1 – AGRONEGÓCIO não significa apenas uma operação comercial com produtos agrícolas, como diz o dicionário e como alguns articulistas da imprensa corporativa querem usar. No Brasil, esse é um modelo específico de organizar a produção e o comércio na agricultura e que se transformou numa categoria socioeconômica.
Ele representa a aliança que se produziu a partir do neoliberalismo entre os grandes proprietários de terra com as empresas estrangeiras. Essas grandes transnacionais, como Monsanto, Bunge, Cargill, ADM, Syngenta, Bayer, Basf, Dreyfus, Unilever, Nestlé e Danone, dominam todo o comércio mundial e os preços dos insumos e dos produtos agrícolas.
Esse modelo impõe o monocultivo especializado com uma só planta em grandes extensões de terra. E, para se viabilizar, precisa de mecanização intensiva, muito veneno agrícola (os agrotóxicos) e pouca mão-de-obra. Basicamente toda a produção é voltada para o comércio exterior. Exportam a maior parte da soja, milho, algodão, café, açúcar, etanol e laranja que fabricam. Tudo isso financiado com dinheiro público, com juros subsidiados.
E, apesar de estarem ganhando muito dinheiro, o governo renegociou com os grandes ruralistas uma dívida de R$ 75 bilhões, por 20 anos! Além disso, desde os tempos do governo de FHC, foi aprovada a Lei Kandir, que isenta de ICMS todas as exportações de matérias-primas agrícolas e minerais. Ou seja, o agronegócio não paga nada de imposto nas exportações. Isso representa um grande subsídio. Então, alguém precisa avisar o Lula, quando reclama dos benefícios agrícolas dados pelos governos dos Estados Unidos e Europa aos seus fazendeiros, que aqui no Brasil o subsídio em termos percentuais é até maior.
O fato é que o Brasil está virando uma nova colônia dos capitalistas estrangeiros, que querem apenas nossa natureza para produzir o que eles precisam e enriquecer ainda mais. E nós ficamos com a degradação do meio ambiente, com a transferência da água, que vai dentro dos produtos, com a destruição da biodiversidade imposta pela monocultura e com os alimentos contaminados, que geram muitas enfermidades para a população.
Por isso, as elites se protegem comendo apenas produtos orgânicos, cada vez mais caros nas gôndolas de supermercados. Enquanto isso, o povo fica com o desemprego, a pobreza e o êxodo rural, que expulsa a mão-de-obra do campo para as favelas da cidade.
Portanto, o agronegócio só interessa às empresas estrangeiras e aos grandes proprietários – que, aliás, vivem nas cidades sem trabalhar – e não ao povo brasileiro, que apenas paga a conta.
2 – Mas há alternativas. É possível produzir em larga escala, com técnicas da agroecologia, que protegem o meio ambiente e garantem a biodiversidade através da policultura e da combinação de plantas. É possível e necessário produzir alimentos saudáveis e baratos.
Essa alternativa significa organizar a produção agrícola na forma de pequenas e médias unidades, com mão-de-obra familiar e na forma camponesa, combinando essa produção com agroindústrias cooperativadas e fixando a juventude e as pessoas no meio rural. Ou seja, é possível produzir muito mais alimentos, em vez de etanol e eucalipto, e com menos recursos. A grande propriedade usa muito mais crédito, e de maneira irresponsável, do que os agricultores familiares.
Por isso, na primeira quinzena desse mês, em todo o Brasil, os trabalhadores rurais da Via Campesina estão se mobilizando para denunciar o modelo do agronegócio. Para que o povo da cidade saiba que está comendo alimentos envenenados e pagando a conta. Para que o povo saiba qual o motivo do preço dos alimentos terem aumentado. A sociedade precisa saber por que o clima anda cada vez mais descontrolado. Por que falta água em tantas regiões do país e por que há aquecimento global, enquanto meia dúzia de empresas estão acumulando muito dinheiro.
Por tudo isso, os camponeses se mobilizaram em locais símbolos do agronegócio, como as sedes das grandes empresas – campeãs na multiplicação de sementes transgênicas, no monocultivo de eucalipto de exportação –, nos portos e ferrovias utilizados para exportação de nossas riquezas.
por peruano — Última modificação 26/06/2008 22:29
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Em defesa da agricultura familiar
Miguel do Rosário
A agricultura familiar é responsável por 70% da produção de alimentos no país e representa a esmagadora maioria numérica dos produtores. Não temos "pouquíssimos" nesta situação.
Temos milhões de pequenos agricultores no país, e sua situação melhorou muito nos últimos anos. No Espírito Santo, por exemplo, 95% das propriedades são pequenas. Estive lá recentemente, no norte, para fazer uma reportagem, e verifiquei, in loco, que os pequenos estavam conseguindo produtividade recorde, mais que os grandes: em primeiro lugar por sua bravura e talento pessoais, e depois pela maior disponibilidade de recursos do Banco do Brasil e maior assistência técnica - no caso, por extensionistas do governo estadual do ES, através do Incaper.
O Brasil tem uma produção agrícola muito superior e mais variada que a Argentina. O plano federal em prol da agricultura familiar prevê aumento de verbas e de assistência técnica. Os número de extensionistas subirá de 20 mil para 30 mil.
Reforma agrária não é distribuir terra. Isso é uma grande bobagem. Reforma agrária é possuir uma política agrária inteligente.
Não há deslumbramento com o agronegócio empresarial. Há sim, por parte de segmentos esquerdistas, um preconceito irracional contra o agronegócio, que responde por quase 40% das exportações nacionais e gera milhões de empregos.
A maioria dos empresários agrícolas são de médio porte, que trabalham muito, pagam os trabalhadores de acordo com a lei e contribuem decisivamente para o desenvolvimento do país.
