões, se tem algum fundamento, mostram como foi equivocada a política de comunicação do governo Lula, a começar por não atribuir à comunicação e às relações com a mídia o mesmo peso estratégico que atribuiu às suas relações com a banca internacional. Nem sequer havia um comando único para a comunicação, que sofreu um processo de feudalização. Só na presidência, três feudos disputavam espaço: a Secom, o Gabinete do Porta-Voz e Assessoria de Imprensa. Fora dela, dois ministérios definiam políticas públicas na esfera da comunicação: Ministério das Comunicações e Ministério da Cultura.

Propostas longamente discutidas ainda no âmbito dos grupos de jornalistas do PT, e pelos funcionários da Radiobrás, não foram sequer discutidas. Nesse vazio, o único grande aparelho de comunicação social do governo, o sistema Radiobrás acabou embarcando numa política editorial chamada de “comunicação cidadã”, que tinha como preocupação fundamental e explícita de dissociar-se do governo do dia. O que é pior: despojava a Radiobrás de sua atribuição formal de sistema estatal de comunicação. Isso num momento histórico que exigia, ao contrário, reforçar o sistema estatal de comunicação.

Pouco experiente em jornalismo político, a equipe não conseguiu resolver de forma criativa a contradição entre fazer um jornalismo veraz de qualidade e politicamente relevante, e ser ao mesmo tempo um serviço estatal de comunicação. Com definições opacas, que nada acrescentavam ao que se entende por jornalismo, acabaram desenvolvendo um jornalismo de tipo alternativo, parecido ao que fazem as ongs e movimentos sociais.

A importante mudança do papel da Radiobras nunca foi discutida no Conselho da Radiobrás. O corpo da Radiobrás chegou a se entusiasmar com a idéia sempre simpática a jornalistas, mas simplória, de deixar de ser “chapa-branca”, mas acabou não havendo muita harmonia entre a nova direção e as bases. Uma apregoada “gestão participativa”, ficou mais no papel do que na prática.

Em minucioso relatório sobre as conquistas da Radiobrás perto do final do primeiro mandato, o presidente do Conselho enumerou os muitos avanços técnicos, mas apontou que a Radiobrás havia criado uma outra missão e outro papel para si, sem discutir essas mudanças previamente com o próprio governo. Também apontou ser falso o debate que contrapõe comunicação de caráter oficial com o direito do cidadão à boa informação.

Mais equivocada ainda foi a proposta de acabar com a obrigatoriedade da Voz do Brasil, formulada pela direção da Radiobrás logo no primeiro ano do mandato de Lula, a partir dos conceitos neoliberais de que o Estado não faz parte da esfera pública e a liberdade de imprensa do baronato da mídia é a própria liberdade de imprensa. A Radiobrás chegou a co-patrocinar no anexo II da Câmara dos Deputados, junto com os Mesquitas um seminário para apoiar a flexibilização da Voz do Brasil.

Essa mesma visão ingênua levou a Radiobrás a adotar como sua e como se fosse a única possível, a narrativa da grande imprensa na grande crise do mensalão, que como vimos foi em grande parte articulada entre o sistema Globo e a oposição. Embora só hoje se saibam alguns detalhes dessa operação, as forçadas de barra no noticiário e nas manchetes eram discerníveis a qualquer jornalista experiente.

Naquele momento, a Radiobrás era o único sistema de comunicação social capaz de criar uma narrativa realmente independente da crise, que sem ser chapa branca também não fosse submissa à articulação comandada pela Globo. Mas quando veio a crise, seu projeto editorial entrou em parafuso. Mais do que isso: a crise traumatizou a direção da empresa que viu ruir a bandeira ética do PT, sob a qual muitos deles cresceram, formaram-se e criaram sua identidade pública. Só um estado catatônico poderia explicar o fato da Radiobrás dar ao vivo e na íntegra o depoimento de Roberto Jefferson de junho de 2005 como se quisesse se colocar à frente do sistema Globo. No momento crucial da crise cortou um discurso de Lula em Luziania, o que nem a Globo fez.
Foi a fase em que manchetes da Agência Brasil rivalizavam com as da grande imprensa na espetacularização da crise e na disseminação de noticias infundadas. Entre essas manchetes está a acusação nunca comprovada do dia de renuncia de Zé Dirceu (16/06/05) : “Ex-agente do SNI diz que Casa Civil está envolvida nas provas dos correios”. E a noticia falsa de que “Miro Teixeira confirmou as acusações de Jeffersson”, dada no mesmo dia 21/06;05 em que até a grande imprensa admitia que Miro Teixeira não havia confirmado essas acusações. Mesmo sem atentar para a dimensão política desse tipo de noticiário, sua fragilidade era incompatível com o padrão que se espera de uma comunicação de Estado.

Outras manchetes meramente reproduziam falas de líderes da oposição: ”Nada poderá restringir nosso trabalho na CPI”, diz líder do PFL (17/056/05) ou “PFL e PSDB alegam que PT violou legislação (22/06/05). A Radiobrás, sem perceber, havia entrado no esquema orquestrado por Ali Kamel. Naquele momento nascia o processo de colonização da comunicação de governo e do Estado pelo ideário liberal-conservador , que acabou levando ao fechamento intempestivo da própria Radiobrás.

