Bem-vindo/a ao blog da coleção de História nota 10 no PNLD-2008 e Prêmio Jabuti 2008.

Bem-vindos, professores!
Este é o nosso espaço para promover o diálogo entre as autoras da coleção HISTÓRIA EM PROJETOS e os professores que apostam no nosso trabalho.
É também um espaço reservado para a expressão dos professores que desejam publicizar suas produções e projetos desenvolvidos em sala de aula.
Clique aqui, conheça nossos objetivos e saiba como contribuir.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Quem ignora sua história está condenado a repetir os mesmos erros

Botocudos fotografados na primeira década do século XX, época de construção da ferrovia Vitória- Minas.

Desde 1500, o que os povos indígenas têm a comemorar?

No conflito para a demarcação da Terra do Sol, vem-me a memória toda a história colonial de nosso território e a de ampliação das fronteiras, assim como a da ocupação e interiorização do Brasil durante o Império e a República. Vem-me à memória à diversidade dos povos e dos biomas de nosso território.

A Mata Atlântica na região do Rio Doce foi detentora da maior biodiversidade de madeiras que nosso planeta já possuiu (
pau-brasil, jacarandá, braúna, peroba, ipê, cedro, gonçalo-alves etc., além de inúmeras espécies de plantas medicinais). Hoje a mesma região não possui nem 4% da cobertura vegetal nativa.

Reparem na dimensão desta árvore da Mata Atlântica. No início do século XX, quando foi fotografada, quantos anos vocês imaginam que ela tinha? Quanto milhares delas foram derrubadas para que a ferrovia Vitória- Minas pudesse ganhar passagem e a madeira nobre da Mata Atlântica pudesse ser aproveitada para fazer os dormentes dos trilhos?

É espantosa a cobertura cínica presente em diferentes órgãos de imprensa na defesa de um discurso nacionalista de última hora sobre as demarcações das atuais fronteiras de nosso país na região de Roraima ou no debate sobre a internacionalização da Amazônia.


Para refletir, convido os leitores deste blog a resgatarem a história de violência travestida de 'desenvolvimentismo' e progresso que resultou na destruição da Mata Atlântica e na guerra sistemática contra os povos indígenas, com destaque, nesta postagem, para os botocudos - um dos vários povos que ocupavam a região que na atualidade corresponde ao território que abrange as terras do Espírito Santo a Minas Gerais (ver o texto reproduzido ao final desta postagem).
Barco à vapor na foz do Rio Doce descarregando toras de madeira no início do século XX.

Se em fins do século XIX e início do XX esse discurso era compreensível pela falta de visão de preservação e na defesa quase insana no progresso e da industrialização sem medir suas conseqüências ambientais; pelo racismo e pela crença em povos superiores e inferiores que dominavam as mentes de governos e corporações, um século depois temos dados e argumentos para combater a ideologia do progresso contínuo sem limites.

Convido-os também a observar a seqüência de fotos distribuídas ao longo desta postagem, que registram a chegada da ferrovia no começo do século XX e o auge da política desenvolvimentista em Minas Gerais nos anos JK.
Ao meu ver elas são bastante didáticas para avaliarmos os impactos em Roraima e no restante da Amazônia se o PAS for implementado e se os arrozeiros vencerem a lei e dominarem as terras dos Macuxi na TI Terra do Sol.

Convido-os também a fazer uma leitura atenta do Plano de Aceleração de Crescimento da Amazônia, ironicamente denominado de PAS (Plano da Amazônia Sustentável).

Tora de madeira da Mata Atlântica, carregada em vagão ferroviário e cartazes de JK, símbolo máximo do desenvolvimentismo no país. Medidas: 10m x 2,60 diâmetro.


Finalmente, convido-os a pensar sobre o que de fato representa a Amazônia para nós e para o mundo; a refletir sobre como as notícias que nos chegam a respeito da saída da ministra Marina Silva da pasta do Meio Ambiente e as demais sobre a temática ambiental são consumidas por nós.
A história da Companhia Vale do Rio Doce, hoje, Vale, está intimamente ligada à construção da Estrada de Ferro Vitória-Minas, durante a qual os engenheiros ingleses envolvidos em seu projeto tomaram conhecimento da existência de uma grande reserva de minério de ferro naquela região. Na foto, assentamento dos trilhos da ferrovia EFVM, entre 1906 e 1907.

