O texto destacado nesta postagem é do escritor brasileiro Ferrez, ele 'passeia' o seu olhar de modo bastante crítico ao assistir filmes e seriados produzidos pelo cultura holywoodiana.
Ferrez vê e nos revela seu olhar sobre várias cenas, falas, montagens, construções, enfim,sobre o trabalho com os signos da linguagem cinematográfica e nos ensina que os filmes são, invariavelmente, construções sobre a 'realidade' e nunca ' a realidade em si'.
Ferrez vê e nos revela seu olhar sobre várias cenas, falas, montagens, construções, enfim,sobre o trabalho com os signos da linguagem cinematográfica e nos ensina que os filmes são, invariavelmente, construções sobre a 'realidade' e nunca ' a realidade em si'.
Será que quando assistimos um filme, um documentário, uma novela, um seriado, um desenho animado estamos dispostos a 'descontruir' o discurso imagético?
Assistindo e sendo humilhado
por Ferréz
Na verdade, eu já pensava em escrever este texto uns quatro anos atrás, desde que fui ao cinema com dois amigos, um deles era o Alex, assistir ao filme Um Dia de Treinamento, com Denzel Washington.
Quando acabou o filme, eu tava tão nervoso, tão irritado, que na hora que o Alex elogiou o filme eu simplesmente saí andando. Os caras já sabem como sou e foram perguntar o que tinha acontecido, disse que, como o Alex sendo um cara negro num tava revoltado vendo um filme, onde o único cara bom é o branco de olho azul, que passa um dia inteiro com outro policial negro que o ensina a bater em latinos e em outros negros. Mas na verdade ele tinha gostado tanto do filme, que junto com o outro parceiro nem ligaram pro que eu tava falando.
Depois disso, foram inúmeras vezes que abandonei sessões pela metade, filmes que me davam nojo, vontade de pegar meu dinheiro de volta no cinema ou na locadora, assim como alguns filmes feitos com atores negros que passam na TV, estereotipando o povo negro como se todos bebessem e fumassem maconha, além de incentivar a violência e desvalorizar as mulheres. Oh! Malcolm, ainda bem que você não está vendo isso. O seriado que passa no SBT, a família tem sete jovens estadunidenses (todos loiros), um olha pro outro e fala como o irmão é burro e completa:
–- Desse jeito, você não passa de ser presidente do México.
Já no filme O Exorcismo de Emily Rose, o ajudante da advogada de defesa fala em certa parte do filme:
– A maioria dos casos de exorcismo é no Terceiro Mundo, claro, gente primitiva e supersticiosa!
Campeões do mau gosto
E não pára por ai, até em desenhos a gente é contaminado, no desenho Super Amigos, os maiores heróis da Terra (todos eles estadunidenses) enfrentam a grande Rainha Negra Vudu, com todo tipo de colar, magia e tudo que tem direito. Agora, um dos filmes campeões em preconceito e no mau gosto é Um Gigolô por Acidente na Europa.
Quando o personagem principal (estadunidense) amarra outro personagem (europeu) num poste com a frase: "Viva a América , a Europa fede a bosta". Em seguida, os europeus passam e jogam coisas nele, o chamando de porco. E o filme segue pregando a guerra étnica.
No mesmo filme, num ônibus, quando o personagem principal vê um senhor tocando acordeom, sai com uma das mãos no nariz e a outra coçando a cabeça, e diz:
– É a dança dos negros sujos.
Já no filme Dois É Bom, Três É Demais, o personagem Dupret, interpretado por Owen Wilson, quando vai dar uma palestra na escola, no trecho que fala das profissões, toda vez que cita uma profissão a câmara mostra uma criança branca, quando fala na parte do esporte, a câmara focaliza um menino negro. Mas o pior ainda vem, quando, ao se referir a não gostar de trabalhar, ele cita a Europa e América do Sul, dizendo que "nós entendemos bem isso", depois diz que conheceu uma mina argentina e lá todo mundo fica à toa na vida.