Fechar a Radiobrás foi o ato síntese de todos os grandes erros na política da comunicação do governo Lula. Ademais, ao fechar a Radiobrás o governo violou a Constituição que manda coexistirem os três sistemas; púbico, privado e estatal. E não é à toa que a Constituinte cidadã assim decidiu. Como sabemos, diversas vezes a grande mídia latino-americana apoiou golpes de Estado, algo inimaginável nas democracias dos países centrais. Ter um sistema estatal de comunicação minimamente funcional , com credibilidade e legitimidade junto à população é uma espécie de apólice de seguro contra golpes de Estado.

O governo lidou com a comunicação como se a nossa democracia fosse igualzinha a democracia americana. Mas o que vale para os Estados Unidos da América, pode não valer para o Brasil. O Estado americano não tem uma Radiobrás ou uma Voz do Brasil, porque nunca sofreu um golpe midiático, mas tem a Voice of America, para defender seus interesses imperiais. O Estado brasileiro não contempla interesses imperiais, mas precisa se defender do golpismo e das pressões externas sobre a Amazônia. Por isso precisa de uma Radiobrás e de uma Voz do Brasil.

* Bernardo Kucinski: Prêmio Jabuti de Literatura em 1997. No período de 10.02.2003 a 30.06.2006 foi Assessor Especial da Secretaria de Comunicação Social (SECOM), da Presidência da República. Atualmente é professor titular da Universidade de São Paulo, junto à Escola de Comunicações e Artes - Departamento de Jornalismo e Editoração.

Outro pensador contemporâneo vêm há muito tempo refletindo sobre a relação entre mídia e poder. Destaco na entrevista de Noam Chomsky que além de tratar este tema traça um panorama sobre diferentes aspectos da publicidade, da concentração de poder, sindicalização, papel das corporações no pós-guerra, relações dos EUA e América Latina (incluindo o Brasil); aspectos da revolução tecnológica para democratização da informação e até mesmo sobre as ações afirmativas.
Vale a pena reservar um tempo para ler e refletir sobre as considerações deste importante pensador, crítico radical da sociedade onde está inserido.

MÍDIA E PODER
ENTREVISTA COM NOAM CHOMSKY

por Regina Zappa (outubro de 2002)

    Não faz muito tempo, o New York Times anunciou que o lingüista mais famoso do mundo, Noam Chomsky, era também o mais importante intelectual vivo. Chomsky, crítico feroz da "cumplicidade" entre a mídia e o poder e que chamou jornalistas do NYT de cães de estimação do Imperador, disse que se assustou. Estaria ele entregando os pontos? Não, mais provável é que a grande imprensa americana estivesse, finalmente, reconhecendo a importância do homem que revolucionou a lingüística dos anos 1960, desenvolveu uma ativa militância política e social num país desacostumado a botar tão fundo o dedo na própria ferida, e escreveu mais de 50 livros sobre política interna e externa dos EUA, e a mídia. Este tranqüilo professor do MIT (Massachusetts Institute of Technology) já foi chamado de anarquista e paranóico. Ele falou ao Idéias em sua sala do MIT, em Cambridge, enfeitada com palavras de ordem em cartazes defendendo a luta palestina, da mulher, do Timor Leste, e contra a fome, a máquina e a discriminação. Em outubro, ele vem ao Brasil para uma série de conferências e para desvendar com a clareza e tranqüilidade de sempre os demônios do poder, do capital e da doutrinação sistemática da sociedade. E mostrar porque o próprio NYT o considerou a mais clara voz da dissenção da história americana.


- Ao olhar para trás, para toda sua trajetória acadêmica e militância política, o sr. se sente satisfeito com o que conseguiu? E o que acredita que conseguiu?

- Muitas coisas aconteceram nos últimos 40 anos que foram alcançadas por muitas pessoas diferentes que trabalharam juntas ou paralelamente de maneiras diferentes, mas muitas vezes interagindo. Acho que o resultado final foi bastante substancial. Os Estados Unidos são hoje um país muito diferente do que eram há 30 anos. Poderia mencionar coisas específicas que foram alcançadas. Mas não sei se estou completamente satisfeito porque tudo que foi obtido foi parcial e ao mesmo tempo houve muita regressão. Muitas coisas estão melhor do que eram, mas não dá para se sentir completamente satisfeito.


- O que está melhor?

- Tomemos o pecado original da sociedade americana, o que aconteceu com a população indígena. Em 1969, o principal estudo sobre história diplomática americana feito por um historiados muito bom, Thomas Bailey, descreve o que aconteceu depois da Revolução americana. Os colonizadores se voltaram para a derrubada de árvores e matança de índios, expandindo suas fronteiras naturais. Hoje, mesmo no país de Jesse Helms, você não sai por aí matando índios e árvores. Em 1969, minha filha estudava numa escola de Lexington, uma cidade de profissionais de classe média. Ela tinha um livro de História na oitava série e de curiosidade fui dar uma olhada para ver como eles lidavam com a questão dos massacres de índios. Para minha surpresa, o livro contava como os colonizadores esperavam os homens saírem e entravam na aldeia, matando mulheres e crianças. É muito positivo que essas coisas sejam contadas assim. Hoje, não há nenhuma região do país onde se possa enganar os alunos a respeito disso. O mesmo é verdade no caso da guerra do Vietnam. Só em 1966 é que começou a haver reuniões contra a guerra. Em 1965, não consegui que professores de Harvard assinassem um documento suave que criticava a guerra.


- Eles tinham medo?

