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terça-feira, 29 de julho de 2008

Tecnologia ativismo e terrorismo, algumas fronteiras

Iñaki Arzoz e Andoni Alonso

"Ou luta ou se cala. Não é tempo de queixas". John Zerzan

Detido há 10 anos, que lições nos deixa Theodore Kaczynski

Nessa irreversível globalização tecnológica não é ouro tudo que reluz. Assim ao menos pensam alguns. Diante dos discursos triunfantes de Bill Gates ou Nicholas Negroponte, ouvem-se numerosas vozes críticas, cada vez mais severas, diante do avanço irreversível de uma impiedosa economia globalizada - segundo Manuel Castells: mais perigosa em certas ocasiões que uma bomba de neutrons - e de uma técnica desumana que arrasa tanto o meio ambiente como as distintas culturas vernáculas.

O velho rei Ludd está de parabéns, vendo como seus seguidores não somente não têm desaparecido, como também têm-se reproduzido e tentam revolucionar este estado de dominação tecnológica, amiúde, por meio da mesma tecnologia. Internet ferve de páginas "neoluditas" onde incluem-se arquivos e livros eletrônicos para os fieis súditos à causa rebelde do fantasioso Ned Ludd. Nas filas destes novos luditas podemos contar os famosos Hakim Bey ou John Zerzan e, naturalmente, Theodore Kaczynski, mais conhecido como Unabomber, cujo apelido já é um sinônimo de neoludismo do século XX.

Este é hoje o protagonista de nossa seção, um anti-herói ludita, não tanto por suas idéias – legítimas em muitos aspectos – mas por seus métodos atrozes e absurdos, que sem dúvida atingiram seu objetivo: suas críticas foram ouvidas e conhecidas popularmente.

Um intelectual brilhante

Theodore Kaczynski (1941). Este ex-professor de matemática da Universidade de Berkeley passou à história como um dos casos de intelectuais mais singulares do século (a revista People concedeu-lhe em 1996 o prêmio como uma das personalidades mais estranhas do momento). Um intelectual brilhante, segundo as declarações de seus companheiros e professores, porém de caráter antisocial, com um grande talento pela matemática, abandona sua promissora carreira universitária em 1969 sem maiores explicações, para dedicar-se a trabalhos semi-especializados, até que finalmente retira-se para os bosques de Montana, para viver como um ermitão em uma cabana.

Kaczynski confessou posteriormente que desde 1979 não havia cobrado nenhum tipo de salário, isto é, que viveu 17 anos sem remuneração, completamente autosuficiente, como Thoreau – o modelo dos luditas norte-americanos – na cabana Walden.

Ao mesmo tempo, desde 1978, e esta é a parte mais notória de sua “carreira pública”, envia pelo correio uma série de bombas artesanais – num total de 23 -, a diferentes personalidades da universidade (daí o apelido: Una-bomber) e de empresas de informática (entre eles Bill Gates), cujo resultado foram 22 feridos e mutilados e 2 mortos. A razão que argumentou para sua campanha terrorista é um tópico do neoludismo: o desenvolvimento tecno-econômico ameaça com a destruição do mundo.

Portanto, segundo seu raciocínio, todo aquele que colabore com o desenvolvimento da tecnologia é cúmplice do previsível genocídio da humanidade. 1995 foi o ano Unabomber por excelência, pois conseguiu que o “Washington Post” publicasse, pois prometeu que se isso ocorresse já não enviaria mais bombas, seu libelo entitulado:”Manifesto: Industrial Society and Its Future” (Sociedade Industrial e seu futuro), (tradução espanhola no “El manifiesto Unabomber”, Coletivo Likiniaño, 1999).

Espaço na mídia

E então o FBI enlouqueceu, começando uma campanha nacional com a distribuição de supostos retratos do terrorista, um rosto sinistro com bigode, oculto por trás de óculos negros e sob um capuz. A busca do inimigo público número 1 se estendia demasiadamente e ademais, o terrorista ganhava terreno no espaço da mídia. O contra-ataque da polícia interestadual não podia ser mais curioso: humilharam a Kaczynski chamando-o de terrorista a assassino em série, esperando com isso desacreditar seu Manifesto.

E justamente a chave do caso, mais que nos atentados, estava neste Manifesto. De estilo lacônico e severo, porém bem documentado e, segundo os especialistas, dá seqüência à linha crítica contra a tecnologia do sociólogo francês Jacques Elull (com ecos de Mumford y Winner), este Manifesto não passou despercebido entre a intelectualidade norte-americana. Pois manifestava sem rodeios o desespero de uma ampla minoria alternativa – desde ecologistas a esquerdistas marginais – que vêem o progresso acabar com uma forma de vida “natural” e que vai impor outra dominação do império da tecnologia.

