Bem-vindo/a ao blog da coleção de História nota 10 no PNLD-2008 e Prêmio Jabuti 2008.

Bem-vindos, professores!
Este é o nosso espaço para promover o diálogo entre as autoras da coleção HISTÓRIA EM PROJETOS e os professores que apostam no nosso trabalho.
É também um espaço reservado para a expressão dos professores que desejam publicizar suas produções e projetos desenvolvidos em sala de aula.
Clique aqui, conheça nossos objetivos e saiba como contribuir.

sábado, 31 de maio de 2008

Cursos relacionados à lei 10639/03 e ao ensino de história

Atualizado em 11/07/2008

Para os professores da cidade de São Paulo ou que para cá podem se deslocar:


VIII CURSO DE DIFUSÃO CULTURAL CEA/USP:
ASPECTOS DA CULTURA E DA HISTÓRIA DO NEGRO NO BRASIL

(curso de difusão - 45h, com nota)


PERÍODO DO CURSO E HORÁRIO:
05.08 a 25.11.2008, exceto nos dias 09.09 e 28.10.2008.
3ª feira: das 19 às 22h

PÚBLICO-ALVO:

- Professores de Ensino Fundamental e Médio das Redes Públicas e Particulares.

- Interessados em geral.

VAGAS: 100, com mínimo de 60 participantes.


INSCRIÇÕES: de 15 a 22.07.2008, enquanto houver vaga.

PARA EFETUAR A MATRÍCULA, DEVERÁ APRESENTAR:
- documento atualizado que comprove pertencer ao público-alvo (holerite);
- RG (com data de expedição) e CPF;
- endereço e telefone.

LOCAL DA MATRÍCULA, VALORES E OUTRAS INFORMAÇÕES:

www.fflch.usp.br/sce/cursos/VIII_cea_aspecto.htm

OBSERVAÇÃO:
1. Não efetuaremos matrículas fora do prazo estipulado;
2. As matrículas serão feitas por ordem de chegada.

PROGRAMA E MINISTRANTES

1ª Aula - 05/08/2008 - Prof. Kabengele Munanga
1.Introdução
Apresentação do curso: objetivos, conteúdo do programa, bibliografia básica.
Origens geográficas dos africanos escravizados no Brasil.
Existe uma história do negro no Brasil? E por onde ela começa?

2ª Aula - 12/08/2008 - Profª Marina Pereira Almeida Mello
2. O negro no território brasileiro e o regime escravista: adaptação e resistência;
2.1. Resistências individuais;
2.2. Resistências coletivas: rebeliões nas senzalas, quilombos, Revolta dos Malês;
2.3. Atuação do negro na abolição.

3ª Aula - 19/08/2008 - Profª Marina Pereira Almeida Mello
3. O negro após a abolição e novas formas de resistência:
3.1. A revolta da Chibata;
3.2. A Frente Negra Brasileira - imprensa negra em São Paulo;
3.3. O movimento negro contemporâneo.

4ª e 5ª Aulas - 26/08 e 02/09/2008 - Profs. Juarez Tadeu de Paula Xavier e Antonia Ap. Quintão dos Santos Cezerilo
4. Culturas negras no Brasil:
4.1. Leis e repressões contra as culturas negras no Brasil - estratégias e formas de resistência:
4.1.1. Resistências religiosas: irmandades, candomblé, umbanda, etc.

6ª e 7ª Aulas - 16 e 23/09/2008 - Profas. Lígia Ferreira e Maria Cecília Félix Calaça
4.1.2. Resistências artísticas: culinária, música, dança, artes visuais, literatura, arte do corpo (capoeira), arquitetura, etc.

8ª e 9ª Aulas - 30/09 e 07/10/2008 - Profs. Kabengele Munanga e Antonio Carlos Arruda da Silva
5. Negro e discriminação racial no Brasil:
5.1. Conceitos básicos: preconceito, raça, racismo e etnicidade no Brasil;
5.2. Características do racismo à brasileira;
5.3. Direitos Humanos e a questão racial.

10ª e 11ª Aulas - 14 e 21/10/2008 - Profas. Luciene Cecília Barbosa e Eliana de Oliveira
5.4. Formas de exclusão do negro no Brasil:
5.4.1. O negro na mídia e no mercado de trabalho;
5.4.2. O negro na educação (ensino fundamental, médio e superior).

12ª e 13ª Aulas - 04 e 11/11/2008 - Profª Roseli de Oliveira
5.4.3. O negro na saúde: a legislação;
5.4.4. Questões específicas da saúde da população negra.

14ª Aula - 18/11/2008 - Prof. Dr. Kabengele Munanga
6. Multiculturalismo e a Ação Afirmativa no Brasil:
6.1. Políticas de reconhecimento da Identidade Negra no Brasil, exemplos das Leis. 10.639/03 e 11.645/08
6.2. O Debate sobre as cotas raciais.

15ª Aula - 25/11/2008 - Prof. Dr. Kabengele Munanga
Encerramento do Curso.
Avaliação (Por escrito).

OUTRAS INFORMAÇÕES

OBJETIVO: Capacitação dos professores das redes públicas e particular de ensino no aprendizado dos aspectos da cultura e da história do negro no Brasil; propiciando acesso ao material de apoio e didático para ser utilizado em sala de aula, embasados nos conhecimentos apreendidos em cada temática que certamente, serão de utilidade prática.

COORDENAÇÃO: Prof. Dr. Kabengele Munanga, da FFLCH/USP.

PROMOÇÃO: Centro de Estudos Africanos (CEA), da FFLCH/USP.

CERTIFICADO: Para fazer jus ao certificado de extensão o aluno precisa ter o mínimo de 85% de presença e nota mínima 5.

LOCAL DO CURSO: Prédio de Filosofia e Ciências Sociais, Av. Prof. Luciano Gualberto, 315. Sala a confirmar.

Fonte: Serviço de Cultura e Extensão Universitária - FFLCH-USP.

*******************

VIII Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História

De 28 a 31 de julho de 2008

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

Av. da Universidade, 308 - Cidade Universitária - São Paulo - SP

Inscrições: www.fafe.org.br/inscricao/ (até 25 jul. 2008)

Mais informações: www.fafe.org.br/8enpeh/index.htm

Programação


2ª feira - 28/07/08


9h: Credenciamento e Recepção aos congressistas

10h: Abertura

11h: Conferência de Abertura

A pesquisa em Didática da História

Prof. Dr. Ivo Mattozzi - Universitá di Bologna - Itália

14h: Reunião dos Grupos de Trabalhos (GTs)

17h: Conferência II

A pesquisa em ensino de História: metodologia e novos horizontes

Profª Dra. Nicole Tutiaux-Guillon. Université de Lille - França



3ª feira - 29/07/08



9h: Mesa 1. Formação de professores

Profª Dra. Ana Maria Monteiro - UFRJ - RJ

Profª Dra. Flavia Eloísa Caimi - UPF - RS

Profª Dra. Selva Guimarães Fonseca - UFU-MG



Mesa 2. Livro Didático

Profª Dra. Circe Maria F. Bittencourt - PUC-SP

Prof. Dr. Décio Gatti Jr. - UFU - MG

Profª Dra. Tânia Maria F. Braga Garcia - UFPR - PR



11h: Mesa 3. Memória e Ensino de História

Profª Dra. Helenice Ciampi PUC - SP

Profª Dra. Maria Carolina B. Galzerani UNICAMP -SP

Profª Dra. Sônia Regina Miranda - UFJF - MG



Mesa 4. Ensino de História e narrativas

Profª Dra. Cristiani Bereta da Silva - UDESC - SC

Profª Dra. Dislane Zerbinatti Moraes - FEUSP - SP

Profª Dra. Juçara Luzia Leite - UFES - ES

14h: Reunião dos Grupos de Trabalhos (GTs)

16h30: Lançamento de Livros

17h30: Conferência III

A pesquisa em ensino de História: metodologia e novos horizontes

Profª Dra. Isabel Barca -Universidade do Minho - Portugal



4ª feira - 30/07/08



9h: Mesa 5. Conhecimento escolar: linhas de investigação

Profª Dra. Lana Mara Siman de Castro - PUC- MG

Profª Drª Marli André - PUC - SP

Profª Dra. Sandra Regina Ferreira de Oliveira - UNIOESTE - PR



Mesa 6. Educação Histórica

Profª Dra. Isabel Barca - Universidade do Minho - Portugal

Profª Dra. Maria Auxiliadora Schmidt - UFPR - PR

Profª Dra. Marlene Cainelli - UEL - PR



11h: Mesa 7. História e Historiografia do Ensino de História

Profª Dra. Arlette Medeiros Gasparello - UFF - RJ

Profª Dra. Maria de Fátima Sabino Dias- UFSC - SC

Profª Dra. Margarida Maria Dias de Oliveira - UFRN - RN



Mesa 8. Ensino de História, Museus e Patrimônio Histórico

Profª Dra. Júnia Sales Pereira - UFMG - MG

Prof. Dr. Francisco Régis Lopes Ramos - UFCE/Museu do Ceará

Prof. Dr. Paulo Knauss - UFF/Arquivo do Estado do Rio de Janeiro

14h: Reunião dos Grupos de Trabalhos (GTs)



17h: Conferência IV

A pesquisa em ensino de História: metodologia e novos horizontes

Profª Dra. Silvia Finocchio - UBA - Argentina



5ª feira - 31/07/08



9h: Mesa 9. História e Ensino de História: Interfaces Metodológicas

Prof. Dr. Marcos Antonio da Silva - FFLCH - USP - SP

Profª Dra. Raquel Glezer - FFLCH - USP - SP

Profª Dra. Katia Maria Abud - FEUSP - SP



11h: Mesa 10. Horizontes da pesquisa de Ensino de História

Prof. Dr. Ivo Mattozzi - Universidade de Bologna - Itália

Profª Dra. Nicole Tutiau-Guillon - Université de Lille - França

Profª Dra. Silvia Finocchio - Universidad de Buenos Aires - Argentina

14h: Apresentação - Relatórios dos GTs

Assembléia da ABEH


17h: Conferência de Encerramento

A pesquisa em ensino de História: metodologia e novos horizontes

Profª Dra. Ernesta Zamboni - FE - UNICAMP - SP

19h: Atividade Cultural e Encerramento


Fonte: Comissão Organizadora.

