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quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Suicídio entre escravos nas últimas décadas do XIX: um estudo interdisciplinar

Motivos mais fortes
20/8/2008
Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – O alto índice de suicídios entre os escravos durante as duas últimas décadas da escravatura é freqüentemente atribuído aos “desgostos do cativeiro”, como uma reação à condição servil. Mas, de acordo com um estudo feito na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o que explica os suicídios são outros motivos, como os problemas com a justiça e o medo de castigos impostos pelo senhor.

Relacionando os campos da história e da psiquiatria, a pesquisa de Saulo Veiga Oliveira, feita como trabalho de mestrado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, foi publicada na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos. O artigo foi escrito com a orientadora da pesquisa, Ana Maria Galdini Raimundo Oda, professora da FCM.

O estudo foi desenvolvido no âmbito do projeto Dos Desgostos Provenientes do Cativeiro: Uma História da Psicopatologia dos Escravos Brasileiros no século 19, apoiado pela FAPESP como auxílio no âmbito do Programa de Apoio a Jovens Pesquisadores.

Oliveira analisou um total de 319 notícias sobre suicídios e tentativas, publicadas na Gazeta de Campinas entre 1872 e 1887, referentes à província de São Paulo. Do total, 68 notícias se referiam a escravos. Segundo dados do Censo de 1872, a província de São Paulo tinha cerca de 835 mil habitantes e 155 mil escravos, o que representava 19% da população.

Uma particularidade fez com que Campinas (SP) – onde se centrou a pesquisa – ficasse conhecida na época como a “Bastilha negra”. No município viviam cerca de 18 mil pessoas livres e 14 mil cativos, o que correspondia a 44% da população.

De acordo com o pesquisador, os suicídios de escravos não podem ser explicados unicamente pela sua condição cativa. “Isso configura uma abordagem muito simplista, sendo apenas uma das possíveis explicações para o fenômeno. Os atos suicidas são manifestações humanas extremas que não podem ser reduzidas à explicação única – seja ela de caráter sociológico, antropológico ou psicopatológico – e que devem ser sempre referidas aos contextos históricos em que se dão”, disse à Agência FAPESP.

Para Oliveira, o suicídio pode eventualmente ser encarado como uma forma de protesto ou fuga da situação de cativeiro, mas não pode ser a única explicação. “É preciso sempre considerar a complexidade da experiência da escravidão e a capacidade humana de descobrir formas de viver em condições adversas”, afirmou.

Dos 75 casos de suicídio envolvendo escravos, 48 foram em Campinas e 19 em outras cidades. Com relação às pessoas livres, dos cem casos noticiados de suicídios e tentativas ocorridos na província de São Paulo, 36 se deram em Campinas.

Episódios noticiados
As notícias veiculadas sobre os suicídios variavam de acordo com o status do suicida: se era pessoa livre ou escravo. Era comum a citação dos dados mais importantes sobre o caso, como nome do senhor, nome do escravo, se era foragido, o local e o meio escolhido para o suicídio.

“No caso de suicídios ocorridos com indivíduos mais abastados – não necessariamente senhores de escravos – o jornal trazia uma narrativa diferente: pormenores do caso eram citados, os motivos do ato eram indagados e comentados, além da presença de frases de pesar pela morte do indivíduo e condolências à família”, disse Oliveira.

Apesar de a Gazeta de Campinas contar com colaboradores abolicionistas, não se pode afirmar que a divulgação dos casos de suicídio apresentava uma forte motivação política. Segundo o pesquisador, pode-se supor que o jornal possuía uma aspiração republicana, o que não é o mesmo que dizer que o jornal fosse abolicionista.

“Talvez a publicação de notícias de suicídios de escravos fosse um meio de mostrar a terrível prática que era a escravidão para o público leitor da época, em um esforço de trazer novos partidários para o movimento abolicionista”, apontou.

Os meios preferidos nos atos suicidas diferiam entre homens livres e escravos. Entre os cativos predominava o enforcamento, seguido de afogamento e uso de arma branca. Já entre os livres, destacavam-se o uso de arma de fogo e o enforcamento, seguido de arma branca na mesma proporção que envenenamento e afogamento. O estudo não registrou caso algum de envenenamento entre os escravos.

Os homens (escravos e livres) predominavam nos casos de suicídios e tentativas. O pequeno número de exemplos de mulheres livres, destaca o artigo, pode estar relacionado à posição social, que as tornava restritas ao lar e protegidas da exposição pública de seus atos suicidas, em especial nos casos das famílias importantes.

“Para os escravos, a maior proporção de homens suicidas pode ser, ao menos parcialmente, relacionada ao predomínio masculino nos plantéis da província, inclusive em Campinas. Ainda assim, a participação de escravas nos suicídios efetivados não é pequena, é de quase 40%”, acrescentou Oliveira.

Após 1885, as notícias de suicídios de escravos diminuíram. Mas, de acordo com o pesquisador, é difícil afirmar que isso refletiu diretamente uma efetiva diminuição dos casos ocorridos. “Essa tendência pode ser explicada, como já citado pelo sociólogo francês Roger Bastide, pela crescente propagação das idéias abolicionistas e também pelas perspectivas concretas de obtenção da liberdade, além da diminuição da população escrava”, disse.

Para ler o artigo O suicídio de escravos em São Paulo nas últimas duas décadas da escravidão, de Saulo Veiga Oliveira e Ana Maria Galdini Raimundo Oda, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.

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