Bem-vindo/a ao blog da coleção de História nota 10 no PNLD-2008 e Prêmio Jabuti 2008.

Bem-vindos, professores!
Este é o nosso espaço para promover o diálogo entre as autoras da coleção HISTÓRIA EM PROJETOS e os professores que apostam no nosso trabalho.
É também um espaço reservado para a expressão dos professores que desejam publicizar suas produções e projetos desenvolvidos em sala de aula.
Clique aqui, conheça nossos objetivos e saiba como contribuir.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Veja diz que fomos salvos pelo tio Sam, você acredita nisto?

Está imperdível a leitura da capa de Veja desta semana feita pelo jornalista Luiz Carlos Azenha e publicados no site Vi o mundo. É de lá também que reproduzo dois textos críticos sobre a crise econômica estadunidense traduzidos pelo Azenha.
Até onde pode chegar o parajornalismo de Veja?



O fim da Chimerica

ROUGH WEEK, BUT AMERICA'S ERA GOES ON

por Niall Ferguson*, no Washington Post, 21/09/2008

O derretimento de Wall Street é prenúncio do fim do século americano? Muitos comentaristas alertaram que a catástrofe financeira da semana passada foi um recuo não só econômico, mas político para os Estados Unidos. "Por que o resto do mundo levaria a sério o modelo americano de mercado livre depois desse debacle?", um jornalista britânico me perguntou na quinta-feira. Essa crise, ele argumentou, foi para a economia o que a guerra do Iraque foi para a política externa dos Estados Unidos: um golpe fatal para a credibilidade da alegada primazia global norte-americana.

Certamente, se a conversa de "momento unipolar" que se seguiu ao colapso soviético era exagero, as dificuldades de crédito representam um nêmesis bem americano. Dez anos atrás existia uma estranha competição nos Estados Unidos para saber quem era mais arrogante. Os neoconservadores argumentavam que o resto do mundo deveria correr e abraçar o caminho americano ou se preparar para um bombardeio que os levaria à "idade democrática". Mas igualmente arrogantes eram os economistas neoliberais, que argumentavam que o resto do mundo deveria se apressar e abraçar o assim-chamado consenso de Washington para expandir o comércio, atacar a inflação e encorajar investimento estrangeiro, ou se preparar para uma venda rápida. Um grupo atacava a falência política do mundo muçulmano; o outro atacava o "capitalismo corrompido" da Ásia, supostamente a causa-raiz da crise dos mercados asiáticos em 1997-98.

Os neocons levaram o troco no Iraque, onde as forças americanas não foram, como eles diziam, abraçadas como libertadoras. Os neolibs levaram o deles este mês, quando um Departamento do Tesouro republicano, dirigido por um ex-presidente da Goldman Sachs, de fato nacionalizou os grandes financiadores do mercado imobiliário e depois a maior companhia seguradora. Enquanto os candidatos presidenciais, em raro uníssono, atacam os jogadores de Wall Street e os fiscais deficientes, o palco parece montado para o fim do "fundamentalismo de mercado", na frase de George Soros.

Que os paradigmas da política estão mudando é claro. Mas o equilíbrio global de poder também está? Para responder a essa pergunta precisamos refletir mais profundamente sobre a real natureza dessa crise.

Estamos vivendo o fim de um fenômeno que Moritz Schularick, da Universidade Livre de Berlim, definiu como Chimerica. Na visão dele, a coisa mais importante a se entender sobre a economia do mundo nos últimos dez anos é a relação entre a China e a America. Se você pensar em uma economia chamada Chimerica, essa relação representa cerca de 13% do território global, 25% da população, um terço do PIB e cerca de metade do crescimento global dos últimos seis anos.

Por um tempo essa relação simbiótica parecia quase perfeita. Uma metade poupava e a outra gastava. Comparando a poupança nacional como proporção do PIB, a poupança dos Estados Unidos caiu de mais de 5% na metade dos anos 90 para virtualmente zero em 2005, enquanto a poupança dos chineses saltou de menos de 30% para cerca de 45% no mesmo período. Essa divergência em poupança permitiu uma explosão da dívida nos Estados Unidos, já que o "excesso" de poupança da Ásia tornou muito mais barato o crédito. Enquanto isso, o trabalho barato dos chineses ajudou a segurar a inflação.

