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terça-feira, 31 de março de 2009

Atas das sessões do Conselho de Segurança Nacional

Atas das sessões do Conselho de Segurança Nacional já podem ser acessadas online

Em cumprimento ao decreto n. 5.584, de 18 de novembro de 2005, o Arquivo Nacional recebeu no último dia 5 de março as atas do Conselho de Segurança Nacional.

A Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas manteve a classificação de sigilo sobre trechos de algumas atas, conforme consta no Termo de Recolhimento. Por esta razão, as imagens apresentam, eventualmente, trechos tarjados.

Para acesso rápido aos livros de registro das atas, clique em atas. Pressionando-se a seta, ter-se-á acesso a informações sobre as atas contidas em cada um dos livros, assim como às imagens correspondentes (ícone arquivo digital).

Para informações sobre o fundo Conselho de Segurança Nacional, entre em Sistema de Informações do Arquivo Nacional - SIAN, Pesquisa Multinível, e busque por Conselho de Segurança Nacional. Clicando na lupa, serão exibidos dados gerais sobre o acervo. Clicando-se na seta sucessivamente, serão exibidos os níveis de descrição correspondentes à estrutura de organização dos documentos. Em cada um dos níveis, a lupa exibirá as informações pertinentes.

Para facilitar a visualização e o download dos arquivos, existe a opção de acesso ao arquivo integral ou a partes menores.

Olhos azuis, olhos castanhos poder e etnicidade em jogo

Semana passada o presidente Lula ao falar dos países que com suas políticas irresponsáveis arrastaram o mundo para uma crise global, na qual mais uma vez os países pobres são os mais vitimados usou a metáfora étnica, atribuindo a responsabilidade da crise aos banqueiros brancos (anglo-saxônicos de olhos azuis, dizendo que não conhecia banqueiros negros e indígenas/indianos que determinassem a política econômica global).

Aqui no Brasil, rapidamente a elite branca com ou sem olhos azuis se indignou, o jornalista barrigueiro Noblat, mais conhecido como Noblabát abriu logo um post pra criticar o "presidente sem noção", mal sabia ele que a imprensa mundial, aquela que esses jornalistazinhos da imprensa tupiniquim querem tanto imitar deu uma trela danada ao presidente Lula e vários jornais noticiaram de modo simpático e com abordagens que reafirmam a metáfora do presidente ex-metalúrgico. Segue dois textos nesta linha.
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Cobiça de olhos azuis?*

por MAUREEN DOWD, no New York Times, 29/03/2009

WASHINGTON -- Quando se fala em eventos lunáticos internacionais, é duro bater o papa que disse que camisinhas espalham AIDS. Mas o presidente do Brasil, conhecido simplesmente por Lula, tentou. Numa entrevista coletiva quinta-feira com o primeiro-ministro britânico Gordon Brown -- que tem talento para se colocar em situações difíceis -- Lula começou por engasgar com um pão de queijo que havia engulido. Então ele se tornou acusador. "Essa crise foi causada pelo comportamento irracional de gente branca de olhos azuis, que antes da crise parecia saber de tudo e agora demonstra que não sabe de nada", acusou o presidente socialista, barbudo e de olhos castanhos.

Enquanto Brown, de olhos castanhos, assumia um novo tom de palidez, Lula martelou o ponto óbvio de que os pobres do mundo estão sofrendo no crash global por causa dos ricos. "Eu não conheço nenhum banqueiro negro ou indígena", disse Lula. [Nota do site: Lula falou em indiano, "indian", não em indígena]. Ele também disse à CNN que trataria deste assunto na reunião do G-20 em Londres nessa semana. Ele disse que seu passado como pobre, faminto e desempregado dá a ele uma visão especial. "Vivi em casas que sofriam enchentes", ele disse, acrescentando, "algumas vezes, eu precisava lutar por espaço com ratos e baratas e lixo entrava em casa quando enchia".

O "lulu de Lula", pelo "nut do Brasil" [doido brasileiro], como batizou o New York Post, se tornou notícia importante justamente quando o presidente Obama se encontrava na Casa Branca com Vikram Pandit e uma turma de banqueiros que aceitaram o resgate -- alguns dos quais, como Jamie Dimon, tem distintos olhos azuis. E é verdade, naturalmente, que os líderes anglo-saxões da casta superior que permitiram que os mercados financeiros americanos se tornassem um cassino, George W. Bush e Dick Cheney, eram homens brancos, bem brancos, de olhos azuis. Como o Who cantava: "Ninguem sabe o que é ser um homem mau, ser o homem triste por trás dos olhos azuis. Ninguem sabe o que é ser odiado, o que é ter como destino contar apenas mentiras".

Todas as vezes que Cheney olha para uma câmera com aqueles olhos azuis gelados e diz que o presidente Obama está nos tornando menos seguros, soa como se ele secretamente estivesse desejando um novo ataque contra os Estados Unidos apenas para provar que Obama é fraco, mesmo que no processo ele também vire fumaça. (Quando fui checar a cor dos olhos de Cheney, a filha dele, Liz Cheney, de gozação me mandou um e-mail de volta, "Desculpe, mas essa informação é confidencial").

Antes do presidente Obama, cujos olhos castanhos são opacos se você olhar diretamente neles, os presidentes ficaram mais conhecidos por ter olhos azuis. Aqueles que tinham olhos castanhos, Richard Nixon e LBJ, foram um punhado. Através da história, seja na imagem de Cristo que não parece originário do Oriente Médio ou nas Barbies que não são étnicas, olhos azuis e pele branca serem foram pintados como ideais. Paul Newman com seus olhos celestiais certa vez predisse seu epitáfio: "Aqui jaz Paul Newman, que morreu fracassado porque seus olhos se tornaram castanhos".

Pesquisas mostram que pessoas de olhos azuis são mais inteligentes, atraentes e sociáveis. Um estudo de 2007 da Universidade de Louisville concluiu que pessoas de olhos azuis são melhores planejadores e pensadores estratégicos -- superiores em coisas como golfe, corrida cross-country e na preparação para exames --, enquanto as pessoas de olhos castanhos tem melhores reflexos e são bons em hóquei e futebol americano.

A fala de Lula reflete uma rivalidade antiga. Quando eu era pequena, crescendo numa casa onde eram mostrados de forma proeminente um Jesus de olhos azuis e um JFK de olhos azuis, eu sentia que meus olhos castanhos eram muito menos atraentes que os olhos azuis de meu irmão. Eu fui tão obcecada por isso que recortei a foto de um modelo de olhos castanhos e colei em meu caderno, levando minha mãe a finalmente garantir: "Você olha para olhos azuis. Você olha dentro de olhos castanhos". Mais tarde, naturalmente, houve o excitação de ouvir o Van Morrison cantando para a "Menina de olhos castanhos".

Antes de Barack Obama, quando eu entrevistei filhos de imigrantes que estavam pensando em concorrer à presidência, Mario Cuomo e Colin Powell, eles pareciam em dúvida quanto a se atirar na campanha, dado que já tinham avançado muito em relação aos próprios pais. Eu perguntei ao governador Cuomo se ele estava deixando o campo aberto "para os privilegiados anglo-saxões de olhos azuis" como Bush pai e Dan Quayle, que achavam que tinham direito natural a isso e nunca se preocuparam com seu próprio valor. Barack Obama e sua família já tiveram um profundo efeito na cultura em termos do que é a beleza. Rostos negros estão aparecendo em todo tipo de propaganda agora -- vestindo roupas chiques em anúncios da Ralph Lauren. Com Michelle pedindo aos estudantes que busquem tirar 10 e Obama prometendo que vai tornar as escolas "cool", os olhos castanhos podem finalmente -- e com todo direito -- ultrapassar os azuis como as "janelas dos vencedores".

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A reputação manchada dos Estados Unidos*

PAUL KRUGMAN, no New York Times, 29/03/2009

Dez anos atrás a capa da revista Time mostrou Robert Rubin, então secretário do Tesouro, Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve e Lawrence Summers, então subsecretário do Tesouro. A Time os definiu como "o comitê para salvar o mundo", dando a eles crédito por liderar o sistema financeiro global através de uma crise que parecia terrível na época, embora um pequeno abalo comparada com a que estamos atravessando agora.

Os três homens naquela capa eram norte-americanos, mas ninguem considerou aquilo estranho. É que em 1999 os Estados Unidos eram inquestionavelmente líderes na resposta global à crise. Aquele papel de liderança era apenas parcialmente baseado na riqueza norte-americana; era também, num grau importante, reflexo do papel dos Estados Unidos como modelo. Os Estados Unidos, todos pensavam, eram o país que sabia como fazer "finanças" corretamente.

Como os tempos mudaram.

Deixemos de lado o fato de que dois membros daquele comitê desde então sucumbiram à maldição da capa, a perda de reputação que geralmente sucede àqueles bajulados pela mídia. (O sr. Summers, agora chefe do Conselho Econômico Nacional, ainda está forte). Muito mais importante é como nossas alegações de estabilidade financeira -- normalmente invocadas quando cobravamos mudanças em outros países -- se provaram ocas.

De fato, nos dias de hoje, os Estados Unidos parecem o Bernie Madoff das economias: por muitos anos tiveram respeito, mesmo admiração, mas agora se revelam uma fraude.

É doloroso ler agora uma palestra que o sr. Summers deu no início de 2000, quando a crise econômica dos anos 90 estava terminando. Discutindo as causas da crise, o sr. Summers apontou coisas que os países em crise não tinham -- e, por implicação, que os Estados Unidos tinham. Essas coisas incluíam "bancos bem capitalizados e supervisionados" e contabilidade corporativa transparente e confiável. Quem diria.

Um dos analistas citados pelo sr. Summers na palestra, aliás, é o economista Simon Johnson. Em um artigo na edição atual da revista The Atlantic, o sr. Johnson, que foi economista-chefe do FMI e agora é professor do MIT, declara que as atuais dificuldades dos Estados Unidos são "chocantemente reminiscentes" das crises em lugares como a Rússia e a Argentina -- inclusive o papel-chave de capitalistas embusteiros.

Nos Estados Unidos, como no terceiro mundo, ele escreve, "interesses de negócios da elite -- financeira, no caso dos Estados Unidos -- tiveram um papel central na criação da crise, fazendo jogadas cada vez maiores, com apoio implícito do governo, até o inevitável colapso. Mais alarmante, eles agora usam sua influência para evitar precisamente o tipo de reformas necessárias, rapidamente, para tirar a economia de seu mergulho".

Não admira, assim, que num artigo de ontem do Times sobre o tipo de resposta que o presidente Obama receberá na Europa o título era "Capitalismo-que fala-inglês em julgamento".

Para fazer justiça, devemos dizer que os Estados Unidos estão longe de ser a única nação em que os bancos endoidaram. Muitos líderes europeus se negam a admitir os problemas econômicos e financeiros do continente, tão profundos quanto os nossos -- embora a rede de seguridade social muito mais forte lá significa que vamos experimentar muito mais sofrimento humano. De qualquer forma, é um fato que a crise custou aos Estados Unidos muito da sua credibilidade, e com isso muito de sua capacidade de liderar.

