Dias destes, ao participar das filmagens de um documentário sobre fatos mais recentes relativos à Operação Condor, a ação repressiva de organismos na área de inteligência dos países do Cone Sul, testemunhei um fato que comprova como o país até hoje sofre os efeitos do corte da memória histórica. Não é culpa especialmente de quem não sabe ou tem uma visão totalmente deturpada dos fatos ocorridos nos anos de chumbo. A culpa é das elites que preferem omitir os fatos ou manipulá-los. No início de março eu circulava pelas antigas dependências do Dops de São Paulo, hoje um museu, quando perguntei a dois visitantes jovens de classe média se já tinham ouvido falar em Vladimir Herzog e João Goulart. Ambos disseram que não. Depois veio o pior quando um deles, que se apresentou como recém formado em publicidade, de 21 anos, argumentou que o nome de João Goulart não lhe era estranho. “Não foi um guerrilheiro que lutou contra a ditadura?”, indagou de forma absolutamente normal. Algo semelhante testemunhei em Santiago do Chile, no início deste ano. Caminhava pela rua de nome Republica, onde estão localizados vários shoppings centers universitários que se escondem sob a denominação de Faculdades ou Conjuntos Universitários, todos particulares. Do lado de fora podiam ser vistas mesas e cadeiras em que jovens ofereciam matrículas e informavam sobre os preços dos cursos, como se fosse uma feira. Meu objetivo era ir até o Museu Salvador Allende, localizado a poucos metros de distância dos shoppings universitários. Perguntei a várias pessoas, jovens, onde ficava o Museu que guardava a memória do Presidente chileno deposto por um sangrento golpe. Ninguém soube informar e pela forma com que reagiram a pergunta mais parecia para eles e elas que quem perguntava era um ser meio estranho. Os dois fatos são uma comprovação concreta de como a memória sofreu um corte brutal provocado pela desinformação e por uma política de Estado deliberada destinada a apagar o passado, na base do populista pra cá, populista pra lá.... Foram muitos anos de deliberada ocultação e manipulação de fatos históricos . Mesmo agora com o restabelecimento da democracia (formal ) não se conseguiu ainda recuperar este vazio. Não é à toa que de 27 a 30 de março últimos, a questão do terrorismo midiático esteve em debate, em Caracas, no "I Encontro Latino-americano contra o Terrorismo Midiático", quando intelectuais e jornalistas de mais de 14 países presentes ao encontro divulgaram a "Declaração de Caracas" denunciando, entre outras coisas, que “as empresas de comunicação transnacionais utilizam informações falsas para realizarem "uma agressão massiva e permanente contra os povos e governos que lutam pela paz, a justiça e a inclusão". Alguém talvez pode estar perguntando o que tem a ver um a coisa com a outra? Só tem, não só em termos de conhecer o passado, no caso não tão longínquo, como os dias atuais em que, como assinala da Declaração de Caracas, “a liberdade, a democracia nos países latino-americanos se vêem ameaçadas pelos oligopólios de comunicação que manipulam a verdade”. Há 44 anos, por exemplo, jornais que hoje se apresentam como grandes democratas de plantão saudavam efusivamente o golpe que derrubou o então Presidente constitucional João Goulart. Hoje, estes apoiadores e até mesmo articuladores da ilegalidade mostram os “horrores” daquele período, mas em um só momento tiveram a dignidade de fazerem a autocrítica necessária pelo procedimento. Analistas de plantão da mídia e atualmente até autores de mini-séries sobre o período apresentam os fatos a sua maneira, ou seja, culpando apenas os militares e alguns psicopatas por torturas e assassinatos de opositores do regime de força. Escondem a si mesmos e outros articuladores como os representares do grande capital e do setor financeiro, os verdadeiros mentores da derrubada de Jango. Em tempo: o acordo do Itaipu, considerado lesivo pelos paraguaios, não foi assinado por Geisel, como foi dito no artigo anterior. Quem assinou foi um outro ditador de nome Garrastazu Médici. O ditador paraguaio era mesmo Alfredo Strossner. Sobre o autor: é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de são Paulo e editor de Internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do semanário Brasil de Fato. É autor, entre outros livros de: América que não está na mídia, Dossiê TIM Lopes- Fantástico/Ibope. |
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