Professores mineiros e cariocas, não percam essas oportunidades de cursos de formação:

No Rio: Centro Cultural José Bonifácio
tel.: 21-2233-7754 / ccjbonifacio@pcrj.rj.gov.br

Curso Gratuito: O Refluxo da Diáspora – A saga dos libertos no Brasil que voltaram para a África no século XIX

com: Milton Guran – antropólogo, jornalista e fotógrafo

de: 11 de junho a 23 de julho de 2008 – às quartas-feiras – das 19h às 21h 30m


Em Minas Gerais, no município de Cataguases:
II ENCONTRO DE CULTURA AFRO-BRASILEIRA E HISTÓRIA DA ÁFRICA

Dia 03/06 – das 08h00min às 11h00min
CONFERÊNCIA DE ABERTURA: Professora e escritora Rosa Margarida de Carvalho Rocha (Pedagoga – PUC Minas, vinculada à Editora Mazza).
Dia 03/06 – das 14h00min às 17h00min
MESA 1 – FÉ SINGULAR, RELIGIOSIDADES MÚLTIPLAS.
A proposta dessa mesa é estender, ao máximo, as possibilidades de reflexão acerca dos diálogos, interfaces e construções pautadas por elementos que remetem à africanidade e o modo como esses processos reverberam nas instituições educacionais e religiosas e na sociedade brasileira de maneira geral.
Dia 04/06 – das 08h00min às 11h00min
MESA 2 – A DIVERSIDADE CULTURAL E ÉTNICA E AS PRÁTICAS ESCOLARES.
A proposta dessa mesa é apresentar experiências que dêem conta da dinâmica dos elementos africanos nos mais variados níveis do processo educacional. Para tal, participarão professores, pedagogos, gestores etc., que desenvolveram/desenvolvem experiências instigantes nessa seara.
Dia 04/06 – das 14h00min às 16h00min
CONFERÊNCIA DE ENCERRAMENTO: Professor Manuel Jauará (Sociólogo - USP).

sexta-feira, 30 de maio de 2008

A nova geopolítica da energia

TENDÊNCIAS GLOBAIS

A nova geopolítica da energia

(Michael T. Klare - The Nation)

Os estrategistas militares norte-americanos estão se preparando para as futuras guerras que certamente serão empreendidas, não por questões de ideologia ou política, mas em luta por recursos crescentemente escassos. Estima-se que, juntos, os Estados Unidos e a China chegarão a consumir 35% das reservas mundiais de petróleo em 2025.

Os estrategistas militares norte-americanos estão se preparando para as futuras guerras que certamente serão empreendidas, não por questões de ideologia ou política, mas em luta por recursos crescentemente escassos.


Enquanto a atenção diária do exército norte-americano está concentrada no Iraque e Afeganistão, os estrategistas norte-americanos olham para além destes dois conflitos com o objetivo de prever o meio em que irá ocorrer o combate global em tempos vindouros. E o mundo que eles enxergam é um no qual a luta pelos recursos vitais — mais do que a ideologia ou a política de equilíbrio de poder — domina o campo da guerra. Acreditando que os EUA devem reconfigurar suas doutrinas e forças para prevalecer em semelhante entorno, os oficiais mais veteranos deram os passos necessários para melhorar seu planejamento estratégico e capacidade de combate. Apesar de que muito pouco disto tudo chegou ao domínio público, há um bom número de indicadores-chave.

A partir de 2006, o Departamento de Defesa, em seu relatório anual “Capacidade Militar da República Popular da China”, coloca no mesmo nível a competição pelos recursos e o conflito em torno de Taiwan como a faísca que poderia desencadear uma guerra com a China. A preparação de um conflito com Taiwan permanece como “uma razão importante” na modernização militar chinesa, segundo indica a edição de 2008, mas “uma análise das aquisições recentes do exército chinês e do seu pensamento estratégico atual sugere que Pequim também está desenvolvendo outras capacidades do seu exército, para outro tipo de contingências, como, por exemplo, o controle sobre os recursos.” O relatório considera, inclusive, que os chineses estão planejando melhorar sua capacidade para “projetar seu poder” nas zonas que em obtêm matérias-primas, especialmente combustíveis fósseis, e que esses esforços podem supor uma significativa ameaça para os interesses da segurança norte-americana.

O Pentágono também está solicitando, neste ano, fundos para o estabelecimento do Africa Command (Africom), o primeiro centro de mando unificado transatlântico desde que, em 1983, o presidente Reagan criou o Central Command (Centcom) para proteger o petróleo do Golfo Pérsico. A nova organização vai concentrar seus esforços, supostamente, na ajuda humanitária e na “guerra contra o terrorismo”. Mas em uma apresentação na Universidade Nacional de Defesa, o segundo comandante do Africom, o Vice-Almirante Robert Moeller, declarou que “a África tem uma importância geoestratégica cada vez maior” para os EUA — o petróleo é um fator-chave — e que entre os desafios fundamentais para os interesses estratégicos norte-americanos na região está a “crescente influência na África” por parte da China.

A Rússia também é contemplada através da lente da competição mundial pelos recursos. Apesar de que a Rússia, diferentemente dos EUA e da China, não precisa importar petróleo nem gás natural para satisfazer suas necessidades nacionais, esse país quer dominar o transporte de energia, especialmente para a Europa, o que tem causado alarme nos oficiais veteranos da Casa Branca, que receiam uma restauração do status da Rússia como superpotência e temem que o maior controle desse país sobre a distribuição de petróleo e gás na Europa e na Ásia possa enfraquecer a influência norte-americana na região.

Em resposta à ofensiva energética russa, a administração Bush está empreendendo contramedidas. “Tenho a intenção de nomear... um coordenador especial de energia, que dedicará especialmente todo o seu tempo à região da Ásia Central e do mar Cáspio”, informou, em fevereiro, a Secretária de Estado Condoleezza Rice ao Comitê de Assuntos Exteriores do Senado. “É uma parte verdadeiramente importante da diplomacia.” Um dos principais trabalhos deste coordenador, segundo declarou Rice, será o de promover a construção de oleodutos e gasodutos que cincunvalem a Rússia, com o objetivo de diminuir o controle desse país sobre o fluxo energético regional.

Tomados em conjunto estes e outros movimentos semelhantes sugerem que houve um deslocamento da política: em um momento em que as reservas mundiais de petróleo, gás natural, urânio e minérios industriais chave —como o cobre e o cobalto— começam a diminuir e a demanda por esses mesmos recursos está disparando, as maiores potências mundiais desesperam-se por conseguir o controle sobre o que resta das reservas ainda sem explorar. Estes esforços geralmente envolvem uma intensa guerra de lances nos mercados internacionais, o que explica os preços recordes que estão alcançando todos estes produtos, mas também adotam uma forma militar, quando começam a ser feitas transferências de armamento e são organizadas missões e bases transatlânticas. Para reafirmar a vantagem dos EUA —e para contrabalançar movimentos similares da China e outros competidores pelos recursos— o Pentágono situou a competição pelos recursos no próprio centro do seu planejamento estratégico.

Alfred Thayer Mahan, revisitado
Não é a primeira vez que os estrategistas norte-americanos dão máxima prioridade à luta global pelos recursos. No final do século XIX, um atrevido grupo de pensadores militares liderados pelo historiador naval e presidente do Naval War College, Alfred Thayer Mahan, e seu protégé, o então Secretário Assistente da Marinha, Theodore Roosevelt, fizeram uma campanha exigindo uma Marinha norte-americana forte e a aquisição de colônias que garantissem o acesso aos mercados de ultramar e às matérias-primas. Seus pontos de vista ajudaram pontualmente a aumentar o apoio da opinião pública à Guerra Hispano-Americana e, após sua conclusão, ao estabelecimento de um império comercial norte-americano no Caribe e no Pacífico.

Durante a Guerra Fria, a ideologia governou completamente a estratégia norte-americana de contenção da URSS e de derrota do comunismo. Mas mesmo nesse momento não foram totalmente abandonadas as considerações em torno dos recursos. A doutrina Eisenhower, de 1957, e a doutrina Carter, de 1980, apesar de acomodarem-se à habitual retórica anti-soviética da época, pretendiam sobretudo assegurar o acesso dos EUA às prolíficas reservas de petróleo do Golfo Pérsico. E quando o presidente Carter estabeleceu, em 1980, o núcleo do que mais tarde seria o Centcom, sua principal preocupação era a proteção do fluxo de petróleo proveniente do Golfo Pérsico, e não a contenção das fronteiras da União Soviética.

Após o fim da Guerra Fria, o presidente Bush tentou —e não conseguiu— estabelecer uma coalizão mundial de estados com ideologias afins (uma “Nova Ordem Mundial”), que deveria manter a estabilidade mundial e permitir aos interesses empresariais (com as companhias norte-americanas à frente) estender seu alcance por todo o planeta. Este enfoque, embora suavizado, foi adotado depois por Bill Clinton. Mas o ocorrido em 11-9 e a implacável campanha contra os “estados canalhas” (principalmente contra o Iraque de Saddam Hussein e o Irã) da atual administração Bush recolocaram o elemento ideológico no planejamento estratégico norte-americano. De acordo com o que foi apresentado por George W. Bush, a “guerra contra o terrorismo” e os “estados canalha” são os equivalentes contemporâneos das anteriores lutas ideológicas contra o fascismo e o comunismo. Examinando mais de perto estes conflitos, contudo, é impossível separar o problema do terrorismo no Oriente Médio, ou o desafio do Iraque e do Irã, da história da extração de petróleo naquelas regiões por parte de empresas ocidentais.

O extremismo islâmico, do tipo propagado por Osama Bin Laden e Al Qaeda na região, tem muitas raízes, mas uma das mais importantes afirma que o ataque ocidental e a ocupação de terras islâmicas —e a resultante profanação das culturas e povos muçulmanos— é produto da sede de petróleo dos ocidentais. “Lembrem também que a razão mais importante que os nossos inimigos têm para controlar nossas terras é a de roubar nosso petróleo”, disse Bin Laden para seus simpatizantes em uma gravação sonora datada em dezembro de 2004. “Ou seja, que devem fazer o que estiver em suas mãos para deter o maior roubo de petróleo da história."

