O fundador do blog Cidadania.com e da ONG Movimento dos Sem Mídia, o blogueiro Eduardo Guimarães que labuta vendendo auto-peças e prestando consultoria para exportações é, na minha e na opinião de muitos bons jornalistas, um leitor crítico competente.
O Observatório da imprensa já publicou vários de seus textos; o jornalista Luiz Carlos Azenha já o entrevistou, o ombdsman da Folha (jornal que Edu faz cotidianamente uma leitura a contrapelo) dentre outros, já fizeram inúmeros elogios à capacidade crítica de Eduardo Guimarães.
Ele é aquilo que Affonso Romano define bem como 'leitor do mundo': Eduardo é um sujeito antes de mais nada com uma honestidade intelectual cada vez mais rara na imprensa brasileira, pois não furta aos seus leitores informações sobre quais são as suas convicções políticas, sabe defender seus pontos de vista com elegância e educação e, em um belíssimo exercício democrático, empenha-se, o tempo todo, num diálogo com uma imprensa corporativa de discurso monocórdico.
É dele a foto que destaco a seguir, extraída daqui:
É dele a foto que destaco a seguir, extraída daqui:
(Bonecos joão- bobo ou joão-teimoso, com a figura de Chavez, vendidos nas ruas de Caracas.
Foto de Eduardo Guimarães).
Foto de Eduardo Guimarães).
Nesse brinquedo que aqui no Brasil é conhecido como joão bobo, Chavez lembra-nos um papai noel: figura simpática, bonachona e querida das crianças. Mas o próprio nome do brinquedo revela o aspecto bobalhão de um artefato infantil que ao ser empurrado cai e volta a subir tediosamente aos olhos adultos e aos das crianças quando elas crescem um pouquinho.
Selecionei esta imagem entre as várias que o blogueiro produziu em sua última viagem a trabalho na Venezuela, porque ela permite a nós algumas leituras.
Apresento a primeira que me vem à mente em forma de questão: Que espécie de 'ditador' facínora permitiria a associação de sua imagem a este brinquedo em particular e, ainda, que fosse vendido aos montes nas ruas da capital do Estado que governa?
Ao ver a imagem capturada por Eduardo, lembrei-me de um editorial de Época no qual o editor de arte da referida revista expressava aos leitores a sua dificuldade em encontrar uma foto na qual a imagem de Chavez não parecesse a de um homem bonachão.
Época queria fazer mais uma vez uma capa com a intenção de reforçar e associar a imagem de Chavez à de um caudilho ditador que governa a Venezuela por meio de 'um populismo' tacanho. Enfim, construindo e difundindo as representações que esta, outras revistas e jornais similares fazem da maioria dos presidentes da América Latina. Mesmo que vários deles, incluindo Chaves, tenham sido eleitos e reeleitos democraticamente e ainda possuam uma razoável margem de aprovação popular.
Os estereótipos reproduzidos sobre os presidentes latino-americanos com alguma plataforma socialista ou de caráter social-cristão são inúmeros, assim como são os reproduzidos sobre os povos latino-americanos e sobre os países latino-americanos.
Articulistas e jornalistas que povoam a mídia corporativa repetem ad nauseum expressões como: 'delírios ideológicos de uma esquerda'; 'caudilhos'; 'ditadores'; definem os que se opõem ao seu discurso como aqueles que 'não têm cérebro nem músculos' (foi assim que na campanha presidencial de 2006 o candidato Lula foi tratado quando optou pela diplomacia e não pelo uso das armas na crise do gás boliviano). Para esses jornalistas e articulistas, donos do discurso único, são também os 'outros' os 'ideólogos' e 'aparelhados'; os que silenciam de modo 'ignóbil' diante do 'trio demoníaco' representado por Chavez, Morales e Correa. Eles, os articulistas, são 'imparciais', 'não defendem nenhum interesse'.
Mas voltemos ao 'joão-bobo' e ao editorial auto-explicativo da revista Época para compor sua capa.
Ao olhar a Venezuela pelos olhos de Eduardo Guimarães, somos estimulados a pensar, a questionar, a duvidar, a manter o espírito vigilante e crítico. Ao lermos os próprios editoriais da imprensa corporativa, aprendemos como ela lida com o jornalismo: na falta de um fato, produza-o, depois, repita-o várias vezes, seja na linguagem imagética ou textual dos 'jornalistas imparciais'. Desse modo, ele ganhará forma, tornar-se-á 'realidade', mesmo que tenha nascido da imaginação 'criativa' de um diretor de arte ou dos olhares enviezados e preconceituosos daqueles que povoam as redações.
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Imprensa, análise de discursos e o olhar crítico da História
O Brasil e a questão da latinidade
Ao ver a imagem capturada por Eduardo, lembrei-me de um editorial de Época no qual o editor de arte da referida revista expressava aos leitores a sua dificuldade em encontrar uma foto na qual a imagem de Chavez não parecesse a de um homem bonachão.
