Imprensa, análise de discursos e o olhar da história
Pontos de Vista
Imprensa e manchetes
E o que nós educadores e cidadão temos a ver com isso?
Qual a importância de uma TV Pública no Brasil?
Que tipo TV pública queremos?
Papel e a contribuição social da TV pública
Por Beth Carmona
É relativamente recente o entendimento e a prática dos conceitos de TV pública no Brasil. O país optou desde o início pelo caminho da cessão de concessões para exploração dos sinais de TV ao setor privado, não implantando nenhuma política estratégica em relação à utilização do rádio e da televisão, com objetivos claramente sociais. A presença maior do Estado no campo dos meios de comunicação só se fez sentir no início dos anos 70, quando da implantação de um sistema educativo de rádio e televisão bastante irregular e frágil, nos diferentes estados da federação. Com uma trajetória cheia de interferências políticas, as televisões educativas, atualmente mais identificadas com o conceito de TVs públicas, encontram até hoje grandes dificuldades de sobrevivência, em função da falta de uma política clara em relação à utilização dos meios de comunicação a serviço da sociedade.
A TV brasileira, nascida na década de 50, desenvolveu-se num clima liberal, com emissoras traçando uma programação de entretenimento, alinhada por parâmetros comerciais que visam principalmente o mercado de consumo, tendo como objetivo principal sua sustentação empresarial e lucratividade, ao lado de uma política de competitividade que hoje opera praticamente sem limites ou obrigações no que se refere ao seu conteúdo.
A indústria televisiva brasileira cresceu, estabeleceu-se e tem mostrado sua eficiência. Telenovelas brasileiras viajam pelo mundo todo e trata-se de um gênero latino mais do que reconhecido no mercado industrial. Porém, a abertura de novos canais, a chegada da TV por assinatura, há mais de 10 anos, e a competição pela maior audiência na TV aberta passou a determinar a programação, gerando nos dias de hoje, por vezes, a banalização da violência, do sexo, a discriminação e o preconceito, ignorando valores culturais da identidade nacional e ferindo, muitas vezes, os valores éticos e humanos. Os excessos e a falta de regulamentação acabaram por colocar a discussão sobre a qualidade da TV na agenda social do país.
Hoje, a população e o Estado começam a se dar conta da necessidade de uma televisão voltada para a sociedade, com uma programação que valorize o público não somente como consumidor, mas fundamentalmente como cidadão. Um sistema público de comunicação é necessário para a democracia. Os parâmetros de qualidade dos conteúdos, a valorização da economia do audiovisual, a formação de profissionais de comunicação com espírito social, a experimentação, a diversidade de idéias e opiniões, são apenas alguns compromissos e missões do sistema público. Organizações Não Governamentais como TVER, Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) e Midiativa (Centro Brasileiro de Mídia para Crianças e Adolescentes), a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, com iniciativas como a campanha "Quem financia a baixaria é contra a cidadania", a existência do Conselho de Comunicação Social, o movimento de democratização da comunicação, o coletivo InterVozes, são apenas algumas das ações que vêm debatendo os temas referentes à comunicação social com a opinião pública e com diferentes setores da sociedade.
A televisão é um poderoso instrumento de fortalecimento dos valores e costumes e, portanto, deveria ser contemplada dentro de políticas públicas. O Estado praticamente tem se limitado a conceder o canal, controlá-lo do ponto de vista técnico, para a disciplina e ordenação do espectro eletromagnético. As últimas tentativas de discussão ou revisão do modelo de radiodifusão e regulamentação têm sido freqüentemente atropeladas. Inimá Simões em "A nossa televisão brasileira: por um controle social da televisão" reforça, "A inexistência de uma política cultural para a televisão é um dos mais sérios problemas do Brasil....apesar dos compromissos estabelecidos na Constituição de 1988, o tema permanece em hibernação até há pouco tempo porque nunca interessou às elites brasileiras discutir uma regulamentação que se consolidasse em leis fundamentadas e aplicáveis."(1). Vera de Oliveira Nusdeo Lopes, jornalista e procuradora do Estado, no ensaio "A lei da selva", afirma que a legislação existente hoje no Brasil não contribui para a formação de uma mentalidade, tanto em quem assiste como nos concessionários de televisão, baseada no direito à informação, na prestação do serviço e no respeito a valores éticos e morais. Se comparada à legislação de outros países, o exercício da atividade televisiva no Brasil, no que diz respeito ao seu aspecto jurídico-legal, "...é de um laconismo que reflete com perfeição a falta de consciência da relevância do meio televisivo no mundo contemporâneo e, conseqüentemente, a responsabilidade social subjacente ao exercício desta atividade" (2).
Em busca da TV pública - as emissoras educativas e culturais
Frente a esta situação é mais do que oportuno que se discuta e se reflita sobre os caminhos e descaminhos da TV educativa e cultural no Brasil. Com a existência de um panorama comercial na TV aberta e por assinatura e de concessionárias plenamente estabelecidas, e com o sistema digital a ser implantado num futuro próximo, a importância e reafirmação da necessidade de canais de expressão e emissoras públicas é inevitável e fundamental. Qual seria o papel e a contribuição social da TV pública no Brasil, neste século XXI, que anuncia a revolução das tecnologias de distribuição de sinais e o amplo desenvolvimento dos processos de digitalização? Como financiar essa mudança?
Um pouco da história
A trajetória da televisão educativa sempre foi confusa. Algumas emissoras tiveram como raiz de sua criação razões de ordem política, outras deveram sua existência à tenacidade individual de idealistas, mas de forma geral foram todas concebidas com objetivos instrucionais, de complementar a lacuna do ensino básico neste imenso país. Mas já no decorrer dos anos 80, o conceito em torno das TVs educativas se modificou. Jamais a TV poderia substituir a escola e, assim, elas passaram a oferecer uma programação comprometida com a identidade nacional, a cultura brasileira, a cidadania e a formação profissional do comunicador social financiadas sempre pelos governos federais e estaduais.
A Abepec - Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais surgiu em 1998, após desintegração do Sinred - Sistema Nacional de Rede Educativa criado ainda nos anos 70, e tenta criar uma certa regularidade de ações para organizar esse panorama carente de legislação e regulação para as outorgas públicas, numa dimensão atualizada e moderna. Composta hoje pelas quase 20 geradoras educativas localizadas nas capitais e aproximadamente 1500 retransmissoras pelo país inteiro, a Abepec luta pela sustentabilidade das emissoras educativas e culturais no Brasil.
O modelo estrutural das TV educativas, instaladas principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo, geraram situações atuais complexas, mas sem dúvida possibilitaram algumas experimentações e formaram profissionais diferenciados, condições fundamentais que justificaram sua existência nesse complexo sistema brasileiro, dominado pelo modelo comercial de televisão. Foi ao refletir sobre a importância da televisão na vida de milhões de brasileiros, no número de horas que são passadas em frente ao aparelho, na carência educacional de nossa população e na força de penetração do veículo, que as TVs culturais e educativas fizeram nos anos 90 uma escolha estratégica: uma programação orientada para as questões da infância. A TV Cultura de São Paulo, ligada ao governo do estado de São Paulo e a TVE Brasil, emissora ligada ao poder federal e sediada no Rio de Janeiro, ao transmitir hoje em rede para as demais educativas brasileiras, muitas horas de programação infantil de extrema qualidade, conquistaram uma boa parcela dessas crianças e de seus familiares, oferecendo quantidade e variedade de programas infanto-juvenis, muitos deles produzidos no Brasil, conseguindo bons índices de audiência.
Sem a implantação desse modelo, sem a presença de parcerias com o Sesi, Fiesp, Ministérios da Cultura e da Educação, Petrobras e Fundação Bradesco e sem a paixão, a dedicação, a consciência e o talento de uma equipe de qualidade, nada teria acontecido.
Com essa opção, podemos dizer que a programação caminhou ao encontro dos princípios da cidadania e, no decorrer de sua história de mais de 30 anos, nunca a TV educativa esteve tão perto da população como no momento em que fez essa opção determinante. Foi pensando nas crianças e nos jovens, indivíduos em formação, e pensando na educação dessa geração televisiva que a emissora conseguiu grande simpatia e justificou sua existência perante a sociedade. Os bons programas para crianças e sobre as crianças passaram a ser fundamentais, e a educação foi perseguida como pauta obrigatória, inclusive nos setores jornalísticos da TV. Outros produtos se somaram à família Rá Tim Bum, como A turma do Pererê, Cocoricó, Um menino muito maluquinho, Curta criança, entre outros.
Mas como sustentar a TV pública?
A parceria com a iniciativa privada e a entrada de patrocinadores privados com inserções publicitárias tem sido uma realidade, mesmo que não assumida em lei. Mas como vamos estabelecer direitos e limites que não resultem em outros interesses, que não os da sociedade? Podemos justificar o uso comercial do espaço público com o discurso da carência de recursos públicos ou ainda de financiamento insuficiente para a manutenção de suas estruturas e necessidades? A TV pública deve ser patrocinada por aqueles que comungam de seus objetivos e que compartilham da sua missão. Num sistema predominantemente comercial como o nosso, a TV pública deve fazer o contraponto e a diferença. Por isso ela é pública e as outras são comerciais.
Como construir a TV para as novas gerações?
TV pública - O futuro
O Brasil se comunica pela televisão. Em Videologias, obra lançada recentemente, que contém análises de Maria Rita Kehl e Eugenio Bucci, os autores provam que existe um Brasil que se conhece e reconhece pela TV, que hoje reina absoluta sobre o público nacional, com um impacto e força muito superior aos outros veículos. "A TV monologa dentro das casas brasileiras... A TV dá a primeira e a última imagem sobre todos os assuntos.... A TV une e iguala, no plano imaginário, um país cuja realidade é constituída de contrastes, conflitos e contradições violentas" (3).
Há no Brasil cerca de 40 milhões de lares com pelo menos um aparelho de TV, e estima-se que em cada uma dessas casas exista em torno de duas crianças. Estatísticas recentes nos informam que os brasileiros e principalmente as crianças passam em média quase 4 horas em frente à TV e muitas delas estão fora da escola.
Hoje não basta diferenciar a TV pública utilizando a premissa da programação de qualidade. Hoje não basta diferenciar a TV pública só por seu conteúdo nacional, pois outros já se apoderaram dessas marcas. Hoje, a rede pública que faz sentido se dará pela possibilidade de diversificar as opiniões, de abrir os conteúdos, de tratar de todos os temas e abordar todas as localidades. Essa será sua marca e sua qualidade. Hoje, no Brasil, é preciso abrir as oportunidades, ouvir outras vozes e ver e propiciar outros modelos e formatos.
O advento da digitalização permite colocar em pauta mais uma vez o papel da TV pública no Brasil. Precisamos definir com clareza os direitos e os deveres das TVs públicas nesse novo cenário. Construir um projeto único de TV pública para o país, que fomente a produção nacional, avalie os conteúdos, garanta a difusão por todo o território nacional, contribuindo assim para a inclusão social e a democratização da comunicação. Para tanto, políticas públicas cuidadosas e conscientes são necessárias, e a discussão deve acontecer da forma mais ampla possível para que todos os atores possam se sentir representados e a TV pública possa cumprir plenamente sua missão.
Beth Carmona é diretora presidente da TVE Brasil e também preside a organização não-governamental Midiativa - Centro Brasileiro de Mídia para Crianças. Foi diretora de programação na TV Cultura de São Paulo, de 1990 a 1997.
Notas:
1. SIMÕES, Inimá. A nossa televisão brasileira: por um controle social da televisa. São Paulo, Senac, . p. 119.
2. LOPES, Vera de Oliveira Nusdeo. A lei da selva, em A TV aos 50 - Criticando a televisão brasileira no seu cinqüentenário. São Paulo, Fundação Perseu Abramo, . p. 167.
3. KEHL, Maria Rita e BUCCI, Eugênio. Videologias. São Paulo, Boitempo Editorial, pp. 242 e 222.
NA GLOBO, PREFEITURA ACUSADA DE CORRUPÇÃO NÃO TEM PARTIDO (QUANDO É DO PSDB)
Luiz Carlos Azenha Atualizado em 12 de março de 2008 às 13:42 | Publicado em 12 de março de 2008 às 13:32
SÃO PAULO - Foi um telespectador atento que me chamou a atenção. No domingo passado, o Fantástico dedicou 5:27 segundos a uma denúncia de corrupção envolvendo integrantes da Prefeitura de Santa Isabel, no interior de São Paulo. O prefeito Hélio Buscarioli se defendeu. Olhem só como ele apareceu no vídeo:
O texto da reportagem não menciona que os presos são de um governo municipal do PSDB. Nem que o prefeito Hélio Buscarioli é do PSDB.
Porém, em outro escândalo municipal, dias antes, envolvendo o governo de Campos, no interior do estado do Rio de Janeiro, vejam só como se comportou o Jornal Nacional, da Rede Globo, ao historiar os escândalos envolvendo autoridades da cidade:
Carlos Alberto Campista, devidamente identificado como do PDT, "foi cassado acusado de compra de votos."
Geraldo Pudim, devidamente identificado como do PMDB, "foi cassado acusado de compra de votos."
E o prefeito mais recentemente acusado, Alexandre Mocaiber, foi devidamente identificado como "atualmente sem partido."
São dois escândalos municipais.
Em minha opinião, trata-se de tratamento desigual para iguais.
Vai logo aparecer alguém para dizer que foi coincidência. Mas eu quero ver alguma coincidência contra o PSDB. Até hoje só teve coincidência contra o PCdoB, PDT, PMDB, PT, PTB...
Olhem como a Folha tratou o prefeito de Santa Isabel:
E olhem como a Folha tratou os políticos de Campos:
Roberto Henriques (PMDB) é o novo prefeito de Campos, em substituição a Alexandre Mocaiber, que foi eleito pelo PSB e hoje está sem partido.
É uma questão de padrão jornalístico.
Isso me faz lembrar aquele caso da campanha eleitoral de 2006, quando o Jornal Nacional informou a seus telespectadores - em plena campanha eleitoral - que um escândalo envolvendo o Ministério da Saúde do governo Lula teria começado "no governo anterior".
Governo anterior = José Serra ministro da Saúde e Fernando Henrique Cardoso presidente. Ambos do PSDB. Presumo que seria falta de educação lembrar isso aos eleitores bem na semana em que Serra disputava o governo de São Paulo, não é mesmo?
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REMANDO CONTRA O CONSENSO DE WASHINGTON
Atualizado em 12 de março de 2008 às 09:34 | Publicado em 12 de março de 2008 às 09:23
O JORNALISTA MAURO SANTAYANA, DURANTE O ENCONTRO
Por Flávio Aguiar
Como não houve deliberação neste sentido (aliás, não houve propriamente ''deliberação'' na reunião, embora haja pontos consensuais que apontam para futuras ações comuns), este relatório continuará a usar os termos ''imprensa ou mídia alternativas'', por serem eles que presidiram o espírito da convocação. E por ''alternativa'' entendia-se uma imprensa ou mídia de resistência ao esforço da mídia que se auto-proclama ''grande imprensa'' (outro termo contestado seguidamente) por impor uma hegemonia conservadora na construção e disseminação da informação no Brasil (na América Latina e no restante do mundo), hegemonia esta que se identifica hoje com o pensamento neo-liberal consagrado no Consenso de Washington.
Todas as falas ressaltaram a importância histórica do encontro, que reunia numa mesma sala dezenas de periódicos, páginas de internet, iniciativas no campo do rádio e da TV (muitos poucos, conforme várias observações) e dezenas de comunicadores, alguns envolvidos na ''guerra da informação'' no Brasil há quatro ou cinco décadas. Foram relembradas experiências valiosas, como as da cadeia de jornais ''Última Hora'', as da imprensa alternativa de oposição ao regime de 1964 (quando, inclusive, aquele termo surgiu, como alternativa ao termo, também comum, de ''imprensa nanica''), mas a preocupação de todas e todos era muito mais com o presente e com o futuro.
Ressaltou-se a ausência de gente ''mais jovem'', pois com poucas exceções, todos os presentes passavam dos trinta anos de idade, sendo que a maioria ficava na casa dos quarenta e na dos cinqüenta.
A importância dada à realização da reunião vinha da constatação de que ali estávamos em tão grande número, buscando formas comuns de ação e de consenso, mas reconhecendo e celebrando também a nossa diversidade e multiplicidade e, aliás, partindo delas. Isso poderia abrir uma nova tradição nesse tipo de reunião, pois a tradição vigente rezava que quando se reunia tanta gente era para promover algum tipo de ''racha'' iminente.
Houve falas no sentido de que essa tradição dos ''rachas'' provinha da ''partidarização'' anterior desse tipo de imprensa (num tempo, nunca é bom esquecer, em que os partidos eram proibidos, exceto os criados pela ditadura de 64) para que, não raras vezes, convergiam experiências e militâncias condenadas à clandestinidade.
Todas as falas tocaram no tema da ''Formação'' como algo essencial a ser permanentemente discutido e rediscutido, indo além do tratamento de uma ''imprensa corporativa'' como alvo de mercado a ser perseguido pelos alunos, em favor da discussão de uma ''cultura de resistência''. Propôs-se também a valorização da formação fora das universidades, em seminários e outras iniciativas semelhantes feitas, por exemplo, nas periferias das grandes cidades, sindicatos, associações, etc.
Insistiu-se na necessidade da criação de pontos, portais e/ou materiais de referência de um jornalismo alternativo ou de esquerda. Tal objetivo visava lutar contra o esquecimento em várias frentes. Por exemplo, citou-se que num curso de jornalismo os estudantes não conheciam mais quem era ou fora Leonel Brizola. Falou-se muito da existência de ''não-fatos'', aqueles que são sistematicamente esquecidos, postos de lado ou simplesmente censurados por orientação ideológica. Lembrou-se de que na ''grande imprensa'' passou a ser tão ou mais importante do que pautar o que deve ser exposto, pautar o que deve ser oculto ou só mencionado em último caso.
Foi consenso também a ampliação constante dos campos de conexão, sinergia e integração entre os projetos (incluindo mais sistematicamente as experiências de rádios, rádios comunitárias e tevês) alternativos ou de esquerda, estabelecendo redes mediante uma lógica colaborativa e não centralizadora.
Todas as falas ressaltaram a necessidade de se manter a perspectiva da diversidade, de estimula-la, de valorizar as diferenças, não só porque essa era a condição da existência da reunião, mas porque esse é um conceito fundamental diante da cada vez maior indiferenciação da ''grande imprensa'', que, no Brasil, possui um epicentro cada vez mais atuante no grande conglomerado formado pela tevê, em particular a rede Globo. A tevê, mais o rádio, e também a internet, são responsáveis pela consolidação do noticiário do dia. Numa função secundária, esse noticiário é comentado à noite, em programas de tevê. E numa função terciária, a imprensa escrita organiza um ''relatório comentado'' no dia seguinte dirigido aos agentes ''formadores da opinião'', em geral conservadora, do país.
''Valorizar as diferenças'' como elemento decisivo da informação democraticamente construída não significa valorizar ou submeter-se à dispersão. Deve-se estimular a colaboração concreta entre os projetos, sob a forma de links, pautas comuns, encontros parciais ou novos encontros desse tipo ou grupo, ampliando seu espectro para todas as regiões do país e também da América Latina.
Ressaltou-se muito a questão do espaço latino-americanos, não só como área onde se busquem novos parceiros, mas como tema central da luta pela informação democrática. Houve várias menções à cobertura parcial na ''grande imprensa'', com vistas à demonização ou desqualificação dos presidentes Correa e Chávez, e a absolvição velada de Uribe, ainda que se condenasse em quase todos os veículos a invasão de um território soberano, que foi o do Equador. Embora condenada, a agressão de Uribe era invariavelmente apresentada como ''defesa'', diante de uma Farc já demonizada desde sempre.
A América Latina é tema complicado para a ''grande imprensa'', uma vez que a maioria dos seus comentaristas a têm desqualificado sistematicamente como espaço político. Houve comentários na reunião de que neste sentido a ''grande imprensa'' não é só de direita, mas também guarda um espírito colonizado, provinciano e anacrônico diante das novas realidades da geopolítica mundial, e que esse espírito se estende, por exemplo, à articulação política do PSDB e do DEM, cujo retorno ao governo federal poderia representar um enorme retrocesso estratégico na política externa brasileira. De resto, destaco, como relator, que esta foi a única referência diretamente partidária feita na reunião.
Outro tema largamente abordado foi a questão da sustentabilidade e da viabilização econômica dos projetos, destacando-se a necessidade de se reivindicar uma reorientação das políticas públicas para a área das comunicações, no sentido de diversificar sua abrangência, seu alcance e a natureza dos projetos subsidiados mediante patrocínio, publicidade ou financiamento através de agências estatais (como o BNDES), rompendo o quase monopólio dos chamados ''critérios de mercado''.
Discutiu-se a necessidade de levar essa e outras reivindicações, como a de colocar os Correios de alguma forma à disposição da imprensa alternativa, pessoalmente ou mediante comissão às autoridades públicas envolvidas. Dever-se-ia reivindicar também que as sinopses públicas, como as da Radiobrás, que são inclusive distribuídas internacionalmente por embaixadas brasileiras, abram espaço para veículos alternativos. Essa discussão se deu na moldura de destacar o papel relevante do Estado numa política de democratização das comunicações.
Esse papel é destacado mediante a consideração de que existe uma ''guerra da informação'', e que essa guerra é assimétrica, pois de um lado há um quase cartel da informação, formado por grandes corporações que tocam afinadas entre si apesar da eventual concorrência por espaços de mercado, e uma miríade de iniciativas pequenas e dispersas, que necessitam de espaços de aglutinação para preservarem, inclusive, a própria especificidade.
Na visão dos participantes o centro da disputa entre os diferentes tipos de mídia se dá na disputa pela agenda social, cultural, política que se propõe (ou se impõe) à sociedade e às agências de políticas públicas em todos os campos. Um exemplo significativo dessa luta se deu nas eleições de 2006: derrotada na sua campanha contra a reeleição de Lula, a ''grande mídia'' continuou na refrega tentando impor, através de seus veículos, a pauta de seu candidato preferencial (ou emergencial...). Conseguiram, pelo menos inicialmente, pois dentro do próprio governo e dos partidos de sua aglutinação permanece hegemônica a visão que privilegia essa mídia como espaço de referência.
Essa luta prossegue hoje porque, uma vez que iniciativas como as do PAC promoveram um deslocamento de referências, existe a tentativa correlata de ignora-las ou distorce-las, em favor da pauta de herança neo-liberal que continua animando aquela mídia. Como essa pauta está em crise, graças ao fracasso das políticas neoliberais na América Latina e no mundo (até na Europa e nos Estados Unidos isso começa a aparecer de modo dramático), um esforço considerável do pensamento conservador expresso na ''grande mídia'' é o de esconder esse fracasso, apresentando-o continuamente como resultado, quando o apresenta, da aplicação apenas parcial ou descuidada da Receita, quero dizer, do Consenso de Washington.
Insistiu-se na ampliação da pauta dos projetos ''alternativos'', que, junto com os ''não-fatos'' ocultados pela ''grande mídia'', devem discutir mais e melhor o próprio tema das comunicações e outros conexos. Entre esses temas está o atual da TV pública, reivindicando que ela também propicie um espaço de aglutinação e divulgação da mídia alternativa. Sugeriu-se que nessa ampliação de pautas se dê especial atenção a temas que implicam conflitos como os colocados entre o jornalista Luis Nassif e a revista Veja; ou a Igreja Universal e a Globo e a Folha de S.Paulo; ou o governo do Paraná e a mídia conservadora, que o mantém sob uma espécie de cerco e assédio constantes; ou às lutas das rádios comunitárias, freqüentemente cerceadas em sua liberdade de existência, e com uma situação precária de subsistência, o que, aliás, compartilha como situação com toda a ''mídia alternativa''.
O encontro encaminhou-se para a conclusão discutindo diferentes temas ligados à idéia da sua continuidade. Discutiu-se longamente sobre a conveniência e a oportunidade de se lançar uma carta como conclusão dele, sobre se essa carta deveria ter a forma de uma carta à Presidência da República, de uma carta à sociedade, ou de uma carta aberta dirigida ao Presidente. Também sobre se ela deveria apresentar reivindicações ou apontar um diagnóstico ou análise, uma agenda de discussão ao invés de demandas diretas. Houve várias manifestações a favor da idéia da agenda, mas houve também a apresentação à mesa de propostas de cartas com reivindicações gerais e específicas. Ao final, neste sentido, prevaleceu a idéia de uma comissão, formada por mim, Flávio Aguiar, por Mauro Santayana, Pedro Rovai e Bernardo Kucinski, que formalize uma proposta de carta e a envie aos demais para amadurecimento da discussão, sem perder de vista à idéia de que não deva haver demora nisso.
Em princípio, fixou-se a necessidade de uma nova reunião desse grupo, provavelmente ampliada, no futuro próximo. A reunião seria realizada no Rio de Janeiro, na UFRJ, e nomeou-se uma ''Comissão Executiva'' para tratar de seu encaminhamento e da natureza dessa ampliação, se, por exemplo, já incluiria jornalistas de outros países, e também da data de realização. Houve sugestões de que ela fosse realizada em abril, o que foi considerado prematuro por alguns; que ela acontecesse no começo de maio, o que se viu como mais viável, ou até mesmo junho.
Também se discutiu uma intensificação das conexões entre essa ''mídia alternativa'' e as universidades, seja como frente de disputa de mercado, seja como abertura para a formação de uma consciência mais crítica e aberta não só entre os estudantes mas também entre os educadores e os jornalistas. Essa visão se deu no âmbito da idéia de que se é verdade que o poder da ''grande mídia'' permanece muito grande, as frinchas em sua buscada hegemonia são hoje mais visíveis, não só pela existência de novas tecnologias que facilitam outras iniciativas nas comunicações, mas pela consciência crescente de que o problema central do jornalismo não é tecnológico, mas ético, e fica mais e mais evidente o fracasso ético das grandes corporações em desenhar uma perspectiva democrática para as comunicações e a sociedade.
Houve várias manifestações em torno da idéia de que os conflitos sociais centrais permanecem sendo os de classe, e que o que opõe essa ''grande mídia'' e a ''mídia alternativa'' é a questão da transformação social e de suas implicações, ainda que hoje se tenha maior consciência de que essa também é uma questão a ser encarada com pluralidade e diversidade no campo ''alternativo'' ou ''de esquerda''.
Nada mais havendo a discutir no momento, encerrou-se a reunião com uma foto comemorativa e a indicação deste relator para elaborar o presente relato.
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