E isso é muito ruim.

Como muitos outros economistas, tenho revisitado a Grande Depressão procurando lições que podem nos ajudar a evitar uma repetição de performance. E uma coisa que chama a atenção na história do início dos anos 30 é como a resposta do mundo foi abalada pela inabilidade das maiores economias do mundo de cooperar.

Os detalhes de nossa crise atual são muito diferentes, mas a necessidade de cooperação não é menor. O presidente Obama acertou na semana passada quando declarou: "Todos nós temos de dar passos para levantar a economia. Não queremos uma situação em que alguns países fazem esforço extraordinário e outros não".

Ainda assim esta é a situação em que estamos. Não acredito que mesmo os esforços econômicos dos Estados Unidos são adequados, mas são muito maiores que os que outros países ricos estão dispostos a fazer. E, por direito, essa cúpula do G-20 é a ocasião para que o sr. Obama cobre de líderes europeus, em particular, que usem todo seu peso.

Mas nos dias de hoje os líderes estrangeiros não estão dispostos a aceitar lições de autoridades americanas, mesmo quando -- como é o caso -- elas estão certas.

A crise financeira teve muitos custos. E um destes custos é o dano à reputação dos Estados Unidos, um bem que perdemos justamente quando nós e o mundo mais precisamos dele.

*A tradução para o português de ambos os textos foi publicada no Vi o Mundo


domingo, 29 de março de 2009

Raposa Serra do Sol, vitória indígena, mas meia vitória

A Entrevista abaixo dada pelo indígena Julio Macuxi, do CIR- Roraima, ao Brasil de Fato avalia a votação do STF em relação a demarcação das terras indígenas da Raposa Serra do Sol, Roraima.

Vale a pena retomar o debate, pesquise no blog pelas tags Raposa Serra do Sol, Roraima, questão indígena, direitos socioambientais, direitos originários, direitos indígenas, direitos constitucionais, e temas correlacionados.

Reveja o documentário do Luiz Carlos Azenha L
uta na Terra de Makunaima, reproduzido neste blog e depois leia a entrevista a seguir para avaliar os resultados.

Segundo Júlio Macuxi, apesar de o STF ter garantido a demarcação das terras indígenas na Raposa Serra do Sol de modo contíguo e não em ilhas como defendia os arrozeiros da região, as condicionantes impostas ferem normas constitucionais.


Atualização 19:20

Reproduzo duas boas dicas das leitoras e blogueiras Tita Ferreira e Zélia Gominho:

No blog da professora Zélia Gominho (GOMINHOS DA HISTÓRIA) leia o texto do professor Edson Hely Silva: "HISTÓRIA, POVOS INDÍGENAS E EDUCAÇÃO: (RE)CONHECENDO E DISCUTINDO A DIVERSIDADE CULTURAL e no blog da Tita Ferreira, consulte o texto de Roberto Antonio Liebgott, Vice-Presidente do Cimi, "NOSSOS ÍNDIOS' E NOSSA CONSTITUIÇÃO, no qual ele afirma:
"As condicionantes impostas pelo STF são uma clara manifestação dos interesses desenvolvimentistas, hoje ressignificados, por exemplo nos Programas de Aceleração do Crescimento. Eles se sobrepõem às garantias sociais e aos direitos coletivos, resguardados a partir de um longo e expressivo processo de negociação que se instituiu durante a elaboração da atual Carta Magna."




Para indígena, condicionantes do STF ferem Constituição

Válidas não somente para a Raposa Serra do Sol, as condicionantes determinam, entre outros pontos, a impossibilidade de ampliação de áreas indígenas demarcadas


Patrícia Benvenuti
Da Redação

Ainda que a demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, seja considerada uma vitória para os povos indígenas, as condicionantes impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do dia 19 podem representar uma ameaça aos direitos indígenas já conquistados.

Válidas não somente para a Raposa Serra do Sol, mas também para futuros processos demarcatórios ou para aqueles já em andamento, as 19 condicionantes determinam, entre outros pontos, a impossibilidade de ampliação de áreas indígenas demarcadas e a liberação da implementação de projetos de infra-estrutura sem consultar as comunidades.
Na avaliação do líder indígena Júlio Macuxi, do Conselho Indígena de Roraima (CIR), várias dessas condições descumprem os direitos dos povos indígenas expressos na Constituição brasileira. Ele recorda, porém, que o desrespeito do poder público às nações originárias existe desde que a Carta Magna está em vigor.

Macuxi lembra que a Constituição brasileira prevê a demarcação de todas as terras indígenas brasileiras em até cinco anos após sua promulgação. “Isso foi dito, mas o poder público, o Ministério Público, o governo, o Congresso, o Supremo e a Justiça não obedeceram esse prazo", avalia.

Na entrevista a seguir, Macuxi fala sobre as consequencias das restrições impostas pelo STF aos indígenas brasileiros, e as futuras batalhas dos povos no reconhecimento de suas terras e seus direitos.

Brasil de Fato – Qual o significado da demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol?

Júlio Macuxi – A demarcação contínua abrange e garante a cultura dos povos da Raposa Serra do Sol e também de outras terras indígenas. Ela garante não só a cultura, mas a sobrevivência física dos povos indígenas e também a possibilidade de crescimento em relação à pecuária, à produção agrícola, de hortaliças, sítios, pomares, e com a possibilidade de colocar seus produtos 100% naturais no mercado. Por exemplo, no município de Normandia, em Roraima, a economia funciona com recursos das comunidades indígenas. Esses investimentos geram um crescimento econômico e contribuem com o Estado. Lamentavelmente, o governo estadual se colocou na posição de anti-indígena, e aí, consequentemente, excluiu os povos indígenas de Roraima, não só da Raposa Serra do Sol, de seu plano de desenvolvimento econômico, social e ecológico.

Junto com a decisão sobre a reserva, o STF estabeleceu 19 condicionantes válidas não só para esse caso, mas para processos
demarcatórios futuros ou já em andamento. De que forma essas condicionantes podem ser um entrave às conquistas indígenas?


O primeiro ponto é a decisão da demarcação das terras indígenas ser contínua, e não em ilhas. Mas, ao mesmo tempo em que ele define que deve ser contínua, veta a ampliação de terras indígenas. O que será feito com demarcações que já foram feitas em ilhas? Como vai ficar a situação delas, uma vez que o Supremo decidiu que o formato das terras indígenas tem que ser contínuo? Como as comunidades vão viver, se há ausência do poder público, de políticas públicas tanto no Congresso quanto nos governos estadual e municipal? Falta essa política pública.

Em relação à condicionante que prevê que áreas já demarcadas não podem mais ser ampliadas, inclusive aquelas que tiveram demarcação antes da Constituição de 1988, como essa restrição prejudica os direitos indígenas?


Ela prejudica bem concretamente. No início das demarcações, o próprio órgão indigenista foi, em certos momentos, contra os povos indígenas. Ou seja, na época em que estavam demarcando, os povos não tinham instrução para lutar pelos seus direitos. Assim, demarcaram terras pequenas. E hoje, essas terras pequenas são um agravante, como no caso dos povos Guarani, pois entra a questão da cultura, da sobrevivência cultural, que não existe mais. Essas terras indígenas têm que ser ampliadas, é um direito originário das comunidades.

O caso dos Guarani-kaiowá, no Mato Grosso do Sul, é um exemplo disso?


Isso, essas terras têm que ser ampliadas. Agora, se tem outro mecanismo de ampliação, deve ser colocado claro para se seguir essas regras. Essas terras que foram demarcadas em áreas pequenas tem que ser ampliadas. A não ser que queiram, de fato, acabar com aquele povo.

O STF também estabeleceu um marco temporal para processos de demarcação, que determina que devem ser reconhecidas as ocupações indígenas que ocorriam em outubro de 1988, quando foi promulgada a atual Constituição. Mas como fica a situação dos povos que, por alguma razão, não puderam mais continuar em suas terras tradicionais?


O Supremo e o próprio poder público não cumpriram com a Constituição, porque ela prevê que, a partir de sua promulgação, todas as terras indígenas do Brasil têm que ser demarcadas em até cinco anos. Isso foi dito, mas o poder público, o Ministério Público, o governo, o Congresso, o Supremo e a Justiça não obedeceram esse prazo. O segundo ponto é que os povos indígenas já habitavam e habitam o Brasil há muito tempo. Culturalmente, eles foram nômades, e só pararam porque o Brasil foi invadido, não descoberto. Esses povos têm seu direito, e nós vamos lutar por ele, para que seja de fato respeitado. E a Constituição, quando diz que é o direito originário, tem que ser respeitada.

Uma das condicionantes, a de número 17, determina que a implantação de projetos de infra-estrutura, como alternativas energéticas e de malha viária, não precisarão mais da consulta das comunidades indígenas envolvidas – o que contraria uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Isso não compromete os direitos indígenas?


Isso contraria a própria Constituição e outras leis brasileiras. Por exemplo, os povos indígenas não têm direito a consulta, mas outros cidadãos brasileiros têm direito. Vai construir uma hidrelétrica, ocorrem consultas, tem audiências públicas, tem tudo isso, e para os povos indígenas não? É um absurdo. É um direito de livre de expressão que os povos indígenas têm, mas, se não for respeitado, nós vamos questionar essa decisão.

Há mais alguma condicionante considerada prejudicial aos povos indígenas?


Tem a questão das Forças Armadas, a construção de bases militares. Nós nunca fomos contra as Forças Armadas, principalmente o Exército Nacional. Acontece que o próprio Exército está errando muito, e ele ignora as comunidades. Vai lá e constrói uma base próximo ou dentro de uma comunidade indígena e acha que está tudo legal. Isso é um ponto. O outro é que [o Exército] vai contra suas atribuições, porque sua atribuição não é abusar de mulheres indígenas, não é invadir comunidades. E por que hoje o Brasil tem a ausência do poder público na fiscalização de drogas e armas na nossa fronteira? Porque o Exército está ausente.

Na sua opinião, como essa demarcação deveria ter sido feita? Haveria necessidade, por exemplo, dessas condicionantes?


Foram abertos novos precedentes que não estavam dentro do pedido da ação, e colocaram alguns pedidos que nenhuma das partes fez. Acho que isso é uma ilegalidade. A Raposa Serra do Sol foi julgada contínua, trabalhamos para isso e conseguimos, mas acho que o Supremo, nesse sentido, teria que esperar a manifestação do Congresso, que estaria discutindo as leis que dizem direito aos povos indígenas, no caso do Estatuto. Então, o STF legislou e atropelou o poder no Brasil.

O que deve ser feito em relação a essas condicionantes contrárias ao interesse indígenas?


Nós estamos estudando. Se houver algo grave, vamos recorrer para reverter questões que não condizem com a realidade ou que atropelam as comunidades indígenas.


segunda-feira, 23 de março de 2009

A riqueza afetiva e cultural não dá dinheiro

A crise e os 700 bilhões do Obama.

Por Cezar Migliorin

22 de março de 2009, extraído do site Vi o mundo



A crise do capitalismo não deve ser comemorada por nós que nos últimos tempos louvamos a gratuidade e os valores imateriais?