Não é preciso dizer que não foram apenas os americanos que tomaram emprestado, nem apenas os chineses que emprestaram. Em todo o mundo de fala inglesa, assim como na Espanha, a dívida doméstica cresceu e as formas tradicionais de poupança foram abandonadas em favor do investido em mercados imobiliários. Enquanto isso, não apenas na China mas em outras economias da Ásia houve acúmulo de reservas, com isso financiando os déficits em conta corrente do Ocidente, assim como tornando as exportações baratas. Exportadores de energia do Oriente Médio e outras regiões também se viram com superávits e reciclaram os petrodólares para a Anglosfera e seus satélites. Mas a Chimerica era o verdadeiro motor da economia mundial.

Enquanto essa tremenda expansão dos empréstimos -- e dos emprestadores -- acontecia, alguns economistas tentavam entender o que estava se passando. Alguns argumentavam que se tratava de Bretton Woods 2, um sistema internacional de câmbio parecido ao que ligava a Europa Ocidental aos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial. Outros chamavam de "desequilíbrio estável", que poderia continuar por algum tempo. Mas depois uma onda de calotes nas hipotecas sub-prime revelaram o quanto a Chimerica era instável.

Na essência, a poupança do resto do mundo tinha ajudado a inflar a bolha do mercado imobiliário dos Estados Unidos. Dinheiro fácil era (o que sempre acontece nessas bolhas de bens) acompanhado de facilidades para emprestar e fraude pura e simples. A euforia deu lugar à preocupação e essa ao pânico. O problema começou no mercado do sub-prime, já que nele havia maior risco de default. Mas logo ficou claro que todo o mercado imobiliário dos Estados Unidos seria afetado. Nunca desde a Grande Depressão vimos o valor das casas cair a taxas anuais de mais de 10%.

Isso teve três conseqüências distintas. Primeiro, expôs os bancos mais fracos (particularmente os bancos de investimento, que não podem recorrer à poupança depositada) a declínio selvagens e auto-alimentados no preço das ações. Segundo, a falência de firmas financeiras causou crise no vasto e opaco mercado dos derivativos -- especialmente os credit-default swaps. Terceiro -- e mais importante --, a contração de crédito dos bancos certamente condena o resto da economia dos Estados Unidos à recessão. A Main Street está começando a sentir a dor causada pela falta de crédito em Wall Street.

Quais são as implicações geopolíticas disso? Uma possibilidade é de que a "grande reconvergência" entre o Leste e o Oeste está se acelerando. Se você voltar ao primeiro relatório que a Goldman Sachs produziu sobre os BRICs (Brasil, Rússia, India e China), a projeção era de que a China superaria o PIB dos Estados Unidos em 2040. Mas em relatórios mais recentes essa projeção foi antecipada para 2027. Talvez vá ocorrer mais cedo. Uma das conseqüências da dificuldade de crédito é que os Estados Unidos vão crescer mais devagar -- perto de 1 a 2% por ano, em vez dos 3 a 4% usuais. Por contraste, a economia semi-planejada da China pode crescer confortavelmente a 8% ou mais por ano, empurrada pelo investimento estatal em infra-estrutura e a crescente demanda dos consumidores. Como a exportação deixou de ser a chave para o crescimento da China, um espirro dos Estados Unidos não é necessariamente causador de uma gripe na Ásia.

Os dias em que o dólar era a moeda internacional podem ter chegado ao fim. As moedas de reserva não duram para sempre, como a libra britânica deixa claro. Houve uma vez em que a libra era a moeda número um do mundo, a unidade em que as transações financeiras eram feitas. Morreu um longa morte, arrastada, caindo de U$ 4.86 em 1930 até a paridade com o dólar no momento mais forte da moeda americana, no início dos anos 80. A principal razão foi a dívida gigantesca do Reino Unido, contraída para lutar as duas guerras mundiais. A segunda razão foi o crescimento menor: a economia britânica tinha a pior performance do mundo desenvolvido no pós-guerra até o início dos anos 80.