De modo similar, os conflitos dos EUA com o Iraque e Irã foram modelados pelo princípio fundamental da doutrina Carter, que diz que os EUA não permitirão que surja uma potência hostil que possa conseguir, em um momento dado, o controle do fluxo de petróleo no Golfo Pérsico, e com isso, em palavras do vice-presidente Cheney, “ser capaz de ditar o futuro da política energética mundial.” O fato de que estes países possivelmente estão desenvolvendo armas de destruição massiva somente complica a tarefa de neutralizar a ameaça que representam, mas não altera a lógica estratégica subjacente no fundo dos planos de Washington.

A preocupação sobre a segurança do fornecimento de recursos tem sido, então, uma característica central no planejamento estratégico há bastante tempo. Mas a atenção que agora se presta a essa questão representa uma mudança qualitativa no pensamento norte-americano, igualável apenas aos impulsos imperiais que levaram à Guerra Hispano-Americana um século atrás. Contudo, nesta ocasião o movimento está motivado não por uma fé otimista na capacidade norte-americana de dominar a economia mundial, mas por uma perspectiva francamente pessimista sobre a disponibilidade dos recursos vitais no futuro e pela intensa competição por eles, da qual participam a China e outros motores econômicos emergentes. Enfrentando este duplo desafio, os estrategistas do Pentágono acreditam que assegurar a primazia norte-americana na luta pelos recursos mundiais deve ser a prioridade número um da política militar norte-americana.

Volta ao futuro
Alinhada com este novo enfoque, a ênfase está colocada agora no papel mundial que deve desempenhar a Marinha norte-americana. Utilizando uma linguagem que teria sido surpreendentemente familiar para Alfred Mahan e o primeiro presidente Roosevelt, a Marinha, os marines e a guarda costeira revelaram em outubro um documento intitulado “Uma estratégia cooperativa para o poder naval no século XXI”, no qual se destaca a necessidade dos EUA de dominar os oceanos e garantir para si as principais rotas marítimas que conectam o país com seus mercados de ultramar e com as reservas de recursos.

Nas quatro décadas passadas, o comércio marítimo mundial quadruplicou: 90% do comércio mundial e dois terços do petróleo são transportados por mar. As rotas marítimas e a infra-estrutura costeira que as apóiam são a tábua de salvação da atual economia global. Expectativas de crescimento cada vez maiores e o aumento da competição pelos recursos, junto com a escassez, podem servir como motivação para que as nações façam cada vez mais reclamações de soberania sobre parcelas cada vez maiores do oceano, das vias fluviais e dos recursos naturais, e de tudo isso podem resultar potenciais conflitos.

Para enfrentar este perigo, o Departamento de Defesa empreendeu uma modernização total da sua frota de combate, o que inclui o desenvolvimento e obtenção de novos porta-aviões, destróieres, cruzadores, submarinos e um novo tipo de nave de “combate litorâneo” (armamento costeiro), um esforço que levará décadas completar e que consumirá centenas de milhares de milhões de dólares. Alguns dos elementos deste plano foram revelados pelo presidente Bush e pelo Secretário de Defesa Gates na proposta de orçamento para o ano fiscal 2009, apresentada no passado mês de fevereiro. Entre os artigos mais caros do orçamento destacam os seguintes:

- 4,2 bilhões de dólares para a principal embarcação de uma nova geração de porta-aviões com propulsão nuclear.

- 3,2 bilhões de dólares para um terceiro míssil para o destróier classe "Zumwalt". Estas embarcações de guerra com camuflagem avançada irão servir também como plataforma de teste para um novo tipo de mísseis cruzeiro, os CG(X).

- 1,3 bilhões de dólares para as duas primeiras embarcações de combate litorâneo.

- 3,6 bilhões de dólares para um novo submarino classe Virgínia, a embarcação de combate subaquático mais avançada do mundo, atualmente em produção.

Os programas de construção naval propostos terão um custo de 16,9 bilhões no ano fiscal de 2009, depois dos 24,6 bilhões de dólares votados para o ano fiscal 2007-2008.

O novo enfoque estratégico da Marinha reflete-se não só na obtenção de novas embarcações, mas também no posicionamento dos que já existem. Até pouco tempo atrás, a maioria dos ativos navais estavam concentrados no Atlântico Norte, no Mediterrâneo e no Pacífico Noroeste, em missões de apoio às forças da OTAN norte-americanas e em virtude dos pactos de defesa com a Coréia do Sul e o Japão. Estes vínculos aparecem de maneira muito destacada nos cálculos estratégicos, mas aumenta cada vez mais a importância da proteção dos enlaces comerciais vitais no Golfo Pérsico, no sudeste do Pacífico e no Golfo da Guiné (próximo aos maiores produtores de petróleo da África). Em 2003, por exemplo, o chefe do US European Command declarou que os porta-aviões de combate sob seu comando estariam menos tempo no Mediterrâneo e “durante metade do seu tempo desceriam para a costa oeste da África.”

Um enfoque similar guia a restruturação das bases de ultramar, que em grande medida haviam permanecido intactas nos últimos anos. Quando a administração Bush chegou ao poder, a maioria das principais bases estavam na Europa Ocidental, no Japão ou na Coréia do Sul. Por insistência do então Secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, o Pentágono começou a mobilizar forças da periferia da Europa e da Ásia para suas regiões centrais e do sul, especialmente a Europa Central e Oriental, o centro da Ásia e o sudeste asiático, assim como no norte e centro da África. É verdade que essas zonas são o lar da Al Qaeda e dos “estados-canalha” do Oriente Médio, mas também é verdade que aí está 80% ou mais das reservas mundiais de gás natural e petróleo, assim como reservas de urânio, cobre, cobalto e outros materiais industriais cruciais. E, como já foi dito antes, é impossível separar uma coisa da outra nos cálculos estratégicos norte-americanos.

Outro ponto importante a considerar é o plano norte-americano para manter uma infra-estrutura básica com a finalidade de apoiar as operações de combate na bacia do Mar Cáspio e na Ásia Central. Os vínculos americanos com os estados desta região foram estabelecidos anos antes do 11-9 para proteger o fluxo do petróleo do Mar Cáspio para o Ocidente. Acreditando que a bacia do mar Cáspio seria uma nova e valiosa fonte de petróleo e gás natural, o presidente Clinton trabalhou aplicadamente para abrir as portas à participação norte-americana na produção energética da zona, e embora advertido dos antagonismos étnicos endêmicos da região, tentou reforçar a capacidade militar das potências aliadas do lugar e preparar uma possível intervenção das forças norte-americanas na zona. O presidente Bush redobrou estes esforços, aumentando o fluxo da ajuda militar norte-americana e estabelecendo bases militares nas repúblicas da Ásia Central.

Uma mistura de prioridades governa os planos do Pentágono para reter uma constelação de bases “duradouras” no Iraque. Muitas destas instalações serão, sem dúvida, utilizadas para continuar dando apoio às operações contra as forças insurgentes, para atividades de inteligência militar e para o treinamento do exército e unidades policiais iraquianas. Mesmo se todas as tropas de combate norte-americanas fossem retiradas, de acordo com os planos anunciados pelos senadores Clinton e Obama, algumas destas bases seriam, com toda probabilidade, mantidas para atividades de treinamento, que tanto Clinton quanto Obama já afirmaram que irão continuar. Por outro lado, pelo menos algumas das bases estão especificamente dedicadas à proteção das exportações de petróleo iraquiano. Em 2007, por exemplo, a Marinha revelou que tinha construído uma instalação de direção e controle sobre e ao longo de um terminal de petróleo iraquiano no Golfo Pérsico, com a finalidade de supervisionar a proteção dos terminais de extração mais importantes da zona.

Uma luta global
Nenhuma outra das principais potências mundiais é capaz de igualar os Estados Unidos na hora de mobilizar sua capacidade militar na luta pela proteção das matérias-primas de vital importância. Contudo, as outras potências estão começando a desafiar seu domínio de várias maneiras. China e Rússia, em especial, estão proporcionando armas aos países em vias de desenvolvimento produtores de petróleo e gás e estão, também, começando a melhorar sua capacidade militar em zonas-chave de produção energética.

A ofensiva chinesa para ganhar acesso às reservas estrangeiras é evidente na África, onde Pequim estabeleceu vínculos com os governos produtores de petróleo da Argélia, Angola, Chade, Guiné Equatorial, Nigéria e Sudão. A China também tem procurado acesso às abundantes reservas minerais africanas, perseguindo as reservas de cobre da Zâmbia e do Congo, de cromo no Zimbabue e um leque de diferentes minerais na África do Sul. Em cada caso os chineses têm conquistado o apoio destes países provedores com uma diplomacia ativa e constante, ofertas de planos de assistência para o desenvolvimento e empréstimos com juros baixos, chamativos projetos culturais e, em muitos casos, com armamento. A China é agora o maior provedor de equipamentos básicos de combate para muitos destes países, e é especialmente conhecida por vender armas para o Sudão, armas que têm sido utilizadas pelas forças governamentais em seus ataques contra as comunidades civis de Darfur. Além disso, assim como os EUA a China tem complementado suas transferências de armas com acordos de apoio militar, o que leva a uma presença constante de instrutores, conselheiros e técnicos chineses na zona, competindo com seus homólogos norte-americanos pela lealdade dos oficiais militares africanos.

O mesmo processo está ocorrendo, em grande medida, na Ásia Central, onde China e Rússia cooperam, com o auspício da Shanghai Cooperation Organization (SCO), para proporcionar armamento e assistência técnica aos "istãos" da Ásia Central [Kazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Tadjiquistão e Quirguizistão], mais uma vez competindo com os EUA para conquistar a lealdade das elites militares locais. Nos anos 1990 a Rússia esteve preocupada demais com a Chechênia para prestar atenção a esta zona, e a China, por sua vez, estava concentrada em outras questões, que considerava prioritárias, ou seja que Washington contou com uma vantagem temporária. Contudo, nos últimos cinco anos Moscou e Pequim têm concentrado seus esforços em ganhar influência na região. O resultado de tudo isso é uma paisagem geopolítica muito mais competitiva, com Rússia e China, unidas através da SCO, ganhando terreno em sua ofensiva para minimizar a influência norte-americana na região.

