Mary Beth Long, a espiã designada pelo Pentágono para localizar e matar Osama bin Laden, líder da organização terrorista Al-Qaeda, acha que acaba de fazer duas grandes descobertas.
Nenhuma delas garantirá o sucesso de sua missão, como avaliam seus colegas espiões da CIA, a agência de inteligência norte-americana, todos interessados em fritá-la e garantir as mudanças num eventual governo democrata de Barack Obama.
Especializada em infiltrações de inteligência nas organizações criminosas, a 007 Long soltou, pelo Afeganistão e Paquistão, vários espiões que, de roupas, cabelos e barbas longas, no melhor estilo pasthun, bisbilhotam e fazem contato com as tribos e os chamados “senhores da guerra”, chefes de etnias que mudam de lado conforme o interesse financeiro em jogo. Para se ter idéia, os “senhores da guerra”, além do tráfico de ópio que transformou o Afeganistão no maior cultivador de papoula e exportador ilegal, são responsáveis pelas derrubadas de florestas. Segundo a agência ambiental da Organização das Nações Unidas, com o tráfico pesado de cedro, pinho, mogno e carvalho, iniciado em 1977, hoje só restam 2% das florestas do Afeganistão.
Não custou aos talebans pegar carona na exploração dessa riqueza e usar o dinheiro arrecadado na compra de armas e munições. O escoamento do contrabando de madeiras nobres, sob proteção dos talebans e o apoio dos funcionários corruptos do governo afegão de Hamid Karzai, se dá basicamente pelo porto de Karachi, no Paquistão. A segunda rota do contrabando leva as madeiras nobres ao vizinho Irã. Nos relatórios da ISI, a agência de espionagem do Paquistão e cujos integrantes são acusados de perfil filo-taleban, esse tema não é prioritário. No entanto, a ISI sabe que, de 1977 a 2002, nas províncias de Nangarhar, Nuristan e Konar, foram derrubadas 50% das árvores de valor comercial.
Os deslocamentos dos 007 de Long são realizados em lombos de burros ou nas corcovas de camelos. Bem camuflados, passam despercebidos, mas, quando obrigados a falar, são traídos pelo sotaque.
Pelas últimas descobertas, Bin Laden e Ayman Al-Zawahiri, segundo no vértice de governo da Al-Qaeda, não estão escondidos no mesmo lugar, ou melhor, mantêm-se distantes, em territórios com características diferentes.
Os peritos do Pentágono examinaram as últimas fitas de Bin Laden, depois da sua reaparição espetacular, com a barba tingida e bem aparada, no vídeo exibido em setembro de 2007. Aliás, depois de um longo ciclo de silêncio, iniciado em outubro de 2004.
As fitas reunidas, de qualidade e marcas diferentes, foram comparadas com as utilizadas, em igual período, em gravações do loquaz Al-Zawahiri, que em menos de dois meses gravou 14 fitas de áudio.
Com relação às fitas e vídeos com Al-Zawahiri, os peritos entendem que ele não está nos esconderijos subterrâneos da Al-Qaeda. Os equipamentos utilizados eram modernos, todas as fitas, novas, e, pela acústica, deduz-se que ele esteja em local com sons próprios de centros habitados. O contrário concluíram os peritos com referência a Bin Laden. Os equipamentos empregados eram antigos, as fitas em embalagens já fora de comercialização. Houve muitas paralisações nas gravações por quebra de velho equipamento e nenhum isolamento acústico foi realizado, tudo a demonstrar gravações ao ar livre, em zona montanhosa, sem os ruídos comuns a aglomerações humanas. Nada de barulho de carros, máquinas agrícolas ou vozes de estranhos.
Concluiu-se ainda que os operadores das sonoras de Bin Laden eram diletantes, apertaram diversas vezes comandos errados e, ao apagarem áudios para refazer mensagem deixavam “cacos” na fita. Por tudo isso, soldados “qaedistas” devem ter se incumbido dessa tarefa, enquanto o material com Al-Zawahiri foi produzido por quem conhecia as técnicas, talvez deslocados a um vilarejo, com os próprios equipamentos.
