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sábado, 7 de fevereiro de 2009

Israel contra Gaza: guerra injusta. 'Autodefesa' contra a paz.

MICHAEL MANDEL, Counterpunch, 5/2/2009



A autodefesa justifica a guerra de Israel contra Gaza?

Levantaram-se objeções a essa alegação, baseadas na necessidade e na proporcionalidade. Matar mais de 1.000 palestinos em três semanas, centenas dos quais crianças, e ferir outros milhares, sob o objetivo alegado de conter a ameaça dos foguetes Qassams que não mataram nem feriram ninguém em Israel durante os seis meses da trégua declarada pelos dois lados, nem antes de Israel ter atacado Gaza dia 27/12, é desproporcional e intolerável em qualquer sistema ético que reconheça que a vida dos palestinos vale o mesmo que a vida dos israelenses.


É tão desproporcional, que não se pode crer que a defesa contra aqueles foguetes tenha sido o verdadeiro motivo da guerra. Ignorar as muitas vias diplomáticas possíveis para deter os mesmos foguetes, por pequena ameaça que sejam – por exemplo: levantar o bloqueio que sufocou Gaza por 18 meses – sugere a mesma interpretação.


Mas há objeção mais fundamental: o princípio auto-evidente, princípio legal e moral, de que o agressor não pode alegar autodefesa para justificar violência contra a resistência provocada pelo seu próprio ato de agredir. Esse princípio está bem claramente manifesto nas sentenças dos tribunais de Nuremberg.

Por exemplo, no que escreveu um dos juízes, em Nuremberg:

"Um dos fenômenos mais espantosos desse caso, ao qual não faltam traços espantosos, é o modo como a guerra de agressão que a Alemanha fez à Rússia foi tratada pela defesa como se tudo tivesse acontecido ao contrário do que aconteceu. (...) Se se assumir que algumas das unidades da resistência russa ou membros da população cometeram atos que são ilegais face as leis de guerra, ainda faltaria demonstrar que esses atos não foram atos de legítima defesa contra ataques lançados contra eles pelo exército invasor. Nos termos da Lei Internacional, como nos termos da lei comum, não há revide ao revide. O agressor agredido por sua vítima não a pode chacinar e, em seguida, alegar legítima defesa" ("Julgamento de Otto Ohlendorf & outros", Tribunal Militar, II-A, 8/4/1948).


Então, quem agrediu quem?

Já não haveria qualquer dúvida sobre quem foi o agressor, tampouco, se o ataque tivesse acontecido antes da retirada de Israel da Faixa de Gaza em 2005. Até ali, Israel já praticava agressão continuada contra Gaza por 38 anos, em ocupação violenta e ilegal, também de outras áreas do território palestino, inclusive de Jerusalém Leste, desde 1967.


Em 2005, a ocupação israelense já havia sido condenada – declarada ilegal –, pelos mais altos órgãos jurisdicionais da lei internacional, especificadamente pela Corte Internacional de Justiça, em sentença de 2004, sobre o muro de separação. Já havia sentença de ilegalidade da ocupação e das colônias de israelenses, as quais violam a lei contra a colonização, e que são elementos-chave na ocupação. Os 15 juízes da Corte Internacional foram unânimes na opinião de que as colônias eram então ilegais; e 13 dos 15 consideraram ilegal também o muro, sob o argumento de que o muro protege as colônias, não a própria Israel, e, portanto, são se qualifica como instrumento de autodefesa.


Os foguetes começaram, de Gaza, em 2001; a primeira vítima israelense é de 2004. Desde então, houve 14 vítimas israelenses, antes da atual guerra. Trágico, sim, mas evidentemente sem importância alguma, se comparadas aos 1.700 palestinos mortos em Gaza no mesmo período. Uma morte é uma tragédia, mas muitas mortes não são só "uma estatística", como pensava Stalin; são a tragédia multiplicada muitas vezes.


Considerada a ocupação por Israel, agressiva e violenta, antes da retirada de 2005, os foguetes de Gaza têm de ser considerados, esses sim, como autodefesa proporcional e necessária ou como revide à agressão pelos israelenses.


A retirada de Israel, de Gaza, em 2005, altera a situação?

Argumentou-se por boa razão, que o bloqueio de 18 meses contra Gaza, principal razão pela qual o Hamás recusou-se a renovar a trégua, é, ele mesmo, o ato de agressão que gerou o direito de autodefesa dos palestinos.


Mas ainda mais importante, embora quase sempre esquecida, é a ocupação continuada, ilegal e agressiva, por Israel, da Cisjordânia e de Jerusalém Leste, e que continuou depois da retirada de Gaza, em 2005. De fato, a retirada de Gaza foi feita com o objetivo de fortalecer a posição israelense nos outros territórios e foi acompanhada de aumento no número de colonos, nas outras áreas, em relação aos que foram removidos de Gaza.


A ocupação da Cisjordânia e de Jerusalém Leste também foi condenada, como a ocupação de Gaza, nas sentenças da Corte Internacional e nas resoluções do Conselho de Segurança. Além disso, pelos Acordos de Oslo, Israel e Palestina acordaram que "as duas partes consideram que a Cisjordânia e a Faixa de Gaza compõem uma única unidade territorial, cujos integridade e status serão preservados no período intermédio."


De fato, quando o Hamás venceu as eleições em 2006, eleições declaradas impecavelmente claras e legais e perfeitas por todos os observadores internacionais, o Hamás ganhou poder legítimo sobre toda a Autoridade Palestina, incluída, é claro, a Cisjordânia (e foi impedido, por Israel, de fazer campanha eleitoral em Jerusalém Leste). Há vários advogados e juristas da Cisjordânia filiados ao Hamás, hoje, presos em prisões israelenses.


O fato básico é que os palestinos da Cisjordânia e de Gaza são um único corpo eleitoral, embora separados por muros, cercas e pontos de controle de fronteira. A retirada unilateral de Israel de uma parte desse único território não torna agressores os habitantes dessa parte do território quando resistam contra a ocupação ilegal do restante do território.


A autodefesa não justifica o ataque nem o bloqueio-sítio que o precedeu. Por que justificaria? Porque o Hamás seria "organização terrorista"? Mas o terrorismo define-se por matar deliberadamente civis para objetivos políticos ilegais e, nessa empreitada, Israel pratica terrorismo muitas vezes mais claro e comprovável, que o Hamás. Porque o Hamás não reconhece a Israel "o direito de existir"? Mas o Hamás ofereceu muitas vezes trégua de longo prazo a Israel, nos termos das fronteiras legais internacionalmente reconhecidas –, que são fronteiras de direito, e é direito do Hamás defender o próprio direito.


Israel diz que isso não basta; que, antes, o Hamás teria de reconhecer a legitimidade de Israel; em outras palavras, que teria de conceder a legitimidade do Estado judeu e tudo o que isso significou para os palestinos. Em outras palavras, como disse, com ironia, um jornalista israelense: Israel insiste em que o Hamás abrace o sionismo, como condição para iniciar conversações de paz.


Nada justifica a violência, nessa ou em qualquer escala. A verdade é que a razão mais plausível pela qual Israel combate o Hamás (e, antes, combateu a OLP) é: autodefesa, até, pode-se dizer que seja; mas não contra foguetes Qassams e, sim, contra o dever de Israel de fazer a paz com os palestinos, nos limites das fronteiras de antes de 1967 – exatamente como exige a lei internacional.


Michael Mandel é Professor na Faculdade de Direito Osgoode Hall da Universidade de York, em Toronto, onde leciona Direito de Guerra. É autor de How America Gets Away with Murder.

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