Uma amostra clara desta ofensiva foi o exercício militar realizado pela SCO no passado verão, o primeiro desta natureza, no qual participaram todos os estados membros. As manobras envolveram um total de 6.500 membros, procedentes do pessoal militar da China, Rússia, Kazaquistão, Quirguizistão, Tadjiquistão e Uzbequistão, e ocorreram na Rússia e na China. Além do seu significado simbólico, o exercício era indicativo dos esforços chineses e russos para melhorar suas capacidades militares, dando forte ênfase a tudo o que tivesse relação com suas forças de assalto a longa distância. Pela primeira vez um contingente de tropas chinesas aerotransportadas foi mobilizado fora do território chinês, um sinal claro da crescente autoconfiança de Pequim.

Para garantir que a mensagem destes exercícios não passasse desapercebida, os presidentes da China e da Rússia aproveitaram a ocasião para organizar uma cúpula da SCO no Quirguizistão e advertir os Estados Unidos (embora esse país não tenha sido mencionado) de que não permitiriam intromissões de nenhum tipo nos assuntos da Ásia Central. Em seu chamamento por um mundo "multipolar", por exemplo, Vladimir Putin declarou que “qualquer tentativa de resolver problemas mundiais e regionais de maneira unilateral será em vão.” Por sua vez, Hu Jintao fez notar que “as nações da SCO conhecem com clareza as ameaças que a região enfrenta e devem garantir sua proteção por si mesmas.”

Estes e outros esforços da China e da Rússia, combinados com a escalada de ajuda militar norte-americana para alguns estados da região, são parte de uma maior, embora muitas vezes oculta, luta pelo controle do fluxo do petróleo e do gás natural da bacia do Mar Cáspio para os mercados da Europa e da Ásia. E esta luta, por sua vez, não é mais do que parte da luta mundial pelo controle da energia.

O maior risco desta luta é que ela, algum dia, exceda os limites da competição econômica e diplomática e entre em cheio no terreno militar. Não acontecerá, é claro, porque algum dos estados envolvidos tome a decisão deliberada de provocar uma guerra contra um dos seus concorrentes, porque os líderes de todos estes países sabem com certeza que o preço da violência é alto demais considerando o que obteriam em troca. O problema é, em compensação, que todos eles estão tomando parte em ações que fazem com que o início de uma escalada involuntária seja cada dia mais plausível. Estas ações incluem, por exemplo, a mobilização de um número cada vez mais elevado de conselheiros e instrutores militares americanos, russos e chineses em zonas de instabilidade nas quais estes estrangeiros podem acabar, qualquer dia, apanhados em bandos opostos em conflito.

O risco é ainda maior se considerarmos que a produção intensificada de petróleo, gás natural, urânio e minerais é, em si, uma fonte de instabilidade, que age como um imã para as entregas de armamento e a intervenção estrangeira. As nações envolvidas são quase todas pobres, portanto aquele que controlar os recursos vai controlar as únicas fontes seguras de abundante riqueza material. Esta situação é um convite para a monopolização do poder para que as elites cobiçosas utilizem seu controle sobre o exército e a polícia para eliminar seus rivais. O resultado de tudo isso é, quase sem exceção, a criação de um bando de capitalistas instalados firmemente no poder, os quais utilizam com brutalidade as forças de segurança e terminam rodeados por uma enorme massa de população desafeta e empobrecida, freqüentemente pertencente a um grupo étnico diferente, um caldo de cultivo idôneo para os distúrbios e a insurgência. Esta é, hoje em dia, a situação na zona do delta do Níger, na Nigéria, em Darfur e no sul do Sudão, nas zonas produtoras de urânio do Níger, no Zimbabue e na província de Cabinda, na Angola (onde está a maior parte do petróleo do país) e outras muitas zonas que sofrem o que tem sido denominado como “maldição dos recursos.”

O perigo está, nem precisa dizer, em que as grandes potências acabem imersas nestes conflitos internos. Não estamos traçando um cenário extemporâneo: EUA, Rússia e China estão proporcionando armamento e serviços de apoio militar às facções de muitas das disputas antes mencionadas: os EUA estão armando as forças governamentais na Nigéria e de Angola, a China proporciona ajuda às forças governamentais no Sudão e no Zimbabue, e a mesma coisa ocorre com o resto dos conflitos. Uma situação inclusive mais perigosa é a que existe na Geórgia, onde os EUA dão respaldo ao governo pró-ocidental do presidente Mijail Saakashvili, com armamento e apoio militar, enquanto a Rússia apóia as regiões separatistas de Abkhazia e Ossétia do Sul. A Geórgia tem um importante papel estratégico para ambos os países, porque é lá que está o oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC), que tem o aval dos EUA e transporta petróleo do Mar Cáspio para os mercados ocidentais. Atualmente, há conselheiros e instrutores militares norte-americanos e russos em ambas as regiões, em alguns casos inclusive há contato visual entre uns e outros. Não é difícil, portanto, conjeturar um cenário no qual um choque entre as forças separatistas e a Geórgia leve, querendo ou não, a um enfrentamento entre soldados russos e americanos, dando lugar a uma crise muito maior.

É essencial que os EUA consigam inverter o processo de militarização da sua dependência de energia importada e diminuam sua competição com a China e a Rússia pelo controle de recursos estrangeiros. Fazendo isso, seria possível canalizar o investimento para as energias alternativas, o que levaria a uma produção energética nacional mais efetiva (com uma redução de preços no longo prazo) e proporcionaria uma ótima oportunidade para reduzir a mudança climática.

Qualquer estratégia focada em reduzir a dependência da energia importada, especialmente o petróleo, deve incluir um aumento do gasto em combustíveis alternativos, sobretudo fontes renováveis de energia (solar e eólica), a segunda geração de biocombustíveis (aqueles que são feitos a partir de vegetais não comestíveis), a gaseificação do carvão capturando as partículas de carbono no processo (de maneira que nenhuma dioxina de carbono escape para a atmosfera contribuindo com o aquecimento do planeta) e células de combustível hidrogênio, junto com um transporte público que inclua trens de alta velocidade e outros sistemas de transporte público avançados. A maior parte da ciência e da tecnologia para implementar estes avanços já está disponível, mas não as bases para tirá-los do laboratório ou da etapa de projeto piloto e promover seu desenvolvimento completo. O desafio é, então, o de reunir os milhares de bilhões —talvez trilhões— de dólares que serão necessários para isso.

O principal obstáculo para esta tarefa hercúlea é que desde o início choca com o enorme gasto que representa a competição militar pelos recursos de ultramar. Pessoalmente, considero que o custo atual de impor a doutrina Carter está entre os 100 e os 150 bilhões de dólares, sem incluir a guerra do Iraque. Estender essa doutrina para a bacia do Mar Cáspio e a África vai acrescentar muitos outros bilhões a essa conta. Uma nova guerra fria com China, com sua correspondente corrida armamentista naval, exigirá trilhões em gastos adicionais militares nas próximas décadas. Uma loucura: o gasto não vai garantir o acesso a mais fontes de energia, nem fará baixar o preço da gasolina para os consumidores, nem vai desanimar a China na sua busca por novas fontes de energia. O que realmente vai fazer será consumir o dinheiro que precisamos para desenvolver fontes de energia alternativas com as quais conjurar os piores efeitos da mudança climática.

Tudo isso nos leva à recomendação final: mais do que embarcar em uma competição militar com a China, o que deveríamos fazer é cooperar com Pequim no desenvolvimento de fontes de energia alternativas e sistemas de transporte mais eficazes. Os argumentos a favor da colaboração são esmagadores: estima-se que, juntos, os Estados Unidos e a China chegarão a consumir 35% das reservas mundiais de petróleo em 2025, e a maior parte dele terá que ser importado de estados disfuncionais. Se, como indicam amplamente as predições, as reservas mundiais de petróleo começarem a diminuir nessa época, nossos países estarão presos em uma perigosa luta por recursos cada vez mais limitados a zonas cronicamente instáveis do mundo. Os custos disso, em termos de gastos militares cada vez maiores e de uma inabilidade manifesta para investir em projetos sociais, econômicos e de meio ambiente que realmente valham a pena, serão inaceitáveis.

Razão de sobra para renunciar a este tipo de competição e trabalhar juntos no desenvolvimento de alternativas ao petróleo, nos veículos eficientes e em outras inovações energéticas. Muitas universidades e corporações chinesas e norte-americanas já começaram a desenvolver projetos conjuntos desta natureza, ou seja, que não deveria ser difícil prever um regime de cooperação ainda maior.

Na medida que em que vamos nos aproximando das eleições de 2008, abrem-se dois caminhos à nossa frente. Um nos leva a uma maior dependência dos combustíveis importados, a uma militarização crescente da nossa relação de dependência do petróleo estrangeiro e a uma luta prolongada com outras potências pelo controle das maiores reservas existentes de combustíveis fosseis. A outra, leva a uma dependência atenuada do petróleo como fonte principal dos nossos combustíveis, ao rápido desenvolvimento de alternativas energéticas, a um baixo perfil das forças norte-americanas no estrangeiro e à cooperação com a China no desenvolvimento de novas opções energéticas. Rara vez uma eleição política teve maior transcendência para o futuro do nosso país.

* Michael T. Klare é professor de Paz e Segurança mundial na Universidade de Hampshire. Seu último livro, “Rising Powers, Shrinking Planet: The New Geopolitics of Energy”, foi publicado por Metropolitan Books em abril.

Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutores

quarta-feira, 28 de maio de 2008

A descolonização da América Latina e os direitos indígenas

Evo Morales, presidente da Bolívia

Se revisarmos a história, recordaremos que, no período colonial, os colonizadores diziam que os índios não tinham alma. Foi necessário passarem 500 anos, um processo histórico muito largo, para que um índio fosse eleito presidente democraticamente.

O Equador, no momento atual, se caracteriza pelo fato de que as forças progressistas assumiram a bandeira empunhada pelo movimento indígena na década de 90 para a elaboração de uma nova Constituição, que reconheça a diversidade de uma maneira profunda através da plurinacionalidade. Os avanços nos últimos 20 anos permitiram passar da invisibilidade à visibilidade, da resistência à proposta e agora da interculturalidade à plurinacionalidade. É importante levar isso em conta para se analisar o atual processo constituinte.

