Por Cezar Migliorin
22 de março de 2009, extraído do site Vi o mundo
A crise do capitalismo não deve ser comemorada por nós que nos últimos tempos louvamos a gratuidade e os valores imateriais?
A crise é fruto da mudança de paradigma do capitalismo. Todos os serviços, ciências e produtores de bens imateriais, culturais irão se acomodar, mas aqueles ligados ao capitalismo moderno sairão mal das pernas.
A raridade é o que está em crise. Quem demite é quem produz bens materiais, caros, poluentes, destruidores do meio ambiente. A incoerência do capitalismo contemporâneo abalou o centro do capitalismo. Não pagamos para nos comunicar, nos divertir, nos informar. Essa é a crise irreversível. Como disse o André Gorz, isso não é o capitalismo em crise, mas a crise do capitalismo, muito antes de novembro de 2008.
É risível ler que o congresso americano aprovou um plano de mais de 700 bilhões de dólares! Obama está vacilando. Ele tem a faca e o queijo para mudar o mundo, mas está optando em salvar o mundo velho. Na verdade está apenas adiando a morte desse capitalismo com uma retórica verde. Todo esse dinheiro deveria estruturar uma sociedade da gratuidade: comunicação, ciência, educação, cooperação, transporte limpo e público.
O capitalismo moribundo é do excesso material e protéico. Menos soja e menos ferro no mundo é ruim para a Vale e para o Mato Grosso, mas ótimo para a diversidade da Amazônia e para o engarrafamento da Marginal. O crescimento excepcional com o modelo atual em um mundo finito é inviável (as vezes é necessário dizer o óbvio). A crise é da riqueza.
A mudança de paradigma energético chegou com o colapso do sistema. Achávamos que teríamos que criar um novo modelo para fazer uma substituição, mas o colapso veio antes. Um novo paradigma energético, sustentável, se impõe. O momento é de inventar o novo e não gastar as reservas com o velho.
A política de muitos bilhões de dólares para salvar GM esquece que aqueles 47000 trabalhadores são desnecessários lá dentro, mas necessários para um mundo em que a GM não é o centro. Viva as demissões! Cada engenheiro deveria receber dinheiro para criar fora da GM, cada trabalhador para fazer o seu projeto com os amigos. Da GM poderiam sair 500 empresas incubadoras para mudar o mundo. Mas não, Obama erra, apóia a produção do que só alguns podem ter em detrimento do que é universal.
Os demitidos do capitalismo morto não são desempregados, mas emancipados. Evidentemente, na grande mídia, associada ao moribundo, ouviremos a história pessoal de José que trabalhava em uma empresa que fornecia borracha para a GM e agora está sem emprego. Sofremos por 3 segundos!
Ouviremos a história de Antonia que era doméstica na casa de José e foi dispensado. Sofremos por 2 segundos! Seremos bombardeados de narrativas pessoais tentando sustentar o moribundo. E os 700 bi? Porque a GM e não as pessoas, as verdadeiras potências de transformação? Elas não deixaram de ser produtivas porque não tem trabalho, pelo contrário.
Mais vale a empregada doméstica com os filhos ajudando na escola na hora da merenda ou fazendo o bolo dos aniversários do que passando 4 horas por dia em um velho trem com motor alemão. A riqueza que essa mulher gera na sua comunidade não pode ser medida com os mesmos termômetros utilizados pela Toyota e por Obama, e isso é insuportável, eles não entendem, para essa riqueza afetiva e cultural não há dinheiro. O capitalismo está sendo destruído pelas potências humanas, pelo o que podem os homens e as mulheres fora de uma fábrica.
Menos de 0.5% da população americana possui 56,2% dos meios de produção. Para quem estão indo os 700 bi? O José e a Antonia servem para convencer a opinião pública que essa ínfima parte da população deve ser salva pelos governos do mundo. O mesmo vale para Merkel, Zapatero, Sarkozy. José perdeu o emprego porque a apropriação privada que a empresa dele faz da borracha que ela exporta para a GM está morrendo. Mas para garantir esse modelo, Obama tem 700 bi.
A crise é salutar, expõe as entranhas de um mundo inviável e falido. Os valores de uso - simbólicos, imateriais, estéticos,intelectuais, comunicacionais, afetivos e gratuitos - tomam o lugar dos valores materiais - privados, poluentes. O que é material hoje custa pouco. Um celular é quase de graça, um computador custa menos que uma mensalidade escolar. O consumo de cultura nos países ricos supera o consumo material. Segundo Rifkin (A idade do Acesso), em 2050, apenas 5% da população mundial estará envolvida na produção de bens industriais como conhecemos.
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