Segundo a equipe de miss Long, Bin Laden está escondido na região norte do Paquistão, que, para os islâmicos, quer dizer Terra da Pureza. Mais especificamente nas imediações do Monte K2, o segundo mais alto do mundo, com 8.611 metros de altura.
Essa informação acabou transmitida pela Casa Branca ao general David Petraeus, comandante das forças norte-americanas no Iraque. Diante do fato novo, o general realizou uma reunião de emergência no Catar e se irritou quando a rede de televisão Al Arabiya, no começo deste mês de junho, informou, em noticiário, sua chegada de emergência ao país para cuidar da repressão a Bin Laden.
Como se percebe, a caça ao terrorista mais procurado do mundo se intensificou porque interessa ao presidente Bush ter sua cabeça como troféu, a coroar o desastrado governo de dois mandatos e dar um troco aos terroristas fundamentalistas pelos ataques de 11 de setembro, que fez 2.974 vítimas, excluídos os 19 suicidas sob as ordens de Mohammed Atta. Para Bush, desmoralizado pelas mentiras que serviram de pretexto à invasão do Iraque, com os talebans reorganizados e a impor significativas derrotas aos norte-americanos e à Força Internacional de Assistência à Segurança (Isaf), a cabeça de Bin Laden, ou a paz entre israelenses e palestinos, representaria a tábua de salvação para tentar escapar do rol dos piores presidentes da história dos Estados Unidos.
Dados secretos da Casa Branca dão conta de que a Al-Qaeda atua em rede e, de 1995 a dezembro de 2005, promoveu, fora do Iraque, 55 ataques suicidas e fez 3.902 vítimas fatais. No Iraque, pelas afiliadas à chamada Al-Qaeda, entre março de 2003 e dezembro de 2005, foram 385 ataques suicidas, com 3.888 mortos. No Afeganistão, os talebans, a contar da repressão promovida pelos países aliados em 2001 e até 2005, cometeram 19 atentados suicidas que resultaram em 66 vítimas fatais.
Quando o saudita Bin Laden resolveu combater os invasores soviéticos do Afeganistão no fim dos anos 70, associando-se à CIA e gastando parte da sua imensa fortuna na causa, a Al-Qaeda era apenas um sonho. Um sonho que começou a ser acalentado durante uma reunião, no Afeganistão, do primeiro grupo de combatentes islâmicos proveniente de várias partes do planeta, todos afinados com os ideais e as concepções do líder Bin Laden.
Com a retirada humilhante do Exército soviético do Afeganistão em 1989, a CIA não percebeu que Bin Laden ganhara, a partir dos anos 80, uma forte liderança entre os radicais islâmicos. Não se falava em Al-Qaeda, nascida apenas em 1996, mas cujo nome tornou-se forte em 23 de fevereiro de 1998. Isto com a Declaração da Jihad contra os Hebreus e os Cruzados, escrito elaborado por Bin Laden e lido na inauguração da Frente Islâmica Mundial.
Mas, no início dos anos 80, Bin Laden já estava próximo e auxiliava financeiramente Ayman al-Zawahiri, o médico líder da Jihad Islâmica Egípcia (EIJ), cuja meta era derrubar o regime secular no Egito, país presidido por Anwar al-Sadat desde 1970.
A vitória sobre os soviéticos fez o bilionário saudita imaginar uma luta mais ampla contra todos os “infiéis” que ocupavam o mundo muçulmano. Ou seja, Bin Laden ampliou o horizonte de Al-Zawahiri. Não bastava pensar no Egito. Havia chegado a hora de uma “jihad global”, materializada por um movimento transnacional, capaz de atuar em várias partes do planeta. O assassinato de Sadat, presidente egípcio de 1970 a 1981 e ganhador do Prêmio Nobel da Paz, tinha sido uma grande vitória dos fundamentalistas extremistas, mas que deveria prosseguir voltada à eliminação do sucessor, Hosni Mubarak, e dos seus equivalentes na Jordânia e na Arábia Saudita.
A historiografia mostra, até aqui, que os EUA ainda não tinham ingressado diretamente, mas apenas por tabela, no elenco dos principais inimigos de Bin Laden, a ser combatidos pelos jihadistas globais.