A Constituição é simplesmente um papel que foi fonte de frustração durante muito tempo. Vários direitos foram incluídos, porém, os povos continuam sendo excluídos, empobrecidos, invisibilizados e oprimidos. Estamos diante de um novo tipo de constitucionalismo, que implica um diferente projeto político de país, outra forma de cultura, de convivência, de territorialidade, de institucionalidade do Estado.

Trata-se de uma nova época, interessante, mas muito difícil, já que existem muitos inimigos internos e externos que estão muito bem organizados. Lamentavelmente, as forças progressistas não se organizam tão bem como seus opositores. O atual modelo de Estado é homogeneizador porque implica uma só nação, cultura, direito, exército e religião. Essa idéia de homogeneidade predomina nas cabeças das elites, da cultura e até nas forças progressistas, que são ou podem ser aliadas nesse processo. Daí a importância em defender outro tipo de unidade na diversidade, que não seja simplesmente aceita, senão celebrada.

A unidade não tem porque ser homogênea e tampouco a diversidade tem que significar desintegração. Esses são os desafios que deve enfrentar a nova Constituição, para que efetivamente o atual processo político implique uma importante ruptura com o colonialismo que não terminou com as independências.

As diversas iniciativas políticas que estão emergindo no continente só podem ser entendidas reconhecendo a existência de um profundo racismo na sociedade. Por exemplo, não podemos entender os conflitos na Bolívia sem antes recordar que, para suas elites, um índio é só um índio, e não concebem que tenha chegado a ser presidente, pois, segundo elas, não é competente. Se revisarmos a história, recordaremos que na colônia acreditavam que os índios não tinham alma, e foi um papa, em 1537, quem teve de reconhecer que tinham. Foi necessário passarem 500 anos, um processo histórico muito largo, para que um índio fosse eleito presidente democraticamente.


Na Venezuela também existe racismo, basta observar muitas das críticas lançadas contra o presidente Hugo Chávez, que o chamam de macaco e de não pertencer às elites brancas da sociedade dominante. Por isso a importância do reconhecimento da continuidade do colonialismo e de que, no processo constitucional, a plurinacionalidade é um ato de pós-colonialismo que rompe com essa herança colonial. A independência foi dada, concebida, conquistada pelos descendentes dos colonizadores, não pelos povos originários, quer dizer, não foi realmente descolonizadora. Na África, aconteceu o contrário, as independências se deram por territórios, pelos povos originários, com exceção da África do Sul, que conquistou sua independência em meados dos anos 90.

Esse novo tipo de constitucionalismo é importante, porém não é exclusivo da América Latina. No mundo existem vários países, como Canadá, Suíça, Bélgica e Espanha, que se reconhecem como plurinacionais. Não se entende, portanto, por que o drama, o enfrentamento e as dúvidas. Em uma reunião do SENPLADES (Secretaria Nacional do Planejamento e Desenvolvimento), à qual fui convidado, ficaram preocupados que a plurinacionalidade desintegrasse e destruísse o país, como também ficou um jornal de grande circulação no Equador, e lhes expliquei porque não devem ter medo. Primeiro, a plurinacionalidade tem como objetivo descolonizar o país, devido a essa herança colonial. Segundo, exige outra concepção do território e do controle dos recursos naturais. É ali que surgem os temores com respeito à propriedade da terra, o controle dos benefícios e lucros que produzem os recursos naturais.

Esse processo político significa uma nova visão de país, uma refundação do Estado equatoriano. Bolívia e Equador estão inventando outro tipo de Estado, um modelo que merece novas instituições e novos territórios com um marco político diferente, que permita passar do discurso à prática e cujas mudanças se reflitam de maneira visível.

A plurinacionalidade é um ato fundacional ou de refundação do Estado e todos os outros atos fundacionais são de transição.

Passar das velhas estruturas à construção de novos estados é um processo de transição que não é unicamente político, senão cultural e que pode provocar enfrentamentos, como está acontecendo no Equador e na Bolívia. São choques de memória entre aqueles que não podem esquecer e os que não querem lembrar. Esta confrontação, que não é política, mas também cultural, exige que se construa outro tipo de memória.

O novo modelo de Estado implica uma nova institucionalidade, outra territorialidade, mas também outro modelo de desenvolvimento. Daí a importância das concepções indígenas, que estão ganhando terreno porque vão além das reivindicações puramente étnicas. Hoje em dia, o ponto de vista dos povos indígenas é importante no continente e não somente para eles, como também para todo o país, pois o atual modelo de desenvolvimento está destruindo os recursos naturais, o meio ambiente, contaminando a água, particularmente no Equador, como é o caso da Texaco, que durante 30 anos causou pobreza, destruição ambiental e contaminou as águas.

Este é um velho modelo e é possível que as palavras do ‘desenvolvimento’ não sejam as mais adequadas. Então, por que não utilizar a palavra ‘reviver’, que tem uma conotação muito mais profunda e que significa uma relação diferente com Pacha Mama? O conceito de natureza é muito pobre comparado com o de Pacha Mama, mais profundo e rico, pois implica harmonia e cosmovisão. Os indígenas colombianos costumam dizer "o petróleo é sangue da terra, é nosso sangue, nossa vitalidade, se nos tiram o sangue, nos matam". Esta concepção, que para os povos indígenas é muito natural, começa a ter outra aceitação. Não está em jogo só uma crise do capitalismo, mas também a sobrevivência da humanidade, caso se mantenha o atual modelo de desenvolvimento.

Este ato refundacional tem uma enorme potencialidade para o estabelecimento de relações mais amplas e o movimento indígena tem de estar preparado para a construção de novas alianças. Trata-se também de outro modelo de democracia, porque a atual é muito excludente e marginalizou as grandes maiorias da mesa de negociações e decisões. Portanto, é necessário democratizar a democracia com novas formas de participação, mais inclusivas, podendo ser de origem ocidental, como a democracia participativa, ou de origem comunitária, como as formas indígenas. A Constituição boliviana, por exemplo, distingue entre democracia representativa e democracia partidária e comunitária.

A democratização da democracia vem acompanhada de outro processo interessante que é o da ‘cidadanização’ da cidadania, ou seja, a ampliação da cidadania a formas de cidadania intercultural junto de diferentes formas de pertencimento. Quando me perguntam se a plurinacionalidade pode colocar em risco a unidade do país, respondo rotundamente que não, pois essa é minha larga experiência com os movimentos indígenas deste continente, que, basicamente, mostram duas coisas: os povos indígenas são originariamente transnacionais, como é o caso dos aymaras, quéchuas, mapuches, que foram divididos em vários países e agora são chilenos, argentinos, peruanos, equatorianos ou bolivianos.

Em segundo lugar, eles reconhecem simultaneamente sua identidade nacional indígena e também a cidadania de seu país. Além do mais, mantiveram lealdade a seus países em guerras fronteiriças, participando com muita valentia de exércitos nacionais. Um exemplo desse duplo pertencimento podemos observar no Canadá, onde não é o mesmo ser canadense para um branco e para um indígena. Mesmo assim, todos, de maneira muito distinta, são canadenses.

Existem várias maneiras de pertencimento e, portanto, formas de convivência. A unidade na diversidade é uma nova solidariedade social, que pode ter um impacto muito forte nos territórios e recursos naturais. Podem produzir-se enfrentamentos, porém nas rupturas também existe continuidade. Por isso é importante que esses conflitos sejam controlados dentro de um marco pacífico e democrático.


Passar da interculturalidade à plurinacionalidade é um salto muito grande, mas também nisso se dá uma continuidade. A atual Constituição Política do Equador estabelece as circunscrições indígenas, porém estas, lamentavelmente, não foram regulamentadas.

Quando insistem no risco de que a plurinacionalidade pode enfraquecer a unidade nacional, pergunto-me: aonde estão as provas, os resultados desses fenômenos? Pelo contrário, o agronegócio e grandes latifundiários de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, que defendem o separatismo, é que constituem um grave perigo para a unidade do Estado. Portanto, a desintegração não vem dos povos indígenas.


O objetivo da plurinacionalidade não é somente a idéia do consenso, mas também do reconhecimento das diferenças, de outra forma de cooperação nacional com unidade na diversidade. É um ato de justiça histórica que não pode ser resolvido como um problema de geometria da democracia representativa. Qual a quantidade de indígenas neste país, 30, 20, 7 mil pessoas? Quanto menor a quantidade, mais demonstrado fica o nível de extermínio e, portanto, que a plurinacionalidade tem de ser mais profunda. Um desafio para a institucionalidade é compatibilizar a igualdade com a diferença. Difícil, mas não impossível.

* Originalmente publicado em http://alainet.org/ - Traduzido por Gabriel Brito.

Intervenção realizada no Encontro Internacional "Povos Indígenas, Estados Plurinacionais e Direito à Água", em março de 2008, Quito, Equador.

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).


Postagens relacionadas:

Entrevista com o antropólogo Fernando Vianna sobre a demarcação da TI Terra do Sol

Reação conservadora contra a população indígena amplia preconceitos

Más notícias: aumenta a violência contra os povos indígenas no Brasil
De volta à Roraima e à Terra do Sol

Notícias de interesses aos professores: cursos, nova lei, site em destaque

DOSSIÊ Bolívia: raça e classe podem dividir o país no referendo de 04 de maio

Postagens relacionadas à América Latina

América Latina em nossa Biblioteca Virtual
O Brasil e a questão da latinidade
Intolerância nos EUA contra latinos-americanos
Ferrez analisa estereótipos sobre latinos e negros no cinema
Vitória de Lugo no Paraguai
Informação resiste ao choque
Fome mundial, latifúndios, deserto verde e biocombustíveis
Memória e história: ditadura militar
Crise entre Colômbia e Equador
Farcs


DIREITOS HUMANOS: muito discurso pouca realização

Atualizado em 03/06/2008
Anistia condena '60 anos de fracasso' em direitos humanos


BBC- Brasil (28/05/2008 - 03h00)

A Anistia Internacional pediu nesta quarta-feira aos líderes mundiais que se desculpem por seis décadas do que a entidade considera fracasso na defesa dos direitos humanos.

A cobrança está no relatório anual da organização, que, neste ano, faz um balanço entre o que foi prometido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e o que foi cumprido até agora.

