Obama na Europa
É difícil acreditar que Obama fará tudo o que prometeu, principalmente, no que se refere à construção de uma face mais humana da grande nação do Norte. A promessa foi feita, resta esperar e torcer que ele vá ainda mais longe do que indicou em Berlim. Não há dúvida, que com ele começará uma nova fase da história mundial e o impacto disto mundo afora não será pequeno, inclusive no Brasil. A análise é de Luís Carlos Lopes.
Luís Carlos Lopes
(26/07/2008)
Barack Obama, virtual novo presidente dos EUA, foi recebido como tal, na sua recente visita à Europa. Parece não haver mais qualquer dúvida sobre sua vitória, fortemente pautada na atual crise econômica e social norte-americana, bem como na malograda guerra e ocupação do Iraque. O outro fator que assegura o seu quase certo triunfo é o imenso índice de rejeição local e internacional do atual mandatário do país mais rico da face da Terra. Este é, sem dúvida, o principal cabo eleitoral do primeiro afro-americano a se candidatar ao posto maior do país.
Há uma certa ironia no caso. O texano representa uma figura conservadora típica do país. Suas posturas e crenças remetem ao que alguns chamam de América profunda, isto é, do núcleo fundador dos mitos nacionais do grande país do hemisfério norte. Sua provável substituição por um filho de um queniano imigrante, casado com uma mulher branca norte-americana, muda o sentido das representações midiáticas mais recentes da persona presidencial. De algum modo, busca-se um novo eixo, agora pautado nas origens multiétnicas do país e na forte presença negra, quase sempre em posição subalterna. Ao que parece a América dos negros, hispânicos, orientais e outros ganhará maior visibilidade e reconhecimento no novo cenário político que se avizinha.
De outro mirante, Obama representa a materialização do american dream, alguém que veio de baixo, da periferia dos grandes centros, mestiço de feições africanas, que "venceu" com o apoio do sistema educacional do país e de suas instituições democráticas. Ele, antes de chegar ao Senado, era um advogado brilhante formado pelas melhores instituições de ensino locais. Ao contrário do seu antecessor, o provável futuro presidente é proprietário da arte de se comunicar, falando com imenso cuidado para os mais diversos auditórios. Sua simpatia e inteligência lembram as de Kennedy e ele nada tem, felizmente, do yuppie Clinton.
O seu discurso, proferido nas ruas, frente a mais de duzentas mil pessoas, no centro de Berlim, na última quinta-feira, resume seus principais pontos de vista e deve ser lido com atenção. Nesta fala, Obama veio buscar a recuperação da antiga aliança com os países mais ricos da Europa. Não é casual que a Alemanha e a cidade de Berlim tenham sido os locais escolhidos para tão denso pronunciamento. Ele falou de lá para toda a Europa e, aproveitou a oportunidade da internacionalização de sua campanha, dirigindo-se à humanidade.
Escolheu este sítio para lembrar o ponto de partida da hegemonia norte-americana: o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria, com a construção do Muro de Berlim. De modo simbólico, retornou ao passado e comemorou o que ele acredita como vitória ocidental, na contenção da expansão soviética do pós-guerra. Falou da história, esquecendo alguns fatos e aumentando a importância de outros, tal como convém a retórica presidencial de um país de tão grande importância.
Há no seu discurso uma versão da história, que volta ao passado, a partir da derrocada do socialismo real de Estado, que deu fim à chamada bipolaridade e à possibilidade mais efetiva de um novo confronto mundial. Esqueceu, dentre outros fatos, que sem a aliança com os soviéticos a vitória sobre a Alemanha Nazista não teria sido possível. Não lembrou do imenso esforço dos povos sob ocupação para se libertarem. Não se poderia esperar mais do candidato, falando para o mundo, sob a concessão do país mais rico da Europa atual.
Ele deu o seu recado, lembrando da OTAN e da necessidade de vigilância contra qualquer possibilidade de oposição à nova ordem internacional criada nos escombros do Muro de Berlim.
Há na mesma fala vários pontos que indicam a desmontagem de alguns aspectos da atual política externa dos EUA. Ao que parece, Obama fará várias inflexões. Talvez a mais importante seja a da mudança de foco militar. Ele disse que vai sair do Iraque, reconhecendo a impossibilidade de vencer. Trocará o país pelo Afeganistão, onde acredita poder controlar a insurgência dos talibãs e o, cada vez maior, tráfico de heroína. Segundo ele, atacar os insurgentes deste último país significaria tirar fôlego da misteriosa rede terrorista internacional (Al-Quaeda) que teria ainda suas bases neste país e no Paquistão.
Aproveitou a ocasião para pedir um maior comprometimento europeu com o mesmo esforço de guerra. De certo modo, pode-se presumir que se estará assistindo a uma nova escalada militar. Não existe ainda como prever, exatamente, o que de fato irá ocorrer.
O candidato, falando como já tivesse sido eleito, despertou, no mesmo discurso, várias esperanças. Reconheceu a responsabilidade norte-americana e chinesa no preocupante atual nível de poluição mundial, deixando a entender que fará importantes mudanças. Falou nos esquecidos da mundialização, prometendo maior justiça aos imigrantes e aos pobres de seu país e do resto do mundo. Disse que irá defender os direitos humanos, onde eles forem desrespeitados, citando a AIDS, os casos de tortura, os problemas na Ásia e na África. Prometeu aos condenados da Terra uma nova posição de seu país, que estaria agora na defesa de todos, reconhecendo erros anteriores.
Pela primeira vez da história da diplomacia de seu país, reconheceu formalmente a necessidade de desarmamento nuclear global. Defendeu a idéia de destruir os arsenais nucleares ainda armazenados no Oriente e no Ocidente. Alertou para o que considera como risco, no que se refere aos arsenais mal guardados e geridos de modo inadequado. Insistiu na política de seu país de evitar o aumento do atual clube atômico internacional. Reafirmou, portanto, a vocação de intervenção e participação em todas as questões eleitas como fundamentais pelos articuladores da política externa dos EUA.
Pode-se concluir que a paz ainda estará longe do seu governo. Haverá uma mudança, mas não a tão sonhada paz negociada. De qualquer forma, Obama anunciou que não vai mais se alinhar automaticamente à política de guerra de Israel. Deixou claro em seu atual périplo pelo mundo que vai preferir a negociação ao confronto. Reconheceu a importância do conflito no Oriente Médio para a paz mundial, vendo que a solução do mesmo é a chave para evitar maiores problemas político-militares. Defendeu o direito à existência do Estado de Israel, bem como o fortalecimento da criação do Estado palestino. Por causa disto, as direitas estão dizendo que ele é muçulmano em pele de cordeiro. Nada mais raivoso e mentiroso.
É difícil acreditar que Obama fará tudo o que prometeu, principalmente, no que se refere à construção de uma face mais humana da grande nação do Norte. A promessa foi feita, resta esperar e torcer que ele vá ainda mais longe do que indicou em Berlim. Não há dúvida, que com ele começará uma nova fase da história mundial e o impacto disto mundo afora não será pequeno, inclusive no Brasil.
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