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quinta-feira, 22 de maio de 2008

Fragmentos Setecentistas: Escravidão, Cultura e Poder na América Portuguesa

Fragmentos Setecentistas: Escravidão, Cultura e Poder na América Portuguesa
Silvia Hunold Lara, Companhia das Letras, 456 páginas.


Walter Fraga Filho

O livro de Silvia Lara, resultado de anos de pesquisa em arquivos do Rio de Janeiro, da Bahia e de Lisboa, revela-nos um novo e surpreendente século XVIII. Ele nos faz pensar para além dos limites convencionais que durante muito tempo informaram a leitura e a percepção do passado colonial.

Evitando a relação binária Metrópole/Colônia, a obra desvenda os segredos de um mundo mais complexo e matizado pelas cores dos seus habitantes e pelas relações cotidianas de poder. A partir de fragmentos documentais, juntados e cruzados, a autora surpreende pondo em evidência os dilemas da liberdade ou, mais precisamente, os significados da liberdade no seio de uma sociedade escravista e da presença dos africanos e seus descendentes na América portuguesa.

Com fontes variadas – correspondências, tratados, mapas, pranchas cartográficas –, Silvia abre novas trilhas para decifrar a lógica cultural e histórica que informava as noções de hierarquia social neste lado do Império português. A autora capta aspectos inusitados da intimidade do “viver em colônia” em fontes documentais à primeira vista insuspeitas. Por exemplo, no primeiro capítulo ela se debruça sobre a análise de mapas e pranchas cartográficas que, longe de representarem a topografia real da cidade, expressavam um modo de ver e conceber o espaço urbano em termos de controle e de afirmação da autoridade monárquica.

A autora demonstra que a grande preocupação das autoridades nativas e reinóis estava relacionada à formulação de políticas de controle dos livres e libertos que foram se adensando nas grandes cidades coloniais. Em 1796, depois de seis anos como vice-rei do Brasil, o conde de Resende denunciava às autoridades portuguesas os inúmeros e prejudiciais inconvenientes que vinha observando na cidade do Rio, decorrentes do “grande número de escravos” ociosos e da “imensa quantidade de mulatos e pretos forros” vadios ali existentes.

A partir deste e de outros vestígios documentais, a autora argumenta que o crescimento da população de negros e mulatos livres e libertos havia configurado um problema político que atormentou tanto as autoridades reinóis quanto as elites locais. Portanto, era preciso tomar providências para essa gente ser subjugada e ensinada por meio do aprendizado de ofícios mecânicos e de uma política bem conduzida de casamentos. Assim, não foram poucos os planos para recrutar os vadios em corpos militares, empregá-los em obras públicas, em presídios, ou usá-los no povoamento de novas áreas de fronteira.

Mas o problema principal estava no fato de que, gerados no seio da escravidão e por concessões senhoriais, livres e libertos se mostravam pouco ou nada submissos. Essa população ostentava comportamentos e aspirações que aos olhos das elites locais e reinóis representavam uma ameaça às hierarquias sociais montadas a partir da escravidão e do paternalismo senhorial. Impressiona como a autora flagra essa ameaça à ordem hierárquica no âmbito da legislação portuguesa que buscava disciplinar homens e mulheres não-brancos no modo de vestir e de circular pelas ruas.

Cada vez mais numerosos, os libertos apareciam como um corpo estranho, que precisava ser domado para não pôr em risco as relações hierárquicas da Colônia. E não era uma preocupação infundada. No final do século XVIII, os livres e libertos foram os protagonistas de uma série de motins e revoltas que questionaram a legitimidade das desigualdades e dos privilégios que separavam a minoria branca da multidão de pretos e pardos. Ao considerá-los quase todos “negros”, as fontes documentais da época inadvertidamente revelam os planos dos senhores locais e reinóis de aproximá-los do cativeiro.

Sem dúvida, um livro com argumento sólido e bem construído. Mesmo tratando de um tempo distante, a força deste livro consiste na capacidade de nos dizer muitas coisas sobre os dilemas do presente.

Walter Fraga Filho é professor da Universidade do Estado da Bahia.

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