"Injustiça, desigualdade e impunidade são as marcas do nosso mundo hoje. Os governos devem agir agora para acabar com a distância entre promessa e desempenho", disse Irene Khan, secretária-geral da organização, em uma nota à imprensa.

A Anistia diz que os governos ao redor do mundo deveriam se comprometer novamente a apresentar melhoras concretas.

"Os problemas de direitos humanos em Darfur, Zimbábue, Gaza, Iraque e Mianmar exigem uma ação imediata", disse Khan.

'Falta de liderança coletiva' Segundo o relatório, 60 anos depois de a Declaração Universal dos Direitos Humanos ter sido adotada pelas Nações Unidas, pessoas ainda são torturadas ou mal tratadas em pelo menos 81 países, são submetidas a julgamentos injustos em pelo menos 54 países e não têm direito de se manifestar livremente em pelo menos 77.

"2007 foi caracterizado pela impotência de governos ocidentais e a ambivalência ou relutância dos poderes emergentes em combater algumas das piores crises de direitos humanos no mundo, desde guerras a desigualdades que deixam milhões para trás", disse Khan.

Para a organização, a maior ameaça ao futuro dos direitos humanos é a ausência de uma visão compartilhada e de uma liderança coletiva.

"2008 representa uma oportunidade sem precedentes para que novos líderes e países emergentes no cenário internacional estabeleçam uma nova direção e rejeitem as políticas e práticas míopes que têm deixado o mundo um lugar mais perigoso e mais dividido", afirmou a secretária-gera da Anistia.

'Poderosos' Segundo Khan, "os mais poderosos devem liderar dando o exemplo." Nesse sentido, a organização faz um apelo direto para a China, os Estados Unidos, a Rússia e a União Européia.

A Anistia diz que a China deve cumprir as promessas feitas por conta dos Jogos Olímpicos e permitir a liberdade de expressão e de imprensa e acabar com o sistema de "reeducação através do trabalho", que permite a prisão por até quatro anos sem indiciamento, julgamento ou revisão judicial.

No caso dos Estados Unidos, o apelo se refere ao fechamento da prisão de Guantánamo e outros centros de detenção e à rejeição da tortura.

Já a Rússia deveria mostrar mais tolerância à dissidência política e nenhuma tolerância à impunidade de abusos de direitos humanos na Chechênia.

E a União Européia, segundo a Anistia, deveria investigar a cumplicidade de seus integrantes em "entregar" suspeitos de terrorismo e exigir deles os mesmos padrões de direitos humanos que exige de países fora do bloco.


AI denuncia descumprimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos

Londres, (EFE-
28/05/2008 - 02h15).

- A Anistia Internacional (AI) denunciou nesta terça-feira que 60 depois de as Nações Unidas terem adotado a Declaração Universal dos Direitos Humanos, muitos artigos presentes nesse texto, ratificado em 1948, seguem sem ser cumpridos.

Seguem alguns dos descumprimentos denunciados pela AI:

ARTIGO III.

- 1948: Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

- 2008: Pelo menos 1.252 pessoas foram executadas por seus respectivos Estados em 2007, em 24 países.

ARTIGO V.

- 1948: Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

- 2008: A AI documentou casos de tortura ou outros castigos cruéis, desumanos ou degradantes em mais de 81 países em 2007.

ARTIGO VII.

- 1948: Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

- 2008: A AI cita pelo menos 23 países que têm leis que discriminam mulheres; pelo menos 15 que possuem leis que discriminam imigrantes; e pelo menos 14 que prevêem leis contra minorias.

ARTIGO IX.

- 1948: Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

- 2008: No final de 2007, havia mais de 600 pessoas detidas sem acusação formal, julgamento ou revisão judicial na base aérea americana de Bagram, no Afeganistão, e 25 mil pessoas detidas por tropas da coalizão liderada pelos Estados Unidos no Iraque.

ARTIGO X.

- 1948: Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

- 2008: A AI analisa em seu relatório 54 países nos quais foram realizados julgamentos sem garantias processuais devidas.

ARTIGO XI.

- 1948: 1.Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias a sua defesa.

- 2008: A AI afirma que cerca de 800 pessoas foram detidas na base americana em Guantánamo (Cuba) desde janeiro de 2002 - quando o centro foi aberto - e que quase 270 seguiam no local em 2008 sem terem sido acusadas formalmente ou sem direito a processo devido.

ARTIGO XIII.

- 1948: 1.Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.

- 2008: Em 2007, havia mais de 550 postos de controle e bloqueios do Exército israelense que restringiam ou impediam a circulação de palestinos entre cidades e povoados da Cisjordânia.

ARTIGO XVIII.

- 1948: Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular.

- 2008: A AI documentou 45 países com presos políticos.

ARTIGO XIX.

- 1948: Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão.

- 2008: Segundo o relatório da AI, 77 países restringem a liberdade de expressão e de imprensa.

ARTIGO XXV.

- 1948: 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

- 2008: A AI denuncia que 14% da população do Malauí tinha o vírus da aids em 2007. Apenas 3% deles tinham acesso a medicamentos anti-retrovirais gratuitos. No país, há um milhão de crianças órfãs por mortes relacionadas com a doença.

Brasil, promessas não cumpridas


Discurso do Brasil não condiz com realidade interna, diz Anistia
Da BBC- Brasil (28/05/2008 - 06h05)

O Brasil corre o risco de perder credibilidade na comunidade internacional porque o seu discurso como defensor dos direitos humanos não condiz com as realizações do governo nessa mesma área dentro do país, segundo a Anistia Internacional.

No documento "Promessas Não Cumpridas", que acompanha a divulgação do relatório anual da organização nesta quarta-feira, a Anistia questiona a atuação do país e de outros emergentes -principalmente entre os que buscam um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU- em instâncias internacionais, se colocando como fortes defensores de direitos humanos.

"Países como o Brasil e o México têm tido posições fortes em defender direitos humanos internacionalmente e em apoiar o sistema da ONU. Mas, a não ser que a distância entre as políticas internacionais desses governos e o seu desempenho doméstico seja diminuída, a credibilidade desses países como defensores de direitos humanos será questionada", diz o documento.

"Durante décadas nós temos ouvido o Brasil com um discurso muito progressista a nível internacional, mas ao mesmo tempo esse discurso não tem se refletido nas garantias e nas reformas necessárias no Brasil para a melhoria das pessoas que estão mais sofrendo", afirmou Tim Cahill, porta-voz da organização para o Brasil, em entrevista à BBC Brasil.

Ele diz que o Brasil lutou, por exemplo, pela criação do Conselho de Direitos Humanos da ONU e foi um dos primeiros países a aceitar se submeter a um sistema de análise das condições internas pelo órgão.

Por outro lado, segundo Cahill, o Brasil continuou a não responder a questões importantes, como "porque a polícia continua a matar e porque continua a torturar".

"Então, nós reconhecemos que o Brasil tem um papel importante a desempenhar a nível internacional em relação às reformas e aos avanços internacionais na luta pelos direitos humanos, mas nós continuamos a pressionar para que o país faça coisas concretas para seus próprios cidadãos", disse Cahill.

Segurança Pública
Segundo a Anistia, a principal preocupação no Brasil continua sendo a segurança pública. No relatório anual deste ano, a organização diz que "pessoas em comunidades marginalizadas continuam a viver em meio a níveis altos de violência causada tanto por gangues criminosas como pela polícia."

Segundo Tim Cahill, a organização reconhece que o governo tem adotado algumas medidas no sentido de lidar com o problema, como o lançamento, neste ano, do chamado PAC da Segurança.

Mas, por outro lado, se diz preocupada com o apoio que operações de intervenção "de estilo militarista" no Rio de Janeiro têm recebido de setores do governo federal, como o próprio presidente Lula, "reconhecendo a necessidade de agir com violência nessas comunidades contra elementos criminosos."

"Nossa preocupação é que essa mensagem tem reforçado as ações violentas da polícia", disse Cahill, notando que "a polícia do Rio de Janeiro matou 1.330 pessoas em situações chamadas de resistência seguida de morte, o número mais alto em toda a história do Brasil."

Declaração de direitos humanos
A crítica da distância entre o discurso e a realidade brasileira no que diz respeito aos direitos humanos segue a linha adotada pela Anistia Internacional no relatório deste ano, quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 60 anos.

O documento faz uma comparação entre o que foi prometido pelos artigos da Declaração e as violações registradas ao redor do mundo.

Segundo Tim Cahill, no Brasil são encontrados vários exemplos de desrespeito aos artigos da Declaração, principalmente os Artigos 1, 3 e 5.

No caso do Artigo 1, que estabelece que Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos, Cahill citou como violação a diminuição dos direitos dos povos indígenas e citou como exemplo a situação dos índios Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, que vivem em um sistema de "favelização" em vez de viver em suas próprias terras e "são forçados a trabalhar no corte da cana por falta de opção."

A violação ao Artigo 3 da Declaração -Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal- está presente no Brasil, segundo Cahill, na política de segurança pública, que é "claramente dirigida à proteção da classe média" e com uma "desvalorização da vida das pessoas que vivem em comunidades como o Complexo do Alemão no Rio de Janeiro".

Cahil lembra que a violação do Artigo 5 -Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante- "é sistemática no Brasil, principalmente no sistema carcerário".


Relatório da Anistia destaca abusos no setor canavieiro
Da BBC Brasil 28/05/2008 - 03h00

Preocupações com abusos de direitos humanos no setor de cana-de açúcar -base para a produção do etanol no Brasil- aparecem pela primeira vez em um relatório anual da Anistia Internacional.

"Trabalho forçado e condições de trabalho exploradoras foram registrados em muitos Estados, inclusive no setor de cana-de açúcar, que cresce rapidamente", diz o relatório anual de 2008, com dados referentes a 2007, divulgado nesta quarta-feira.

O documento cita casos de resgates feitos pelo Ministério do Trabalho no ano passado, como a retirada de 288 trabalhadores de seis plantações de cana-de açúcar em São Paulo, de 409 resgatados de uma destilaria de etanol no Mato Grosso do Sul e a libertação de mais de mil em condições "análogas à escravidão" em uma plantação da fabricante de etanol Pagrisa, no Pará.