Se a conseqüência fiscal do aperto de crédito é um aumento do risco para o governo federal -- já substancialmente maior desde a nacionalização da Fannie Mae e Freddie Mac -- os Estados Unidos poderiam ficar numa posição parecida com a do Reino Unido. O dólar poderia seguir o caminho da libra. E os Estados Unidos poderiam perder a conveniência de emprestar dos estrangeiros com baixas taxas de juros em sua própria moeda.

Com a China divorciada dos Estados Unidos -- dependendo menos de exportações para cá, se preocupando menos com a relação do yuan com o dólar -- o fim da Chimerica parece certo. E com o fim da Chimerica, o equilíbrio global vai mudar. Sem tanto compromisso com a amizade sino-americana estabelecida em 1972, a China pode explorar outras esferas de influência global, da Organização de Cooperação de Shangai, que agrupa a China, Rússia e quatro nações da Ásia Central ao próprio império rico em commodities da China na África.

Mas os comentaristas deveriam hesitar antes de fazer a profecia do declínio e queda dos Estados Unidos. O país já passou por crises financeiras antes -- não apenas a Grande Depressão mas a Grande Estaglfação dos anos 70 -- e emergiu com sua posição geopolítica reforçada. As crises, ruins em casa, quase sempre têm piores efeitos nos rivais da América.

O mesmo pode estar acontecendo hoje. De acordo com o índice da Morgan Stanley Capital Internacional o mercado de ações dos Estados Unidos perdeu 18% este ano. O número equivalente para a China é de 48% e para a Rússia -- o mercado emergente mais afetado -- é de 55%. Esses números não são boa propaganda para os modelos econômicos mais regulamentados e guiados pelo estado favorecidos em Moscou e Beijing.

Além disso, uma vez que investidores continuam a considerar a dívida do governo dos Estados Unidos como refúgio em tempos de incerteza, a última fase da crise financeira viu o dólar subir, em vez de cair mais.

Naturalmente, isso pode ser o último suspiro do refúgio seguro, especialmente se as autoridades dos Estados Unidos não conseguirem evitar uma nova onda de falências de bancos nos próximos dias. De qualquer forma, a diferença é clara. A arrogância dos anos recentes foi seguida por uma terrível crise financeira. Mas é muito cedo para concluir que o século americano acabou. Como tudo o que é feito nos Estados Unidos, esse desastre pode se mostrar um produto de exportação muito bem sucedido.

*Niall Ferguson: é professor de História de Harvard.

**********
Como o mercado faz chantagem por dinheiro público

DINHEIRO POR LIXO

Paul Krugman*, no New York Times, 21/09/ 2008

Alguns céticos estão chamando o plano de resgate de U$ 700 bilhões de Henry Paulson para o sistema financeiro de "dinheiro por lixo". Outros estão chamando a legislação proposta de Autorização para Usar a Força Financeira, lembrando a Autorização para o Uso de Força Militar, a lei infame que deu ao governo Bush luz verde para invadir o Iraque.

Há justiça nas piadas. Todo mundo concorda que algo importante precisa ser feito. Mas o mr. Paulson está pedindo um poder extraordinário para si mesmo -- e para seu sucessor -- para usar dinheiro do contribuinte em um plano que, até onde posso ver, não faz sentido.

Alguns dizem que deveríamos simplesmente acreditar em mr. Paulson, já que ele é um cara inteligente que sabe o que está fazendo. Mas isso é apenas uma meia-verdade: ele é um cara inteligente mas o que, na experiência dos últimos dezoito meses -- um período no qual o sr. Paulson repetidamente declarou que a crise financeira estava "contida" e em seguida ofereceu uma série de consertos mal sucedidos -- justifica a crença de que ele sabe o que está fazendo? Ele está inventando dia-a-dia, como todos nós.