O rato e o sapo
De volta aos desenhos animados, a Dreamworks é campeã no preconceito, vou pegar só um exemplo que já basta, o desenho Por Água Abaixo, que traz a história de um ratinho rico que morava sozinho e descobre um mundo muito mais divertido no esgoto (alusão à solitária elite e a tão superlotada favela?). A história se passa, até que aparece um assassino, que é um sapo e francês. Quando o grande vilão, que também é um sapo, conta sua história triste, sobre como ele era um sapo muito querido do príncipe Charles e acaba sendo jogado na privada, antes de terminar de contar a história ele nota o rosto de chacota do assassino francês e pergunta: "Você está zombando do meu sofrimento?" E o francês responde: "Claro, desde que não seja o meu sofrimento, afinal sou francês".
Em seguida, o francês toma um gole de vinho francês e cospe no chão, desdenhando do vinho. O desenho segue com dezenas de tiradas sobre os europeus. Depois, seguindo a trilha de desgosto, ainda posso citar a série The Shield, sobre o cotidiano de policiais americanos, que passa no canal AXN. Numa das cenas, o policial entra na casa de um latino e vê que todos os mantimentos estão podres, e logo diz: "Vocês do Terceiro Mundo não têm geladeira em seu país, não? Que nojo!"
Ou o trecho do seriado recém-lançado Jericho, que trata de uma explosão nuclear em alguns Estados americanos, e de alguns sobreviventes numa pequena cidade.
Em um capítulo recente, o ex-prefeito aparta uma briga de dois moradores e grita algo como: "Nós não nos tornaremos selvagens como os animais de Terceiro Mundo em suas vilas".
Será que, além de não poder escolher ao que assistir, em nenhuma grade de programação, em nenhum canal, pago ou não, apesar de todos os canais serem somente "concessões", não poderemos sequer deixar de ser humilhados todo tempo?
Isso, sem mencionar o tanto de bandeira estadunidense que a gente já engoliu nos filmes, toda hora tem que ter algo para nos lembrar que eles são "superiores". Com uma verdade absoluta, a gente vinha engolindo legenda atrasada, legenda errada, falta de legenda e por aí vai, que numa eterna tradução a gente vai aprendendo à força que ou fala e lê em inglês, ou não sabemos qual lanche pedir, em que loja está em sale, ou em promoção, ou como vamos arrumar um work, ou trabalho, e parece mesmo que deixamos de ser colônia de um, para ser do outro.
Este texto na verdade é infindável, porque, sempre que estou assistindo a algum filme ou seriado, identifico o preconceito nele e corro para somar mais no texto, mas, como todo filme, tudo tem um fim. Espero mais filmes nacionais, mais seriados, mais produções honestas, que, ao contrário da produção deles, somente traga histórias para entreter, sem maldade, sem querer fazer ninguém de fantoche, nem magoar nenhuma etnia.
Só espero que os bilhões gastos nas produções hollywoodianas sirvam para algo além de tentar provar que eles são superiores a nós o tempo todo.
Ferréz é escritor. http://ferrez.blogspot.com
Depois disso, foram inúmeras vezes que abandonei sessões pela metade, filmes que me davam nojo, vontade de pegar meu dinheiro de volta no cinema ou na locadora, assim como alguns filmes feitos com atores negros que passam na TV, estereotipando o povo negro como se todos bebessem e fumassem maconha, além de incentivar a violência e desvalorizar as mulheres. Oh! Malcolm, ainda bem que você não está vendo isso. O seriado que passa no SBT, a família tem sete jovens estadunidenses (todos loiros), um olha pro outro e fala como o irmão é burro e completa:
–- Desse jeito, você não passa de ser presidente do México.
Já no filme O Exorcismo de Emily Rose, o ajudante da advogada de defesa fala em certa parte do filme:
– A maioria dos casos de exorcismo é no Terceiro Mundo, claro, gente primitiva e supersticiosa!
Campeões do mau gosto
E não pára por ai, até em desenhos a gente é contaminado, no desenho Super Amigos, os maiores heróis da Terra (todos eles estadunidenses) enfrentam a grande Rainha Negra Vudu, com todo tipo de colar, magia e tudo que tem direito. Agora, um dos filmes campeões em preconceito e no mau gosto é Um Gigolô por Acidente na Europa.
