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quarta-feira, 9 de julho de 2008

A perseguição aos trabalhadores organizados na História do Brasil

Recentemente alguns promoteres do MP-gaúcho compararam o MST aos 'guerrilheiros' e fizeram um relatório que propunha tornar o MST um movimento criminoso (acompanhe o caso aqui).

Diante dessa ação sem precedentes no Ministério Público, órgão cuja principal função é dar acesso à Justiça a quem a Justiça é negada, houve manifestações de apoio ao movimento social dos Sem terra de lideranças, intelectuais do Brasil e de várias partes do mundo.

No relatório do MP-gaúcho as obras de Paulo Freire, Makarenko, Florestan Fernandes e até Saramago foram descritas como leituras 'subversivas'. Tais alusões manifestou repúdio da esposa de Paulo Freire, Nita Freire (ouça aqui) e inúmeros textos escritos por acadêmicos e intelectuais.

Até mesmo um movimento dentro do Ministério Público escreveu um texto condenando a ação de seus pares (leia-o aqui) e o procurador federal Flávio Santanna Xavier também, leia-o aqui. Finalmente, Mauro Henrique Renner- Procurador Geral de Justiça - respondeu os apelos da sociedade civil clique aqui.

Em nosso país tratar questões sociais e a organização dos trabalhadores 'como caso de polícia' não é recente. O Texto destacado abaixo da historiadora Virgínia Fontes faz uma síntese da repressão aos setores populares quando eles resolvem se organizar politicamente. Boa Leitura e boas reflexões.

A História do Brasil tem um matiz doloroso: a perversidade seletiva praticada contra a organização social dos setores populares

08/07/2008

Virgínia Fontes*

A História do Brasil tem um matiz doloroso: a perversidade seletiva praticada contra a organização social dos setores populares. Para os grupos endinheirados ou empresariais, abrem-se todas as facilidades – além de contarem com enormes recursos. Enquanto isso, as iniciativas dos setores populares, que enfrentam sempre maiores dificuldades, costumam ser duramente perseguidas.

Na longa lista dessa repressão seletiva sobre a sociedade civil, quando originada em setores populares, algumas situações foram dramáticas e merecem ser relembradas, pela semelhança com a truculência das falsas acusações contra o MST no Rio Grande do Sul e pelo uso cínico de dois pesos e duas medidas. Eis algumas das arbitrariedades profundamente anti-democráticas, que carregavam marcas sinistras de ditaduras:

1. Na década de 1930, a ditadura de Getúlio Vargas implantou um sistema corporativo obrigatório para a representação sindical. A lei deveria aplicar-se para trabalhadores e empresários. Aos primeiros, a repressão foi rigorosa e brutal, desmantelando todas as formas de organização que não se enquadravam no novo sistema. Para os empresários, entretanto, fez-se vista grossa, permitindo que mantivessem sistema dual, no qual conviviam o regime corporativo e centros privados, não apenas sem serem incomodados pela polícia que reprimia os trabalhadores, mas se convertendo em “interlocutores legítimos do governo”.

2. Em 1947, foi cassado o registro do PCB, falsamente acusado de ser dirigido pela União Soviética. Todas as análises sociológicas ou políticas e toda a historiografia brasileira desde então provaram exaustivamente o contrário, o que já era sabido na ocasião e que, aliás, ficou claramente expresso pelos votos (vencidos) de dois ministros que participaram da votação. A atuação do PCB na Constituinte de 1946 – na qual se destacou – primara pela defesa de uma efetiva democratização, que assegurasse as liberdades democráticas, o direito de greve, a luta contra a censura e as arbitrariedades policiais. O crescimento de partido político que não nascera das entranhas do poder e que procurava organizar os setores populares foi podado na origem, levando-o a cair em duríssima clandestinidade e dificultando enormemente a participação popular no período. Em contrapartida, em 1949, o mesmo tribunal aceitaria o registro do Partido da Representação Popular, continuador da Ação Integralista Brasileira, partido pró-fascista e golpista, que prosseguiu impunemente sua atuação na política brasileira, até ser ultrapassado pela ditadura militar, na qual se diluiu.

3. Entre 1961 e 1964, grande variedade de organizações (chegavam a 500 em 1963), em sua maioria com base empresarial, foi criada e apoiada a partir dos institutos de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e Brasileiro de Ação Democrática (Ibad). Contaram com apoios governamentais, com favores da mídia, com recursos empresariais, com extensa rede de associações internacionais, contatos com governos exteriores – em especial, dos Estados Unidos. Em documentadíssima e jamais contestada pesquisa, René Dreifuss demonstra como se articulavam com setores militares, construindo as bases do golpe civil-militar que lançaria o país em longa ditadura. Criminalizavam e satanizavam todos os movimentos de cunho popular, a começar pelos trabalhadores rurais, então organizados sobretudo nas Ligas Camponesas. Imediatamente após o golpe, enquanto os integrantes dessas entidades refestelavam-se nas macias poltronas do poder, desencadearam truculenta repressão sobre todas as formas de organização popular, contando, inclusive, com arquivos que passariam a integrar o Serviço Nacional de Informação (SNI).

O MST é uma organização popular modelo em nosso país, reconhecida na América Latina e no mundo. Apesar dos obstáculos derivados da própria condição de vida de seus integrantes, estes se mobilizam, educam e formam seus militantes e familiares, os quais permaneceriam esquecidos, esbulhados e sem direitos caso não se organizassem para exigi-los. No entanto, o MST enfrenta corriqueiramente a violência seletiva, visível na longa lista de mortos e torturados dentre seus militantes. A truculência atual, exibida pela documentação forjada para incriminá-lo deixa supor, a julgar pela nossa trajetória histórica, a existência de organizações empresariais e policiais cujo intuito é criminalizar a voz popular, mantendo a segregação social que ainda persiste em nosso país.

Virgínia Fontes, historiadora, é professora da Pós-Graduação em História da UFF, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz e da Escola Nacional Florestan Fernandes-MST.

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