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domingo, 20 de julho de 2008

Os interesses da OMC, segundo o presidente boliviano, Evo Morales

A propósito da ronda de negociações da OMC

Evo Morales Ayma *

"O comércio internacional pode desempenhar uma função de importância na promoção do desenvolvimento econômico e no alívio da pobreza. Reconhecemos a necessidade de que nossos povos se beneficiem com o aumento das oportunidades e com os avanços do bem-estar que o sistema multilateral de comércio gera. A maioria dos Membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) é de países em desenvolvimento. Pretendemos por suas necessidades e interesses no centro do programa de Trabalho adotado na presente Declaração". Declaração Ministerial de Doha da Organização Mundial do Comércio, 14 de novembro de 2001.


Com essas palavras começou a ronda de negociações da OMC há sete anos. Realmente, o desenvolvimento econômico, o alívio da pobreza, as necessidades de todos os nossos povos, o aumento de oportunidades para os países em desenvolvimento estão no centro das atuais negociações na OMC?

O primeiro a dizer é que se assim fosse, os 153 países membros e, sobretudo, a ampla maioria dos países em desenvolvimento, deveria ser os atores principais das negociações da OMC. Porém, o que estamos vendo é que um punhado de 35 países é convidado pelo Diretor Geral a reuniões informais para que avancem substancialmente na negociação e preparem os acordos desta "Ronda para o Desenvolvimento" da OMC.

As negociações na OMC têm-se convertido em uma briga dos países desenvolvidos para abrir o mercado dos países em desenvolvimento a favor de suas grandes empresas.

Os subsídios agrícolas do Norte, que vão, principalmente, para as mãos das companhias agro-alimentícias dos Estados unidos e da Europa, não somente continuarão, mas serão incrementados como o demonstra a Lei Agrícola ou "Farm Bill 2008" (1) dos Estados Unidos. Os países em desenvolvimento rebaixarão os impostos a seus produtos agrícolas, enquanto os subsídios reais (2) aplicados pelos EUA ou pela UE a seus produtos agrícolas não diminuirão.

Sobre os produtos industriais nas negociações da OMC, busca-se que os países em desenvolvimento realizem recortes nos impostos de cerca de 40% a 60%, enquanto que os países desenvolvidos diminuirão em média seus impostos entre os 25% e 33%.

Para países como Bolívia, a erosão das preferências nos impostos pela diminuição generalizada de impostos terá efeitos negativos na competitividade de nossas exportações.

O reconhecimento de assimetrias e o tratamento especial e diferenciado real e efetivo a favor dos países em desenvolvimento é limitado e obstaculizado em sua implementação pelos países desenvolvidos.

Nas negociações, empurra-se para que novos setores de serviços sejam liberalizados pelos países quando o que teria que fazer é excluir definitivamente os serviços básicos de educação, saúde, água, energia e telecomunicações do texto do Acordo Geral do Comércio de Serviços da OMC. Esses serviços são direitos humanos que não podem ser objeto de negócio privado e de regras de liberalização que levam à privatização.

A desregulação e privatização dos serviços financeiros, entre outros, são a causa da atual crise financeira mundial. Maior liberalização dos serviços não trará maior desenvolvimento, mas maiores possibilidades de crise e de especulação em temas vitais como o dos alimentos.

O regime de propriedade intelectual estabelecido pela OMC tem beneficiado, sobretudo, as transnacionais que monopolizam as patentes, encarecendo o preço dos medicamentos e de outros produtos essenciais; incentivando a privatização e a mercantilização da vida, como provam as várias patentes sobre plantas, animais e, inclusive, genes humanos.

Os países mais pobres serão os principais perdedores. As projeções econômicas de um potencial acordo da OMC, efetuadas, inclusive, pelo Banco Mundial (BM) (3), indicam que os custos acumulados pela perda de empregos, pelas restrições à definição de políticas nacionais e à perda de ingressos aduaneiros serão maiores do que os "benefícios" da "Ronda para o Desenvolvimento".

Depois de sete anos, a ronda da OMC está ancorada no passado e desatualizada dos fenômenos mais importantes que estamos vivendo: a crise alimentar, a crise energética, a mudança climática e a eliminação da diversidade cultural. Querem que o mundo acredite que se necessita de um acordo para resolver uma agenda mundial e esse acordo não representa essa realidade. Suas bases não são adequadas para resistir a essa nova agenda mundial.

Estudos da FAO assinalam que, com as atuais forças de produção agrícola, é possível alimentar a 12.000 bilhões de seres humanos; isto é, quase o dobro da população mundial atual. No entanto, há uma crise alimentar porque não se produz para o bem-estar humano, mas em função do mercado, da especulação e da rentabilidade das grandes produtoras e comercializadoras de alimentos. Para enfrentar a crise alimentar, é necessário fortalecer a agricultura familiar, camponesa e comunitária. Os países em desenvolvimento temos que recuperar o direito de regular (4) nossas importações e exportações para garantir a alimentação de nossa população.

Temos que acabar com o consumismo, com o desperdício e com o luxo. Na parte mais pobre do planeta, morrem milhões de seres humanos de fome a cada ano. Na parte mais rica do planeta, gastam-se milhões de dólares para combater a obesidade. Consumimos em excesso; desperdiçamos os recursos naturais e produzimos o lixo que contamina a Mãe Terra.