A crise é fruto da mudança de paradigma do capitalismo. Todos os serviços, ciências e produtores de bens imateriais, culturais irão se acomodar, mas aqueles ligados ao capitalismo moderno sairão mal das pernas.

A raridade é o que está em crise. Quem demite é quem produz bens materiais, caros, poluentes, destruidores do meio ambiente. A incoerência do capitalismo contemporâneo abalou o centro do capitalismo. Não pagamos para nos comunicar, nos divertir, nos informar. Essa é a crise irreversível. Como disse o André Gorz, isso não é o capitalismo em crise, mas a crise do capitalismo, muito antes de novembro de 2008.

É risível ler que o congresso americano aprovou um plano de mais de 700 bilhões de dólares! Obama está vacilando. Ele tem a faca e o queijo para mudar o mundo, mas está optando em salvar o mundo velho. Na verdade está apenas adiando a morte desse capitalismo com uma retórica verde. Todo esse dinheiro deveria estruturar uma sociedade da gratuidade: comunicação, ciência, educação, cooperação, transporte limpo e público.

O capitalismo moribundo é do excesso material e protéico. Menos soja e menos ferro no mundo é ruim para a Vale e para o Mato Grosso, mas ótimo para a diversidade da Amazônia e para o engarrafamento da Marginal. O crescimento excepcional com o modelo atual em um mundo finito é inviável (as vezes é necessário dizer o óbvio). A crise é da riqueza.

A mudança de paradigma energético chegou com o colapso do sistema. Achávamos que teríamos que criar um novo modelo para fazer uma substituição, mas o colapso veio antes. Um novo paradigma energético, sustentável, se impõe. O momento é de inventar o novo e não gastar as reservas com o velho.

A política de muitos bilhões de dólares para salvar GM esquece que aqueles 47000 trabalhadores são desnecessários lá dentro, mas necessários para um mundo em que a GM não é o centro. Viva as demissões! Cada engenheiro deveria receber dinheiro para criar fora da GM, cada trabalhador para fazer o seu projeto com os amigos. Da GM poderiam sair 500 empresas incubadoras para mudar o mundo. Mas não, Obama erra, apóia a produção do que só alguns podem ter em detrimento do que é universal.

Os demitidos do capitalismo morto não são desempregados, mas emancipados. Evidentemente, na grande mídia, associada ao moribundo, ouviremos a história pessoal de José que trabalhava em uma empresa que fornecia borracha para a GM e agora está sem emprego. Sofremos por 3 segundos!

Ouviremos a história de Antonia que era doméstica na casa de José e foi dispensado. Sofremos por 2 segundos! Seremos bombardeados de narrativas pessoais tentando sustentar o moribundo. E os 700 bi? Porque a GM e não as pessoas, as verdadeiras potências de transformação? Elas não deixaram de ser produtivas porque não tem trabalho, pelo contrário.

Mais vale a empregada doméstica com os filhos ajudando na escola na hora da merenda ou fazendo o bolo dos aniversários do que passando 4 horas por dia em um velho trem com motor alemão. A riqueza que essa mulher gera na sua comunidade não pode ser medida com os mesmos termômetros utilizados pela Toyota e por Obama, e isso é insuportável, eles não entendem, para essa riqueza afetiva e cultural não há dinheiro. O capitalismo está sendo destruído pelas potências humanas, pelo o que podem os homens e as mulheres fora de uma fábrica.

Menos de 0.5% da população americana possui 56,2% dos meios de produção. Para quem estão indo os 700 bi? O José e a Antonia servem para convencer a opinião pública que essa ínfima parte da população deve ser salva pelos governos do mundo. O mesmo vale para Merkel, Zapatero, Sarkozy. José perdeu o emprego porque a apropriação privada que a empresa dele faz da borracha que ela exporta para a GM está morrendo. Mas para garantir esse modelo, Obama tem 700 bi.

A crise é salutar, expõe as entranhas de um mundo inviável e falido. Os valores de uso - simbólicos, imateriais, estéticos,intelectuais, comunicacionais, afetivos e gratuitos - tomam o lugar dos valores materiais - privados, poluentes. O que é material hoje custa pouco. Um celular é quase de graça, um computador custa menos que uma mensalidade escolar. O consumo de cultura nos países ricos supera o consumo material. Segundo Rifkin (A idade do Acesso), em 2050, apenas 5% da população mundial estará envolvida na produção de bens industriais como conhecemos.

No Brasil e nos países com carências básicas, em momento de crise e desemprego se constrói esgoto, no primeiro mundo se faz guerra, se consome balas, se gasta ferro, borracha e petróleo. Os 700 bi do Obama são necessários para o mesmo poder que faz a Guerra na Palestina. Viva o povo da Somália, Viva o Mali.


Cezar Migliorin é professor do departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Só agora a Folha descobriu: Isarael cometeu CRIME DE GUERRA

Durante todo o período da ocupação denominada cinicamente por Israel de “soldadinho de chumbo” (Cast Lead) publiquei neste blog uma série de artigos de jornalistas, ativistas pela paz e estudiosos sobre a ocupação sionista na Palestina, mais conhecido como Estado de Israel.

Se você acabou de chegar por aqui, faça uma busca com palavras chaves como: ocupação palestina, sionismo, Israel, crime de guerra, crime contra a humanidade, genocídio e termos correlatos vc encontrará textos, fotografias, charges que problematizam historicamente a ocupação na Palestina, além de textos contundentes que denunciavam a barbárie levada a cabo nos quase 30 dias de ataques israelenses ao povo palestino de Gaza, sob olhar condenscendente dos líderes mundiais (com raras exceções como Hugo Chavez e Evo Morales que condenaram o massacre).

Hoje a Folha de São Paulo descobriu o Haaretz, jornal em que escreve Gideon Levy, autor que você encontrará por aqui.
Na matéria abaixo, membros do exército israelense relatam que asssasinaram civis, famílias inteiras ’só porque podiam’ fazer isso.


Israel já sofreu duas condenações internacionais. Espero que os chefes do Estado, Forças Armadas e todos envolvidos neste genocídio do povo palestino sejam punidos e que os líderes mundiais façam Israel cumprir os acordos assinados e desocupem a Palestina, ponham fim ao famigerado bloqueio à Gaza e que os palestinos da Cisjordânia, de Gaza e Israel Leste possam viver em paz e com autonomia.

Crédito das imagens

da Folha Online 19/03/2009 - 10h50 Atualizado às 11h31.

Soldados de Israel relatam assassinatos de crianças e vandalismo em Gaza


Os soldados israelenses que lutaram durante os 22 dias da recente ofensiva contra o movimento islâmico radical Hamas, na faixa de Gaza, admitiram que mataram civis [ao menos 900, segundo números do ministério palestino] que não representavam ameaça às tropas e destruíram intencionalmente suas propriedades, "simplesmente porque podiam". As declarações foram divulgadas em reportagem publicada nesta quinta-feira pelo jornal israelense "Haaretz".

As confissões chocam pela franqueza. "A atmosfera em geral, não sei como descrever. As vidas de palestinos, digamos que são menos importantes que as de nossos soldados", diz um dos trechos da declaração de um chefe de pelotão que atuou em Gaza, ao justificar a morte de uma palestina e seus dois filhos, mortos por um atirador de elite israelense. "Porque, depois de tudo, fez seu trabalho segundo as ordens que lhe foram dadas. [...] Assim, se eles estão preocupados, podem justificar desta forma", completa.

O jornal publicou trechos de declarações de militares que lutaram durante a operação em Gaza realizada entre 27 de dezembro e 18 de janeiro deste ano e que deixou ao menos 1.300 mortos, entre eles ao menos 900 civis, além de destruir milhares de casas e a infraestrutura do território palestino.
Os militares, entre eles pilotos de combate e soldados de infantaria, fazem as revelações em relatório do curso preparatório para soldados de Yitzhak Rabin. Seus testemunhos contradizem declaração oficial do Exército israelense sobre o rígido comportamento moral de suas forças durante a operação e confirmam em parte as acusações de organizações internacionais de direitos humanos que criticaram o excesso de violência na operação.

Falha de comunicação

Os testemunhos incluem a descrição de um líder de um pelotão de infantaria sobre um incidente no qual um atirador de elite disparou por engano contra uma mulher palestina e seus dois filhos. Segundo o militar, o comandante de outro pelotão deixou que a família saísse de um edifício no qual tinha ficado retida por soldados sob seu comando, para evitar que fosse confundida com militantes do Hamas.

"Disseram para que fossem pela direita. Uma mãe e os dois filhos não entenderam [o comandante] e foram à esquerda, mas esqueceram de dizer ao atirador de elite no telhado que deixasse eles irem, que tudo estava normal e que não devia atirar. E ele fez o que achava que devia fazer, cumpria ordens", disse.

Segundo o militar, "o atirador viu a mulher e os dois filhos se aproximando dele além das linhas que ninguém devia atravessar". "Atirou. Em qualquer caso, o que aconteceu é que os matou", resume.

O chefe de pelotão disse ainda não acreditar que o atirador se "sentisse mal a respeito", afinal, fazia apenas seu trabalho.

Não há lógica

Segundo o jornal, o chefe do pelotão conta ainda que foi conversar com seu comandante sobre as regras da operação que permitiam que os militares "checassem" as casas à procura de militantes palestinos com armas na mão e atirando sem nem ao menos avisar os moradores com antecedência.

Depois que as regras foram mudadas, afirma o jornal, o líder do pelotão reclamou que eles "deveriam matar todo mundo em Gaza". "Todo mundo é terrorista", explicou.

"Você não tem a impressão dos comandantes de que há qualquer lógica nisso, mas eles não dizem nada. Nós escrevíamos "morte aos árabes" nas paredes, pegávamos as fotos de família deles e cuspíamos nelas, apenas porque podíamos", conta o chefe do pelotão.

"Eu acho que este é o principal: Entender o quanto as Forças Armadas israelenses caíram no âmbito de ética. Isso é o que eu mais me lembrarei", disse o soldado.

O chefe do serviço jurídico do Exército israelense, Avichai Mendelblit, ordenou a abertura de uma investigação sobre as circunstâncias dos fatos relatados pelos soldados, que considera "errôneos" e "inaceitáveis" para as Forças Armadas de Israel.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Israel: “O mundo inteiro está contra nós. Não importa.”

Por Michael Warschawski, Alternative Information Center (AIC)

16/3/2009

Resultado de recentes eleições nacionais em Israel, os partidos Likud, de Benjamin Netanyahu e Israel Beitaynu, de Avigdor Lieberman, constituíram uma frente de governo de extrema direita. Há um mês, milhões tomaram as ruas para manifestar-se contra o ataque militar a Gaza, e em todos os continentes ouviu-se um mesmo protesto contra a matança de palestinos.

A maioria, em Israel, esquerda e direita, respondeu: "Lutamos pela nossa existência e pouco importa o que pensem os não-judeus. O mundo, afinal, sempre foi anti-semita." Daí em diante, prevaleceu o apoio – ou, pelo menos, a omissão ou as evasivas de sempre – de EUA, Europa e dos Estados árabes, dentre os quais, sobretudo, o Egito.

