Gideon Levy, Haaretz, 12/2/2009, 13:45
A esquerda israelense morreu em 2000. Desde então, o cadáver andou por aí, insepulto, até que, dia 10/2, veio o certificado de óbito, selado e assinado. O carrasco de 2000 foi o coveiro de 2009: Ehud Barak, ministro da Defesa. O homem que inventou e espalhou a mentira de que não haveria parceiros para a paz colheu agora o fruto, na eleição de anteontem. O funeral aconteceu há dois dias.
A esquerda israelense está morta. Ao longo dos últimos nove anos, pronunciou em vão o nome do campo da paz. Os partidos Labor, Meretz e Kadima aspiraram a falar em nome da esquerda, mas foi só mentira e fingimento. Os partidos Labor e Kadima fizeram duas guerras e jamais pararam de construir colônias de judeus na Cisjordânia; o Meretz apoiou as duas guerras. A paz ficou órfã.
Os eleitores israelenses, já enganados e induzidos a pensar que não haveria parceiros para fazer a paz e que a única solução seria sempre a violência – guerras, "assassinatos seletivos" e colonização – pronunciaram-se claramente na eleição: liquidação de queima de estoque, para fechar, dos partidos Labor e Meretz. Os poucos votos que esses dois partidos obtiveram só chegaram por inércia.
Não haveria por que ser diferente. Muitos longos anos sem praticamente qualquer protesto de esquerda, e a praça calou-se, a mesma praça que ardeu de indignação depois de Sabra e Chatila, calada. O nenhum protesto refletiu-se nas urnas.
Nem o Líbano, nem Gaza, nem as crianças mortas, nem as bombas de fragmentação, nem as bombas de fósforo nem todas as atrocidades da ocupação – nada arrastou para as ruas a esquerda israelense, covarde e indiferente. Várias vezes a esquerda encontrou eco no centro e, vez ou outra, até na direita, todos, do ex-primeiro-ministro Ariel Sharon ao atual primeiro-ministro Ehud Olmert, falaram língua que, antigamente, se considerou radical. A voz era de esquerda, mas as mãos eram mãos de direita.
Na fímbria desse baile de máscaras houve outra esquerda, a esquerda marginal – determinada e corajosa, mas minúscula e pouco representativa. O fosso entre essa esquerda marginal e a esquerda foi supostamente o sionismo. Os grupos Hadash, Gush Shalom e outros estão fora do campo da política em Israel. Por quê? Porque esses grupos são "não sionistas".
E o que é o sionismo hoje? Um conceito datado, velho, nascido de outro mundo e de outra realidade, conceito vago e enganador, para marcar a diferença entre o autorizado e o proscrito. Sionismo significa colonizar territórios ocupados? Significa ocupação? O sionismo autoriza todas as violências, todas as injustiças? E a esquerda empacou.
Qualquer crítica que se fizesse contra o sionismo, ainda que contra o sionismo da ocupação, passou a ser aceito como tabu que a esquerda não se atreveu a quebrar. A direita fez do sionismo monopólio seu. E a esquerda emudeceu.
Um Estado judeu e democrático? A esquerda sionista disse sim automaticamente, apagando as diferenças e sem coragem para demarcar qualquer prioridade. Legitimar e autorizar qualquer guerra e todas as guerras? Outra vez, a esquerda sionista empacou – sim, no começo; e não, logo depois, ou alguma coisa assim. Resolver o problema dos refugiados e o direito de os refugiados voltarem? Denunciar os erros de 1948? O impronunciável. Agora, como era de esperar, a esquerda chegou ao fim dessa estrada.
Quem ainda queira uma esquerda significativa deve, antes, tirar o sionismo do porão e pô-lo para tomar sol. Antes de que nasça dos grupos hegemônicos algum movimento que tenha coragem para redefinir o sionismo, não haverá esquerda em Israel.
Ninguém pode ser, ao mesmo tempo, de esquerda e sionista, se o sionismo é definido pela direita. Quem resolveu que as colônias são sionistas e legítimas, e que não seria nem sionista nem legítimo lutar contra as colônias? É preciso romper esse tabu.
É permitido não ser sionista nos termos em que o sionismo continua definido em Israel. É permitido crer que os judeus têm direito a um Estado e, mesmo assim, ser contra o sionismo que gera a ocupação. É permitido crer que todos devem saber a verdade sobre 1948, pedir perdão pela injustiça e reabilitar as vítimas. É permitido opor-se a todas as guerras desnecessárias desde o primeiro momento. É permitido crer que os árabes israelenses devem ter os mesmos direitos – culturalmente, socialmente e nacionalmente – que os judeus. É permitido levantar todas as questões, até as mais terríveis, sobre a imagem do exército israelense como exército de ocupação. É permitido, até, desejar conversar com o Hamás.
Conforme o que cada um prefira, isso é sionismo ou isso é anti-sionismo. Seja o que for, é legítimo e é essencial para os que não queiram ver Israel destruída pelas insanidades da direita por mais muitos anos. Quem queira que haja esquerda em Israel, tem de dizer "Basta!" ao sionismo – sionismo sobre o qual a direita já assumiu completo controle.
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