Os países devemos priorizar o consumo do que produzimos localmente. Um produto que percorre a metade do mundo para cegar ao seu destino pode ser mais barato do que outro que é produzido nacionalmente; porém, se levarmos em consideração os custos ambientais do transporte de dita mercadoria, o consumo de energia e a quantidade de emissões de carbono que gera, então, podemos chegar à conclusão de que é mais saudável para o planeta e para a humanidade priorizar o consumo do que se produz localmente.

O comércio exterior deve ser um complemento da produção local. De nenhuma maneira podemos privilegiar o mercado externo às custas da produção nacional.

O capitalismo quer nos uniformizar para que nos tornemos simples consumidores. Para o Norte, há somente um modelo de desenvolvimento, o seu. Os modelos únicos em nível econômico vêm acompanhados de processos de aculturação generalizada para nos impor uma só cultura, uma só moda, uma só forma de pensar e de ver as coisas. Destruir uma cultura, atentar contra a identidade de um povo, é o mais grave dano que se pode fazer à humanidade.

O respeito e a complementaridade pacífica e harmônica das diversas culturas e economias é essencial para salvar o planeta, a humanidade e a vida.

Para que esta seja uma ronda de negociações efetivamente do desenvolvimento e ancorada no presente e no futuro da humanidade e do planeta, deveria:

• Garantir a participação dos países em desenvolvimento em todas as reuniões da OMC, colocando fim às reuniões exclusivas da "sala verde" (5).

• Implementar verdadeiras negociações simétricas a favor dos países em desenvolvimento nas quais os países desenvolvidos outorguem concessões efetivas.

• Respeitar os interesses dos países em desenvolvimento, não limitando sua capacidade de definição e implementação de políticas nacionais no âmbito agrícola, industrial e de serviços.

• Reduzir efetivamente as medidas protecionistas e os subsídios dos países desenvolvidos. (6)

• Assegurar o direito dos países em desenvolvimento de proteger pelo tempo que seja necessário suas indústrias nascentes da mesma forma que o fizeram no passado os países industrializados.

• Garantir o direito dos países em desenvolvimento a regular suas políticas em matéria de serviços, excluindo de maneira expressa os serviços básicos do Acordo Geral de Comércio de Serviços da OMC.

• Limitar os monopólios das grandes empresas sobre a propriedade intelectual, promover a transferência de tecnologia e proibir a patente de toda forma de vida.

• Garantir a soberania alimentar dos países, eliminando qualquer limitação à capacidade dos Estados a regular as exportações e importações de alimentos.

• Assumir medidas que contribuam a limitar o consumismo, o desperdício de recursos naturais, a eliminação de gases de efeito estufa e a geração de lixo, que prejudica a Mãe Terra.

No século XXI, uma "Ronda para o desenvolvimento" já não pode ser de "livre comércio", mas tem que promover um comércio que contribua para o equilíbrio entre os países, as regiões e com a mãe natureza, estabelecendo indicadores que permitam avaliar e corrigir as regras de comércio em função do desenvolvimento sustentável.

Os governos temos uma enorme responsabilidade para com nossos povos. Acordos como os da OMC têm que ser amplamente conhecidos e debatidos por todos os cidadãos e não somente por ministros, empresários e "expertos". Os povos do mundo temos que deixar de ser vítimas passivas dessas negociações e nos convertermos em protagonistas de nosso presente e de nosso futuro.

Evo Morales Ayma
Presidente da Bolívia


Notas:

(1) O "Farm Bill 2008" foi aprovado em 22 de Maio pelo Congresso dos Estados Unidos. Autoriza a realizar gastos que incluem subsídios à agricultura de até 307.000 milhões de dólares, em 5 anos. Desses, aproximadamente 208.000 milhões de dólares poderão ser gastos em programas de alimentação.
(2) O texto atual de agricultura propõe rebaixar os subsídios dos EUA em um patamar entre 13 e 16.4 bilhões de dólares anuais. No entanto, os subsídios reais que atualmente são aplicados pelos EUA são de aproximadamente 7 bilhões de dólares anuais. Por outro lado, a União Européia está oferecendo nas negociações da OMC a reforma que realizou em 2003 a sua Política Agrícola Comum (PAC), sem propor maiores aberturas.
(3) Os países em desenvolvimento pouco têm a ganhar na Ronda de Doha: os ganhos projetados serão de 0,2% para ditos países, a redução da pobreza mundial será de 2,5 milhões (menos de 1% dos pobres no mundo) e as perdas por impostos não cobrados serão de pelo menos 63.000 bilhões de dólares. (Anderson, Martin, and van der Mensbrugghe, "Market and Welfare Implications of Doha Reform Scenarios," in Agricultural Trade Reform and the Doha Development Agenda, Anderson and Martin, World Bank/ / Back to the Drawing Board: No Basis for Concluding the Doha Round of Negotiations" by Kevin P. Gallagher and Timothy A. Wise, RIS Policy Brief #36).
(4) Esta regulação deve incluir o direito a implementar impostos às exportações, baixar impostos para favorecer importações, proibir exportações, subsidiar produções locais, estabelecer faixas de preços, enfim, toda medida que, Segundo a realidade de cada país, melhor sirva ao propósito de garantir a alimentação da população.
(5) "Green room meeting" ou "reuniões na sala verde" é o nome das reuniões informais de negociação na OMC das quais participa um grupo de 35 países eleitos pelo Diretor Geral.
(6) Um recorte real dos subsídios dos EUA deveria ser menor que 7.000 bilhões de dólares ao ano.

Difusão da Campanha Continental contra a ALCA:

"Sim à vida, Não a ALCA. Outra América é possível"

[Tradução: ADITAL, 18/07/2008]

* Presidente da Bolívia

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