Época queria fazer mais uma vez uma capa com a intenção de reforçar e associar a imagem de Chavez à de um caudilho ditador que governa a Venezuela por meio de 'um populismo' tacanho. Enfim, construindo e difundindo as representações que esta, outras revistas e jornais similares fazem da maioria dos presidentes da América Latina. Mesmo que vários deles, incluindo Chaves, tenham sido eleitos e reeleitos democraticamente e ainda possuam uma razoável margem de aprovação popular.
Os estereótipos reproduzidos sobre os presidentes latino-americanos com alguma plataforma socialista ou de caráter social-cristão são inúmeros, assim como são os reproduzidos sobre os povos latino-americanos e sobre os países latino-americanos.
Articulistas e jornalistas que povoam a mídia corporativa repetem ad nauseum expressões como: 'delírios ideológicos de uma esquerda'; 'caudilhos'; 'ditadores'; definem os que se opõem ao seu discurso como aqueles que 'não têm cérebro nem músculos' (foi assim que na campanha presidencial de 2006 o candidato Lula foi tratado quando optou pela diplomacia e não pelo uso das armas na crise do gás boliviano). Para esses jornalistas e articulistas, donos do discurso único, são também os 'outros' os 'ideólogos' e 'aparelhados'; os que silenciam de modo 'ignóbil' diante do 'trio demoníaco' representado por Chavez, Morales e Correa. Eles, os articulistas, são 'imparciais', 'não defendem nenhum interesse'.
Mas voltemos ao 'joão-bobo' e ao editorial auto-explicativo da revista Época para compor sua capa.
"Capa da semana
Para fazer a capa desta semana foi feita uma pesquisa de imagem muito específica.
O presidente da Venezuela Hugo Chávez teria que estar com cara ameaçadora.Foi muito difícil, ele tem uma cara gorda e simpática, não dá medo em ninguém.
A imagem que mais chegou próximo do objetivo foi a que ele está de boina vermelha olhando para o lado esquerdo. Para deixar a imagem ainda mais forte, o nosso ilustrador Nilson Cardoso fez um trabalho de manipulação na imagem original, até chegar a este resultado final.O que acham? Façam seus comentários.Marcos Marques - diretor de arte"
Ao olhar a Venezuela pelos olhos de Eduardo Guimarães, somos estimulados a pensar, a questionar, a duvidar, a manter o espírito vigilante e crítico. Ao lermos os próprios editoriais da imprensa corporativa, aprendemos como ela lida com o jornalismo: na falta de um fato, produza-o, depois, repita-o várias vezes, seja na linguagem imagética ou textual dos 'jornalistas imparciais'. Desse modo, ele ganhará forma, tornar-se-á 'realidade', mesmo que tenha nascido da imaginação 'criativa' de um diretor de arte ou dos olhares enviezados e preconceituosos daqueles que povoam as redações.
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4 comentários:
Oi, querida!
Parabéns pela excelente leitura de algumas das representações possíveis Chávez João Bobo. :)
Tem post novo inspirado nas nossas últimas trocas de comentários!
Besos,
Hélio
Todo governante com um cunho esquerdista é retratado assim pela mídia corporativa. O que eles não admitem engolir é a via democrática com que estes presidentes citados foram postos no poder. Não admitem que Chávez tenha aceito democraticamente o resultado do referendo. Alardearam tanto nesta época; e agora que um plano parecido, mas por via golpista, se engendra na Colômbia, ninguém comenta.
Ainda tentam passar a imagem de uma governância de ideais socialistas como stalinistas. O grande ditador sanguinário e temido. Chávez, Correa e Morales tem outro projeto (que, na minha opinião fogem ao conceito de esquerda, da guerra fria).
Bush, que tortura e mata prisioneiros de guerra, que acaba com a privacidade de seus cidadãos ao liberar a espionagem eletrônica; que invade e destrói populações e culturas milenares (o Iraque é o local da Mesopotâmia); que joga sua população às baratas (vide Sicko, de Michael Moore); enfim, Bush não é ditador. Ele é o símbolo máximo da democracia.
Afff... Quem estudou o mínimo de História sabe que ele está mais próximo de ser a encarnação de Stálin que qualquer outro no mundo.
Enfim, dói aos grandes da mídia-elite admitir que a Democracia, que desde o Iluminismo vem sendo formulada como um ideal estritamente capitalista, é aliável a ideias de cunho socialista.
Vou pro lado de Noam Chomsky (se não me engano é ele mesmo): quem disse que a Guerra Fria acabou?
Professor Daniel, contundente e pertinente a sua análise.
Obrigada por compartilhá-la
Conceição
Hélio, obrigada.
Eduardo é um leitor sensível, parâmetro interessante para nós professores que somos formadores de leitores do mundo.
abraços
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