Em 23 de agosto de 1996, Bin Laden reorganizou as idéias e colocou os norte-americanos como principais alvos. Seus discursos passaram a centrar-se na defesa de lutas antiamericanas e antiocidentais. O primeiro discurso nessa direção ficou conhecido como a Declaração da Jihad contra os Americanos Que Ocupam o País dos Dois Lugares Sacros (Meca e Medina).
Nesse discurso, Bin Laden inicia uma tática nova, de interlocução com os islâmicos sunitas: “Não é segredo para vocês, irmãos, que o povo do Islã está aflito com as opressões, as hostilidades e as injustiças, por parte da aliança cristã-judaica e dos seus sustentadores”. Em outra passagem, fala em massacres contra os muçulmanos quando da ocupação da Arábia Saudita, “a pedra angular do mundo islâmico, o lugar das revelações, a fonte da missão do profeta”. Frisa ter sido a Arábia Saudita ocupada pelos “exércitos dos cristãos, dos americanos e dos seus aliados”.
Ao tocar na Arábia Saudita, sua terra de nascimento, Bin Laden referia-se ao acordo feito com os EUA e que permitiu a implantação de bases militares durante a Primeira Guerra do Golfo (1991). Em 23 de fevereiro de 1998, dois anos depois do primeiro discurso marcadamente antiamericano, formou-se a frente islâmica, tendo a Al-Qaeda como líder. Da frente participavam também Rifai Ahmed Taha, líder da terrorista JAI, Mir Hamzah, da Jamiat ul-Ulema e-Pakistan, e Fazul Rahman, do movimento denominado Jihad de Bangladesh. Compareceram e manifestaram adesão os representantes da Al-Jama’a al Islamiya (JAI-Egito) e do argelino Grupo Islâmico Armado (GIA).
Na ocasião, o discurso de Bin Laden foi acompanhado de uma fatwa (sentença de morte) dotada de profundas implicações políticas. Ele iniciou dizendo ser dever individual de cada muçulmano “matar os americanos e os seus aliados, civis ou militares, a fim de liberar as mesquitas de Al-Qaeda e a santa Al Masjid Al Haram de Meca. Assassinar para obrigar os exércitos a se retirarem das terras do Islã”.
Ao finalizar o discurso, avisou: “O que acabo de dizer está em conformidade com as palavras de Alá
Onipotente, que recomenda combater os pagãos sempre ou eles te atacarão primeiro”.
Com a transferência de Al-Zawahiri para a Al-Qaeda, o grupo fez os primeiros ataques contra os Estados Unidos e seus aliados. Em 7 de agosto de 1998, dois simultâneos atentados suicidas, com emprego de dois caminhões carregados de explosivos, atingem as embaixadas dos EUA em Nairóbi (Quênia) e em Dar Es-Salaam (Tanzânia). Resultado: 224 mortos e mais de três centenas de feridos graves.
Dois anos depois, em 12 de outubro de 2000, no Iêmen, uma barca-bomba da Al-Qaeda atinge, no estratégico Golfo de Áden, o destróier norte-americano US Cole. Provoca a morte de 27 e deixa 33 feridos.
O terceiro ataque suicida, depois da constituição da Frente Islâmica Mundial, foi em 11 de setembro de 2001, com emprego de quatro aviões comerciais de passageiros, de empresas norte-americanas. Dois dos aviões se chocaram contra as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York. Um deles atingiu a sede do Pentágono, em Washington. O quarto, destinado a atingir a Casa Branca, caiu em zona rural da Pensilvânia.
A principal reação aos ataques de 11 de setembro foi a ocupação do Afeganistão, um mês depois. Uma coalizão de forças, sob liderança dos EUA, derrubou o regime dos talebans, instalados no poder desde 1996 e que, na segunda metade dos anos 90, havia dado refúgio a Bin Laden e colocado à disposição da Al-Qaeda o próprio território para a montagem de campos de recrutamento e adestramento dos militantes da “jihad global”. Os campos de treinamento foram bombardeados e, com o emprego de bombas perfurantes, foram alcançadas as cavernas usadas para esconder o quartel-general da Al-Qaeda, onde atuavam os seus dois líderes, Bin Laden e Al-Zawahiri.
