Por Stela Guedes Caputo (*)
07.08.2007
Eu ainda vivo em tempos sombrios. Um tempo em que os pobres continuam sendo massacrados e não há punição para esses crimes. Há 12 anos, 155 policiais mataram 19 trabalhadores rurais, fizeram centenas de feridos e 69 pessoas mutiladas. Dos 144 incriminados, apenas dois foram condenados e aguardam em liberdade a análise do recurso da sentença. Em 2007, foram 25 assassinatos no campo e a “matadeira” que mata lá, é a mesma que mata na cidade. Carandiru... Candelária... favelas. Em cada grupo de dez jovens de 15 a 18 anos assassinados no Brasil, sete são negros. A violência escolhe cor, escolhe classe.
Por isso, a inocência continua sendo loucura e uma testa sem rugas, sinal de indiferença. E aquele que ri ainda não recebeu a terrível notícia. Mas é só uma questão de tempo. Que tempos são esses quando falar sobre flores é quase um crime porque significa silenciar sobre tanta injustiça? Recentemente, a Justiça Federal brasileira condenou a Veracel (Stora-Enso e Aracruz), que possui cerca de 205 mil hectares de terras no Extremo Sul da Bahia, sendo cerca de 96 mil hectares de monocultura de eucalipto a restaurar, com vegetação nativa, todas suas áreas compreendidas nas licenças de plantio de eucalipto que foram liberadas entre 1993 e 1996. Mas a empresa já recorreu, como de outras vezes.
Em 2007 ela foi multada por usar ilegalmente substância tóxica em área de preservação permanente e por impedir a regeneração natural de mata atlântica com projetos de plantio de eucalipto. A empresa tem 7.428 hectares de plantios em torno dos Parques Nacionais de Monte Pascoal e Pau Brasil, mesmo que uma Lei Federal determine que não se plante mais eucalipto num raio de 10 km no entorno dos Parques Nacionais na região. Mas a Veracel Celulose ganhou em março deste ano, da SGS/Qualifor o certificado FSC para o bom manejo florestal ambientalmente adequado para suas plantações de monocultura de eucalipto.
Enquanto isso, o Ministério Público do RS pediu a dissolução do MST. Nós, os criminosos? Eu queria ser um sábio. Nos livros antigos está escrito o que é sabedoria: manter-se afastado dos problemas do mundo e sem medo passar o tempo que se tem para viver na terra; seguir seu caminho sem violência. Não, eu não queria ser um sábio. Eu estou no campo e na cidade no tempo da desordem, quando a fome e a violência reinam. Convivo com homens e mulheres de revolta e me revolto ao lado deles e delas. É assim que quero passar o tempo que viverei na terra. Nós existimos através da luta de classes. Dizem que o socialismo é utopia e fracasso. Utopia é imaginar possível um projeto humano dentro do capitalismo. Isso sim é fracasso.
Também dizem que um dia os pobres herdarão a terra. Já esperamos demais e queremos a terra agora, antes que o agronegócio privatize toda terra, toda água, toda biodiversidade. A mídia esconde que a alta da inflação também é conseqüência do incentivo à produção de etanol para exportação o que amplia a monocultura da cana-de-açúcar e aumenta o preço dos alimentos e a concentração da propriedade da terra por empresas estrangeiras. O ódio contra toda essa injustiça endurece o rosto, enrouquece a voz.
Ah, infelizmente, nós que desejamos preparar terreno para a bondade não pudemos ser bons. Vós, porém, quando chegar o momento em que o ser humano seja bom para o ser humano e forem falar do que fizemos... não, não pensem em nós com compreensão. Julguem, sem qualquer indulgência aqueles que, entre nós, traíram a nossa classe e se associaram aos que nos perseguem e massacram.
(*) Stela Guedes Caputo é jornalista (texto e foto da autora). Texto adaptado do poema de Brecht com dados da página do MST.
Um comentário:
Oi Conceição,
Tomei a liberdade de linkar o seu blog pois achei excelente. Quando tiver um tempinho, dê uma chegada no site da Vivaterra (www.vivaterra.org.br), ong que dirijo, e no blog que escrevo (http://verdefato.blogspot.com). Parabéns e muito sucesso.
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