Então pensemos por nós mesmos. Eu tenho uma visão de quatro passos para esta crise financeira:

1. O estouro da bolha do mercado financeiro causou a disparada na inadimplência e na perda de imóveis, que por sua vez levou ao desabamento do preço de papéis ligados às hipotecas -- bens cujo valor estavam ligados ao pagamento dos financiamentos.

2. Essas perdas financeiras deixaram muitas instituições com pouco capital -- poucos bens em comparação com sua dívida. Esse problema é especialmente severo porque todo mundo se carregou de dívida durante os anos da bolha.

3. Já que as instituições financeiras têm pouco capital em relação à dívida, elas não são capazes ou não querem dar o crédito necessário à economia.

4. As instituições financeiras vem tentando pagar suas dívidas vendendo bens, inclusive os papéis ligados às hipotecas, mas isso faz com que os preços dos bens caiam ainda mais e deixam as instituições em pior situação financeira. Esse círculo vicioso é às vezes chamado de "paradoxo do desalavancamento".

O plano do Paulson prevê que o governo federal compre até U$ 700 bilhões em bens, especialmente os papéis ligados às hipotecas. Como é que isso resolve a crise?

Bem, pode -- pode -- quebrar o círculo vicioso do desalavancamento, passo 4 de minha receita. Mesmo isso não está claro: os preços de muitos bens, não daqueles que o Tesouro se propõe a comprar, estão sob pressão. E mesmo se o círculo vicioso for limitado, o sistema financeiro continuará com a capitalização inadequada.

Ou, de fato, ficará mal das pernas por falta de capital, a não ser que o governo federal pague acima do valor pelos bens que está comprando, dando às firmas financeiras -- e seus acionistas e executivos -- um lucro gigantesco à custa dos contribuintes. Eu mencionei que não gosto desse plano?

A lógica dessa crise parece pedir por uma intervenção não no passo 4, mas no passo 2: o sistema financeiro precisa de mais capital. E se o governo vai providenciar capital às empresas, deveria conseguir o que as pessoas que dão capital têm direito -- uma parcela da propriedade, para que todos os ganhos do plano de resgate não sejam transferidos àqueles que causaram a confusão em primeiro lugar.

É o que aconteceu na crise dos Savings and Loan [envolvendo instituições de poupança e empréstimos pessoais, nos anos 80]: o governo federal assumiu propriedade dos bancos ruins, não apenas de seus bens ruins. Também aconteceu no caso do Fannie e Freddie. (Por sinal, o resgate fez o que devia. Os juros dos financiamentos cairam fortemente desde que o governo federal assumiu as empresas).

Mas o mr. Paulson insiste que quer um plano "limpo". "Limpo", nesse contexto, significa o salvamento financiado por dinheiro do contribuinte sem compromisso -- sem compromisso da parte daqueles que estão sendo salvos. Por que isso é bom? Acrescente a isso o fato de que mr. Paulson está pedindo autoridade ditatorial, mais imunidade "de qualquer tribunal ou agência administrativa", e essa é uma proposta inaceitável.

Entendo que o Congresso esteja sob imensa pressão para concordar com o plano de mr. Paulson nos próximos dias, com pequenas alterações que fariam desse um plano menos ruim. Basicamente, depois de um ano e meio dizendo a todos que as coisas estavam sob controle, o governo Bush diz que o céu está desabando e que para salvar o mundo é preciso fazer tudo o que o governo diz agora, agora, agora.

Eu pediria ao Congresso que parasse por um minuto, respirasse profundamente e tentasse seriamente reescrever a estrutura do plano, fazendo dele um projeto que ataque o problema real. Não sejam atropelados -- se o plano for aprovado no formato atual nós todos estaremos arrependidos em um futuro não muito distante.

*Paul Robin Krugman: economista, escritor, colunista no The New York Times. e professor de Economia e Assuntos Internacionais na Universidade de Princeton.

Nenhum comentário: