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quarta-feira, 23 de abril de 2008

Inclusão digital, o que nós educadores temos a ver com isso?

Em um mundo cada vez mais globalizado, com monopólios na telefonia, na mídia impressa e televisiva, o acesso à internet é uma das formas de se criar redes alternativas de discussão de problemas e soluções, de democratização da informação, de formação à distância, de comunidades solidárias.

Em nosso país dos mais de 5 mil municípios, 2 mil, mesmo se desejassem, não poderiam ter serviços de banda larga para a internet, pois a infra-estrutura necessária não existe.

Além disso, a regulamentação desses serviços por parte do Estado precisa garantir a concorrência visando barateamento do acesso à banda larga.

Selecionei dois textos importantíssimos que discorrem sobre esta questão para a reflexão.

Fusão Oi/BrT: uma boa iniciativa que pode se transformar em negociata
Gustavo Gindre - Observatório do Direito à Comunicação
30.01.2008


Para um negócio que envolve bilhões de dólares e um dos setores mais dinâmicos da economia contemporânea não serve o tratamento de múltipla escolha do tipo “você é a favor ou contra, sim ou não”. A responsabilidade pede uma análise mais sutil, destacando os pontos positivos e negativos envolvidos.

Assim ocorre com a anunciada fusão entre Oi (ex-Telemar) e Brasil Telecom.

O legado tucano

Em primeiro lugar, a fusão deveria ser precedida do reconhecimento, por parte do governo Lula, de que o processo de privatização da Telebrás, e a conseqüente construção da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), foi não apenas equivocado como privou o Brasil de deter uma grande operadora de telecomunicações que, a exemplo da mexicana Telmex, poderia estar disputando o mercado internacional.

Um ano antes da LGT, os Estados Unidos aprovaram o seu Telecommunications Act, pondo fim à política das baby bells, com o objetivo de criar grandes operadoras que pudessem disputar o mercado global com europeus e japoneses. No Brasil, para agraciar empresários locais e agradar ao capital estrangeiro, optou-se por um fatiamento da antiga Telebras que criou empresas sem escala para concorrer com seus rivais transnacionais.

Assumir essa crítica é a condição básica para deixar claro que a fusão entre Oi e Brasil Telecom está inserida numa nova política para as comunicações e não se trata de mera negociação de ativos.

Tal política também deve rever o princípio liberal da concorrência. É cada vez mais óbvio que, do ponto de vista da infra-estrutura, só existe concorrência em alguns nichos residenciais de alto poder aquisitivo e para o atendimento ao setor empresarial. No resto, o cenário é de monopólio. Daí a enorme responsabilidade de um processo que vai fundir as duas empresas detentoras deste monopólio em 26 dos 27 estados brasileiros. Por isso, é fundamental lembrar que embora o Estado já seja o principal acionista das duas empresas (através do BB, do BNDES e dos fundos de pensão), ambas jamais tiveram políticas que visassem garantir a universalização de fato do “velho” telefone fixo (18 linhas instaladas para cada 100 habitantes) e, principalmente, da Internet (apenas 6% de residências com banda larga).

A fusão entre Oi e Brasil Telecom deve fazer surgir uma empresa comprometida com a inclusão digital, especialmente daqueles que não podem ter acesso às novas tecnologias através do mercado. Assim, a nova empresa deve ser obrigada a praticar o unbundling de seus backhauls e garantir a neutralidade de suas redes. Quem sabe até mesmo uma política de discriminação positiva, que ofereça vantagens na interconexão para redes comunitárias sem fins lucrativos.

A nova empresa também deve possuir uma política de compras associada ao desenvolvimento de ciência e tecnologia nacionais. Torna-se possível reconstruir o complexo de C&T que envolvia o CPqD, universidades e empresas nacionais. Vale lembrar que o Brasil já teve posição de destaque na produção de fibra óptica e centrais digitais, por exemplo.

Para que a nova empresa possa cumprir essas funções é necessário que o Estado mantenha sua posição acionária de destaque, dando a ela compromissos sociais semelhantes àqueles que a Petrobras possui. Mas, para evitar críticas de uma suposta re-estatização, o governo tem acenado justamente com o contrário: a diluição de sua presença na nova empresa.

Quem vai se beneficiar

E aqui é que começam os riscos de uma negociata. Se o governo pretende “desinvestir” (opção que considero equivocada), pelo menos é preciso saber como. O Banco do Brasil, o BNDES e os fundos de pensão (especialmente a Previ) possuem capital investido nestas empresas e não podemos correr o risco de vê-los serem passados a iniciativa privada em condições desvantajosas. Especialmente no caso dos fundos de pensão, onde é o futuro de trabalhadores que está em jogo.

Por sua vez, quem será beneficiado diretamente com a diluição da participação do Estado? Segundo a grande imprensa, seriam os dois maiores acionistas privados da Oi, Carlos Jereissati e a construtora Andrade Gutierrez. Esta última foi a maior financiadora da campanha eleitoral de Lula em 2006 e trabalhou a favor do aporte de R$ 5 milhões da Oi na Gamecorp, empresa onde um dos acionistas é filho do presidente Lula. Para piorar, comenta-se que o BNDES pode investir recursos para que os sócios privados aumentem sua participação na nova empresa. Ora, isso não faz nenhum sentido e recursos do BNDES devem ser usados apenas para financiar a expansão da empresa. Por isso, cabe ficar atendo para saber de que forma se dará essa anunciada diluição do capital do Estado na nova empresa e quais serão os beneficiados.

Uma nova Ambev?

Rubens Glasberg, da Converge Comunicações, tem alertado para o risco de repetirmos o que ocorreu com a fusão entre Brahma e Antártica, originando a empresa Ambev. Na época, alegou-se que o problema concorrencial de termos uma gigante que controle mais de 2/3 do mercado de cervejas era contrabalançado pela necessidade do Brasil possuir um player global no mercado de bebidas. A defesa da Ambev era banhada em um discurso nacionalista. Quatro anos depois, contudo, os três banqueiros brasileiros que controlavam a Ambev venderam-na para a belga Interbrew em nome de uma participação conjunta de 25%.

No caso da fusão entre Oi e Brasil Telecom, os supostos futuros acionistas majoritários são um dono de shopping centers e uma construtora. O que os impediria de participar da fusão, receber recursos do BNDES, valorizar seus ativos e depois vender a empresa para uma gigante transnacional das telecomunicações?

Uma das pré-condições para a criação da nova empresa deve ser, portanto, uma golden share que dê ao governo o poder de evitar sua venda para o capital estrangeiro.

Daniel Dantas

Mesmo à revelia da legislação do setor, o banqueiro Daniel Dantas é acionista tanto da Oi quanto da Brasil Telecom. Nesta última, onde foi controlador, ele criou um emaranhado acionário que ainda hoje os demais acionistas (fundos de pensão e CitiBank) penam para destrinchar. Dada a presença nefasta de Dantas no cenário político e econômico brasileiro dos últimos anos, deve ser ponto de honra do processo de criação da nova empresa que o banqueiro não seja beneficiado em hipótese alguma. Deixar que a fusão garanta ganhos à Daniel Dantas seria ferir de morte qualquer resquício de uma operação limpa e correta, que vise o bem do país.

Fusão é conseqüência, não causa

Por tudo isso, a postura correta do governo seria enviar um projeto de lei para o Congresso Nacional que afirme uma nova política para as telecomunicações brasileiras e que insira, em seu interior, o papel da empresa resultante da fusão entre Oi e Brasil Telecom. Somente depois de consolidada essa política é que a fusão deveria ser feita.