O governo eleito em Israel consagra a indiferença à lei e às regras do mundo civilizado, aceita e prega comportamento bárbaro, e o Ocidente calou-se. Assim Israel afasta-se deliberadamente de todos, isola-se. Isso exatamente, na semana passada, também EUA e Egito constataram, pela via mais difícil.

O chefe da Inteligência do Egito, General Omar Suleiman, trabalhou muito para construir o caminho para constituir um governo palestino de unidade nacional. Conseguiu fazer parar os foguetes contra o sul de Israel, mas, sobretudo, conseguiu salvar o governo do Fatah na Cisjordânia. Também trabalhou muito para obter a libertação do soldado Gilad Shalit, prisioneiro de guerra, preso pelos palestinos. Pois em Israel, onde todos – de Olmert a Livni –, só pensavam em inventar algum 'novo' governo, ignorou-se completamente o trabalho de Suleiman, o destino de Gilad Shalit e até, de fato, o destino de Máhmude Abbas.

E até para a Turquia, seu mais importante aliado na Região, os líderes israelenses conseguiram criar problemas. Como se o único discurso de Israel fosse "pouco importa o que pensem nossos amigos e nossos inimigos. Fizemos e faremos as coisas à nossa maneira. Quem não gostar... lembre Gaza e o que somos capazes de fazer, quando resolvemos 'enlouquecer' e desrespeitar todas as leis!”

Que ninguém se engane: está em andamento uma política insana, que só atrairá desastre para Israel, e em futuro próximo.

Quando se implanta numa sociedade a ideia de que o mundo está contra ela, e que seu único meio de defesa é o exército e o ataque sem limites, quando nem a oposição em Israel tem forças para dizer "parem imediatamente essa loucura, que disso só nascerá guerra e mais guerra e será o fracasso de anos de tentativas para construir a paz para todos, aqui e em todo o mundo”, pode-se dizer que a contagem regressiva já começou.

É insanidade. É loucura. A loucura do poder parece ter tomado toda a sociedade israelense, e não só a dupla Liberman-Netanyahu, na qual é muito fácil projetar todos os nossos medos.

Se todos os israelenses fossem imbecis, seria o caso de sugerir que lessem sobre o destino dos impérios que acreditaram cegamente na própria capacidade de ser indiferente ao mundo, de sonhar com estabelecer reinos de mil anos, com manter para sempre colônias por ocupação militar. Quem lembra do império francês na África, além dos filhos dos mortos? Quem lembra do império britânico no sul da Ásia? Quem lembra da Indochina francesa?

Rir da Turquia, desmoralizar os serviços de inteligência do Egito, enfurecer o enviado dos EUA por causa de um carregamento de massa (de macarrão. Aconteceu exatamente isso!) para Gaza – todos esses são sinais de que a loucura implantou-se. Os três grandes partidos israelenses (se o Labor Party ainda puder ser dito 'grande partido') são parceiros nessa loucura — e isso, ainda sem considerar que esses partidos receberam a maioria dos votos.

O que mais assusta é haver consenso nacional de apoio à loucura bélica direitista em Israel. Poucas vozes reagiram. E, mesmo essas, só fazem falar sobre "outra Israel", como tantos já fizeram em 1982, na guerra do Líbano e na primeira Intifada.

É claro que há outros israelenses, mas desgraçadamente não há outra Israel, só há uma. E essa Israel é um Estado constituído por governo de criminosos de guerra e pela sociedade que lhe dá apoio e o elege.

Traduzido e enviado via mail por Caia Fittipaldi, o artigo original, em inglês, pode ser encontrado aqui


Uol quer se diferenciar da Folha e dá destaque para o encontro de ex-presos políticos

Os jornalistas Luiz Carlos Azenha no Viomundo e Rodrigo Vianna no Escrevinhador vêm fazendo a melhor cobertura sobre o caso 'ditabranda', por isso compartilho com vocês as matérias que considero de suma importância para reunir subsídios para as aulas sobre ditadura militar no Brasil e sobre os riscos do revisionismo iniciado pela Folha de São Paulo em seu edital de 17/03/2009 [entenda o caso aqui]

Observem o vídeo abaixo e depois leiam o artigo do Rodrigo Vianna publicado em seu blog.



Na luta por indenizações reparatórias e punição aos torturadores, perseguidos da ditadura militar (1964-1985) fazem encontro semanal e relembram as histórias dos anos de chumbo no Brasil (clique aqui e leia reportagem).

Ditabranda: Grupo "Folha" tenta limpar a barra no UOL

Mais um indício de que o editorial da "ditabranda", na "Folha", seguido da resposta desastrada aos professores que "ousaram" contestar o texto, gerou mal-estar no Grupo "Folha".

Primeiro, Otavinho Frias foi obrigado a reconhecer o erro (isso só após um abaixo-assinado contra o jornal, e uma manifestação que reuniu algumas centenas de pessoas em frente à "Folha" no dia 7 de março). Mas manteve o tom arrogante, seguindo nas críticas a quem ousou contestá-lo.

Depois, começaram a chegar informações de que leitores cancelaram em massa assinaturas da "Folha". A notícia saiu no blog do Sakamoto, e foi reproduzida aqui no "Escrevinhador".

Agora, nesta segunda-feira, abro o UOL (provedor da internet mantido pela família Frias) e vejo uma reportagem, como segunda manchete do dia, sobre encontro de ex-perseguidos políticos. A reportagem, diga-se, é honesta [Leia a matéria completa aqui]. O repórter foi ao encontro, ouviu gente que foi presa, torturada.... Contou histórias.

O UOL abriu espaço para enquetes em que os leitores podem debater a ditadura. E incluiu na reportagem até uma foto da manifestação contra o jornal.

Hum...

Perguntei ao povo que reúne os perseguidos políticos da ditadura se alguma vez o UOL já tinha estado por lá. "Nunca", me responderam.

Hum...

Informação: o UOL é dirigido por Luís Frias, irmão mais novo de Otavinho. Luís Frias, talvez, tenha percebido que enveredar por um caminho de extrema-direita seria ruim para o Portal. Otavinho aderiu à moda neo-com, na linha de "Veja".

Dizem que os dois irmãos não se entendem muito ultimamente. A reportagem do UOL talvez seja um recado na luta interna do grupo "Folha", do tipo: "Otavio, não faça mais essas bobagens".

Vale ressaltar que nada disso teria ocorrido se a sociedade, especialmente através da internet, não tivesse se manifestado, protestando, cancelando assinaturas, divulgando histórias nebulosas sobre o o passado de colaboração do grupo "Folha" com a ditadura.

A reportagem do UOL, portanto, é uma derrota para a direita burra que quer reescrever a história do país, usando a mídia para esse intento. Se tentarem fazer isso, enfrentarão resistência. E sentirão as consequências no bolso e na imagem de seus já combalidos veículos de comunicação.

sábado, 14 de março de 2009

Jequinhonha: o vale esquecido e dos esquecidos

Veiculado no mês de fevereiro de 2009, pela Rede Record, com reportagens do jornalista Rodrigo Vianna e edição de Márcia da Cunha a série Jequitinhonha: o vale esquecido vale a pena ser vista, compartilhada e discutida em sala de aula.

Dividida em 6 partes (de cerca de 8 minutos cada) ela nos permite um mergulho em um Brasil que em muitos aspectos parece fixado no tempo: as lavadeiras cantoras, as mulheres do artesanato do barro, as cozinheiras da paçoca dos tropeiros, as carregadoras de lenha e água, mostram que a pobreza material nem sempre caminha ao lado da pobreza cultural.

O Vale do Jequitinhonha é majoritariamente feminino e negro.

Há poucas alternativas de trabalho: com uma população de cerca de 1 milhão de habitantes, mais de 100 mil pessoas sobrevivem com o Bolsa família (antes do programa de distribuição de renda a situação era ainda mais difícil); por meio dos eucaliptos, para a produção de papel,
o deserto verde avança diminuindo ainda mais as possibilidades de cultivo de alimentos; as estradas federais são catastróficas; por causa da mais alta barragem do país (e a segunda da América Latina) e da prática secular da mineração o rio Jequinhonha está assoreado, o que tem provocado mudanças ambientais graves, especialmente para a vida marinha na foz do rio.

Esse retrato da precariedade é também um lugar de ricas tradições, um mergulho nas permanências de práticas seculares de um país afro-brasileiro, feito com a sensibilidade do jornalista Rodrigo Vianna.



Parte 1


Parte 2


Parte 3


Parte 4


parte 5


Parte 6

sexta-feira, 13 de março de 2009

A grande mídia e o golpe de 64

Por Venício A. de Lima da Agência Carta Maior

Ao se aproximar os 45 anos do 1º de abril de 1964 e diante de tentativas recentes de revisar a história da ditadura e reconstruir o seu significado através, inclusive, da criação de um vocabulário novo, é necessário relembrar o papel – para alguns, decisivo – que a grande mídia desempenhou na preparação e sustentação do golpe militar. A análise é de Venício A. de Lima.

No debate contemporâneo sobre a relação entre história e memória, argumenta-se com propriedade que a história não só é construída pela ação de seres humanos em situações específicas como também por aqueles que escrevem sobre essas ações e dão significado a elas. Sabemos bem disso no Brasil.

Ao se aproximar os 45 anos do 1º de abril de 1964 e diante de tentativas recentes de revisar a história da ditadura e reconstruir o seu significado através, inclusive, da criação de um vocabulário novo, é necessário relembrar o papel – para alguns, decisivo – que a grande mídia desempenhou na preparação e sustentação do golpe militar.

Referência clássica
A participação ativa dos grandes grupos de mídia na derrubada do presidente João Goulart é fato histórico fartamente documentado. Creio que a referência clássica continua sendo a tese de doutorado de René A. Dreifuss (infelizmente, já falecido), defendida no Institute of Latin American Studies da University of Glasgow, na Escócia, em 1980 e publicada pela Editora Vozes sob o título “1964: A Conquista do Estado” (7ª. edição, 2008).

Através das centenas de páginas do livro de Dreifuss o leitor interessado poderá conhecer quem foram os conspiradores e reconstruir detalhadamente suas atividades, articuladas e coordenadas por duas instituições, fartamente financiadas por interesses empresariais nacionais e estrangeiros (“o bloco multinacional e associado”): o IBAD, Instituto Brasileiro de Ação Democrática e o IPES, Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais.