- Não, eles achavam que não tinha problema os EUA atacarem outro país. Quando Kennedy começou a bombardear o Vietnã do Sul não houve protestos. Na realidade, se você perguntasse aos professores de Harvard quando os EUA atacaram o Vietnã do Sul eles não saberiam do que você estava falando. Isto já não acontece. Nos anos 80, quando Reagan tentou fazer o mesmo na América Central, houve reação aqui dentro. Agora, no caso de um conflito com um inimigo mais fraco, não só tínhamos que derrotá-lo, mas tínhamos que fazê-lo rápido e firme porque o governo não encontraria mais apoio popular interno. Portanto, não podemos mais perpetrar longas guerras contra inimigos mais fracos, o que tem sido a base da história americana. Portanto, essa é uma mudança bastante radical em 300 anos de História, desde a década de 60.


- Então a comunidade acadêmica mudou?

- A comunidade acadêmica não mudou muito. O que mudou foi a opinião pública. Por exemplo, em relação à guerra do Vietnã, as opiniões dos setores mais instruídos da população e do público em geral divergiam totalmente. A posição mais crítica desses setores com elevado grau de instrução, por exemplo, em Harvard, é que a guerra foi um erro desastroso que começou a partir de boas intenções. O público em geral não concorda. Pesquisas de opinião feitas entre 1970 e 1990 indicam que cerca de 70% creditam que a guerra não foi um erro, mas uma decisão fundamentalmente errada.


- O sr. fala muito em doutrinação e em como a sociedade está sujeita a isso através de vários meios, inclusive os meios de comunicação. Como explicaria, então, a mudança de opinião do público em geral?

- Doutrinação funciona melhor entre as pessoas mais instruídas. As mudanças ocorreram, na sua maior parte, através do ativismo político. É difícil definir como a cabeça das pessoas muda, mas uma série de questões estavam brotando ao mesmo tempo. Por exemplo, a questão do feminismo. Existe hoje uma atitude totalmente diferente daquela de 30 anos atrás.


- Como se encara o feminismo hoje?

- Hoje já há uma aceitação dos direitos da mulher. A idéia de que o mundo da mulher deve girar em torno do cuidado com a família e das vontades do marido passou a ser vista como uma posição sustentada por extremistas. Na década de 60, esta seria a atitude considerada normal. Uma vez, uma outra filha minha que estava na escola na mesma cidade que mencionei antes resolveu fazer curso de técnicas industriais. Só os garotos podiam fazer e ela achou que isto era errado. Então ela foi chamada pelo orientador que explicou que, se ela fizesse o curso estaria tirando o lugar de um menino que poderia depois estudar engenharia ou mecânica. Aí ela perguntou: e se eu quiser me tornar uma engenheira aeronauta? O orientador não sabia que responder porque isso nunca lhe tinha ocorrido. Hoje isso tudo é muito diferente. Hoje somos um país muito mais civilizado. É isso num espaço de 30 anos.


- Nas décadas de 60 e 70 o sr. nadava contra a corrente. Isso o empurrou para as margens?

- Certamente.


- Apesar disso, o sr. acredita que conseguiu influenciar a sociedade dominante?

- Se você quer dizer os setores articulados da sociedade, talvez não. Mas se você se refere à sociedade em geral, não apenas eu, mas muitos outros conseguiram. Eu passo agora boa parte do meu tempo fazendo conferências para milhares de pessoas. Na década de 60, eu falava para meia dúzia. Não fui eu quem mudou, mas o país. Mas as coisas não mudaram em Harvard Square (onde fica a Universidade de Harvard). Nunca sou convidado para falar na Escola Kennedy de Governo de Harvard. As estações de rádio públicas de Boston e as rádios nacionais públicas, consideradas a mídia liberal, ou criticadas por isso, já disseram que sou o único liberal que Harvard não publica [seus livros], mas, em relação ao público em geral, não dá nem para começar a responder aos convites para fazer palestras.


- Então, com exceção de Harvard...

- Harvard Square é apenas simbólico.


- O sr. acha que há um EUA mais democrático? Existe democracia verdadeira neste país?

- Não. Há uma cultura mais democrática, mas há uma sociedade organizada muito menos democrática. A democracia deteriorou-se substancialmente nos EUA em termos do seu funcionamento e a população está consciente disso. Mais de 80% da população acha que o governo não funciona, que trabalha para uma minoria e para interesses especiais.


- É isso que o sr. quer dizer com "funcionar"?

- Há uma pergunta específica nas pesquisas Gallup que diz: a quem você acha que o governo serve? Uma das respostas é: a interesses especiais, não ao povo. Antes essa resposta representava 50%. Hoje é 80%. Portanto, se o governo trabalha para poucos e para interesses especiais, então não funciona para o povo. E isso é um percentagem bem alta que responde. Eu suspeito que isso esteja ligado ao fato das pessoas não votarem.


- Por que as pessoas ficam tão alienadas? Elas não acreditam em votar para mudar a situação?

