Bem-vindo/a ao blog da coleção de História nota 10 no PNLD-2008 e Prêmio Jabuti 2008.

Bem-vindos, professores!
Este é o nosso espaço para promover o diálogo entre as autoras da coleção HISTÓRIA EM PROJETOS e os professores que apostam no nosso trabalho.
É também um espaço reservado para a expressão dos professores que desejam publicizar suas produções e projetos desenvolvidos em sala de aula.
Clique aqui, conheça nossos objetivos e saiba como contribuir.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

FOLHA AFIRMA EM EDITORIAL: NO BRASIL NÃO HOUVE DITADURA MAS “DITABRANDA”

ABI, intelectuais, leitores e blogueiros criticam duramente posicionamento do jornal.

por Conceição Lemes*

Em editorial publicado na terça-feira, 17 de fevereiro, criticando a vitória do presidente Hugo Chavéz no referendo, a Folha de S. Paulo classificou a ditadura militar brasileira (1964 a 1985) como “ditabranda”

Está no quarto parágrafo:


Mas, se as chamadas "ditabrandas" -- caso do Brasil entre 1964 e 1985 -- partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça-, o novo autoritarismo latino-americano, inaugurado por Alberto Fujimori no Peru, faz o caminho inverso. O líder eleito mina as instituições e os controles democráticos por dentro, paulatinamente.“Branda para quem, cara pálida?” questionou ontem cedo Cristóvão Feil, blog Diário Gauche no post Jornal serrista diz que não houve ditadura, mas ditabranda
Cristóvão Feil argumenta:

1) Quando o próprio Departamento de Estado dos EUA e vários jornais conservadores norte-americanos consideram e reconhecem o caráter popular-democrático dos processos em curso na Venezuela, Bolívia e Equador, o jornal tucano-serrista Folha de S. Paulo – o mesmo que emprestava veículos da sua frota para operações inconfessadas dos órgãos de repressão da ditadura civil-militar de 1964-85 – continua insistindo com a sua cruzada contra Hugo Chávez e outros governantes sul-americanos que estão cortando os laços do Estado com as oligarquias locais.

2) Como se não bastasse, criou um neologismo infame para reconceituar a ditadura brasileira que golpeou Goulart em 1964. Segundo a Folha, nós experimentamos uma “ditabranda”, e alinha motivos de ficção para por de pé esse re-conceito mole e insustentável.

3) Para o jornal da família Frias deve ter sido mesmo uma situação branda, já que se pode imaginar as contrapartidas que o regime de repressão e arbítrio deve ter concedido ao grupo Folha, antes de 1964, editores de um obscuro diário da cidade de São Paulo.

ABI CRITICA DURAMENTE A FOLHA

Mais à tarde, a Associação Brasileira de Imprensa deixou de lado a passividade dos últimos tempos e criticou duramente o posicionamento do jornal. Em entrevista ao Comunique-se, Maurício Azêdo, presidente da ABI, diz que, em sua opinião, a Folha, num só parágrafo, alinha uma série de "equívocos de caráter político e histórico".

"Ao dizer que é uma ‘ditabranda', o jornal esquece, por certo, das mortes ocorridas durante a ditadura. Esquece dos milhares que tiveram seus direitos políticos cassados, que tiveram que se exilar, sem contar os torturados nas masmorras da ditadura. É lamentável que se proceda a uma revisão histórica dessa natureza. O que era negativo passa a ser positivo, dando absolvição àqueles que violaram os direitos constitucionais e cometeram crimes, como o assassinato do jornalista Vladimir Herzog nos porões do Doi-Codi", diz Azêdo.

O presidente da ABI lembra também que o direito ao habeas-corpus foi suspenso durante o regime militar: "Dizer que houve acesso à Justiça é uma falsidade de caráter histórico que deveria causar vergonha à Folha de S. Paulo”. Procurados pelo Comunique-se, o diretor de redação da Folha, Otávio Frias Filho, e o ombudsman do jornal, Carlos Eduardo Lins da Silva, não retornaram os telefonemas até o fechamento da matéria.

“UM TAPA NA CARA DA HISTÓRIA DA NAÇÃO”

Na verdade, o primeiro a repelir publicamente o posicionamento da Folha foi o leitor Sérgio Pinheiro Lopes (São Paulo, SP). Em carta publicada no dia 19 de fevereiro, ele afirma:

"Golpe de Estado dado por militares derrubando um governo eleito democraticamente, cassação de representantes eleitos pelo povo, fechamento do Congresso, cancelamento de eleições, cassação e exílio de professores universitários, suspensão do instituto do habeas corpus, tortura e morte de dezenas, quiçá de centenas, de opositores que não se opunham ao regime pelas armas (Vladimir Herzog, Manuel Fiel Filho, por exemplo) e tantos outros muitos desmandos e violações do Estado de Direito.

Li no editorial da Folha de hoje que isso consta entre "as chamadas ditabrandas -- caso do Brasil entre 1964 e 1985" (sic). Termo este que jamais havia visto ser usado.
A partir de que ponto uma "ditabranda", um neologismo detestável e inverídico, vira o que de fato é? Quantos mortos, quantos desaparecidos e quantos expatriados são necessários para uma "ditabranda" ser chamada de ditadura? O que acontece com este jornal? É a "novilíngua"? Lamentável, mas profundamente lamentável mesmo, especialmente para quem viveu e enterrou seus mortos naqueles anos de chumbo.
É um tapa na cara da história da nação e uma vergonha para este diário."

