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sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Ronaldo Dutra Machado, presente!


História
Edileuza Pimenta
Flamenguista e mangueirense, nascido no Rio de Janeiro em 23 de agosto de 1948, Ronaldo Dutra Machado era um típico jovem carioca de classe média em 1964, quando houve o golpe civil-militar que mergulhou o país num período de vinte anos de censura, repressão, tortura e morte. Guerrilheiro da Ação Libertadora Nacional, organização de luta armada cujo maior líder foi Carlos Marighella, Ronaldo foi preso, vivenciou a tortura em sua forma mais brutal, sobreviveu ao cárcere, foi banido, experimentou um longo exílio, voltou ao país e, em sua morte, já no período supostamente democrático, foi enterrado como indigente, como se tivesse voltado aos velhos anos de chumbo, como se fosse vítima de um revanchismo por parte das Forças Armadas que no passado combatera.

Ronaldo era muito culto e desde cedo se considerava de esquerda. As manifestações de estudantes a partir de 1968 contribuíram para que ele se engajasse de forma definitiva na oposição contra o regime militar, tendo participado da segurança de muitas passeatas, como a dos cem mil, além de ter trabalhado na organização do Congresso de Ibiúna. Nesse período, estudava no Colégio Mallet Soares e tinha um grupo de amigos que se organizavam em torno de um jornal que denominavam "Verdade", uma homenagem a um veículo de nome correspondente, o Pravda, da URSS. Esse grupo era composto por Carlos Eduardo Fayal de Lira, Newton Leão Duarte, Paulo Henrique Oliveira da Rocha Lins, Flávio Molina, Frederico Eduardo Mayr, entre outros, que em pouco tempo se constituíram como um dos Grupos Táticos Armados (GTAs) da ALN no Rio de Janeiro, ao qual se integraram militantes como Jorge Raimundo Júnior. Segundo Newton Leão, nesse grupo "Ronaldo era a vanguarda, ele sempre foi o articulador, era uma liderança aglutinando aquele grupo". Quando veio o vestibular, Newton foi cursar Engenharia, Fayal, odontologia, cada um do grupo resolveu seguir uma carreira e Ronaldo escolheu História, chegando a ingressar na Universidade Federal Fluminense.

Com atuação destacada como guerrilheiro, Ronaldo foi designado pelo próprio Marighella para coordenar as ações da ALN no Nordeste, especialmente em Pernambuco, para onde foi deslocado em meados de 1969. Embora atuasse prioritariamente nesse estado desde então, Ronaldo também participou de ações armadas no Ceará e novamente no Rio de Janeiro. Foi preso em Recife, em março de 1970. As circunstâncias de sua prisão são inusitadas: Ronaldo contou a seu irmão, Alfredo Carlos, mais conhecido como Fadola, que estava almoçando em um bar sem perceber que as armas que carregava em seus bolsos traseiros estavam à mostra; o dono do estabelecimento, pensando que Ronaldo era um bandido, chamou a polícia; o guerrilheiro se fez passar por "puxador" de carros até descobrirem que ele portava um texto do Marighella em francês. Foi solto três meses depois, por estar entre os quarenta presos libertados em troca do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben, seqüestrado em junho daquele mesmo ano por um comando conjunto da ALN e da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

Mais do que solto, Ronaldo foi banido e experimentou um longo exílio de dez anos. Primeiro foi para a Argélia, destino inicial dos quarenta, depois para Cuba, estabelecendo-se, por fim, no Chile de Salvador Allende. Como internacionalista que era, Ronaldo integrou-se ao MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionário) chileno, e estava entre os que resistiram ao golpe de 11 de setembro de 1973, que matou o presidente da Unidade Popular e empossou o ditador Pinochet. Vencida a resistência ao golpe, Ronaldo pulou o muro da embaixada do Panamá, mas, como revolucionário incansável que era, partiu para Portugal em abril de 1974 tão logo recebeu a notícia da Revolução dos Cravos, pois também queria integrar esse processo.

O ano de 1974 foi quando a ALN vivia seu fim e Ronaldo foi começar a refazer sua vida pessoal, chegando a casar-se com uma portuguesa, mas nunca teve filhos. Ainda nesse país, em 1979, Ronaldo foi um dos signatários da Carta de Lisboa, que fundou o Partido Democrático Trabalhista (PDT), sendo célebre os fortes laços que manteve com Leonel Brizola.