Tim Cahill, porta-voz da organização para o Brasil, diz reconhecer o "papel importante" que o setor tem no crescimento econômico do Brasil, mas que é fundamental que isso não aconteça às custas de violações de direitos humanos.

"É importante que o governo brasileiro comece a regulamentar esse setor, a realmente policiar. Nós sabemos que existe algum policiamento por parte do Ministério Público e do Ministério do Trabalho, mas é preciso ser mais forte", afirmou Cahill.

A organização prepara um estudo sobre o impacto do crescimento da agroindústria como um todo sobre a questão dos direitos humanos no Brasil. Além da cana-de açúcar, os setores madeireiro e de produção de laranja também são alvo da investigação.

No relatório anual, a Anistia também afirma que o papel internacional do Brasil como defensor de direitos humanos pode perder credibilidade se o país não conseguir implementar medidas que produzam benefícios dentro de casa.

"Países como o Brasil e o México têm tido posições fortes em defender direitos humanos internacionalmente e em apoiar o sistema da ONU. Mas, a não ser que a distância entre as políticas internacionais desses governos e o seu desempenho doméstico seja diminuída, a credibilidade desses países como defensores de direitos humanos será questionada", diz o documento.

Tim Cahill lembra que o Brasil lutou, por exemplo, pela criação do Conselho de Direitos Humanos da ONU e foi um dos primeiros países a aceitar se submeter a um sistema de análise das condições internas pelo órgão.

Por outro lado, segundo ele, o país teria continuado a não responder a questões importantes, como "por que que a polícia continua a matar e por que que continua a torturar".

"Nós reconhecemos que o Brasil tem um papel importante a desempenhar a nível internacional em relação às reformas e aos avanços internacionais na luta pelos direitos humanos, mas nós continuamos a pressionar para que o país faça coisas concretas para seus próprios cidadãos", disse Cahill.

Violência policial deixou milhares de mortos no Brasil em 2007, denuncia AI
Londres, 28 mai (EFE).

Ações policiais em comunidades carentes brasileiras em 2007 "tiveram como saldo milhares de pessoas mortas e feridas", sem que a Justiça punisse os responsáveis por abusos.


Essas são apenas algumas das conclusões presentes no relatório anual da Anistia Internacional (AI), que também comenta a situação dos direitos humanos no Brasil e foi divulgado nesta terça-feira em Londres.

A AI declara que, apesar das inúmeras denúncias de violações de direitos humanos "por parte da Polícia", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros altos dirigentes de seu Governo "apoiaram publicamente algumas operações policiais de acentuado caráter militar, sobretudo no Rio de Janeiro".

Segundo dados oficiais, a Polícia matou no estado do Rio cerca de 1.260 pessoas em 2007. "A onda de repressão", comenta o relatório da AI, levou a uma "megaoperação" no fim de junho, que mobilizou 1.350 pessoas.

Morreram 19 supostos criminosos na ação, entre eles um menor de 13 anos, enquanto cerca de 12 transeuntes ficaram feridos. Foram confiscadas ainda 13 armas e uma grande quantidade de drogas, mas sem que alguém fosse detido.

O relator especial da ONU para Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias, o australiano Philip Alston, visitou o Rio de Janeiro em novembro e criticou a falta de informações oficiais sobre homicídios.

Chegou à conclusão de que a operação tinha tido "motivação política".

A AI denuncia que "os esquadrões da morte ligados à Polícia" foram responsáveis também por centenas de homicídios.

Em São Paulo, nos primeiros 10 meses de 2007 foram registradas 92 mortes como conseqüência de "homicídios múltiplos vinculados com esquadrões da morte".

No entanto, a AI destaca que o presidente Lula implementou um novo plano de combate à violência, com novas ações para a prevenção de maus-tratos e torturas.

Mesmo assim, o relatório afirma que as mulheres seguiram sendo alvo de tortura nas prisões e que o sistema penal "perpetrou um amplo leque de violações de direitos humanos contra reclusos nos centros de detenção e nos reformatórios".

Superlotação, condições precárias de higiene, violência entre grupos rivais e demais distúrbios seguiram minando o sistema penitenciário. Tortura e maus-tratos foram um fenômeno corrente, acrescenta a AI.

O órgão de defesa dos direitos humanos ressalta também que, apesar do avanço significativo obtido por meio da Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em 2006 e pune atos ligados à violência doméstica, a falta de recursos foi uma das causas que tornaram ainda mais difícil a proteção dos direitos da mulher.

No meio rural, trabalhadores sem-terra e indígenas também foram vítimas de ameaças e ataques por parte de policiais e seguranças particulares.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra, órgão ligado à Igreja Católica, 2.543 famílias foram desalojadas em todo o território nacional entre janeiro e setembro de 2007, número significativamente maior que o registrado no mesmo período de 2006.

Além disso, em muitos estados brasileiros foram denunciados casos de exploração laboral e trabalho escravo.

Mato Grosso do Sul manteve a condição de principal foco de violência contra povos indígenas.

Por último, a AI denuncia que defensores dos direitos humanos prosseguiram como alvos de ameaças e atos de intimidação.

Brasil: Impunidade e segurança ainda preocupam, diz Anistia Internacional

Da Redação (28/05/2008 - 06h44)

Sessenta anos depois de as Nações Unidas adotarem a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a injustiça, a desigualdade e a impunidade marcam o mundo atual, segundo relatório da Anistia Internacional. De 150 países analisados, em pelo menos 81 as pessoas ainda são maltratadas ou torturadas. Em 54 países elas enfrentam julgamentos injustos e em pelo menos 77 não podem se expressar livremente. "As questões centrais foram a continuação da pena de morte em vários países, com vítimas civis em situações de conflito armado como no Iraque e em Darfur", explica Tim Cahill, representante do Brasil para a Anistia Internacional. "As violações contra as mulheres também foram notadas em vários países, como no Sudão, por exemplo, que usam essa violência como arma de guerra", continua o pesquisador.

Cahill coloca que a Anistia espera que os países peçam desculpas pelos erros cometidos até agora. "E que usem esse momento para refletir e comprometer-se em implementar as promessas feitas na declaração, já que muitos têm justificado o uso de violações, como a situação em Guantánamo e o trabalho feito por vários países europeus que assistem a transferência de suspeitos para outros países onde possam ser torturados."

O pesquisador se diz esperançoso em relação às práticas de violações. "Ao mesmo tempo acreditamos que países como a China e a Rússia, que estão emergendo agora como potências internacionais, e também o Brasil, tenham responsabilidade para reverter suas práticas de violações dos direitos humanos e comecem a reforçar seu posicionamento internacional para garantir melhor desempenho na proteção e promoção deles em todo o mundo."

"Reconhecemos que o Brasil tem papel importante na promoção internacional dos direitos humanos, mas ao mesmo tempo em que tem feito um discurso muito positivo e forte, nas Nações Unidas especificamente, para garantir os direitos humanos, notamos que os mesmos problemas se refletem, como a extrema violência na implementação de políticas de segurança pública, mais especificamente no Rio de Janeiro", aponta Cahill, que conta o resultado da visita em favelas cariocas feita pela Anistia. "Testemunhamos que elas continuam sendo dominadas por garotos de 14, 15 anos, armados com metralhadoras de alto peso, dominando a vida das pessoas. E ao mesmo tempo, a resposta do Estado continua sendo violenta e discriminatória."

O pesquisador lembra que há promessas no combate à tortura, na defesa da violência contra a mulher e na abertura dos arquivos da ditadura, mas afirma querer ver resultados concretos. "Temos ouvido promessas e sempre tem tido um grande abismo entre a promessa e a implementação", afirma, citando a violação que ainda sofrem alguns povos indígenas por não terem acesso às suas terras e casos de impunidade. "Em Estados como o Pará, onde recentemente o mandante do assassinato da irmã Dorothy foi absolvido."

Cahill conclui dizendo que a Anistia espera uma ação mais conjunta internacional. "E que não haja interesses políticos nem econômicos no meio pois reconhecemos que esses interesses sempre interferem na proteção dos direitos humanos", diz. "A Anistia acredita que a criação do Conselho de Direitos Humanos nas Nações Unidas foi um passo importante e se houver interesse de trabalhar conjuntamente na defesa e promoção dos direitos humanos e combater situações como a de Darfur, de Mianmar, de Gaza, do Iraque e do Afeganistão, pode realmente aumentar a proteção por direitos humanos e reduzir as ameaças que todos sofrem no momento. Mas é preciso coragem e vontade política."
************


O homem da ONU ganhou um Caveirão
ELIO GASPARI (04/06/2008)


A marquetagem da "guerra" e uma polícia com um pé no crime envenenam a segurança pública

O CORONEL PM Marcus Jardim, chefe do 1º Comando da Área da Capital do Rio de Janeiro e rotundo quindim da política de segurança do governador Sérgio Cabral, gosta de gracinhas. Em novembro de 2007, quando comandava um batalhão em Olaria, anunciou que "este ano será marcado por três pês: Pan, PAC e pau". Em abril passado, depois que morreram nove "supostos traficantes" numa operação policial contra um morro, o coronel informou que a PM é "o melhor inseticida social". Numa cidade onde a manipulação da histeria produziu a maldita e inexplicável figura do "suposto traficante", fazia-se necessário um coronel engraçado.

Seu melhor momento deu-se em novembro, quando recebeu no quartel o professor Philip Alston, fiscal das Nações Unidas para questões relacionadas com execuções sumárias. Diante da imprensa, presenteou-o com uma miniatura do "Caveirão", aquele blindado que dá aos coronéis da PM do Rio a sensação de comandar os tanques do general George Patton na Itália. Dando voz à inteligência de sua piada, anunciou: "Quem não gosta do Caveirão gosta de maconha. Quem não gosta do Caveirão gosta de cocaína". Ou ainda: "O que nós vivemos é uma guerra urbana".

O coronel desperdiçou valentia, pois Alston não estava sob sua jurisdição. Nascido na Austrália, ele é professor da New York University, já passou uma temporada em Harvard e há poucos dias concluiu a versão preliminar de seu relatório sobre o Brasil. Não fez referência ao mimo que recebeu, mas mencionou a filosofia pesticida do coronel Jardim. Parece até que Alston coordenou seu trabalho com a milícia da favela Batan. Disse o seguinte, referindo-se ao Brasil, não apenas ao Rio:
"Uma das principais razões da ineficiência da polícia na proteção dos cidadãos diante das gangues está no fato de freqüentemente aplicar violência excessiva e contraproducente quando está de serviço. Fora do serviço, participa daquilo que resulta no crime organizado".

