Por Delton Unglaub
em Canal da Imprensa, sem data
Quase um século e meio depois, a família Frias também reclamava pela liberdade de expressão: "Não há causa que justifique assaltos, assassínios e seqüestros, muitos deles praticados com requintes de crueldade". Entretanto, nesta história, ocorreu o contrário: o jornalista estava do lado do repressor e quem o ameaçava era o reprimido.
No dia 21 de setembro de 1971, a Ação Libertadora Nacional (ALN) incendiou camionetes da Folha que eram utilizadas para entregar jornais. Os responsáveis queriam matar o dono do jornal, Octavio Frias de Oliveira. Ele respondeu ao atentado publicando um editorial - incensurável - na primeira página do dia seguinte.
Apesar da resposta firme, o empresário tomou medidas de segurança. Mudou-se com a família para a sede do jornal. Carlos Caldeira - seu sócio - construiu um apartamento no oitavo andar. Agentes de segurança sugeriram que a família Frias se isolasse. Os vidros de seu apartamento foram vedados e os filhos aprenderam a usar armas.
Com o atentado, a ALN queria mostrar sua revolta contra a Folha da Tarde. Na época, a Folha da Tarde publicava constantemente manchetes como: "Lamarca, o louco, é o último chefe do terror". Com títulos como este, o atentado não deve ter sido surpresa.
No livro Notícias do Planalto, Mario Sergio Conti revela que "até o final de 1968 as organizações terroristas de esquerda destacaram alguns de seus militantes jornalistas para trabalhar na Folha da Tarde", e no "início dos anos 70 foi a vez de policiais dos órgãos de informação da ditadura se assenhorearem do jornal."
Conti ainda revela que houveram inúmeras notícias fraudulentas publicadas pela Folha da Tarde. O jornal noticiava a morte de "terroristas" em situações imaginárias - provavelmente por "jornalistas" formados na escola de Jornalismo do regime. Um exemplo foi o militante Joaquim Seixas, que em 16 de abril de 1970 estava preso, mas "morto" nas páginas da Folha. Agora poderia ser torturado à vontade até, realmente, morrer. Uma ferramenta bastante útil, aparentemente.
No editorial, Frias se indignava e se atemorizava com as ameaças.
"Os ataques do terrorismo não alterarão a nossa linha de conduta. Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca houve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social-realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama. [...] Um país, enfim, de onde a subversão -que se alimenta do ódio e cultiva a violência - está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da imprensa, que reflete os sentimentos deste. Essa mesma imprensa que os remanescentes do terror querem golpear."
(Editorial: Banditismo - publicado em 22 de setembro de 1971; Octavio Frias de Oliveira).
Em defesa própria
Otavio Frias Filho, ainda na universidade, ouviu histórias sobre o envolvimento da empresa da família com os órgãos de repressão política. Numa destas conversas - de pai para filho - perguntou ao pai qual era a verdade. Naturalmente, o pai, "herói", respondeu que se houvesse uma colaboração, ele saberia: "Nunca me pediram isso", garantiu.
"A Folha de S. Paulo nunca foi censurada. Até emprestou uma C-14 [carro tipo perua, usado na distribuição do jornal] para recolher torturados ou pessoas que iriam ser torturadas na Oban [Operação Bandeirante]", afirma o também italiano - assim como Badaró - Mino Carta. Para Carta, quem sofreu com a censura foram apenas O Estado de S. Paulo e o Jornal da Tarde que tiveram de substituir artigos proibidos por poemas de Camões e receitas de bolo.
Na visão executiva da Folha, sua atuação no regime militar passou por diferentes fases. "No contexto da polarização da época, que dividia o País, a Folha aprovou a deposição do presidente Goulart. Esteve sob censura, entre 1969 e 1983, quando a supressão das liberdades públicas atingiu seu ponto máximo. A partir de 1974, o jornal foi uma das principais vozes a reivindicar a democratização do País", defendeu-se o veículo.
Não existem provas consistentes de que houve colaboração do grupo Folha com os órgãos repressores. No regime militar, o capitalismo não foi exatamente incentivado. O fato é que para sobreviver e prosperar neste período a opinião deveria ser volúvel. O grupo era, e é, uma empresa comercial que prosperou durante a ditadura porque não foi contra o poder vigente.
Ao contrário de outros veículos, a Folha não se fixou a uma ideologia. O que moveu este grupo foi o puro e simples capitalismo. A rentabilidade era a prioridade. Ou seja, quando se deparou em uma situação de represália, a Folha de S. Paulo parafraseou Badaró dizendo: "Morre um ideal, mas compra-se a liberdade."
A dica é do Vi o mundo
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