Apesar do duro golpe, a Al-Qaeda sobreviveu e ganhou força. Enquanto a CIA espalhava que Bin Laden havia morrido ou durante os bombardeios ou por não encontrar mais recursos médicos, necessários para as suas diárias hemodiálises, o apelidado Príncipe do Terror abrigava-se, com segurança, nos confins do Paquistão, em região tribal.
No pós-11 de setembro, a Al-Qaeda transformou-se numa entidade política transnacional, que alguns especialistas no fenômeno do terrorismo preferem denominar de network. A propósito, Bin Laden abandonou os uniformes militares e passou a usar traje de líder político-religioso. Mais, passou a pregar, especialmente para tentar atrair o Hamas e o Hezbollah, um discurso universal, de união islâmica entre xiitas e sunitas. Assim, o grupo migrou de organização de luta inspirada no fundamentalismo de matriz sunita, para uma entidade política sem fronteiras.
A Al-Qaeda utiliza, como principal instrumento de difusão e comunicação, a internet. Os atentados servem de propaganda de uma organização que mata civis, mas não vê neles o alvo principal da violência: a meta é espalhar o medo pelo planeta.
As infovias operadas a serviço da Al-Qaeda serviram, ainda, para cooptar jovens revoltados com as políticas dos norte-americanos e dos seus aliados ocidentais em oposição ao mundo islâmico. Àqueles que moram fora de país islâmico e nasceram no Ocidente. Esses jovens, sem ligação direta com a Al-Qaeda e que aderiram à “jihad global”, formaram as células terroristas responsáveis pelos ataques de 11 de março de 2004 em Madri. Também os ataques terroristas consumados em Londres, em 7 de julho de 2005, planejados e executados pelo desconhecido Muhammad Sadiq Khan.
Pela internet, o grupo dirigiu aos “jihadistas globais” três campanhas voltadas: 1. À liberação (tahrir) dos países muçulmanos do poder exercido ilegitimamente por não muçulmanos. Convém lembrar que vários dirigentes, por exemplo, no Egito, na Arábia Saudita, na Jordânia, são dados, na visão de Bin Laden e Al-Zawahiri, como traidores. 2. À unificação (tawhid) dos territórios liberados num único e grande Estado teocrático islâmico, regido pelas suas leis. 3. À reconstituição do califado (khilafa) e a expansão (fatah) dos seus domínios pelos territórios dos povos infiéis, que não professam o islamismo. Aqui, cabe a recuperação do Maghreb, que corresponde a todo o Norte da África.
Pelas três campanhas, percebe-se as semelhanças entre a dupla Bin Laden-Al Zawahiri com Hitler. Nas campanhas, aproveitou-se para conclamar a defesa da população muçulmana na Somália, na Chechênia e nos Bálcãs. Sempre via internet, é encontrado, a representar uma síntese do pensamento qaedista, o escrito de Al-Zawahiri intitulado A Estrada para Jerusalém Passa pelo Cairo.
Os líderes e apoiadores da Al-Qaeda envelheceram. Muitos foram presos, como Khaled Sheikh Mohamed (projetou e organizou os ataques de 11 de setembro de 2001 e está preso em Guantánamo-Cuba). E outros, mortos espetacularmente no Iraque, como Abu Musab al-Zarqawi.
Para usar a expressão dos agentes da CIA, a next generation já está em ação, a partir do Paquistão. Sua meta é transformar Islamabad num Estado extremista islâmico. O líder da nova geração é Baitullah Mehsud, que no Paquistão e na Ásia Central foi apelidado de “Novo Bin Laden”. Com 30 anos, Mehsud é uma espécie de delfim do mentor da Al-Qaeda, que o admira e com quem mantém encontros. Segundo o ditador presidente do Paquistão, o jovem terrorista é o responsável pelo assassinato de Benazir Bhutto, em dezembro de 2007.
* Wálter Fanganiello Maierovitch, desembargador aposentado, foi secretário nacional antidrogas (1998-1999), é colunista de CartaCapital desde 2000. Um dos maiores especialistas internacionais em crime organizado e terrorismo, preside o Instituto Brasileiro Giovanni Falcone.
Um comentário:
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