A Nota da Redação da Folha: “Na comparação com outros regimes instalados na região no período, a ditadura brasileira apresentou níveis baixos de violência política e institucional”.

COMPARATO E BENEVIDES CHAMADOS DE CÍNICOS E MENTIROSOS

Ontem, no Painel, mais repúdios de leitores.

MAURICIO CIDADE BROGGIATO (Rio Grande, RS), diz:
"Lamentável o uso da palavra "ditabranda" no editorial "Limites a Chávez" (Opinião, 17/2) e vergonhosa a Nota da Redação à manifestação do leitor Sérgio Pinheiro Lopes ("Painel do Leitor", ontem). Quer dizer que a violência política e institucional da ditadura brasileira foi em nível "comparativamente baixo'? Que palhaçada é essa? Quanto de violência é admissível? No grande "Julgamento em Nuremberg" (1961), o personagem de Spencer Tracy diz ao juiz nazista que alegava que não sabia que o horror havia atingido o nível que atingira: "Isso aconteceu quando você condenou à morte o primeiro homem que você sabia que era inocente". A Folha deveria ter vergonha em relativizar a violência. Será que não é por isso que ela se manifesta de forma cada vez maior nos estádios, nas universidades e nas ruas?"

LUIZ SERENINI PRADO (Goiânia, GO), afirma:

"Inacreditável. A Redação da Folha inventou um ditadômetro, que mede o grau de violência de um período de exceção. Funciona assim: se o redator foi ou teve vítimas envolvidas, será ditadura; se o contrário, será ditabranda. Nos dois casos, todos nós seremos burros."

MARIA VICTORIA DE MESQUITA BENEVIDES , professora da Faculdade de Educação da USP (São Paulo, SP), horroriza-se:

"Mas o que é isso? Que infâmia é essa de chamar os anos terríveis da repressão de "ditabranda'? Quando se trata de violação de direitos humanos, a medida é uma só: a dignidade de cada um e de todos, sem comparar "importâncias" e estatísticas. Pelo mesmo critério do editorial da Folha, poderíamos dizer que a escravidão no Brasil foi "doce" se comparada com a de outros países, porque aqui a casa-grande estabelecia laços íntimos com a senzala -- que horror!"

FÁBIO KONDER COMPARATO, professor universitário aposentado e advogado (São Paulo, SP), vai fundo:

"O leitor Sérgio Pinheiro Lopes tem carradas de razão. O autor do vergonhoso editorial de 17 de fevereiro, bem como o diretor que o aprovou, deveriam ser condenados a ficar de joelhos em praça pública e pedir perdão ao povo brasileiro, cuja dignidade foi descaradamente enxovalhada. Podemos brincar com tudo, menos com o respeito devido à pessoa humana."

Nota da Redação: “A Folha respeita a opinião de leitores que discordam da qualificação aplicada em editorial ao regime militar brasileiro e publica algumas dessas manifestações acima. Quanto aos professores Comparato e Benevides, figuras públicas que até hoje não expressaram repúdio a ditaduras de esquerda, como aquela ainda vigente em Cuba, sua ‘indignação’ é obviamente cínica e mentirosa”.

A Folha não consegue conviver com o contraditório? Incomoda ver que leitores como Sérgio Pinheiro Lopes, Maurício Cidade Broggiato e Luiz Seredini Prado pensam com as próprias cabeças, não se rendendo a uma possível tentativa de reescrever a história do Brasil e do jornal?

Quanto aos professores Fábio Comparato e Maria Victória Benevides, por que tanta indelicadeza com eles? Será por que obrigaram o jornal enxergar no espelho uma cara que não querem ver? Ou por que, de repente, fizeram a Folha de S.Paulo se relembrar dos tempos em que colaborava com ditadura militar, e sua frota de veículos ficava à disposição do DEOPS?

*Conceição Lemes é jornalista investigativa, especialista em saúde, com trabalhos importantes sobre o fumo, células-tronco, aids, e anemia falciforme. Recentemente tem produzido matérias de denúncia e esclarecimentos sobre a relação entre a indústria do amianto e câncer.

2 comentários:

Zélia Gominho disse...

A opção do Folha de São Paulo nos incomoda; cria um clima semelhante ao do padre que não acredita no holocausto. Chegamos a um consenso que a ditaDURA militar em nosso país foi cruel, creio até que superou a de Vargas; e até mesmo, talvez, à época em que Questão Social era questão de polícia (República Velha). No entanto, saber que o Folha de São Paulo assim se posiciona, nos alerta mais claramente para o grupo sociopolítico que representam. Lembra um tempo em que os jornais assumiam posições político partidárias mais bem definidas e explícitas, e não ficavam dissimulando como hoje em dia. Mas, graças a nós e a Deus, construímos cotidianamente uma democracia, e assim podemos rebater com bons argumentos tamanhos disparates.

Ler o Mundo História disse...

Zélia não é surpreendente vindo da Folha que apoio o golpe, e fazia autocensura, mas de todo mofo é triste, pois em fins da década de 1970 ela teve os Abramo na direção da editoria, mas não sobrou nada desse tempo no jornal atual.
A blogosfera está tentando fazer a parte que lhe cabe.
abraços