Desta vez é a madeira nobre da Amazônia que está sendo derrubada à velocidade de sete campos de futebol por dia. A imprensa corporativa como sempre vai noticiar até sangrar, como sangram os rios contaminados de mercúrio e outros metais pesados, envenenados pela mineração. Como consumimos estas notícias?
Durante 50 anos essa quantidade de fumaça foi sendo lançada ao longo do Rio Doce.

Será que esperaremos o último Macuxi resistente à invasão da Terra do Sol ser abatido? Quando a saída de Marina não render mais viúvas honestas e desonestas lamentando-se na imprensa, (apesar de nos cinco anos em que ela ocupou o cargo nunca ter tido voz nesta mesma imprensa) a destruição secular da Amazônia não vai cessar.
Carvoarias no Vale do Rio Doce, matam os trabalhadores, matam as florestas para gerar energia para a mineração.
Pobre floresta, não tem nem 13 mil anos de história e muito possivelmente não resistirá aos próximos cem anos se nos portarmos apenas como consumidores de notícia em tempo real.

Para os que acham que a autora desse blog virou uma 'ecochata', façam as contas: a tecnologia destrutiva dos engenheiros ingleses da Pré-Vale era ínfima perto da que temos hoje. Em menos de cem anos a Mata Atlântica na região de Minas foi reduzida à carvão e dormentes, o Rio Doce assoreado, os Botocudos extintos.

Você ainda acha que aqueles que questionam os caminhos que o Estado está tomando em relação à ocupação Amazônia, a permissividade da sociedade diante da violência estúpida contra os povos indígenas, quilombolas vítimas da ocupação desertificadora de suas terras e das barragens e hidrelétricas destruidoras de nossos rios são manifestações de um romantismo fora de moda? De uma sonhadora anti-progresso? De uma expatriada que não ama o seu país?

Eu diria que românticos são aqueles que acham que podemos consumir a tudo e a todos como o simpático pac-man da pré-história dos videogames e ainda acreditarem que o planeta não reagirá.

Está acionado o relógio que marcará o fim de nossa pequena passagem pelo planeta. Pobre Amazônia, pobre futuras gerações da pobre espécie humana.
Revejam a foto anterior da Foz do Rio Doce por onde embarcações transportavam as toras de madeira no início do século XX. Comparem com a foto do Rio Doce na atualidade: completamente assoreado nas proximidades de sua foz.


200 anos da guerra contra os botocudos

SÉRGIO DANILO PENA e REGINA HORTA DUARTE

Dois eventos importantes da história brasileira ocorreram no dia 13 de maio. Um deles é pouco conhecido e não é motivo para comemoração

DOIS EVENTOS importantes da história brasileira ocorreram no dia 13 de maio. O mais famoso e justamente festejado ocorreu em 1888: a assinatura, pela princesa Isabel, da Lei Áurea, que extinguiu a escravidão no Brasil. O outro, bem menos conhecido, aconteceu 80 anos antes e também envolveu um príncipe, mas não é nenhuma causa para comemoração.

Em 13 de maio de 1808, exatamente há 200 anos, o príncipe regente dom João (bisavô da princesa Isabel) assinou uma carta régia mandando "fazer guerra aos índios botocudos". O que levou dom João, que fugira de um conflito europeu, a iniciar uma nova guerra quase imediatamente após chegar ao Brasil? Quem eram os botocudos, percebidos como ameaçadores ao ponto de motivarem uma guerra contra eles?

O nome "botocudo", derrogatório e ofensivo, foi dado pelos portugueses a diversos povos histórica e geneticamente heterogêneos do grupo lingüístico macro-jê que habitavam o nordeste de Minas Gerais, o sul da Bahia e o norte do Espírito Santo. Em comum, tinham o hábito de usar discos de madeira no lábio inferior e nos lóbulos das orelhas para expandi-los de forma peculiar.

As rolhas dos barris de vinho português eram chamadas botoques -origem do cognome botocudos. Nômades e caçadores-coletores, caracterizavam-se por extrema belicosidade.