No que se refere especificamente ao papel dos grupos de mídia, sobressai a ação do GOP, Grupo de Opinião Pública ligado ao IPES e constituído por importantes jornalistas e publicitários. O capítulo VI sobre “a campanha ideológica”, traz ampla lista de livros, folhetos e panfletos publicados pelo IPES e uma relação de jornalistas e colunistas a serviço do golpe em diferentes jornais de todo o país. Além disso, Dreyfuss afirma (p. 233):

O IPES conseguiu estabelecer um sincronizado assalto à opinião pública. Através de seu relacionamento especial com os mais importantes jornais, rádios e televisões nacionais, como: os Diários Associados, a Folha de São Paulo, o Estado de São Paulo (...) e também a prestigiosa Rádio Eldorado de São Paulo. Entre os demais participantes da campanha incluíam-se (...) a TV Record e a TV Paulista (...), o Correio do Povo (RS), O Globo, das Organizações Globo (...) que também detinha o controle da influente Rádio Globo de alcance nacional. (...) Outros jornais do país se puseram a serviço do IPES. (...) A Tribuna da Imprensa (Rio), as Notícias Populares (SP).

Vale lembrar às gerações mais novas que o poder relativo dos Diários Associados no início dos anos 60 era certamente muito maior do que o das Organizações Globo neste início de século XXI. O principal biógrafo de Assis Chateaubriand afirma que ele foi “infinitamente mais forte do que Roberto Marinho” e “construiu o maior império de comunicação que este continente já viu”.

A visão do USIA
Há outro estudo, menos conhecido, que merece ser mencionado. Trata-se de pesquisa realizada por Jonathan Lane, Ph. D. em Comunicação por Stanford, ex-funcionário da USIA, United States Information Agency no Brasil, publicado originalmente no Journalism Quarterly, (hoje Journalism & Mass Communication Quarterly), em 1967, e depois no Boletim n. 11 do Departamento de Jornalismo da Bloch Editores, em 1968, (à época, editado por Muniz Sodré) sob o título “Função dos Meios de Comunicação de Massas na Crise Brasileira de 1964”.

Lane enfatiza a liberdade de imprensa existente no país e a pressão exercida pelo governo sobre os meios de comunicação utilizando os recursos a seu dispor (empréstimos, licenças para importação de equipamentos, publicidade, concessões de radiodifusão e “recursos de partidos comunistas”). A grande mídia, no entanto, resiste, até porque “o governo não é a única fonte de subsídio com que contam os jornais. Existem outras, interesses conservadores, econômicos e políticos que controlam bancos ou dispõem de outros capitais para influenciar os jornais” (p. 7).

O autor, curiosamente, não menciona o IBAD ou o IPES e conclui que as ações do governo João Goulart e da “esquerda” retratadas nos meios de comunicação provocaram um “desgaste da antiga ordem baseada na hierarquia e na disciplina” que se tornou “psicologicamente insuportável” para os chefes militares e para a elite política, levando, então, ao golpe.

O artigo de Lane, no entanto, traz um importante conjunto de informações para se identificar a atuação da grande mídia. Tomando como exemplo a cidade do Rio de Janeiro - “o centro de comunicações mais importante” – afirma:

“Apesar das armas à disposição do governo, Goulart passou um mau bocado com a maior parte da imprensa. A maioria dos proprietários e diretores dos jornais mais importantes são homens (e mulheres) de linhagem e posição social, que freqüentam os altos círculos sociais de uma sociedade razoavelmente estratificada. Suas idéias são classicamente liberais e não marxistas, e seus interesses conservadores e não revolucionários” (p. 7).

No que se refere aos jornais, Lane chama atenção para a existência dos “revolucionários”, de circulação reduzida, como Novos Rumos, Semanário e Classe Operária (comunistas) e Panfleto (Brizolista). O mais importante jornal de “propaganda esquerdista” era Última Hora, “porta-voz do nacionalismo-esquerdista desde o tempo de Vargas”. Já “no centro, algumas apoiando Jango, outras censurando-o, estavam os influentes Diário de Notícias e Correio da Manhã”. E continua:

“Enfileirados contra (Jango) razoavelmente e com razoável (sic) constância, encontravam-se O Jornal, principal órgão da grande rede de publicações dos Diários Associados; O Globo, jornal de maior circulação da cidade; e o Jornal do Brasil, jornal influente que se manteve neutro por algum tempo, porém opondo forte resistência a Goulart mais para o fim. A Tribuna da Imprensa, ligada ao principal inimigo político de Goulart, o governador Carlos Lacerda, da Guanabara (na verdade, a cidade do Rio de Janeiro), igualmente se opunha ferrenhamente a Goulart” (pp. 7-8).

Quanto ao rádio e à televisão, Lane explica:

“Cerca de metade das estações de televisão do país são de propriedade da cadeia dos Diários Associados, que também possui muitas emissoras radiofônicas e jornais em várias cidades. (...) Os meios de comunicação dos Diários Associados, inclusive rádio e tevê, empenharam-se numa campanha coordenada contra a agitação esquerdista, embora não contra Goulart pessoalmente, nos últimos meses que antecederam ao golpe” (p. 8).

Participação ativa
A pequena descrição aqui esboçada de dois estudos que partem de perspectivas teóricas e analíticas radicalmente distintas não deixa qualquer dúvida sobre o ativo envolvimento da grande mídia na conspiração golpista de 1964.

A relação posterior com o regime militar, sobretudo a partir da vigência da censura prévia iniciada com o AI-5, ao final de 1968, é outra história. Recomendo os estudos de Beatriz Kushnir, “Cães de Guarda – Jornalistas e censores do AI-5 à Constituição de 1988” (Boitempo, 2004) e de Bernardo Kucinski, “Jornalistas e Revolucionários nos tempos da imprensa alternativa” (EDUSP, 2ª. edição 2003).

As Organizações Globo merecem, certamente, um capítulo especial. Elio Gaspari refere-se ao “mais poderoso conglomerado de comunicações do país” como “aliado e defensor do regime” (Ditadura Escancarada, Cia. das Letras, 2004; p. 452).

Em defesa da democracia
Não são poucos os atores envolvidos no golpe de 1964 – ou seus herdeiros – que continuam vivos e ativos. A grande mídia brasileira, apesar de muitas e importantes mudanças, continua basicamente controlada pelos mesmos grupos familiares, políticos e empresariais.

O mundo mudou, o país mudou. Algumas instituições, no entanto, continuam presas ao seu passado. Não nos deve surpreender, portanto, que eventualmente transpareçam suas verdadeiras posições e compromissos, expressos em editoriais, notas ou, pior do que isso, disfarçados na cobertura jornalística cotidiana.

Tudo, é claro, sempre feito “em nome e em defesa da democracia”.

Por todas essas razões, lembrar e discutir o papel da grande mídia na preparação e sustentação do golpe de 1964 é um dever de todos nós.

Consensos problemáticos

Por Boaventura de Sousa Santos na Agência Carta Maior

(11/02/2009)

É intrigante a facilidade com que se criam certos consensos e se mudam o conteúdo destes consensos de um momento para outro. Nós últimos meses assistimos a uma dessas mudanças. O Estado, que era apontado como vilão, passou a ser a solução. E o mercado passou a ser o problema.

Há anos me intriga a facilidade com que nas sociedades européias e da América do Norte se criam consensos. Refiro-me a consensos dominantes, perfilados pelos principais partidos políticos e pela grande maioria dos editorialistas e comentaristas dos grandes meios de comunicação social. São tanto mais intrigantes quanto ocorrem sobretudo em sociedades onde supostamente a democracia está mais consolidada e onde, por isso, a concorrência de ideias e de ideologias se esperaria mais livre e intensa. Por exemplo, nos últimos trinta anos vigorou o consenso de que o Estado é o problema, e o mercado, a solução; que a atividade econômica é tanto mais eficiente quanto mais desregulada; que os mercados livres e globais são sempre de preferir ao protecionismo; que nacionalizar é anátema, e privatizar e liberalizar é a norma.

Mais intrigante é a facilidade com que, de um momento para o outro, se muda o conteúdo do consenso e se passa do domínio de uma ideia ao de outra totalmente oposta. Nos últimos meses assistimos a uma dessas mudanças. De repente, o Estado voltou a ser a solução, e o mercado, o problema; a globalização foi posta em causa; a nacionalização de importantes unidades econômicas, de anátema passou a ser a salvação. Mais intrigante ainda é o fato de serem as mesmas pessoas e instituições a defenderem hoje o contrário do que defendiam ontem, e de aparentemente o fazerem sem a mínima consciência de contradição. Isto é tão verdade a respeito dos principais conselheiros econômicos do Presidente Obama, como a respeito do Presidente da Comissão da União Europeia ou dos atuais governantes dos países europeus. E parece ser irrelevante a suspeita de que, sendo assim, estamos perante uma mera mudança de tática, e não perante uma mudança de filosofia política e econômica, a mudança que seria necessária para enfrentar com êxito a crise.

Ao longo destes anos, houve vozes dissonantes. O consenso que vigorou no Norte global esteve longe de vigorar no Sul global. Mas a dissensão ou não foi ouvida ou foi punida. É sabido, por exemplo, que desde 2001 o Fórum Social Mundial (FSM) tem feito uma crítica sistemática ao consenso dominante, na altura simbolizado pelo Fórum Econômico Mundial (FEM). A perplexidade com que lemos o último relatório do FEM e verificamos alguma convergência com o diagnóstico feito pelo FSM faz-nos pensar que, ou o FSM teve razão cedo de mais, ou o FEM tem razão tarde de mais. A verdade é que, mais uma vez, o consenso é traiçoeiro. Pode haver alguma convergência entre o FEM e o FSM quanto ao diagnóstico, mas certamente não quanto à terapêutica.

Para o FEM e, portanto, para o novo consenso dominante, rapidamente instalado, é crucial que a crise seja definida como crise do neoliberalismo, e não como crise do capitalismo, ou seja, como crise de um certo tipo de capitalismo, e não como crise de um modelo de desenvolvimento social que, nos seus fundamentos, gera crises regulares, o empobrecimento da maioria das populações dele dependentes e a destruição do meio ambiente. É igualmente importante que as soluções sejam da iniciativa das elites políticas e econômicas, tenham um carácter tecno-burocrático, e não político, e sobretudo que os cidadãos sejam afastados de qualquer participação efetiva nas decisões que os afetam e se resignem a “partilhar o sacrifício” que cabe a todos, tanto aos detentores de grandes fortunas como aos desempregados ou reformados com a pensão mínima.

A terapêutica proposta pelo FSM, e por tantos milhões de pessoas cuja voz continuará a não ser ouvida, impõe que a solução da crise seja política e civilizacional, e não confiada aos que, tendo produzido a crise, estão apostados em continuar a beneficiar da falsa solução que para ela propõem. O Estado deverá certamente ser parte da solução, mas só depois de profundamente democratizado e livre dos lóbis e da corrupção que hoje o controlam. Urge uma revolução cidadã que, assente numa sábia combinação entre democracia representativa e democracia participativa, permita criar mecanismos efectivos de controlo democrático, tanto da política como da economia.