Por ele, este texto – um dos manifestos definitivos da nascente cibercultura junto à Declaração de Perry Barlow e o Manifesto de Dona Haraway sobre o cyborg – se começa a utilizar como livro de textos em cursos universitários (enquanto o FBI efetua infrutíferas buscas em vários campus suspeitos) onde é distribuido amplamente, tanto em papel como na Internet, o qual converteu-se em um pequeno best-seller da contracultura.

Washington Post

O Manifesto expressa, de forma radical, que nossa sociedade aproxima-se do desastre, afirmação que, por outra parte, o Clube de Roma mostra-se disposto a aceitar, apesar de que não compartilha com os remédios violentos de luditas como Unabomber. Já não adianta negociar reformas ou mudanças nos estabelecimentos tecno-industriais, e muito menos agora, envolvidos como estamos com a economia ultratecnológica e virtual dessa grande rede. Nem sequer a esquerda é capaz de encontrar um ponto de equilíbrio entre as idéias e os métodos para mitigar seus efeitos ou atrasar seu avanço, pois já faz tempo que perdeu-se o norte e conforma-se com as migalhas que o duro mercado livre lhe oferece.

Ainda que haja algo tão familiarmente norte-americano nessa visão, ao mesmo tempo populista e individualista, de Unabomber, que não é de se estranhar que algum tempo depois, mais tarde, o jornal “Washington Post” publicou um artigo com um surpreendente título “Ex ’pluribus’, Unabomber”, imitando assim a velha inscrição que aparece nas notas dos dólares: “de muitos, um só povo”. E o que acontece é que detemo-nos um instante a pensar, seguramente toma-nos um forte desejo de que Unabomber e os luditas podem ter algo de razão, e que provavelmente, de imediato ou mais tarde, dirigimo-nos até uma catástrofe global. Esta é a sensação que transmite o Manifesto, e aí reside seu particular atrativo.

La cárcel

Pode-se afirmar que Unabomber é uma espécie de “anarquista conservador”, defensor do individualismo norte-americano e muito distante de qualquer tentação comunista, o qual faz-se ainda mais interessante para a intelectualidade norte-americana. O indivíduo na solidão ou muito enrraigado em uma pequena comunidade – o neo-pioneiro ecologista -, é a única esperança para sobreviver distante dos fluxos de poder internacionais, das corporações multinacionais ou de instituições como a Organização Mundial do Comércio (OMC) ou o Fundo Monetário Internacional (FMI). Não é de se estranhar que, pouco depois da prisão de Unabomber, um dos anarquistas teóricos mais conhecidos e respeitados, John Zerzan, foi visitá-lo no cárcere.

E tampouco foi casual porque Zerzan, durante muitos anos, foi o candidato mais provável para ser o verdadeiro Unabomber (apesar de declarar-se pacifista). Muitos consideravam que sua idéia de um “Futuro Primitivista” parecia-se muito com os postulados de Unabomber, o que se confirmou realmente, segundo todos os indícios, no claro instigador intelectual das revoltas de rua de 1999 contra a OMC em Seattle e contra a recente reunião do FMI em Nova York.

Internauta e pacifista...

Estes são os herdeiros de Unabomber,Unabomber a nova geração de luditas; jovens inconformados que se coordenam pela Internet para montar barricadas contra a globalização; o ludismo conservador, anti-tecnológico e sangrento, derivando até um ludismo possibilista, internauta e pacifista.

, como se sabe, foi finalmente detido em 1998, sua exígua cabana de madeira transportada em um reboque para ser exaustivamente analisada e, diante das provas encontradas, finalmente acusado.

Depois de longo tempo do processo e um sem-fim de sutilezas legais de Unabomber e seus advogados, uma espera mais que provável pela condenação – a prisão perpétua sem indulto ou perdão, tal como foi pedido pelo juiz -, e pelo que parece, Walt Disney vai filmar o caso (suponhamos que devam incluir a delação de seu irmão, que cobrou um milhão de dólares de recompensa).

Ninguém parece defender hoje os métodos de Unabomber, moral ou estrategicamente, porém seu Manifesto seguirá inquietando-nos durante muito tempo.

Os velhos luditas nunca morrem...

Iñaki Arzoz y Andoni Alonso - São licenciados em Belas Artes e doutor em Filosofìa, respectivamente, pela Universidad del País Vasco. Tradução e adaptação do texto por Luiz Cirne.

Texto pentencente a biblioteca Bitniks.es, revista espanhola parceira há oito anos da NovaE, que os reedita e republica com exclusividade em português. O real é atual. Credibilidade não envelhece.

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