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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

“Lutas muito importantes não estão presentes no Fórum Social Mundial”

Entrevista com o economista e historiador egípcio Samir Amin

“Me inquieta muito esse eco que obtêm [no FSM] muitas ONGs do Norte que, na verdade, não são mais que antenas repetidoras do pensamento dominante”.

Samir Amin é, de alguma forma, o elo perdido entre o atual movimento altermundista e os movimentos de libertação dos anos cinquenta. Aos seus 78 anos, este egípcio tem estado em ambos, como teórico e construindo soluções. O economista e historiador se destaca como o teórico que mais radicalmente tem analisado as formas euro-estadunidenses de dominação. Hoje, o diretor do Fórum do Terceiro Mundo de Dakar é um dos coordenadores do Fórum Mundial das Alternativas, olha para o Fórum Social Mundial celebrado em Belém com uma crítica construtiva: Tem que se re politizar o Fórum e “construir a convergência na diversidade”. Senão, adverte, estes fóruns correm o risco de converte-se numa “antena repetidora do discurso dominante”.

Você sustenta que os fóruns sociais correm ricos, digamos, de corte narcísico...

Como eu desejo que esta onda de libertação seja exitosa, seja real, que não se transforma em pura retórica, temos que ser muito severos conosco. Não basta falar que o liberalismo é um absurdo socialmente, ecologicamente e politicamente. Não basta denúncias. Não basta levar adiante batalhas defensivas. As frentes da globalização capitalista são numerosas. Devemos combater ofensivamente, coisa que exige uma perspectiva. Essa perspectiva não pode ser a unificação de movimentos, mas sim deve ser a convergência.

Hoje não é o caso?

Não. Hoje estão segmentadas. Combatem os ataques do sistema, mas não propõem alternativas realizáveis. Temos caído em objetivos de natureza moral, geral, em um plano “a favor de um mundo melhor e mais justo”. Teremos que definir o que é um mundo melhor e mais justo e as estratégias políticas para por-lo em prática! Acredito que agora temos que levantar as questões das estratégicas políticas. Não necessariamente unificar-se em uma organização, mas sim construir uma convergência dentro da diversidade. Frentes diversas, referências culturais diversas, objetivos de transformação diversos, formas de luta diversos, sim... Mas a questão política é central e tem que atravessar tudo isso.

Os fóruns sociais não se atrevem?

Esse é um ponto negativo da segunda leva dos movimentos sociais em sua versão atual: o medo da política. Por que? Porque a política tem decepcionado muito. A socialdemocracia tornou-se liberal-capitalista. O comunismo tornou-se autocracia, em certas ocasiões criminoso. O prjeto de libertação do Terceiro Mundo de Bandung tornou-se uma coleção de autocracias medíocres... por isso, os movimentos sociais decidiram abandonar a política. Mas isso é impossível. Abandonar a política equivale a resignar-se a não transformar o mundo.

Você fala também do risco das ONGs ricas do Norte monopolizarem o discurso nos fóruns sociais.

Sim. Me inquieta muito esse eco que obtêm muitas ONGs do Norte que, na verdade, não são mais que antenas repetidoras do pensamento dominante. Simpáticas, reformistas, cheias de boas intenções e de respostas piedosas, mas nada mais. Estão bem representadas nos fóruns sociais mundiais porque é muito caro ir até eles, organizar-se. Vou dar um exemplo. No Egito, atualmente, tem um movimento social camponês imenso, que tem reunido milhões de manifestantes para frear a contra-reforma agrária planejada pelo governo. Não apareceu em nenhum fórum social mundial. Primeiro porque não tem dinheiro pra ir. Segundo, porque ninguém lhe daria esse dinheiro para ir. Terceiro, porque nem eles mesmos são conscientes de que poderia ser importante ir.

Para você, deve-se abrir os fóruns para os partidos políticos?

Sim. São atores, inclusive as vezes atores capazes de conservar o poder para transformar.. Não é possível continuar negando-se ao contato, ao choque, ao debate, à exigência e inclusive à polêmica com os partidos para formular programas. É hipócrita, por parte das ONGs apolíticas, essa recusa ao contato com o político. De que vivem as ONGs gigantescas do Norte? De subvenções públicas e de fundações, sobretudo norte-americanas. Nem uma nem outra são independentes. Temos que opor à essas ONGs pseudo-apolíticas, outra politização autêntica.

Talvez a a melhor dinâmica não não esteja nos fóruns, senão fora...

Sem ir tão longe, eu acredito que a América Latina está semeando um caminho com sinais positivos. Está demonstrando que a mudança também pode começar por vitórias populares no poder político, saldadas com transformações. Sejam quais sejam as evoluções futuras, as vitórias de Lula, de Chávez, de Morales e de Correa mostram essa possibilidade de vitória popular.

Impossível no Norte?

Complicado, mas não impossível. O capitalismo atual é oligárquico, no sentido estrito da palavra, no sentido de oligarquia ao estilo russo. São um punhado de oligarcas, em escala planetária, não mais que seis mil pessoas, que concentram a riqueza de todos. O objetivo de isolar essa oligarquia pode reunir todas as forças progressistas, humanistas e simplesmente democratas para fazer frente às forças que querem a regressão. Ai você tem uma base social possível para a vitória popular: isolar a oligarquia mundial. Cuidado: no entanto não é uma base eleitoral, mais instável, mas sim uma ampla base social.

Você é pessimista a respeito dos fóruns e otimista quanto a força do que ocorre fora.

De alguma maneira, sim. Os grupos que levaram Chávez ao poder não estavam nos fóruns sociais; o movimento indígena boliviano também não. Pense no Partido Comunista Maoísta do Nepal, que também não está nos fóruns. Fez frente a uma tirania e ganhou a guerra de libertação. Os erros que cometeram depois são outro problema, mas está claro que têm contribuído para libertar um povo. Lutas muito importantes no mundo não estão presentes no Fórum social Mundial.

O original em espanhol se encontra no Rebelion e a tradução em português é gentileza de Antonio Arles

2 comentários:

Anônimo disse...

Conceição,
é sempre um imenso privilégio tomar ciência do pensar do Genial Samir Amin (meu velho professor de Economia dos idos de 1970). Samir faz parte daquele reduzido grupo de seres humanos que tem a lucidez e a inteligência crítica como um dom natural e a serviço da humanidade. No Brasil, conheci Guerreiro Ramos, Álvaro Vieira Pinto, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes e Milton Santos que também eram detentores dessa mesma qualidade. O filme-video "Encontro com Milton Santos", do Sílvio Tendler, por sinal, é recomendável a qualque época. idade e humor.
Meus cumprimentos pela imensa contribuição de seu blog à formação de um pensar crítico.
Um abraço

Jean Scharlau disse...

Enviei esta entrevista como comentário a esta matéria: http://www.rsurgente.net/2009/02/governos-foram-coisa-mais-parecida-com.html