Mesmo considerando-se que ficou preso por um curto período, Ronaldo foi submetido a bárbaras torturas, das quais nunca se recuperou. Além da questão física, com o agravamento, devido ao pau-de-arara, de problemas de coluna que ele carregava desde pequeno, Ronaldo passou a ser vítima de depressões profundas, quadro que se agravou mais nesse período, de fim do exílio; quando voltou ao Brasil, em 1980, ele não era mais o mesmo. Sua família e seus amigos mais próximos passaram grande parte da década tentando ajudá-lo a se recuperar de seus altos e baixos, que incluíam, até, alguns episódios em que ele achava que estava sendo perseguido. Ronaldo era o novo frei Tito, aparentemente menos dramático, mas tão afetado quanto, pelas torturas, com a diferença de que não pretendia tirar a própria vida, o que, entretanto, fazia lentamente, pois passou a fumar de forma compulsiva e não deixava de beber mesmo tomando uma série de remédios.

É nesse quadro que sua família recebeu com apreensão, em 1993, a notícia de que ele queria ir para Rondônia. Nessa época, Ronaldo trabalhava na Riotur, mas aceitou o convite de emprego de seu antigo companheiro, José Calistrato Cardoso Filho, também ex-guerrilheiro, que conheceu em Recife. Chegou - com muitos projetos - em Porto Velho, no mês de agosto, para conhecer o lugar onde pretendia se estabelecer.

Na tarde do dia 20 de setembro, Ronaldo Dutra Machado, também conhecido como "Maninho", passou mal na rua, tendo, provavelmente, sofrido um infarto, e foi socorrido por policiais que o encaminharam a um hospital, no qual veio a falecer na noite desse mesmo dia. Na manhã seguinte, seu corpo foi encaminhado à funerária Dom Bosco, cujos funcionários, analisando os documentos do recém-falecido, viram que sua carteira de identidade havia sido expedida pela Marinha do Brasil (o pai, Alfredo Machado, era capitão-de-fragata, tendo sido reformado em 1969).

Então, a providência da funerária foi comunicar o fato à Capitania dos Portos de Rondônia, que alega ter entrado em contato com a família e, por não ter encontrado nenhum responsável por Ronaldo, ordenou que o enterrassem como indigente. É evidente a ilegalidade, a negligência e a má fé do ato cometido pelos militares da referida Capitania: enterrou como indigente alguém que portava todos os seus documentos, registro do hotel em que estava hospedado e cartões de visita com endereço de várias pessoas daquela região, inclusive de Calistrato, acrescido do fato de que o enterro foi feito sem que o corpo antes passasse pelo IML.

Após alguns dias sem saber de seu paradeiro, registrou-se o desespero da família e dos companheiros do ex-guerrilheiro a fim de encontrá-lo, até receberem a revoltante notícia, a qual seguiu-se a correta identificação do corpo ainda em Porto Velho e uma corrida aos jornais, além de ofícios enviados a autoridades militares denunciando a situação absurda da qual foram vítimas.

Essa história está sendo contada porque dela tomei conhecimento recentemente, ao conhecer o irmão de Ronaldo, Fadola. A revolta diante dos militares, que mesmo num regime supostamente democrático continuam cometendo arbitrariedades, e o desejo e a necessidade de fazer justiça trazendo à memória das novas gerações a vida e a trajetória desse ex-guerrilheiro, trouxe à tona a idéia de fazer o translado de seus restos mortais para o Rio de Janeiro, acompanhado de uma cerimônia e de um ato de resistência no dia 23 de agosto, quando Ronaldo completaria 60 anos.

Mais uma vez, entretanto, ocultou-se, senão seu corpo, agora seus restos mortais. Cuidando dos procedimentos administrativos para o translado, Fadola descobriu, desafortunadamente, que os restos mortais de Ronaldo Dutra Machado foram exumados em 1998, levados para um ossário onde permaneceram por mais três anos e, depois, o cemitério, através de uma autorização judicial, doou-os para uma universidade de Medicina. Legalmente ou não, mais uma vez tudo ocorreu sem nenhum aviso à família.

Porém, Ronaldo permanece no meio de nós, por sua trajetória, que nunca deverá ser esquecida. Permanece no meio de nós pelo guerrilheiro firme e combativo que foi, imprimindo, de forma definitiva, sua importância à história da Ação Libertadora Nacional. Permanece no meio de nós pela herança de suas idéias, semeadas em todos os lugares pelos quais passou, pois sua vida sempre foi permeada pela máxima de Carlos Marighella de que não é preciso pedir licença para praticar atos revolucionários.

Ronaldo Dutra Machado, presente!

31-07-2008.

Edileuza Pimenta de Lima é historiadora.

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