- Se elas tiverem alguém em quem votar. Suponhamos que se tenha dois republicanos moderados, ninguém se interessa. Mas há uma diferença entre política pública e opinião pública. Por exemplo, a discussão principal no ano passado era a questão do equilíbrio orçamentário. Só se falava nisso na mídia. Era a manchete de todos os jornais. Até que o governo fechou no ano passado. Mas o público não se interessou. E algum jornal disse que o público se opunha ao equilíbrio do orçamento? Assim que os políticos tiveram que se defrontar com o público a discussão acabou. Enquanto eles falavam para o New York Times, o Wall Street Journal, o Boston Globe, a NPR (National Public Broadcasting, a rádio pública) e os ricos eles podiam dizer que a prioridade máxima era o equilíbrio orçamentário. Mas quando falam para o público, não podem dizer a mesma coisa. Repare o que aconteceu na campanha. Quem foi o primeiro candidato a desaparecer nas primárias no começo do ano? Foi Phil Grant. Sua campanha tinha muitos recursos mas ele era diferente dos outros candidatos: ele era o representante dos republicanos no Congresso. E ele morreu instantaneamente. Há anos vinha-se lendo que estávamos diante de uma avalancha conservadora, uma revolução, e seu único deputado teve morte instantânea. Ele poderia prever isto se lesse as pesquisas de opinião em vez dos jornais.


- O sr. acha que ao mudar o discurso e se voltar para as preocupações verdadeiras das pessoas...

- Ninguém acredita numa palavra. Eles continuam tentando equilibrar o orçamento.


- Então as pessoas não acreditam?

- Não acreditam em nada. A questão é que você não pode entrar numa primária anunciando que vai cortar a verba da saúde ou da educação. Aí eles começam a falar sobre valores. Quando os políticos começam a falar sobre valores você põe a mão no bolso para ter certeza de que a carteira ainda está ali. Mas eles falam sobre valores porque não conseguem pensar em outra coisa para falar. Então eles continuam a trabalhar nisso, no orçamento porque o mundo dos negócios e a comunidade financeira estão interessados, mas a população não. Então é seu papel, se você for um jornalista, de suprimir tudo isso. Essas são coisas muito dramáticas.


- E quanto à diferença entre republicanos e democratas?

- A diferença é se você quer equilibrar o orçamento em sete anos ou sete anos e meio.


- E o público em geral? Votar democrata é mais ideológico?

- Não é ideológico. Se você olhar bem, são questões como personalidade que contam na hora da escolha. Mas não diferenças de política, ou melhor, há pequenas diferenças de políticas, mas são sutis.

- Mas nada que faça grande diferença?

- Não há ninguém que apareça e diga: queremos um programa de criação de empregos e não equilibrar o orçamento. Isso é o que o público quer, mas não é o que o mundo dos negócios quer. E esse é o mundo dos negócios. Mas esse é o tipo de coisa que não se é permitido saber em Harvard Square. O mundo dos negócios quer equilibrar o orçamento. E não é apenas o orçamento, é cada posição. Há duas partes do orçamento, por exemplo, cujos custos estão subindo e não sendo equilibrados. Uma é o Pentágono e a outra é o sistema de segurança, as prisões. Essas duas coisas estão subindo e os chamados conservadores as estão empurrando para cima. O público quer isso? Não. Mas não importa. Newt Gringrich quer e outros também. E eles o querem por uma razão muito boa: eles entendem que o sistema do Pentágono é a técnica pela qual o público financia a indústria de alta tecnologia. Você força o público a financiar a indústria de high tech através dos sistema do Pentágono. Essa é sua principal função. Tome o exemplo da NPR (rádio pública). Na campanha eleitoral de 1994, quando Newt Gringrich era o grande herói e se preparava para ser eleito, os republicanos caíram de pau nos democratas por causa da política de welfare (bem-estar social). Pois bem. Tem um pequeno fato escondido, do qual todo jornalista tinha conhecimento: Gringrich ganha mais benefícios da Previdência em seu distrito que qualquer outro candidato. Seu distrito recebe mais subsídios de welfare que qualquer outro distrito suburbano do país. Ninguém escreveu sobre isso.


- Isso nunca foi publicado?

- Não. Uma vez dei uma palestra na Carolina do Norte na época da eleição. Pouco depois da palestra, perguntaram a um diretor da emissora porque a rádio pública não divulgava isso. Ele simplesmente disse que esse fato não era cutting edge news (notícia quente). E ele sabe que não se expõe o fato, por exemplo, que o sistema do Pentágono é uma forma de transferir os recursos públicos para os ricos.


- O sr. acha que a anunciada revolução republicana morreu na praia?

- Não tinha nada para morrer. Em 1994, os republicanos tinham cerca de 20% do eleitorado. Foi um aumento de 2% comparado a 1992, portanto, uma mudança muito pequena. E essa pequena adesão foi proporcionada quase que toda por estudantes saídos do curso secundário, brancos, começando a trabalhar, que se afastaram do Partido Democrata. Não porque eles adoravam os republicanos, mas porque odiavam os democratas. E tinham uma boa razão para odiá-los: seus salários eram péssimos. É a raiva do homem branco se voltando contra os democratas. E por falar nisso, poucos democratas concorreram à eleição baseados num programa ao estilo New Deal. Esses se deram bem. Os novos democratas, os democratas do Clinton, que eram basicamente republicanos, é que foram esmagados. Mas a mudança foi muito pequena. Nunca houve uma revolução republicana. Outra coisa interessante sobre as primárias é que ninguém falou sobre o Contrato com a América. E por quê? Porque o público odeia isso. Quando a eleição foi realizada, apenas cerca de um quarto do público tinha ouvido falar disso. E quando perguntavam a essas pessoas sobre sua posição, elas diziam ser totalmente contra. É assim que funciona o sistema. Pode-se manter um gap substancial entre opinião pública e política de governo. Desde que você não diga às pessoas qual é a política.