É necessária uma nova ordem global solidária que crie condições para uma redução sustentável das emissões de carbono até 2016, data em que, segundo os estudos da ONU, o aquecimento global, ao ritmo actual, será irreversível e se transformará numa ameaça para a espécie humana. A existência da Organização Mundial de Comércio é incompatível com essa nova ordem. É necessário que a luta pela igualdade entre países e no interior de cada país seja finalmente uma prioridade absoluta. Para isso, é necessário que o mercado volte a ser servo, já que como senhor se revelou terrível.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

Lobby de Israel detonou Freeman

Do Vi o Mundo

Lobby de Israel-EUA detonou Freeman, indicado por Obama (e carta de Freeman)

Robert Dreyfuss, 13/3/2009, The Nation


A renúncia de Chas Freeman, do cargo de chefe do Conselho Nacional de Inteligência [National Intelligence Council], depois de duas semanas de ataques violentíssimos contra ele, pelo coro do lobby sionista norte-americano é uma ferida aberta no governo de Obama.

Como escrevi semana passada, quando começou a campanha contra Freeman, se Barack Obama não consegue manter-se em pé à frente de gente como Marty Peretz, Jonathan Chait, Steve Rosen e outros assemelhados, e se a Casa Branca não consegue defender um nome indicado em área crucial da inteligência, quando seu indicado é selvagemente atacado pelos tubarões republicanos que farejaram sangue na água, não sei como esperar que Obama mantenha-se em pé frente a Bibi Netanyahu e Avigdor Lieberman, ainda mais radical, quando discordarem de Obama em assuntos de políticas para o Oriente Médio.

É triste e preocupante.

Espere-se muito júbilo nas páginas de The New Republic, National Review, The Weekly Standard, no canal Fox News, nos corredores do American Enterprise Institute, no AIPAC, em toda a direita e nos blogs dos neocons.

Unidos no esquartejamento de Freeman estiveram (não sejamos hipócritas) os judeus linha-dura do Congresso Democrático, entre os quais o senador Charles Schumer de New York, o deputado Steve Israel (é, o nome dele é "Israel") de New York e, é claro, aquele ex-Democrata, Joe Lieberman – todos na fila do gargarejo para aplaudir o esquartejamento, ao lado do AIPAC.

O The Post, hoje cedo, comentando a oposição ao nome de Freeman manifestada por sete membros Republicanos da Comissão do Senado para Assuntos de Inteligência, citou Freeman, em 2007: "A brutal opressão dos palestinos pela ocupação israelense parece não ter fim. (...) A identificação dos EUA com Israel tornou-se total."

Aparentemente, todos devem saber só disso – e de mais nada.

Há cerca de quatro anos, entrevistei Freeman sobre a desastrosa indicação de Porter Goss para o cargo de diretor da CIA, ali posto pelo ex-presidente Bush como leão de chácara político numa agência da qual se deve esperar que informe ao poder a verdade dos fatos. Goss, Freeman disse-me então, foi mandado a Langley para "impor um modo de ver a CIA que os analistas e agentes da CIA simplesmente rejeitam, por não ter qualquer base na realidade." E Freeman prosseguiu. "É um ditador. Acabaremos por fazer da CIA uma agência ainda mais direitista, ainda mais conservadora e ainda mais incapaz de formar especialistas capazes de ter idéias novas, com competência para discordar e propor soluções originais."

Acho que agora todos estamos vendo que tampouco há lugar, hoje, para quem tenha competência para discordar e propor ideias novas, também na comunidade de inteligência.

No fim da tarde de 3ª-feira, Freeman distribuiu à imprensa a seguinte carta:

"A todos que me apoiaram e dirigiram-me palavras de encorajamento durante a discussão das duas últimas semanas, dedico-lhes minha gratidão e o meu respeito.

Agora, já terão tomado conhecimento, pelo Diretor dos Serviços Nacionais de Inteligência dos EUA, Dennis Blair, que desisti de aceitar o cargo para o qual havia sido indicado e que já aceitara, de chefe do Conselho Nacional de Inteligência dos EUA.

Cheguei à conclusão que a guerra de distorções criminosas sobre eventos do meu passado não cessaria nem depois de eu estar empossado. A decisão de me agredir e destruir minha reputação e credibilidade continuaria, talvez ainda mais feroz. Não me parece que o Conselho Nacional de Inteligência possa funcionar com eficácia, se o titular estiver ininterruptamente sob ataque de gente inescrupulosa, obcecadamente associada às ideias de uma facção política de uma nação estrangeira. Aceitei o convite para chefiar o Conselho Nacional de Inteligência dos EUA para fortalecê-lo e preservá-lo contra a politização, não para pô-lo a serviço de um grupo de interesses, determinado a controlá-lo mediante os recursos e formulações de uma campanha sórdida de difamação.

Como sabem todos os que me conhecem, tenho desfrutado muito bem a vida desde que me aposentei das funções de governo. Nada estava mais longe dos meus planos do que voltar ao serviço público.

Quando o Almirante Blair convidou-me a chefiar o Conselho Nacional de Inteligência, respondi que "entendia que eu estava sendo convidado a oferecer minha liberdade de falar, meu lazer, a maior parte dos meus ganhos, que me teria de submeter à colonoscopia mental de um detector de mentiras, que teria de aceitar voltar a sair para trabalhar horas incontáveis; e que teria de aceitar uma ração diária de desaforos políticos". Acrescentei que, isso dito, provavelmente ainda simplificara muito as dificuldades da missão para a qual estava sendo convidado.

Sei que ninguém é indispensável e não sou exceção. Precisei de semanas de reflexão para concluir que, dadas as circunstâncias sem precedentes, espantosamente difíceis, que nosso país enfrenta em casa e em terras distantes, não me restava alternativa senão aceitar a convocação de voltar ao serviço público. Agora, me retiro novamente de todas as posições e atividades nas quais então me engajei. Considero agora a possibilidade auspiciosa de voltar a vida privada, livre das obrigações que assumira.

Não sou tão pouco modesto a ponto de crer que essa polêmica tenha a ver comigo, mais do que com questões de política pública. Essas questões têm pouco a ver com o Conselho Nacional de Segurança e nada têm a ver com o que supus que pudesse oferecer, como contribuição, à qualidade das análises a serem apresentadas ao presidente Obama e ao seu governo.

Mesmo assim, entristece-me que a polêmica e o modo como o vitríolo usado pelos que se dedicam a manter a polêmica mostrem tão claramente o triste estado em que sobrevive hoje a sociedade civil norte-americana.

É evidente que nós, americanos, já não somos capazes de manter uma discussão pública a sério, nem podemos exercitar qualquer juízo independente sobre temas importantes para nosso país e para nossos aliados e amigos.

As calúnias que se publicaram contra mim e a trilha de e-mails facilmente rastreável mostram conclusivamente que há um poderoso lobby em atividade, determinado a evitar que se ventile qualquer opinião diferente da sua – sobretudo se tiver algo a ver com tendências e eventos no Oriente Médio.

As táticas do lobby de Israel atingem o fundo da falta de decência e de honra, e incluem a tentativa de assassinar minha reputação, citações de frases distorcidas, deliberada fraude em informações sobre meu currículo, mentiras, informações inventadas, em todos os casos sem qualquer respeito à verdade.

O lobby de Israel visa a controlar todo o processo político, mediante o controle do exercício de veto à indicação de servidores do governo dos EUA cujas opiniões não coincidam com os interesses do lobby; a substituir a correção política por opiniões parciais; e a cancelar toda e qualquer possibilidade de os norte-americanos e o governo dos EUA decidirem o que não interesse ao lobby.

Há especial ironia em eu ter sido acusado de manifestar viés de opinião, em relação a opiniões de governos e sociedades estrangeiras, por um grupo tão claramente decidido a impor aos EUA que aceite as políticas de um governo estrangeiro – nesse caso, do governo de Israel.

Creio que a incapacidade do público norte-americano para discutir – e do governo, para considerar – qualquer política alternativa para o Oriente Médio, e que se oponha ao grupo reinante hoje na política de Israel, deixa livre o terreno para que aquele mesmo grupo adote e defenda políticas que, de fato, ameaçam até a existência do Estado de Israel.

É proibido, nos EUA, para seja quem for, declarar isso. E não poder declará-lo não é tragédia apenas para os israelenses e seus vizinhos no Oriente Médio. Esse impedimento causa dano crescente à segurança nacional dos EUA.

A agitação inadmissível que se seguiu ao vazamento da notícia de que eu fora convidado levará a pensar que o governo Obama não consegue tomar decisões autônomas sobre o Oriente Médio e questões correlatas. Lamento que minha disposição de servir ao governo Obama tenha terminado por lançar dúvidas sobre a habilidade do próprio governo dos EUA considerar – e nem falo da capacidade para decidir – as políticas que mais bem atendam aos interesses dos EUA, do que atendam aos interesses de um lobby dedicado a impor aos EUA o desejo e os interesses de um governo estrangeiro.

No julgamento da opinião pública, diferente das cortes legais, o acusado é culpado até que prove a própria inocência. Os meus discursos dos quais se extraíram, distorcidos, os trechos que o lobby israelense fez publicar estão disponíveis para leitura dos que se interessem por conhecer a verdade. A injustiça das acusações feitas contra mim foi óbvia para os que tenham mente aberta. Os que trabalharam para me desmoralizar não estão interessados em qualquer tipo de discussão ou contra-argumentação que eu ou qualquer outro possamos oferecer.

Insisto, para os registros: Jamais procurei ou aceitei pagamento de qualquer governo estrangeiro, incluídos Arábia Saudita ou China, por qualquer tipo de serviço, nem jamais falei em defesa dos interesses de algum governo estrangeiro, em seu nome ou em nome de suas políticas. Jamais servi como lobbyista de qualquer grupo do governo dos EUA, nem em causas externas nem em causas domésticas. Sou homem que se defende só e, voltando agora à vida privada – com muito prazer – volto a ser completamente senhor de mim mesmo. Continuarei a falar como me pareça de deva falar, sobre questões que tenham a ver comigo e com os demais cidadãos dos EUA.

Mantenho integrais respeito e confiança no presidente Obama e no Diretor Blair. Nosso país enfrenta desafios terríveis em casa e em terras distantes. Como todos os norte-americanos patriotas, continuarei a pedir a Deus que nosso presidente consiga nos levar a superar todos esses desafios."

Tradução de Caia Fittipaldi

Central do Brasil: o último comício de Jango antes do golpe de 64

Por Rodrigo Vianna em seu blog o Escrevinhador

publicada em sexta, 13/03/2009 às 13:18 e atualizado em sexta, 13/03/2009 às 14:59

Hudson Vilas Boas, no seu blog "Dissolvendo no Ar", relembra um importante fato histórico: o comício de Jango na Central do Brasil, ocorrido há exatos 45 anos, num 13 de março como hoje. Foi o úlitmo grande ato político antes do nefasto golpe de 64.

Hudson escreve sobre o comício, e transcreve o discurso de João Goulart - o presidente que 3 semanas depois abandonaria o poder, sem aceitar a proposta do grande Leonel Brizola de resistir com armas na mão.

Repare na ênfase de Jango na reforma agrária - que era e continua a ser um dos medos maiores de nossa velha elite (não é à toa que o MST é o movimento mais demonizado do Brasil, como o eram as Ligas Camponesas de Julião, em 64).

O comício marca também o último suspiro do getulismo como força política nacional. Vargas é citado no discurso. Depois, com a redemocratização, o getulismo teria um último suspiro com Brizola, mas só no campo local (Rio e Rio Grande do Sul).