A desapropriação de terras, que é o que muita gente entende como sendo a única verdadeira reforma agrária, depende da Justiça brasileira e de entendimentos no Congresso Nacional, fatores que fogem totalmente ao controle do governo. O mais importante é que as desapropriações e a legalização dos assentamentos sejam feitas com qualidade. O FHC legalizou alguns assentamentos mas não deu condições para a viabilidade econômica dos mesmos.
Por fim, não estou seguro de que a Cristina (a quem admiro e apoio) tomou a melhor decisão em taxar as exportações de soja e milho. Entendo que isso não tem nada a ver com guerra contra o latifúndio e sim forma de aumentar a receita do Estado e, talvez, desestimular o plantio desses produtores, em prol de maior investimento em trigo, por exemplo. Mas acho uma medida repressiva contra-producente que, além de antipática politicamente, pode desacelerar os investimentos produtivos no país, num momento em que o mundo precisa produzir mais alimentos - e soja, ao cabo, é um produto fundamental para a produção alimentar, visto que é a base principal das rações para aves, suínos e bovinos, etc.
Quanto à estrangeirização (compra de terras por estrangeiros no Brasil), o governo agora está iniciando medidas bastante severas para evitar distorções, mas não devemos cair em xenofobia barata. Investimento estrangeiro produtivo sempre é bem vindo, porque paga imposto aqui, gera emprego aqui e produz alimento aqui.
Por fim, a produção de soja e cana exigem unidades grandes de produção. Não se pode confundir, porém, grandes unidades de produção com latifúndios improdutivos. O inimigo é o latifúndio IMPRODUTIVO, as terras degradadas, a pecuária indecentemente extensiva.
Os fazendeiros não são os adversários da reforma agrária. São seus maiores aliados. A reforma agrária tem que ser feita para beneficiar os fazendeiros, e o imaginário esquerdista contra o fazendeiro é totalmente reacionário.
Um fazendeiro ganha menos dinheiro que jogador de futebol ou celebridade, tem mais riscos, trabalha mais, e tem uma importância vital para o país. A lógica da agricultura é diferente do trabalho urbano, onde o sujeito ganha seu dinheiro mensalmente, tem garantias trabalhistas, não se arrisca. Um produtor agrícola ganha muito hoje e perde muito no ano seguinte. Vive numa tensão constante se vai chover na época da floração. As chuvas não apenas tem que vir regularmente, como tem que cair na hora certa. Enfim, é uma atividade muito ingrata, que além do apoio governamental, merece ser mais respeitada pela sociedade, e não demonizada vulgarmente por esquerdistas urbanóides.
Segundo o IBGE, o Brasil tem 3,6 milhões de proprietários agrícolas. Isso oficialmente. Na prática deve ser o dobro, porque muitas terras que estão em nome de uma pessoa já estão divididas para seus diversos filhos.
Quanto à Raposa do Sol, acho que tem que ser homologada e a terra ficar mesmo com os índios. O problema do Brasil não é apenas a concentração de terra. Em algumas áreas, há problema também de pulverização de terras, de micro-fúndios que, por serem tão pequenos, inviabilizam a atividade agrícola sustentável.
O MST é importante, mas não podemos esquecer que o número de pequenos agricultores familiares no Brasil é muito superior ao número de filiados ao MST. Com todo o respeito ao MST, é uma questão de justiça priorizar o pequeno agricultor familiar já estabelecido, que está labutando na terra. Quanto à criminalização do MST pelo MP gaúcho, é coisa de nazista sulista que, espero eu, não deve prosperar.
(Miguel do Rosário é jornalista e este texto é uma resposta aos meus comentários a esse outro texto aqui)
3 comentários:
Os agricultores não estão ganhando tanto dinheiro assim. O preço dos fertilizantes subiu mais de 130% este ano e, como já disse no meu texto, os agricultores têm riscos enormes. A dívida renegociada com o governo foi um avanço porque grande parte da mesma fugiu ao controle por causa de planos econômicos mirabolantes. O produtor rural brasileiro também não tinha seguro rural, que está sendo implantado só agora, pela primeira vez na história do Brasil, e qualquer acidente climático lhe acarretava perda de patrimônio e endividamento. A agricultura é uma atividade primária, que precisa de um tratamento próprio à atividades primárias. O subsídio nos países ricos tem uma razão de ser. No Brasil, não há subsídio, mas o mínimo que se pede é compreensão, por parte da sociedade civil. E há confusão sobre o conceito de latifúndio. Uma terra que produz soja está cumprindo sua função social e alimentando o mundo. Besteira falar que agronegócio é uma aliança com firmas estrangeiras. Essas firmas vendem no mundo inteiro e se o agronegócio compra delas é porque elas são as únicas que vendem os defensivos vitais à agricultura. O fato de eu comprar aspirina para dor de cabeça não me torna um "aliado" dos interesses alemães no Brasil (via Bayer). Ah, a agricultura devia ser toda orgânica. Aí é ingenuidade. O Brasil tem uma das melhores empresas de pesquisa agropecuária do mundo, a Embrapa, que vem desenvolvendo tecnologias que permitem ao agricultor reduzir o uso de agrotóxico. É por aí. O agronegócio é um negócio tão honesto quando o de vender carros, ou muito mais, porque é vital. É muita hipocrisia condenar o agronegócio enquanto se almoça um bife com salada. É literalmente cuspir no prato que se come.
Leitores, um debate bem produtivo a meu ver está ocorrendo no blog do jornalista Miguel Rosário:
http://oleododiabo.blogspot.com/2008/07/cortaram-cabea-da-medusa.html
Parabéns pelo blog, abraços!
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