Quando o personagem principal (estadunidense) amarra outro personagem (europeu) num poste com a frase: "Viva a América , a Europa fede a bosta". Em seguida, os europeus passam e jogam coisas nele, o chamando de porco. E o filme segue pregando a guerra étnica.
No mesmo filme, num ônibus, quando o personagem principal vê um senhor tocando acordeom, sai com uma das mãos no nariz e a outra coçando a cabeça, e diz:
– É a dança dos negros sujos.
Já no filme Dois É Bom, Três É Demais, o personagem Dupret, interpretado por Owen Wilson, quando vai dar uma palestra na escola, no trecho que fala das profissões, toda vez que cita uma profissão a câmara mostra uma criança branca, quando fala na parte do esporte, a câmara focaliza um menino negro. Mas o pior ainda vem, quando, ao se referir a não gostar de trabalhar, ele cita a Europa e América do Sul, dizendo que "nós entendemos bem isso", depois diz que conheceu uma mina argentina e lá todo mundo fica à toa na vida.
O rato e o sapo
De volta aos desenhos animados, a Dreamworks é campeã no preconceito, vou pegar só um exemplo que já basta, o desenho Por Água Abaixo, que traz a história de um ratinho rico que morava sozinho e descobre um mundo muito mais divertido no esgoto (alusão à solitária elite e a tão superlotada favela?). A história se passa, até que aparece um assassino, que é um sapo e francês. Quando o grande vilão, que também é um sapo, conta sua história triste, sobre como ele era um sapo muito querido do príncipe Charles e acaba sendo jogado na privada, antes de terminar de contar a história ele nota o rosto de chacota do assassino francês e pergunta: "Você está zombando do meu sofrimento?" E o francês responde: "Claro, desde que não seja o meu sofrimento, afinal sou francês".
Em seguida, o francês toma um gole de vinho francês e cospe no chão, desdenhando do vinho. O desenho segue com dezenas de tiradas sobre os europeus. Depois, seguindo a trilha de desgosto, ainda posso citar a série The Shield, sobre o cotidiano de policiais americanos, que passa no canal AXN. Numa das cenas, o policial entra na casa de um latino e vê que todos os mantimentos estão podres, e logo diz: "Vocês do Terceiro Mundo não têm geladeira em seu país, não? Que nojo!"
Ou o trecho do seriado recém-lançado Jericho, que trata de uma explosão nuclear em alguns Estados americanos, e de alguns sobreviventes numa pequena cidade.
Em um capítulo recente, o ex-prefeito aparta uma briga de dois moradores e grita algo como: "Nós não nos tornaremos selvagens como os animais de Terceiro Mundo em suas vilas".
Será que, além de não poder escolher ao que assistir, em nenhuma grade de programação, em nenhum canal, pago ou não, apesar de todos os canais serem somente "concessões", não poderemos sequer deixar de ser humilhados todo tempo?
Isso, sem mencionar o tanto de bandeira estadunidense que a gente já engoliu nos filmes, toda hora tem que ter algo para nos lembrar que eles são "superiores". Com uma verdade absoluta, a gente vinha engolindo legenda atrasada, legenda errada, falta de legenda e por aí vai, que numa eterna tradução a gente vai aprendendo à força que ou fala e lê em inglês, ou não sabemos qual lanche pedir, em que loja está em sale, ou em promoção, ou como vamos arrumar um work, ou trabalho, e parece mesmo que deixamos de ser colônia de um, para ser do outro.
Este texto na verdade é infindável, porque, sempre que estou assistindo a algum filme ou seriado, identifico o preconceito nele e corro para somar mais no texto, mas, como todo filme, tudo tem um fim. Espero mais filmes nacionais, mais seriados, mais produções honestas, que, ao contrário da produção deles, somente traga histórias para entreter, sem maldade, sem querer fazer ninguém de fantoche, nem magoar nenhuma etnia.
Só espero que os bilhões gastos nas produções hollywoodianas sirvam para algo além de tentar provar que eles são superiores a nós o tempo todo.
Ferréz é escritor. http://ferrez.blogspot.com
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