FHC disse que enterraria a herança de Getúlio. Lula fica no meio do caminho.

Jango e o varguismo não morreram. Seguem firmes e fortes em instituições como a Petrobrás, o BNDES, o salário-mínimo. Seguem vivos na idéia de que o Estado é a ferramenta para que o Brasil supere a crise atual, e saia dela maior do que entrou.

Confira o texto de Hudson, e trechos do discurso histórico de Jango (para muitos, foi o estopim que levou ao golpe, pelo susto que causou nas elites e nos Estados Unidos - aliados de primeira hora dos golpistas).

O comício da Central do Brasil

por Hudson Vilas Boas

Há exatos 45 anos o então presidente da República, João Goulart, realizava o comício mais famoso da História do Brasil. A postura de Goulart como mais alto mandatário do país naquele momento ainda é bastante controversa. Talvez tenha sido de certa forma levado pela pujança dos movimentos populares – algo, até ali, praticamente inédito. No entanto se Goulart entrou para a historiografia oficial como político incoerente, titubeante, claudicante e até covarde por algumas atitudes adotadas, é fundamental compreender o momento em que o Brasil vivia. De um lado caminhava rumo à construção duma sociedade mais democrática e participativa com inúmeros atores sociais e políticos surgindo; de outro havia a história da formação da Escola Superior de Guerra e a ideologia que a permeava desde 1949; além, obviamente, dos interesses da burguesia nacional sempre subserviente ao grande capital internacional.

O conteúdo do discurso daquele longínquo 13 de março de 1964 não é apenas um documento que nos remete ao passado a fim de melhor analisá-lo e compreender o desenvolvimento da sociedade brasileira a partir dos acontecimentos desencadeados ali, muito mais que isso, nos ajuda de modo indelével a situarmo-nos no presente mostrando-se atual e didático.

O discurso de João Goulart

“Devo agradecer em primeiro lugar às organizações promotoras deste comício, ao povo em geral e ao bravo povo carioca em particular, a realização, em praça pública, de tão entusiasta e calorosa manifestação. Agradeço aos sindicatos que mobilizaram os seus associados, dirigindo minha saudação a todos os brasileiros que, neste instante, mobilizados nos mais longínquos recantos deste país, me ouvem pela televisão e pelo rádio.

Dirijo-me a todos os brasileiros, não apenas aos que conseguiram adquirir instrução nas escolas, mas também aos milhões de irmãos nossos que dão ao Brasil mais do que recebem, que pagam em sofrimento, em miséria, em privações, o direito de ser brasileiro e de trabalhar sol a sol para a grandeza deste país.

Presidente de 80 milhões de brasileiros, quero que minhas palavras sejam bem entendidas por todos os nossos patrícios.

Vou falar em linguagem que pode ser rude, mas é sincera sem subterfúgios, mas é também uma linguagem de esperança de quem quer inspirar confiança no futuro e tem a coragem de enfrentar sem fraquezas a dura realidade do presente.

Aqui estão os meus amigos trabalhadores, vencendo uma campanha de terror ideológico e sabotagem, cuidadosamente organizada para impedir ou perturbar a realização deste memorável encontro entre o povo e o seu presidente, na presença das mais significativas organizações operárias e lideranças populares deste país.

Chegou-se a proclamar, até, que esta concentração seria um ato atentatório ao regime democrático, como se no Brasil a reação ainda fosse a dona da democracia, e a proprietária das praças e das ruas. Desgraçada a democracia se tiver que ser defendida por tais democratas.

(...)

A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia antipovo, do anti-sindicato, da anti-reforma, ou seja, aquela que melhor atende aos interesses dos grupos a que eles servem ou representam.

A democracia que eles querem é a democracia para liquidar com a Petrobrás; é a democracia dos monopólios privados, nacionais e internacionais, é a democracia que luta contra os governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício.

Ainda ontem, eu afirmava, envolvido pelo calor do entusiasmo de milhares de trabalhadores no Arsenal da Marinha, que o que está ameaçando o regime democrático neste País não é o povo nas praças, não são os trabalhadores reunidos pacificamente para dizer de suas aspirações ou de sua solidariedade às grandes causas nacionais. Democracia é precisamente isso: o povo livre para manifestar-se, inclusive nas praças públicas, sem que daí possa resultar o mínimo de perigo à segurança das instituições.

(...)

Estaríamos, sim, ameaçando o regime se nos mostrássemos surdos aos reclamos da Nação, que de norte a sul, de leste a oeste levanta o seu grande clamor pelas reformas de estrutura, sobretudo pela reforma agrária, que será como complemento da abolição do cativeiro para dezenas de milhões de brasileiros que vegetam no interior, em revoltantes condições de miséria.

Ameaça à democracia não é vir confraternizar com o povo na rua. Ameaça à democracia é empulhar o povo explorando seus sentimentos cristãos, mistificação de uma indústria do anticomunismo, pois tentar levar o povo a se insurgir contra os grandes e luminosos ensinamentos dos últimos Papas que informam notáveis pronunciamentos das mais expressivas figuras do episcopado brasileiro.

(...)

Àqueles que reclamam do Presidente de República uma palavra tranqüilizadora para a Nação, o que posso dizer-lhes é que só conquistaremos a paz social pela justiça social.

Perdem seu tempo os que temem que o governo passe a empreender uma ação subversiva na defesa de interesses políticos ou pessoais; como perdem igualmente o seu tempo os que esperam deste governo uma ação repressiva dirigida contra os interesses do povo. Ação repressiva, povo carioca, é a que o governo está praticando e vai amplia-la cada vez mais e mais implacavelmente, assim na Guanabara como em outros estados contra aqueles que especulam com as dificuldades do povo, contra os que exploram o povo e que sonegam gêneros alimentícios e jogam com seus preços.

Não receio ser chamado de subversivo pelo fato de proclamar, e tenho proclamado e continuarei a proclamando em todos os recantos da Pátria – a necessidade da revisão da Constituição, que não atende mais aos anseios do povo e aos anseios do desenvolvimento desta Nação.

Essa Constituição é antiquada, porque legaliza uma estrutura sócio-econômica já superada, injusta e desumana; o povo quer que se amplie a democracia e que se ponha fim aos privilégios de uma minoria; que a propriedade da terra seja acessível a todos; que a todos seja facultado participar da vida política através do voto, podendo votar e ser votado; que se impeça a intervenção do poder econômico nos pleitos eleitorais e seja assegurada a representação de todas as correntes políticas, sem quaisquer discriminações religiosas ou ideológicas.

Todos têm o direito à liberdade de opinião e de manifestar também sem temor o seu pensamento. É um princípio fundamental dos direitos do homem, contido na Carta das Nações Unidas, e que temos o dever de assegurar a todos os brasileiros.

(...)

É apenas de lamentar que parcelas ainda ponderáveis que tiveram acesso à instrução superior continuem insensíveis, de olhos e ouvidos fechados à realidade nacional.

São certamente, trabalhadores, os piores surdos e os piores cegos, porque poderão, com tanta surdez e tanta cegueira, ser os responsáveis perante a História pelo sangue brasileiro que possa vir a ser derramado, ao pretenderem levantar obstáculos ao progresso do Brasil e à felicidade de seu povo brasileiro.

(...)

E podeis estar certos, trabalhadores, de que juntos o governo e o povo – operários , camponeses, militares, estudantes, intelectuais e patrões brasileiros, que colocam os interesses da Pátria acima de seus interesses, haveremos de prosseguir de cabeça erguida, a caminhada da emancipação econômica e social deste país.

O nosso lema, trabalhadores do Brasil, é “progresso com justiça, e desenvolvimento com igualdade”.

(...)

Vamos continuar lutando pela construção de novas usinas, pela abertura de novas estradas, pela implantação de mais fábricas, por novas escolas, por mais hospitais para o nosso povo sofredor; mas sabemos que nada disso terá sentido se o homem não for assegurado o direito sagrado ao trabalho e uma justa participação nos frutos deste desenvolvimento.

Não, trabalhadores; sabemos muito bem que de nada vale ordenar a miséria, dar-lhe aquela aparência bem comportada com que alguns pretendem enganar o povo. Brasileiros, a hora é das reformas de estrutura, de métodos, de estilo de trabalho e de objetivo. Já sabemos que não é mais possível progredir sem reformar; que não é mais possível admitir que essa estrutura ultrapassada possa realizar o milagre da salvação nacional para milhões de brasileiros que da portentosa civilização industrial conhecem apenas a vida cara, os sofrimentos e as ilusões passadas.

O caminho das reformas é o caminho do progresso pela paz social. Reformar é solucionar pacificamente as contradições de uma ordem econômica e jurídica superada pelas realidades do tempo em que vivemos.

Trabalhadores, acabei de assinar o decreto da SUPRA com o pensamento voltado para a tragédia do irmão brasileiro que sofre no interior de nossa Pátria. Ainda não é aquela reforma agrária pela qual lutamos.

Ainda não é a reformulação de nosso panorama rural empobrecido.
Ainda não é a carta de alforria do camponês abandonado.
Mas é o primeiro passo: uma porta que se abre à solução definitiva do problema agrário brasileiro.

O que se pretende com o decreto que considera de interesse social para efeito de desapropriação as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias, açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de saneamento da União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou subutilizadas, ainda submetidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável.

Não é justo que o benefício de uma estrada, de um açude ou de uma obra de saneamento vá servir aos interesses dos especuladores de terra, que se apoderaram das margens das estradas e dos açudes. A Rio-Bahia, por exemplo, que custou 70 bilhões de dinheiro do povo, não deve beneficiar os latifundiários, pela multiplicação do valor de suas propriedades, mas sim o povo.

(...)

Reforma agrária com pagamento prévio do latifundio improdutivo, à vista e em dinheiro, não é reforma agrária. É negócio agrário, que interessa apenas ao latifundiário, radicalmente oposto aos interesses do povo brasileiro. Por isso o decreto da SUPRA não é a reforma agrária.

Sem reforma constitucional, trabalhadores, não há reforma agrária. Sem emendar a Constituição, que tem acima de dela o povo e os interesses da Nação, que a ela cabe assegurar, poderemos ter leis agrárias honestas e bem-intencionadas, mas nenhuma delas capaz de modificações estruturais profundas.

Graças à colaboração patriótica e técnica das nossas gloriosas Forças Armadas, em convênios realizados com a SUPRA, graças a essa colaboração, meus patrícios espero que dentro de menos de 60 dias já comecem a ser divididos os latifúndios das beiras das estradas, os latifúndios aos lados das ferrovias e dos açudes construídos com o dinheiro do povo, ao lado das obras de saneamento realizadas com o sacrifício da Nação. E, feito isto, os trabalhadores do campo já poderão, então, ver concretizada, embora em parte, a sua mais sentida e justa reinvindicação, aquela que lhe dará um pedaço de terra para trabalhar, um pedaço de terra para cultivar. Aí, então, o trabalhador e sua família irão trabalhar para si próprios, porque até aqui eles trabalham para o dono da terra, a quem entregam, como aluguel, metade de sua produção. E não se diga, trabalhadores, que há meio de se fazer reforma sem mexer a fundo na Constituição. Em todos os países civilizados do mundo já foi suprimido do texto constitucional parte que obriga a desapropriação por interesse social, a pagamento prévio, a pagamento em dinheiro.