Os botocudos não toleravam a presença dos lusos invasores e usavam táticas de guerrilha para atacar fazendas, matar colonos e aterrorizar todos os que se aproximassem de seus territórios. A carta régia os acusa de "praticar as mais horríveis e atrozes cenas da mais bárbara antropofagia, ora assassinando os portugueses e os índios mansos por meio de feridas, de que sorvem depois o sangue, ora dilacerando os corpos e comendo os seus tristes restos". Hoje, a maioria dos estudiosos acreditam que esse canibalismo pode nunca ter ocorrido. Por que a guerra contra eles? Pelo domínio do território que ocupavam.

Na história da colonização portuguesa e império os Botocudos foram descritos como ferozes e sanguinários. Na foto posam ingenuamente junto com os engenheiros da ferrovia e deixam registrado para a história os 'últimos exemplares' dessa etnia, hoje extinta.

Com a exaustão crescente dos depósitos auríferos em Minas Gerais, os portugueses se voltavam para a exploração da terra no interior do país. A chegada de dom João agudizou a situação: eram necessários víveres para alimentar a corte e estradas para transportá-los. Surgiram, assim, novos impulsos para a expansão das fronteiras da civilização.

As terras brutas do nordeste de Minas, então cobertas de mata atlântica verdejante, eram o alvo e o prêmio, mas elas também abrigavam os irredutíveis botocudos. De certa maneira, e com alguma liberdade de comparação, o nordeste de Minas era então o que a Amazônia é nos dias de hoje.

Obviamente, os portugueses venceram a guerra, usando pólvora e aço.
Os índios que sobreviviam eram escravizados. Também foram usadas armas biológicas -roupas e cobertores impregnados de vírus de varíola eram deixados na floresta para uso e contaminação dos índios.

Como escreveu o barão Johann Jakob von Tschudi, naturalista suíço que visitou a região por volta de 1860: "Os portugueses adotaram os meios mais infames para atingir esse objetivo. [...]

Nenhuma nação européia se rebaixou tanto para manchar seu nome e sua honra como Portugal". Mas ele adiciona: "Nos últimos tempos, apesar de já existir uma Constituição brasileira, que, infelizmente, tem sido implementada de forma muito precária, a guerra de destruição contra os índios na província de Minas Gerais ainda continua".

Hoje, os botocudos não existem mais. Seus descendentes, os índios krenak, somam poucas centenas de indivíduos. Tampouco há florestas verdejantes no nordeste de Minas. Predomina o semi-árido e a região é uma das mais pobres do Estado.

Ensina a sabedoria popular que quem ignora sua história está condenado a repetir os mesmos erros. A guerra contra os botocudos é um episódio importante da nossa história, com mensagens relevantes para a moderna sociedade brasileira.

Assim, no dia 13 de maio, ao celebrar a abolição da escravatura pela princesa Isabel, também devemos nos lembrar da carta régia de seu bisavô, o futuro dom João 6º, que perseguiu, escravizou e matou botocudos, levando à virtual extinção de um conjunto de bravos povos indígenas.


SÉRGIO DANILO PENA, 60, professor titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), e REGINA HORTA DUARTE , 44, professora do Departamento de História da UFMG, são professores residentes do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares da UFMG no período 2008-2009.

Fontes do texto: Folha de São Paulo
Fontes das Imagens: Imagens da História - Bacia Hidrográfica do Rio Doce (Governador Valadares)

Postagens relacionadas
De Volta à Roraima e à Terra do Sol
Reação conservadora contra populações indígenas amplia preconceitos
Aumenta a violência contra as populações indígenas
Más notícias: aumenta a violência contra os povos indígenas no Brasil
Notícias de interesses aos professores: cursos, nova lei, site em destaque

Um comentário:

Anônimo disse...

Maria querida
É uma grande verdade mesmo. Como um natural da Amazônia sei dos maléficos danos que produz esse desmemoriamento. Por tivemos a SPVEA e a SUDAM, agora teremos o PAS, e sempre há a sensação de que é a primeira vez, quando será apenas mais uma repetição. Com os recursos públicos a serviço da concentração e acumulação capitalistas. E a Amazônia restará como imagem, como a de Altér-do-Chão, em Santarém, no Pará, que já sofre as ameaças do desaparecimento graças ao "progresso" empresarial que assola as magens do rio Tapajós.