Simplesmente produzir um Decreto Presidencial que altere o Plano Geral de Outorgas (PGO), permitindo a fusão de Oi e Brasil Telecom, sem que se discuta publicamente a que política esta fusão servirá, pode ser mais um caso tipicamente brasileiro, onde a defesa de uma boa idéia é colocada a serviço de uma negociata.


* Conselheiro eleito do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social


Teles 'acabaram de ganhar o monopólio da banda larga em todo o país'

23 de abril de 2008 às 11:05

Governo troca política de inclusão ampla por banda larga nas escolas

por Gustavo Gindre - Observatório do Direito à Comunicação - 09.04.2008

No dia 7 de abril foi publicado no Diário Oficial da União o Decreto Presidencial 6424 que determina uma mudança nos contratos de concessão com as operadoras do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC): Telefonica, Oi e Brasil Telecom.

Os contratos, assinados em 2005, obrigavam que as empresas instalassem Postos de Serviço Telefônico (PSTs) em cada cidade brasileira. Menos de três anos depois, chegou-se à conclusão que aquelas obrigações estavam erradas e o próprio governo sugeriu a mudança, sem contudo, assumir publicamente o equívoco cometido em 2005.

Pelas novas regras, acordadas com as operadoras, estas deixam de estar obrigadas a instalar os PSTs (exceto no caso de cooperativas rurais), mas passam a ter que colocar seus backhauls em todas as sedes municipais brasileiras.

Se a banda larga pudesse ser comparada com árvores, os backbones que as operadoras possuem seriam os troncos, o backhaul os galhos e cada cidade brasileira uma folha. Sem o backhaul, não é possível levar a seiva que vem do tronco para cada folha. Ou seja, o backhaul interliga o backbone da operadora às cidades. No Brasil, mais de 2000 municípios não têm backhaul e, portanto, não podem se conectar à banda larga.

A proposta do governo é digna de mérito, porque, no século XXI, é muito mais importante garantir a universalização da banda larga do que do telefone fixo. Contudo, este adendo aos contratos de 2005 ainda apresenta problemas. São pelo menos dois.

As velocidades mínimas exigidas para cada backhaul são muito baixas. Por exemplo, uma imaginária cidade com 70.000 habitantes teria, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em torno de 20.000 residências, mas contaria com um backhaul de apenas 64 Mbps. Ou seja, se apenas 1.000 casas tiverem dinheiro para contratar o serviço de banda larga oferecido pela tele, ainda haveriam 19.000 excluídas e a velocidade máxima disponível para cada residência conectada à suposta banda larga seria de apenas 64 Kbps, ou igual àquela obtida por uma linha telefônica comum.

E não há a obrigação para que a operadora faça unbundling em seu backhaul. Por detrás desse palavrório técnico, tal obrigação significa que a operadora teria que vender parte da capacidade instalada do seu backhaul a qualquer provedor interessado em competir com a própria tele. E a preços não discriminatórios, regulados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Essa seria a única forma de estimular a concorrência. Do jeito como ficou, o Decreto permite que os backhauls sejam usados exclusivamente pelos próprios serviços de banda larga das operadoras (BrTurbo, Velox e Speedy), matando qualquer possibilidade de concorrência local.

Mas, principalmente, a falta do unbundling dificulta em muito o surgimento de experiências de redes comunitárias, organizadas pelas prefeituras e/ou pela sociedade civil, usando tecnologias sem fio, e que levam a Internet gratuíta à prédios públicos (como bibliotecas e telecentros), mas também às próprias casas, o que já fazem Sud Minucci (SP) e Duas Barras (RJ).

Em resumo, ainda que amplie o alcance da banda larga, o Decreto Presidencial 6424 está longe de garantir a tão sonhada inclusão digital de nossa população e tem como efeito colateral o aprofundamento do monopólio regional exercido por cada tele em sua área de concessão.