- Mas há muitos jornalistas que têm consciência disso.

- Então eles são mentirosos fantásticos.

- Alguns tentam lutar contra essa tendência.

- Muito poucos.

- Qual o jornal deste país o sr. considera mais confiável?

- Se eu tivesse que ler os jornais de apenas um país leria os jornais deste país (EUA). Não que sejam mais confiáveis, mas eles apresentam muita informação. O que eu disse antes estava na imprensa de alguma maneira, só que ficou meio escondido. Se você lê o Wall Street Journal, o New York Times, o Boston Globe, o Washington Post, o Christian Science Monitor, você encontra uma quantidade boa de informação confiável. A maior parte apresentada na forma de histórias. A informação está lá mas você tem que saber o que está procurando. E a não ser que tenha o tempo e a energia... Para a maioria das pessoas isso é irrelevante. Elas não têm o tempo, os recursos e o conhecimento.


- Elas apenas querem os fatos?

- Na verdade, elas nem querem os fatos. Não estão interessadas nos jornais. Obtêm sua informação da televisão. Elas não têm tempo para a imprensa. É trabalho demais tentar separar os pedacinhos de verdade de toda a enganação maciça. Mas está lá. Essa é parte da técnica da propaganda.


- E isso é parte do que o sr. costuma chamar de doutrinação?

- É doutrinação quando você está falando dos setores mais instruídos da sociedade, e é mais marginalização quando se trata dos setores da sociedade com menos instrução. Se você olhar o mapa da mídia como um todo, estamos então falando de um setor pequeno, das classes que tomam as decisões, que têm educação universitária. A maior parte do público vê televisão ou se liga na indústria de diversão e o objetivo dessa mídia é marginalizar, transformar essa gente em consumidores passivos.

- E qual é, na sua opinião, a verdadeiraa função da mídia?

- A mídia deveria ser o que todos anunciam no discurso de formatura: o alicerce da sociedade democrática, que desafia a autoridade e oferece ao povo a oportunidade igual de aprender e participar. Tudo bem com o discurso, só que as pessoas que estão discursando não sabem que elas estão mentindo, na pior das hipóteses, ou sabem que estão mentindo, mas acham que esta é a única maneira de funcionar. Se você quer saber o que a mídia deve ser, leia a decisão da Suprema Corte americana quando ela deu permissão ao New York Times para publicar os Documentos do Pentágono [quer revelaram toda a história suja por trás da Guerra do Vietnã ou o artigo de Anthony Lewis [jornalista americano] falando sobre liberdade de imprensa.

- O sr. acha muito difícil desenvolver um pensamento independente?

- Difícil, mas não impossível.

- Mesmo com todo o preparo que uma pessoa pode ter ou é aí mesmo que mora o perigo?

- Uma boa dose de educação e socialização e treinamento para a obediência ajudam. E se você tiver cursado boas escolas, como eu cursei e você também, a sua história foi sendo moldada para a obediência. Para a maioria da população, a educação é uma forma de colocá-la no seu nicho na sociedade e de fazer com que elas não causem problema. De fazer essas pessoas prestarem atenção em outra coisa - esporte, moda, comédias, mas não nos perturbe. Por exemplo, o fenômeno Bill Gates e seus planos para a Internet. Se as pessoas estiverem sentadas na frente de seus computadores, apertando botões para satisfazer formas artificialmente criativas, você não precisa se preocupar.

- Por falar em Bill Gates, o sr. que é professor aqui no MIT (Massachusetts Institute of Technology) e que caminha por esses corredores respirando tecnologia, como vê a chamada revolução tecnológica deste fim de século? Trata-se de um mal, um bem, tem os dois componentes? Vai privilegiar aqueles que têm mais acesso à informação?

- É como qualquer outro tipo de tecnologia.

- Mas desta vez é chamada de revolução.

- Certamente tem grandes efeitos. Como a revolução das telecomunicações, que foi bem real e que levou a essa enorme explosão do capital financeiro que está, entre outras coisas, minando as opções democráticas. Atualmente há cerca de 1 trilhão de dólares girando por dia, sendo a maior parte de capital especulativo passeando pelos mercados financeiros, procurando as menores taxas internacionais e os menores salários e isso tem um tremendo efeito social. Nos Estados Unidos também. No governo Reagan, o Banco Central (Federal Reserve Board) estimou que cerca de metade do declínio na taxa de crescimento do país foi atribuído à especulação. Esse foi o efeito significativo da revolução das telecomunicações. Está fazendo este país se parecer mais com o Brasil: um pequeno setor de pessoas extremamente ricas e um setor enorme de pessoas sofrendo miséria. Criou-se um abismo maior. Esse é o maior efeito da revolução das telecomunicações, apenas através dos mercados financeiros. É claro que isso não foi a única coisa que causou essa situação. Foi preciso também desregulamentar o mercado, como Nixon fez. Mas este foi um efeito gigantesco. Isto não é inerente às telecomunicações, mas é provocado pela maneira como funcionam as telecomunicações sob condições de poder específicas. Sob outras condições de poder, a mesma tecnologia poderia ter uma abordagem mais libertadora. A tecnologia em si não traz um rótulo dizendo que 'vou ajudar'ou 'vou causar danos'. Depende das condições sociais sob as quais ela é usada. A tecnologia da impressão poderia libertar as pessoas ou aprisioná-las. A automação pode ser usada para eliminar gerentes, ou para colocar a produção sob controle dos trabalhadores mais especializados. No segundo caso, eles passam a ter maior controle administrativo, o que é um aperfeiçoamento do poder e não uma distorção.

