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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Quando foi que paramos de nos incomodar com civis mortos em tempo de guerra?

Quando foi que paramos de nos incomodar com civis mortos em tempo de guerra?

Robert Fisk. 31/1/2009, The Independent, UK

Acho que estamos 'naturalizando' a guerra. Não é só porque Israel outra vez safou-se, depois da matança de centenas de crianças em Gaza.

E depois que a própria ministra de Negócios Estrangeiros de Israel disse que o exército israelense recebeu autorização para "enlouquecer" [ing. "go wild"] lá, tudo parece confirmar o que tenho dito, que a "Força de Defesa" israelense é exército tão vagabundo quanto os outros exércitos da Região.

Mas parece que perdemos o senso de imoralidade que se deve esperar que acompanhe todos os conflitos e todas as violências.

A recusa da BBC, de veicular um anúncio de pedido de ajuda para os palestinos é altamente instrutiva. Temos de pôr em discussão a "imparcialidade" da BBC. Em outras palavras, proteger uma instituição foi considerado mais importante que a vida de crianças. A guerra considerada esporte de massa, cujo atento monitoramento – como um jogo de futebol, por mais que o Oriente Médio seja escandalosa tragédia – ganha precedência sobre o sofrimento humano.

Não sei com certeza quando isso começou. Ninguém duvida que a II Guerra Mundial foi banho de sangue de proporções titânicas, mas, depois daquele conflito, implantamos vários tipos de leis para proteger os seres humanos. Os protocolos da Cruz Vermelha Internacional, a ONU – tanto o todo-poderoso Conselho de Segurança quanto a ridícula Assembléia Geral – e a União Européia foram criadas para pôr fim aos conflitos em larga escala. E sim, sei que houve a Coreia (sob bandeira da ONU) e depois foi o Vietnam, mas depois que os EUA retiraram-se de Saigon, criou-se um consenso de que "nós" já não guerreamos.

Estrangeiros, sim, cometem atrocidades em massa – pode-se pensar no Camboja – mas nós, ocidentais superiores, não. Não agimos assim. Guerra de baixa intensidade na Irlanda do Norte, talvez. E daríamos algum jeito no conflito Israel versus árabes. Mas havia um sentimento de que My Lai, nunca mais. Os civis voltaram a ser sagrados no Ocidente.

Não sei exatamente quando a mudança começou. Terá sido a desastrosa invasão israelense do Líbano, em 1982 e o massacre em Sabra e Chatila, pelos aliados de Israel, de 1.700 palestinos civis? (Gaza não bateu esse recorde.) Israel, como sempre, alegou estar lutando "nossa" "guerra contra o terror". Mas o exército de Israel não é o que se supõe que seja e os massacres (lembro do massacre de Cana, em 1996; e das crianças de Marwahine, em 2006) parecem estar associados a isso.

Além do mais, claro, há o assuntinho da guerra Iran-Iraque, de 1980 a 1988, que os ingleses apoiaram entusiasmados fornecendo armas aos dois lados, e o massacre, pelos sírios, de milhares de civis em Hama e...

Não, talvez tenha começado na Guerra do Golfo de 1991. Os rapazes e as moçoilas da televisão deitaram e rolaram – foi a primeira guerra que teve trilha sonora para acompanhar as imagens –, e os soldados dos EUA simplesmente queimaram vivos milhares de soldados iraquianos nas trincheiras, e só soubemos muito depois e nem demos muita bola; e quando os soldados dos EUA ignoraram as regras da Cruz Vermelha que mandam identificar e sinalizar valas comuns, safaram-se também desse crime. Havia cadáveres de mulheres em algumas dessas valas comuns – vi soldados ingleses enterrando cadáveres de mulheres. E lembro que viajei até Mutla, de carro, para mostrar a um delegado da Cruz Vermelha onde eu vira uma vala comum cavada pelos norte-americanos e ele viu uma papoula de plástico [é um broche, espécie de medalhinha distribuída para os que contribuíram para os fundos de apoio aos veteranos dos EUA] presumivelmente deixada ali por um norte-americano e disse: "Alguma coisa aconteceu."

O que ele disse foi que alguma coisa acontecera à lei internacional, às regras da guerra. Haviam sido violadas. Depois veio Kosovo – onde nosso caro Lord Blair pela primeira vez exercitou seus talentos de fazedor de guerra – e mais massacres. Claro, Milosevic era o bandido (embora muitos dos kosovares ainda estivessem em suas casas quando a guerra começou, o objetivo da guerra foi a volta deles, depois da brutal expulsão pelos sérvios). Mas aqui, outra vez, os ingleses violaram algumas regras a mais e safaram-se.

Lembrem o trem de passageiros que os ingleses bombardeamos na ponte Surdulica – e a famosa sequência em que o filme de Jamie Shea é acelerado, para mostrar que quem bombardeou não teria tido tempo para manter o fogo? (A verdade é que o piloto voltou para um segundo bombardeio depois de o trem já estar em chamas, mas essa parte foi cortada no filme.) Depois, o ataque à estação de rádio em Belgrado. E às estradas civis. Depois, o ataque a um hospital no interior. "Alvos militares", disse Jamie. Tinha razão. Havia soldados escondidos entre os pacientes, no hospital. Todos os soldados sobreviveram. Todos os pacientes morreram.

Depois foi o Afeganistão e todo aquele "dano colateral" e vilas inteiras varridas do mapa e depois foi o Iraque em 2003 e dezenas de milhares – ou meio milhão ou um milhão – de iraquianos civis mortos. Mais uma vez, no início, voltamos aos nossos truques ingleses de bombardear pontes e estações de rádio e pelo menos uma residência civil em Bagdá, onde "nós" imaginamos que Saddam estivesse escondido. Sabíamos que estava protegido por um escudo humano (de cristãos, aliás, por acaso), mas os americanos disseram que se tratava de operação "de alto risco" – e 22 civis foram mortos. Vi quando tiraram dos escombros o último cadáver, um bebê.

E não damos sinais de nos incomodar muito. Lutamos no Iraque, agora vamos voltar a lutar no Afeganistão, outra vez, e todos os direitos humanos e proteção devida à pessoa parecem ter evanescido mais uma vez. Arrasaremos vilas e cidades e descobriremos que os afegãos nos odeiam e formarão mais grupos de milícias criminosas – exatamente como fizemos acontecer no Iraque – para lutar contra nós. Os israelenses organizaram milícia semelhante em sua zona de ocupação no sul do Líbano, comandada por um major do exército libanês e fanático. Agora, os soldados ingleses é que "enlouquecerão". E a BBC está preocupada com sua "imparcialidade"?


Artigo original, em inglês em: The Independent


Um comentário:

Daniel disse...

Sobre banalização da guerra e de vidas, recomendo o filme ultra comentado "Zeitgeist", de Peter Joseph. O filme se torna ainda mais interessante quando descobrimos que foi feito de modo caseiro. O diretor lançou o filme no site de videos do Google e deu certo.

Ali temos uma boa interpretação a cerca do que seja a guerra em tempos presentes.

Ai vai o link com legendas em portugues (para assistir sem precisar baixar): http://video.google.com/videoplay?docid=-1437724226641382024&ei=ajaHSYrWI4nWqQK_8pzxCg&q=zeitgeist+legendado

Abraços