O acordo subterrâneo

A mudança dos contratos de concessão teve que contar com a concordância das teles. Caso contrário, ficaria valendo a obrigação inicial dos PSTs. Para convencer as teles, um estudo da Anatel comprovou que o custo de instalação dos backhauls nos municípios que ainda não o possuem seria o mesmo da instalação dos PSTs. Seria trocar seis por meia dúzia, sem onerar o caixa destas empresas. E é óbvio que as teles perceberam, também, que a futura prestação de serviços de banda larga lhes trará muito mais receita do que a administração de postos telefônicos.

Tudo certo, eis que surge um novo elemento. Além da troca dos PSTs pelos backhauls, o governo negociou um segundo acordo com as teles, que prevê a instalação de conexão de 1 Mbps em cada uma das 56 mil escolas públicas urbanas brasileiras, sem custos para os governos (federal, estaduais e municipais) pelo menos até 2025 (quando vencem os atuais contratos de concessão). Até 2010 todas essas escolas deverão estar com a conexão funcionando.


Se as teles brigaram tanto para ter certeza que a obrigação dos backhauls não lhes custaria nada a mais do que a antiga obrigação dos PSTs, se não queriam desembolsar nada além do que fora previsto inicialmente, por que aceitaram tão prontamente este novo acordo, que foi anunciado no dia 8 de abril pelo presidente Lula? Nada as obrigava a este novo acordo. Por que concordaram? Puro patriotismo?

Coincidência ou não, ao mesmo tempo em que começaram as negociações em torno deste segundo acordo, saía de cena o debate no interior do governo sobre o “backbone estatal”. Essa proposta consistia em dois movimentos. Primeiro, unificar a gestão dos cerca de 40 mil Km de fibra óptica que o governo federal já possui, seja através das estatais ou da massa falida da Eletronet. Em segundo lugar, construir sua própria rede de backhaul, levando a conexão deste backbone estatal a cada município brasileiro. Com isso, o governo estaria em condições de ofertar às cidades (prefeituras e/ou sociedade civil) a possibilidade de construirem redes locais que posteriormente seriam conectadas à infra-estrutura do governo federal. Sem fins lucrativos, este backbone estatal poderia cobrar das cidades apenas o necessário para se manter e crescer (o que é bem menos do que cobram atualmente as teles). De inicío, já seria possível prever que as prefeituras e governos estaduais poderiam usar os serviços de telefonia por IP desta rede, deixando de ser usuárias das operadoras privadas. Uma economia de muitos milhões para os cofres públicos. Mas, também seria possível construir redes comunitárias, que levassem Internet banda larga, telefonia por IP, webrádio, IPTV e muito mais para todas as comunidades hoje excluídas das estratégias de mercado das teles. Uma ligação local, feita de um telefone conectado a esta rede comunitária para outro igualmente conectado, teria preço igual a zero!

Mas, o acordo subterrâneo com as teles foi além. Não bastava apenas garantir que o governo abriria mão de usar sua própria infra-estrutura para fazer inclusão digital. As teles também ganharam o direito de explorar sozinhas a rede que irão construir para chegarem até as escolas. Essa rede passará na porta de milhares de residência e obviamente as teles a usarão para vender seus serviços de banda larga. A proposta do governo não obriga a que as teles tenham que partilhar essa rede com os provedores locais (o tal unbundling).

Com backhauls e redes de “última milha” para uso exclusivo, as teles acabaram de ganhar o monopólio da banda larga em todo o país.

Se tudo isso for mais do que uma simples coincidência, quando o presidente da República inaugurar a primeira escola conectada em banda larga através deste segundo acordo com as operadoras, o que pouca gente saberá é que esse evento festivo também será o funeral de uma idéia muito mais inclusiva. Por esta linha de raciocínio, o governo negociou a instalação da banda larga nas escolas em troca do abandono da idéia de um backbone estatal e da morte dos pequenos provedores locais.

Para as teles, as 56 mil escolas conectadas até que saíram barato...

** Gustavo Gindre é pesquisador em políticas de comunicação, membro eleito do Comitê Gestor da Internet no Brasil e membro do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social.


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