Por Rodrigo Vianna em seu Blog- O Escrevinhador
segunda-feira, 02 de fevereiro de 2009 às 13:33
Leitores pedem-me uma opinião sobre o caso Cesare Battisti. Esse é um risco que se corre num (quase) blog como o “Escrevinhador”: somos incentivados a emitir opinião sobre quase tudo. Não conheço, a fundo, a legislação brasileira sobre extradição e asilo político. Por isso, havia optado pelo silêncio.
Mas, dois fatos fizeram-me mudar de idéia nos últimos dias.
Primeiro, a declaração de um parlamentar italiano: Ettore Pirovano, deputado da Liga do Norte, disse que o Brasil não é conhecido “por seus juristas, mas sim por suas dançarinas”. Foi uma tentativa de atacar a decisão do Ministro da Justiça, Tarso Genro, que concedeu asilo a Battisti.
Depois, surgiram as fotos de uma campanha publicitária veiculada em Nápoles e outras cidades italianas. Mostram modelos “apalpadas” por policiais que usam a farda da PM do Rio. E o cenário das fotos é uma praia carioca.
SENHORES, NÃO APALPEM NOSSAS INSTITUIÇÕES!
As fotos parecem depor contra a polícia do Rio (corporação, aliás, conhecida pela violência e os abusos; disso cuidamos nós, brasileiros). E a frase do deputado italiano parece depor contra os juristas brasileiros.
Mas, tanto uma como outras dizem muito também sobre a sociedade italiana. Uma sociedade recalcada ( talvez, pela presença ainda dominante da Igreja Católica), em que os fetiches sexuais são trazidos para a arena política e midiática.
Os homens italianos presumem-se conquistadores irresistíveis. Quem já esteve na Itália, e viu como alguns tipos assediam as mulheres na rua, sabe do que estou falando. São tipos que poderiam ser descritos como machistas, autoritários, arrogantes e egocêntricos.
Seria injusto dizer que esse é o protótipo do homem italiano. Mas a escolha de Berlusconi (machista, autoritário, arrogante e egocêntrico) para liderar o país faz-me pensar que há algo de errado na velha “Bota”. Eles precisam da farda policial para “conquistar” as mulheres que desejam? Que triste fragilidade...
O recurso grosseiro à sexualidade não é prerrogativa da mídia italiana. O Brasil gosta de expor crianças na boquinha da garrafa, e as mulheres são usadas de forma abusiva na publicidade. Esse é assunto para discutirmos seriamente, por aqui.
Mas, a terra de Michelangelo e Dante também precisa apelar para a violência contra a mulher pra vender roupa? Precisa? Então, senhores, usem a farda dos “carabineri”.
Não apalpem nossas instituições!
Ao deputado Pirovano, seria útil lembrar que o fato de termos boas dançarinas não desmerece os juristas brasileiros. O que, por vezes, os desmerece é o mandonismo e o autoritarismo – tradições, essas sim, nefastas e duradouras em nossas terras.
Mas a Itália não fica atrás. Mussolini e Berlusconi estão aí para nos lembrar.
A Itália, diz um amigo jornalista nascido em Bauru, é um país decadente. Certa vez, esse amigo jornalista ousou defender a tese diante de um conhecido jornalista ítalo-
brasileiro. A conversa terminou em pancadaria verbal.
“Dante e Michelangelo são passado. A Itália, hoje, é Berlusconi”, dizia o jornalista de Bauru.
“Vocês, brasileiros, são uns bárbaros, ignorantes”, respondia o ítalo-brasileiro.
Foi um momento de destempero verbal. Os dois são democratas, honestos, ótimos jornalistas. E, depois da discussão, tornaram-se bons amigos.
É preciso lembrar que o mundo moderno deve aos italianos o Renascimento, que ajudou o Ocidente a se iluminar com algum Humanismo. Mas, é preciso lembrar também que, no fundo, muitos italianos acham que o Brasil é mesmo uma terra de "bárbaros" e "ignorantes". E acham que , por isso, podem “apalpar” livremente nossas instituições.
Quando a França decidiu conceder asilo a uma integrante do antigo agrupamento político de Battisti, também condenada na Itália, não houve declarações fortes em Roma, nem ameaças de rompimento diplomático.
Aliás, a França, no governo de Mitterrand, havia concedido asilo ao próprio Battisti, sem provocar nenhum escândalo entre os italianos. O que eles não suportam é ver o asilo concedido pelo Brasil? Isso os diminui?
A princípio, parece-me mesmo não caber asilo diante de um julgamento efetuado por um Estado (ainda) democrático, como a Itália. Battisti não é perseguido por uma ditadura. É um homem condenado, num processo conduzido de forma aparentemente civilizada. Esse é um fato.
Acontece que o Ministro da Justiça do Brasil, em nome de um Estado também democrático, decidiu conceder o asilo a Battisti. A decisão pode ser contestada com bons argumentos, pode ser inclusive alterada pelo STF. Esse também é um fato.
Não consigo entender porque isso fere a “honra” e a “soberania” dos italianos. Há recalques de toda sorte aí embutidos. Talvez, a auto-imagem dos italianos não tenha se recuperado desde a derrota na Segunda Guerra. Precisam vingar-se, mostrando-se fortes frente a uma jovem nação sul-americana?
Mas, deixando os recalques de lado, outros fatos também merecem ser lembrados:
- Battisti foi condenado por quatro homicídios, com base no testemunho de um ex-integrante do grupo de extrema-esquerda ao qual pertencia;
- esse ex-integrante do grupo fez acordo de delação premiada com a Justiça italiana; imagina-se que, para salvar a própria pele, esse ex-companheiro de armas possa ter atribuído a Battisti crimes não cometidos;
- Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália; essa pena é vedada por nossa Constituição, o que poderia ser utilizado como argumento na concessão do asilo.
São conjecturas, apenas.
Em nome da memória de Gramsci e Norberto Bobbio, é preciso respeitar as instituições italianas. Não resta dúvida.
Da mesma forma, rogamos aos nobres seguidores de Berlusconi: mantenham a compostura, senhores! Talvez, nossas dançarinas possam ajudá-los a superar alguns tristes recalques... Mas, até para isso é necessária alguma elegância. O que parece faltar na Itália de hoje.
Um comentário:
Ótimo post.
Eu também nem me preocupava muito com esse caso e até não entendia muito bem porque o Brasil não extraditava o Battisti logo e colocava um ponto final nesse assunto. Mas, lendo este post vi que há mais coisas nas entrelinhas.
Inclusive, escutei em um papo informal com amigos que o posicionamento do Tarso Genro foi uma leve retaliação pela não estradição Cacciola naquela época... Se bem me lembro, o Cacciola teve que ser preso em Mônaco. Enfim, verdade ou não, quero ver o fim dessa novela.
abraços
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