- É muito comum dizer hoje que a Internet é um meio de informação intrinsicamente democrático. O sr. concorda?

- Um por cento da população mundial tem acesso à Internet. Mesmo nos países ricos, são as pessoas relativamente privilegiadas que têm acesso ou pessoas ligadas a instituições. Mas quantas pessoas podem? Agora, quando você olha a Internet é difícil dizer. A Internet em si tem todas as possibilidades. Pode ser usada para atolar engolir? (swamp) as pessoas com propaganda, criando necessidades artificiais, anúncios. Uma sociedade que gasta um trilhão de dólares todo ano só com marketing...Isso é basicamente enganação e manipulação. Um trilhão não é uma pouca coisa. E cerca de 7% do GDP (PIB). E com a Internet disponível, uma grande parte disso vai passar para esse veículo. Esse tipo de coisa vem acontecendo desde o inicio da Revolução Industrial, mas tem aumentado recentemente. Você quer controlar as pessoas e fazer com que elas acreditem que precisam de uma coisa que elas se matam para conseguir ou gastam todo seu tempo perseguindo aquele objetivo. Essa é uma maneira fantástica de controle. A Internet pode ser usada para isso. E pode ser usada para fornecer informação. Mas depende de quem esta manipulando.

- Depende então de quem está fornecendo a informação?

- É de quem tem acesso. Como toda tecnologia moderna, ela foi patrocinada pelo governo, mas agora que está desenvolvida, ela foi entregue ao lucro privado.

- E essa palavra moderna para relações internacionais que é globalização? O que o sr. pensa da doutrina que prega a abertura dos mercados, da economia...

- Sim, exceto a sua própria. Você nunca abre a sua própria economia. Você prega isso para os outros.

- Mas, por causa disso, não se fala mais em desenvolvimento. A palavra parece que saiu de moda.

- Quem não fala? O Consenso de Washington não fala. Mas a ONU fala. Ela está pressionando para que seja realizada uma convenção internacional sobre o direito ao desenvolvimento que tem sido vetada pelos Estados Unidos. Não se fala no assunto em Harvard Square, mas quando se sai desse tipo de lugar, se fala nisso o tempo todo. No Brasil, as elites não falam nisso porque é a mesma coisa que Harvard Square, mas vá ao interior do país que você verá sobre o que se fala. Se você for à Índia é a mesma coisa. As pessoas ricas ficam falando sobre as maravilhas do neoliberalismo. Mas vê que o assunto é totalmente outro. Eles falam sobre desenvolvimento. Portanto, depende da pessoa com quem você está falando.

- Bem, as pessoas que influenciam ou que elaboram a política.

- Claro. Eles estão numa posição de poder, tomando as decisões, justamente porque eles servem ao poder ou têm poder. Eles falam sobre essas coisas, mas isso não é o que todas as pessoas pensam. Mesmo na ONU, a convenção sobre o direito ao desenvolvimento é muito falada. É por isso que os Estados Unidos vetaram. A idéia da convenção chegou à ONU e foi votada, mas os EUA vetaram. Os EUA não assinam a maioria das convenções, mas desta vez eles a bloquearam.

- Mas a tendência na maioria dos países é abrir a economia e seguir os passos da globalização.

- Isso é muito bom para os grupos de liderança. Por exemplo, pega o México. Ele era a menina dos olhos das instituições financeiras internacionais. Era um grande sucesso, um milagre econômico total, funcionava perfeitamente para quem deveria funcionar. Para a população foi uma catástrofe. Foi ótimo para os que desenharam o experimento, foi muito bom para investidores estrangeiros, para bilionários. Então foi um grande sucesso para as pessoas que idealizaram o projeto. Agora, eles têm que admitir que foi, na verdade, uma catástrofe por causa do colapso do sistema. Se voltarmos na História, toda experiência que observei, começando em 1793, quando os britânicos impuseram sua colonização permanente na Índia, que ia ser uma grande experiência em engenharia social. Foi um desastre para o povo, mas um sucesso para o investidor britânico. É assim que as experiências normalmente acabam: muito bem para os idealizadores e uma tragédia para a população que está testando o projeto.

- E o Brasil?

- O Brasil é do mesmo jeito. O Brasil foi tomado pelos EUA em 1945 e foi uma das áreas de testes de métodos científicos de desenvolvimento do capitalismo americano. Os técnicos americanos tomaram grandes decisões e se orgulharam muito do seu projeto. Eles se orgulhavam inclusive de imporem uma ditadura neonazista. Esse teria sido um passo maior para se chegar à liberdade em meados do século XX, segundo disse o embaixador de Kennedy, em 1964. O Brasil era o queridinho latino-americano da comunidade empresarial. Até 1989, continuava a ser tratado como um sucesso fantástico para o capitalismo americano. De repente, essa história desabou.

- Começou a desabar pouco antes de 64.

- Sim, começava a tomar outro rumo, mas aí veio a ditadura militar e voltou a ser o queridinho. E permaneceu assim até 1989, quando veio a explosão da bolha econômica (economic flap).


- Aí perdeu-se o interesse?