Alston visitou o Rio depois da ocupação militar do Complexo do Alemão, onde morreram 19 pessoas. Relatou que ninguém lhe mostrou uma só prova de que essas mortes tenham sido investigadas. A crítica de Alston vai ao coração da política do governador Sérgio Cabral e da cenografia do coronel Jardim:
"No Rio, muitos funcionários consideraram a operação do Complexo do Alemão um modelo para iniciativas futuras. Seus resultados reais são dignos de nota: os maiores traficantes não foram presos nem mortos, e poucas drogas ou armas foram capturadas. (...) Na medida em que a operação do Complexo do Alemão reflete a estratégia central do governador do Rio, ela é orientada politicamente e resulta em policiar de acordo com as pesquisas de opinião. Ela é popular junto àqueles que buscam demonstrações de força e resultados rápidos. É irônico que seja contraproducente. Vários policiais experientes com quem eu falei mostraram-se muito críticos dessa idéia de "guerra.'"

Quem não lembra da figura de Anthony Garotinho em 2004 cantando vantagem depois que sua polícia matou cinco na Maré? Dizia assim: "O papel da polícia não é fugir do bandido, é enfrentá-lo". Era a tal da linha do enfrentamento reciclada pelo doutor Sérgio Cabral. Afinal, no combate ao crime, Cabral e Garotinho sempre estiveram juntos.




segunda-feira, 26 de maio de 2008

“Quem luta, acerta e erra; quem não luta, só erra”




A geração de 1968 poderá ser acusada de muitos erros, mas dela ninguém poderá tirar o maior de seus méritos: ter se entregado de corpo e alma àquilo que ela achava melhor para o Brasil e para o mundo. Foi bom ter vivido aquele tempo, foi fantástico conviver com tanta gente extraordinária.

Entrevista: Franklin Martins
Por: Glauco Faria
26.05.2008
___________________________________

No ano de 1968, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins, estudava Economia. Mas, como parte dos estudantes à época, participou ativamente dos movimentos que começavam a contestar de forma mais veemente a ditadura militar tanto no plano político como no âmbito daquilo que os generais planejavam para o ensino superior no país.
Ligado à Dissidência, uma organização política com base universitária que havia rompido com o Partido Comunista, Martins assegura que a ação dos estudantes brasileiros não era somente reflexo do que acontecia em outros países. “Esse turbilhão internacional produziu um caldo de cultura propício para o surgimento e o crescimento do movimento estudantil no Brasil. Mas, nem de longe, a luta por aqui foi um reflexo do que se passava lá fora, tanto que as primeiras grandes manifestações no Rio ocorreram em fins de março, bem antes, portanto, do Maio francês ou da Primavera de Praga”, conta em entrevista feita por e-mail à Fórum. Confira abaixo a íntegra.

Fórum - Como o senhor avalia a importância das manifestações estudantis de 1968, dos quais o senhor fez parte?

Franklin Martins - Costumo dizer que a explosão daquele ano foi fruto de quatro casamentos e um divórcio. O primeiro casamento se deu entre os estudantes politizados, que resistiam à ditadura, e a massa dos estudantes, que queria apenas receber uma boa formação acadêmica e profissional. A partir de 1967, entretanto, tornou-se geral a percepção do projeto que a ditadura militar tinha para a universidade: privatização do ensino superior, introdução das mensalidades nas escolas públicas, adoção de currículos ligados às demandas das empresas, diminuição do espaço para a crítica e a pesquisa científica, abolição da autonomia universitária etc. Ou seja, o confronto entre ditadura e estudantes não se dava mais apenas no plano político e fora da universidade, mas também nas questões concretas que afetavam o cotidiano dos alunos dentro das salas de aula. Isso deu corpo e unidade ao movimento.

O segundo casamento aconteceu fora da universidade, entre dois segmentos da classe média: o que havia se oposto ao golpe de 64 e o que o havia apoiado. A luta pelas reformas de base durante o governo João Goulart dividira a classe média. Uma parte dela, minoritária, vira na mudança das estruturas o caminho para a modernização do país e para a diminuição das injustiças sociais. A outra, majoritária, reagira contra a bandeira das reformas e, através de suas lideranças, batera às portas dos quartéis pedindo a deposição do presidente constitucional. A expectativa destes era de que, afastado Jango, as Forças Armadas entregassem aos políticos de direita o comando do país. Não foi o que aconteceu, porém. A ditadura não só esmagou a esquerda, as forças democráticas e as organizações populares, como, em pouco tempo, marginalizou ou relegou a posições decorativas líderes como Carlos Lacerda, Magalhães Pinto e Adhemar de Barros, que haviam apoiado o golpe. Então, essa insatisfação geral da classe média contaminava o ambiente familiar dos estudantes e reforçava suas posições.

O terceiro casamento foi o enlace em escala planetária das diversas lutas estudantis em curso no mundo, em Paris, em Praga, em Tóquio. E o último, o que se deu entre o nosso movimento estudantil e o impulso de renovação dos valores da sociedade, num sentido mais amplo, em todo o mundo: dos costumes, da moral, dos padrões artísticos, dos modos de pensar e de se comportar. As saias subiam, os cabelos cresciam, a pílula se popularizava, os padrões sexuais se transformavam, os modelos tradicionais de casamento e educação familiar entravam em crise.

Por último, o divórcio: a explosão de 68 foi fruto também de uma profunda ruptura entre a juventude e a política tradicional. Respirava-se uma hostilidade generalizada contra os políticos, de direita ou de esquerda, e mais intensa ainda contra as instituições políticas criadas ou toleradas pela ditadura. A atividade política só tinha sentido se voltada para a transformação da sociedade, não à ocupação de cargos ou posições de poder. Todo esse contexto deu fôlego e ampliou o poder de atuação dos movimentos estudantis, que influíram de fato na transformação da sociedade.

Fórum - A organização das manifestações aqui tinha inspiração nos movimentos que ocorreram em Paris?
Martins - É fato que as lutas estudantis no Brasil uniram-se ao furacão que atravessou o mundo naquele ano: maio em Paris, revoltas estudantis na Alemanha, na Itália e na Inglaterra, movimentos contra o racismo e a guerra do Vietnã nos Estados Unidos, protestos de rua em Tóquio. Também o bloco socialista foi abalado com a invasão da Tchecoslováquia, onde o Partido Comunista local tentava conciliar socialismo com liberdade. E a ofensiva do Tet, o ano novo budista, contra as tropas americanas no Vietnã, mostrou que o triunfo do Vietcong era uma questão de tempo.

Esse turbilhão internacional produziu um caldo de cultura propício para o surgimento e o crescimento do movimento estudantil no Brasil. Mas, nem de longe, a luta por aqui foi um reflexo do que se passava lá fora, tanto que as primeiras grandes manifestações no Rio ocorreram em fins de março, bem antes, portanto, do Maio francês ou da Primavera de Praga. Pessoalmente, creio que bem maior, no coração e na mente dos jovens brasileiros, foi o impacto da ofensiva do Tet. A sensação foi de que, se os vietnamitas podiam vencer a mais poderosa máquina de guerra do mundo, por que o povo brasileiro não poderia derrubar a ditadura?

Fórum - Como o senhor vê o legado destes movimentos para os dias de hoje?

Martins - Talvez o maior legado do Movimento Estudantil para o Brasil seja o crescimento do sentimento democrático no país. Os estudantes de 1968 foram derrotados com a decretação do AI-5, mas plantaram sementes que logo dariam frutos. Apesar da brutalidade da repressão e do terrorismo de Estado, já em 1974 a ditadura foi derrotada em toda a linha nas eleições parlamentares. O ímpeto democrático, que tinha sido momentaneamente sufocado, estava renascendo com vigor. Isso obrigou a ditadura terrorista a abrir um processo de distensão “lenta, gradual e segura” – tentando controlar a sua saída de cena. Não conseguiu. As lutas populares ganharam novo impulso nos anos seguintes (greves operárias, imprensa alternativa, entidades religiosas, associações de bairros etc), desembocando na luta pelas eleições diretas em 1984, que jogou a pá de cal no regime militar.

Mas a geração de 68 não lutava apenas por democracia. Lutava também por justiça social, pelo socialismo, pela idéia da igualdade. É sintomático que os anos da ditadura tenham acentuado brutalmente as desigualdades sociais e a concentração de renda no Brasil. E este é um outro legado que o movimento deixou: não por acaso, de lá para cá o País vem perseguindo a redução dessas injustiças, com êxito crescente.

O Movimento Estudantil também deixou um legado de mudanças em hábitos, comportamento, cultura, relações familiares, relações entre casais, sexo, que nos fizeram ser hoje um país menos careta do que era no final dos anos 60. E isso é bom. Além de tudo, 1968 ajudou que nos abríssemos para o mundo e para a novidade. Deixou o país mais antenado e menos provinciano, sem que com isso ele deixasse de valorizar o que é seu. E isso também é bom.

Fórum - Vendo essa época a partir de hoje, que tipo de ações o senhor acha que foram equivocadas e quais outras poderiam ser tomadas para enfrentar a ditadura militar?

Martins - Acho curiosa a preocupação com eventuais ações equivocadas. Porque, no fundo, equivocado era apoiar a ditadura, ou não lutar contra ela e ficar em casa esperando o Carnaval chegar. Quem luta, acerta e erra; quem não luta, só erra. Penso sempre com respeito e carinho nos que lutaram quando era tão difícil lutar. Dou muito pouca importância aos seus erros. Até porque os que lutavam, errando ou acertando, pagaram um preço muito alto por não se conformarem com a repressão e a injustiça: prisão, tortura e muitas vezes assassinato. A geração de 1968 poderá ser acusada de muitos erros, mas dela ninguém poderá tirar o maior de seus méritos: ter se entregado de corpo e alma àquilo que ela achava melhor para o Brasil e para o mundo. Foi bom ter vivido aquele tempo, foi fantástico conviver com tanta gente extraordinária.





______________________________