No Japão de pós-guerra, há quase 20 anos, ainda ocupado pelas forças aliadas vitoriosas, sob o patrocínio do comando vencedor, foram distribuídos dois milhões e meio de hectares das melhores terras do país, com indenizações pagas em bônus com 24 anos de prazo, juros de 3,65% ao ano. E quem é que se lembrou de chamar o General MacArthur de subversivo ou extremista?

Na Itália, ocidental e democrática, foram distribuídos um milhão de hectares, em números redondos, na primeira fase de uma reforma agrária cristã e pacífica iniciada há quinze anos, 150 mil famílias foram beneficiadas.

No México, durante os anos de 1932 a 1945, foram distribuídos trinta milhões de hectares, com pagamento das indenizações em títulos da dívida pública, 20 anos de prazo, juros de 5% ao ano, e desapropriação dos latifúndios com base no valor fiscal.

Na Índia foram promulgadas leis que determinam a abolição da grande propriedade mal aproveitada, transferindo as terras para os camponeses.

Essas leis abrangem cerca de 68 milhões de hectares, ou seja, a metade da área cultivada da Índia. Todas as nações do mundo, independentemente de seus regimes políticos, lutam contra a praga do latifúndio improdutivo.

Nações capitalistas, nações socialistas, nações do Ocidente, ou do Oriente, chegaram à conclusão de que não é possível progredir e conviver com o latifúndio.

A reforma agrária é também uma imposição progressista do mercado interno, que necessita aumentar a sua produção para sobreviver.

Os tecidos e os sapatos sobram nas prateleiras das lojas e as nossas fábricas estão produzindo muito abaixo de sua capacidade. Ao mesmo tempo em que isso acontece, as nossas populações mais pobres vestem farrapos e andam descalças, porque não tem dinheiro para comprar.

Assim, a reforma agrária é indispensável não só para aumentar o nível de vida do homem do campo, mas também para dar mais trabalho às industrias e melhor remuneração ao trabalhador urbano.

Interessa, por isso, também a todos os industriais e aos comerciantes. A reforma agrária é necessária, enfim, à nossa vida social e econômica, para que o país possa progredir, em sua indústria e no bem-estar do seu povo.

Como garantir o direito de propriedade autêntico, quando dos quinze milhões de brasileiros que trabalham a terra, no Brasil, apenas dois milhões e meio são proprietários?

O que estamos pretendendo fazer no Brasil, pelo caminho da reforma agrária, não é diferente, pois, do que se fez em todos os países desenvolvidos do mundo. É uma etapa de progresso que precisamos conquistar e que haveremos de conquistar.

Esta manifestação deslumbrante que presenciamos é um testemunho vivo de que a reforma agrária será conquistada para o povo brasileiro. O próprio custo daprodução, trabalhadores, o próprio custo dos gêneros alimentícios está diretamente subordinado às relações entre o homem e a terra. Num país em que se paga aluguéis da terra que sobem a mais de 50 por cento da produção obtida daquela terra, não pode haver gêneros baratos, não pode haver tranquilidade social. No meu Estado, por exemplo, o Estado do deputado Leonel Brizola, 65% da produção de arroz é obtida em terras alugadas e o arrendamento ascende a mais de 55% do valor da produção. O que ocorre no Rio Grande é que um arrendatário de terras para plantio de arroz paga, em cada ano, o valor total da terra que ele trabalhou para o proprietário. Esse inquilinato rural desumano é medieval é o grande responsável pela produção insuficiente e cara que torna insuportável o custo de vida para as classes populares em nosso país.

(...)

E é claro, trabalhadores, que só se pode iniciar uma reforma agrária em terras economicamente aproveitáveis. E é claro que não poderíamos começar a reforma agrária, para atender aos anseios do povo, nos Estados do Amazonas ou do Pará. A reforma agrária deve ser iniciada nas terras mais valorizadas e ao lado dos grandes centros de consumo, com transporte fácil para o seu escoamento.

(...)

Não me animam, trabalhadores – e é bom que a nação me ouça – quaisquer propósitos de ordem pessoal. Os grandes beneficiários das reformas serão, acima de todos, o povo brasileiro e os governos que me sucederem. A eles, trabalhadores, desejo entregar uma Nação engrandecida, emancipada e cada vez mais orgulhosa de si mesma, por ter resolvido mais uma vez, pacificamente, os graves problemas que a História nos legou. Dentro de 48 horas, vou entregar à consideração do Congresso Nacional a mensagem presidencial deste ano.

Mas estaria faltando ao meu dever se não transmitisse, também, em nome do povo brasileiro, em nome destas 150 ou 200 mil pessoas que aqui estão, caloroso apelo ao Congresso Nacional para que venha ao encontro das reinvindicações populares, para que, em seu patriotismo, sinta os anseios da Nação, que quer abrir caminho, pacífica e democraticamente para melhores dias. Mas também, trabalhadores, quero referir-me a um outro ato que acabo de assinar, interpretando os sentimentos nacionalistas destes país. Acabei de assinar, antes de dirigir-me para esta grande festa cívica, o decreto de encampação de todas as refinarias particulares.

A partir de hoje, trabalhadores brasileiros, a partir deste instante, as refinarias de Capuava, Ipiranga, Manguinhos, Amazonas, e Destilaria Rio Grandense passam a pertencer ao povo, passam a pertencer ao patrimônio nacional.

Ao anunciar, à frente do povo reunido em praça pública, o decreto de encampação de todas as refinarias de petróleo particulares, desejo prestar homenagem de respeito àquele que sempre esteve presente nos sentimentos do nosso povo, o grande e imortal Presidente Getúlio Vargas.

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O discurso de João Goulart


Os 45 anos do comício da Central do Brasil

Por Clarissa Pont na Agência Carta Maior

Há exatos 45 anos, em 13 de março de 1964, o então presidente João Goulart resumia com a frase "Progresso com justiça, desenvolvimento com igualdade" o famoso discurso em frente ao Edifício Central do Brasil, no Rio de Janeiro. O comício reuniu cerca de 150 mil pessoas, incluindo sindicatos, associações de servidores públicos e estudantes e proclamou o povo a lutar por mudanças estruturais no país que iam do campo à cidade e passavam por amplas reformas na educação, na política tributária e nas leis eleitorais do país. Muitas destas reivindicações até hoje não saíram efetivamente do papel.

PORTO ALEGRE - O discurso de João Goulart aniversaria na mesma semana em que a anistia de Maria Thereza Fontela Goulart, viúva do ex-presidente, foi publicada no Diário Oficial e que o general Luiz Cesário da Silveira Filho, ao despedir-se do cargo, exaltou em discurso o golpe militar que depôs Goulart, em 1964. Segundo Silveira, o golpe militar foi um "memorável acontecimento", que pode ser chamado de "revolução democrática de 31 de março de 1964, por ter evitado o golpe preparado pelo governo de então contra as instituições democráticas do país".

O “golpe preparado pelo governo” ao qual o saudosista general se refere foi, na verdade, um momento privilegiado das lutas sociais e políticas no Brasil. Na época pré-golpe, amplos setores sociais, no campo e na cidade, lutavam por reformas sociais e econômicas, bem como a ampliação da democracia política. O governo de João Goulart, espécie de porta voz destas reivindicações, perdurou sob o signo do golpe. Se, em agosto de 1961, o ele pôde ser evitado, em abril de 1964 tornou-se dura e concreta realidade. Foi um pouco antes, mas já com os dias contados para acabar, que o governo de João Goulart promoveu um verdadeiro embate político e ideológico no país. Para muitos historiadores, um dos raros momentos de democracia autêntica no Brasil.

O movimento estudantil estava no seu auge, assim como o movimento operário se destacava pela autonomia sindical através do Comando Geral dos Trabalhadores, uma espécie de diretório central que organizava greves e reivindicava constantemente a ampliação dos direitos trabalhistas. Nas cidades, o caráter de massa desse sindicalismo crescia juntamente com sua independência e autonomia. No campo, as Ligas Camponesas em Pernambuco, sob o comando do advogado Francisco Julião, fizeram história.

Neste cenário, o Comício na Central do Brasil, realizado com o apoio do CGT, foi a gota d’água para as classes dominantes escolherem de que lado ficariam no conflito. Com a promessa de encaminhar ao Congresso projetos de reformas inéditas no país, Goulart radicalizava seu discurso anunciando desapropriações de terras que ladeavam rodovias e ferrovias nacionais e a estatização de refinarias de petróleo. Uma ampla reforma educacional prometia erradicar o analfabetismo e se baseava em experiências pioneiras inspiradas em Paulo Freire, 15% da renda produzida no Brasil seria direcionada à educação. No plano econômico, haveria controle da remessa de lucros das empresas multinacionais para o exterior e o imposto de renda seria proporcional ao lucro pessoal. Qualquer semelhança com algumas das receitas anti-crise vistas na atualidade não é mera coincidência.

A reforma eleitoral demandava extensão do direito de voto aos analfabetos e aos militares de baixa patente. Além disso, a desapropriação de terras com mais de 600 hectares e a redistribuição destas à população pelo governo indicava uma reforma agrária forte. O Brasil ainda não havia conhecido a fúria neoliberal das privatizações da década de 90, mas a proteção das empresas nacionais era pauta, traduzido na defesa da Petrobras no discurso de Goulart. Ele defendia “tornar produtivas áreas inexploradas ou subutilizadas, ainda submetidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável”, cenário um tanto parecido com a quantidade de áreas agricultáveis brasileiras que hoje são destruídas pelo negócio das florestas exóticas. A preocupação com a criminalização das manifestações populares que, àquela época levou o país a um período ditatorial indelével, já era manifestada.

“O povo quer que se amplie a democracia e que se ponha fim aos privilégios de uma minoria; que a propriedade da terra seja acessível a todos; que a todos seja facultado participar da vida política através do voto, podendo votar e ser votado; que se impeça a intervenção do poder econômico nos pleitos eleitorais e seja assegurada a representação de todas as correntes políticas, sem quaisquer discriminações religiosas ou ideológicas Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação econômica, pela justiça social e pelo progresso”, disse no dia 13 de março de 1964, em frente ao Edifício Central do Brasil, sede da Estrada de Ferro Central do Brasil para cerca de 150 mil pessoas.

A ofensiva contra o programa de governo proposto por Goulart não tardou a se manifestar. Poucos dias após o comício, cerca de 500 mil pessoas saíram pelas ruas de São Paulo na “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. Setores das classes médias e da burguesia, sob a bandeira do anticomunismo e da defesa da propriedade, da fé religiosa e da moral cristã, saíam às ruas nas maiores capitais do país contra o discurso que Carta Maior reproduz aqui (com trechos de áudio e vídeo). O resto da história é conhecido. As manifestações acabaram por criar um clima favorável à intervenção militar e ao golpe.