- É, porque os mesmos métodos que todos louvavam como capitalismo americano, de repente viraram socialismo de Estado. Não deu mais certo. Mas isso é apenas rotina. Enquanto isso, muita gente lucrou. Os ricos no Brasil estão muito bem, estão entre os mais ricos do mundo, os investidores estrangeiros estão muito bem e, enquanto isso, a população está passando fome. O Brasil tem estatísticas de qualidade de vida comparáveis às da Albânia. Poderia ser um dos países mais ricos do mundo. Acho que em má distribuição de renda é batido apenas pela Guatemala. Mas a América Latina, de uma maneira geral, é a pior região do mundo. Está repleta de milagres econômicos e experimentos que sempre funcionaram muito bem. O neoliberalismo, por exemplo, que de novo não tem nada. Estes são exatamente os mesmos métodos com os quais a Grã-Bretanha desendustrializou a India e se enriqueceu. Com algumas adaptações, essa política terá o mesmo efeito: a intenção é essa e é isso que ela vai fazer. Enquanto isso, os países ricos ficam mais ricos. Como digo, Newt Gingrich se assegura sempre de receber bastante welfare dos EUA para seu eleitorado rico. Os EUA se encaminharam para abrir seu mercado e reduzir as tarifas em 1945, pela mesma razão que os britânicos o fizeram em 1845. Mas os britânicos o fizeram apenas depois de 150 anos de protecionismo, quando eles já estavam tão à frente de todo mundo que supuseram já ser seguro abrir a economia. Mesmo então, eles exportavam 40% de seus produtos para as colônias. Por volta de 1945, os EUA já eram quase totalmente dominantes e achavam que abrir o mercado poderia ser vantajoso, então se sentiram perfeitamente à vontade para reduzir as tarifas.

- Por que era vantajoso?

- Em toda sua história, os EUA sempre foram, extremamente protecionistas. Mas em 1945, parecia uma boa jogada diminuir as tarifas. Ao mesmo tempo, eles trataram de debilitar radicalmente o mercado livre ao instituir o sistema do Pentágono, que é simplesmente um sistema que joga as verbas do Estado na indústria de alta tecnologia. E isso é uma violação radical do mercado livre. Então, tá. Nós vamos reduzir as tarifas porque esse jogo nós já ganhamos. E enquanto isso, vamos garantir que o público continue a financiar vários setores da indústria, porque não queremos mercados livres. Bem, por volta da década de 70, os EUA já não estavam indo tão bem no comércio, então o que aconteceu? Reagan dobrou as tarifas. O governo Reagan foi mais protecionista que todos os outros governos do pós-guerra juntos. Mas para os outros, continuava a retórica do mercado livre. Não para nós. Eles também aumentaram o setor estatal da economia.

- Diante desse panorama, que deveria um país como o Brasil fazer?

- O Brasil é um país grande, tem muitas opções. A primeira coisa que o Brasil tem que fazer é controlar seus ricos. Uma das diferenças entre os países em desenvolvimento do Leste asiático e os países da América Latina, é que qualquer estágio das classes ricas está bastante sob controle. O Estado é forte o suficiente não só para controlar o trabalho, mas também o capital. Assim você não tem o capital voando para Formosa ou para a Coréia do Sul. Na verdade, o Japão nem mesmo permitiu a fuga de capitais até que sua economia estivesse bem forte. Na América Latina, existe uma fuga de capitais imensa, que chega perto do volume da dívida externa. Grande parte dessa dívida poderia ser paga com esse fluxo de capitais. Outra coisa que não há no Leste asiático e que há na América Latina é um enorme déficit comercial de importações de produtos supérfluos. Na América Latina há uma enorme importação de supérfluos por causa da profunda divisão das sociedades e os ricos importam produtos como Mercedes Benz. No Leste asiático isto não acontece. Lá existe uma sociedade muito mais igualitária, onde as importações são controladas com muito mais cuidado para suprir as necessidades dos países. Só esses dois fatos já fazem uma grande diferença. Significa que os asiáticos não têm uma dívida nem um déficit avassaladores. E há outras coisas. Como outros países, eles protegeram seus mercados, mas o fizeram com eficiência. O fizeram de forma a criar a base para a promoção das exportações. A América Latina é muito mais aberta aos mercados internacionais e muitos dos problemas são conseqüência desse fato. Por razões históricas e outras, o Leste Asiático não é. Esses são países, sobretudo Coréia do Sul e Formosa, que foram colônias japonesas. Os japoneses tratavam suas colônias de forma muito diferente da Europa. Eles eram brutais, mas desenvolviam suas economias. Então, essas colônias se desenvolveram tão rapidamente quanto o Japão, ou até mais rápido. O que certamente não é verdadeiro em relação aos EUA com as Filipinas, ou a Grã-Bretanha com a Índia, ou a Holanda com a Indonésia. Eles arruinaram suas economias. O Haiti era um dos países mais ricos do mundo antes dos europeus chegarem lá. O Japão desenvolveu suas colônias e criou bases para o desenvolvimento social. É claro que há todo tipo de diferenças específicas, mas elas mostram que tipo de coisas países ricos como o Brasil podem fazer.

- Agora mudando radicalmente de assunto. Porque a esquerda nunca foi uma força poderosa nos Estados Unidos?

- Os EUA são um país bem interessante. Especialmente para uma sociedade guiada pelo business. Os EUA foram uma sociedade criada, que não cresceu de alguma coisa que já estava organicamente ali. Então, até certo ponto era uma tábula rasa. A população indígena foi dizimada, os colonos chegaram. Não havia instituições tradicionais, então prevaleceu o sistema feudal, com a Igreja, etc...E foi o único país que foi desenhado de uma forma específica. A Constituição foi moldada para ser de uma determinada forma. E foi tudo armado para ficar essencialmente sob controle do processo de business. Aí as coisas se desenvolveram. Os EUA têm uma história de sindicalismo muito violenta. Nunca desenvolveu o contrato social que os países europeus têm, que, até certo ponto, saiu de certas instituições tradicionais que os Estados Unidos não tinham. Aqui existia a ideologia capitalista e ela dizia que ninguém tem direitos humanos, você só tem o direito de entrar no mercado de trabalho. A Europa nunca instituiu isso por causa de toda uma série de coisas complicadas. Aqui, o trabalho foi brutalmente reprimido. Centenas de trabalhadores estavam sendo mortos nos EUA no começo do século. Os trabalhadores americanos só tiveram direito de se organizar em 1935. Esses direitos há muito existiam na Europa. Aqui era uma sociedade muito rica, então era fácil convencer as pessoas a desistir dos direitos em troca de bens. Na década de 20, os trabalhadores americanos não tinham nem uma fração dos direitos dos trabalhadores europeus, mas tinham muito mais bens. É um país muito livre, mas extremamente opressivo.

- O que aconteceu com o movimento sindical?

- Logo depois do primeiro movimento de organização de direitos de 1935, começou uma enorme propaganda do business, que foi interrompida durante a guerra e retomada logo depois, que incluía a indústria de relações públicas, de diversão, televisão, mídia, etc.. Elas tinham basicamente dois papéis: um era retratar o sindicalismo como sendo um demônio e o outro botar as pessoas contra o governo federal. Porque o governo federal é a única força suficientemente forte para enfrentar os interesses das corporações, que querem eliminar tudo e repassar tudo para os estados, onde pode haver controle. E isso envolve uma imensa propaganda. Que você vê em todo lugar, da mídia da elite até os seriados de crimes na TV. Na TV, se você tem um seriado com um agente do FBI e um policial local, o sujeito do FBI vai ser o mau e o policial vai ser o bom. Tudo é muito bem planejado: destruir os sindicatos e destruir qualquer idéia de que o governo pode ser um instrumento que as pessoas podem usar em seu próprio benefício. Ele tem que ser seu inimigo. O governo e os sindicatos são inimigos. As corporações não existem - são só aqueles sujeitos bonzinhos que estão aí para ajudar.

- E os sindicatos?

- Não acho que os sindicatos, os líderes sindicais, possam se eximir de responsabilidade. Eles compraram essa idéia e fizeram mais ou menos um acordo: vocês dão aos nossos trabalhadores salários decentes e nós aceitamos seu sistema. Eles tem uma horrível reputação internacional por enfraquecer o movimento sindical em todo mundo, incluindo o Brasil. Depois da guerra, o sindicalismo americano foi fundamental no enfraquecimento do movimento sindical na Itália e na restauração do fascismo. E fizeram o mesmo em todo lugar. Horrível. Aliás, o movimento sindical americano nada tem a ver com os trabalhadores. O AFL-CIO, o setor do sindicalismo que fez isso tudo, é uma instituição que funciona totalmente com verbas do governo dos EUA. Estava sabotando sindicatos na América Central - esse é o seu trabalho. Tudo isso faz parte do cenário e está preso a uma moldura que tem a ver com ideologia. Então sim, eles tem uma grande responsabilidade sobre os rumos do movimento e estão pagando por isso. O governo Reagan, por exemplo, informou à comunidade de business que não iria seguir as leis e deixou claro para as corporações que elas podiam demitir trabalhadores e não precisavam cumprir as leis. Essa é uma sociedade dirigida pelo business e boa parte do business são instituições totalitárias.

- Outra vez, mudando de assunto. O sr. acha que a Ação Afirmativa acaba aprofundando as divergências entre as raças. Será essa discriminação positiva um paliativo ou uma política necessária? O fato de grupos preservarem suas culturas dividem a sociedade em compartimentos?

- Como com a tecnologia, depende também de como é feito. A Ação Afirmativa, se ela é usada para compensar os efeitos perversos da discriminação do passado, no caso das mulheres e das minorias, ela é uma coisa boa. Mas claro que ela será usada por demagogos para insuflar o ódio racial e o ódio às mulheres. Esse é seu trabalho e seu trabalho é controlar as pessoas quando elas se odeiam e se temem. Isso tem que acontecer? Não. Eu voltei recentemente da India onde eles têm um programa forte de Ação Afirmativa que parece estar funcionando muito bem. E é uma sociedade muito mais pobre. Eu acho que aqui funcionou muito bem, mas agora está sendo usada como parte da técnica de controle social. Desde 1980, a força de trabalho não especializado, que constitui 70% da força de trabalho - a maioria de brancos vêm assistindo à redução de seus salários em quase 20%. Eles têm muito com que se preocupar. Então se você os quer controlar e se assegurar de que eles não vão cobrar das pessoas responsáveis por isto, você insufla neles o medo e o ódio. Você faz eles odiaram outras pessoas. Culparem o programa de bem estar social para os negros. Qualquer coisa, desde que eles não estejam prestando atenção ao que está acontecendo. Por isso tem muita propaganda que tenta argumentar contra a Ação Afirmativa e, como toda propaganda, não é totalmente falsa.