Ignacio Ramonet
Durante muito tempo a comunicação libertou, porque significava difusão do saber, do conhecimento e da razão contra as superstições e obscurantismos. Agora, impondo-se como obrigação absoluta, inundando todos os aspectos da vida social, política, econômica e cultural, ela exerce uma espécie de tirania. E tende a tornar-se uma das grandes superstições de nosso tempo
Em todas as primeiras páginas, com letras enormes, um único título: "The Sun backs Blair" (The Sun apóia Blair). Tiragem diária de 4 milhões de exemplares, público leitor de 10 milhões, defensor fanático das teses de Margaret Thatcher, o Sun de Londres anunciava, assim, em 18 de março de 97, sua espetacular decisão de apoiar abertamente, nas legislativas britânicas de 1º de maio, o candidato trabalhista Tony Blair, "dirigente dotado de visão, de objetivos e de coragem". E de deixar de apoiar o governo de John Major, ele próprio qualificado em abril de 1992, durante as eleições precedentes de "dirigente visionário, corajoso e determinado"...
Àqueles que se perguntavam sobre as razões de uma tão repentina virada, Trevor Kavanagh, editorialista político do Sun explicou: "Penso que o jornal não modificou sua linha, foram os trabalhistas que mudaram".
Que lições tirar dessa anedota aflitiva ? Ao menos duas. A primeira, política, é que certos partidos social-democratas se converteram a tal ponto ao neoliberalismo que se tornaram, aos olhos de numerosos eleitores, intercambiáveis com a direita conservadora clássica. A segunda, mediática, é que a informação continua a exercer sobre os espíritos uma considerável influência na hora das escolhas eleitorais, e que esta influência, às vezes, se negocia.
Relações políticas suspeitas
O Partido Trabalhista comprou o apoio do Sun? É certo que Tony Blair encontrou-se várias vezes, durante os últimos meses, com Rupert Murdoch, patrão do grupo News Corporation, proprietário do Sun. O apoio deste seria o resultado destes encontros, segundo o jornal francês Libération.
"Deixem-me ser claro", defendeu-se Tony Blair, "nós nunca fizemos acordo com Rupert Murdoch em troca do apoio de seus jornais." Mas, curiosamente, numa outra declaração, publicada no Correspondance de la Presse, Blair admitiu que ele não modificaria "as normas que regem a propriedade cruzada dos jornais e do audiovisual", confirmando assim que, se ganhasse as eleições, ele não tocaria no império mediático de Murdoch, contrariamente aos compromissos assumidos por seu partido...
Magnata da Austrália (possui uma centena de jornais, assim como muitos canais de rádio e de televisão), Rupert Murdoch se tornou célebre em meados dos anos 80 quando quebrou, com o firme apoio do governo de Margaret Tatcher, o sindicato dos operários da imprensa, ligados ao Partido Trabalhista. Controla atualmente um terço da tiragem dos quotidianos britânicos — notadamente com o Sun e o prestigioso Times, e as suas versões dominicais News of the World e Sunday Times. Isto representa uma pequena parte do império News Corporation (10 bilhões de dólares de faturamento) que, no Reino Unido, controla igualmente British Sky Broadcasting (BSkyB), rede de televisão paga por satélite e por cabo (6 milhões de assinantes, uma das sociedades mais rentáveis da Bolsa de Londres), sem concorrente local. E que se preparava, na época das eleições inglesas, para lançar o primeiro serviço de televisão digital por satélite na Grã-Bretanha. Sem dúvida, o projeto não era estranho à decisão do Sun de apoiar Tony Blair, provável futuro primeiro ministro...
News Corporation, da qual Rupert Murdoch possui 30% das ações, é o exemplo tipo do grande grupo multimídia contemporâneo. Nos Estados Unidos, ele controla as edições Harpercollins (550 milhões de dólares de lucro em 1995) [1]; o quotidiano New York Post ; muitas revistas, entre elas TV Guide; a sociedade de produção Twentieth Century Fox (que entre outras, produz a série televisiva "Arquivo X"); a rede de televisão Fox Network, um canal popular (FX); um canal de informação contínua, Fox News Channel (que rivaliza com a CNN, do grupo Time Warner, e com MSNBC, criada pela Microsoft e o canal NBC, da General Electric); uma empresa de marketing e promoção, Heritage Media; assim como uns vinte sites na Internet. No domínio do digital, Murdoch acaba de investir 1 bilhão de dólares para propor, em aliança com Echostar e a companhia telefônica MCI, um serviço de mais de 200 canais aos telespectadores americanos.
Em parceria com as sociedades japonesas Sony e softbank, Murdoch realizou igualmente o projeto de televisão por satélite Japan Sky Broadcasting (J Sky B). Seu grupo já possui um canal de televisão por satélite, Star TV, difundindo muitas dezenas de programas no Japão, na China, na Índia, no sudeste asiático e no leste africano.
Essa profusão de alianças sem fronteiras, de fusões e de concentrações — das quais Rupert Murdoch é um arquiteto exemplar — caracteriza o universo atual das mídias.
Teia de aranha do tamanho do planeta
Na hora da globalização da economia, da cultura global (world culture) e da "civilização única" se coloca em vigência aquilo que alguns chamam de a "sociedade de informação global" (global information society). Esta se desenvolve na medida em que se acelera a expansão das tecnologias da informação que tendem a invadir todos os domínios da atividade humana e a estimular o crescimento dos principais setores econômicos. Uma infraestrutura da informação global (global information infrastructure.) espalha-se como uma teia de aranha com o tamanho do planeta, aproveitando-se dos progressos em matéria de digitalização e favorecendo a interconectividade de todos os serviços ligados à comunicação. Ela estimula em particular a imbricação dos três setores tecnológicos — informática, telefonia e televisão — que convergem e se fundem na multimídia e na Internet.
Há no mundo 1,26 bilhão de televisores (dos quais mais de 200 milhões por cabo e cerca de 60 milhões ligados à um serviço digital), 690 milhões de assinantes de telefones (cerca de 80 milhões de celulares) e cerca de 200 milhões de computadores (30 milhões conectados à Internet). Estima-se que em 2001, o poder da rede Internet ultrapassará o do telefone, que o número de usuários da rede oscilará entre 600 milhões e 1 bilhão e que a World Wide Web contará com mais de 10 mil sites comerciais [2]. O faturamento das indústrias da comunicação, que era de 1 trilhäo de dólares em 1995, poderia elevar-se, segundo La Repubblica, de Roma a 2 trilhões, ou seja, 10 % da economia mundial.
Os gigantes da informática, da telefonia e da televisão sabem que os lucros do futuro encontram-se nesses novos filões que abrem, diante de seus olhos fascinados e cobiçosos, a tecnologia digital. Eles não ignoram que, de agora em diante, seu território não está mais protegido e que os mastodontes dos setores vizinhos os vigiam com instintos carnívoros. A guerra no campo da comunicação é sem dó nem piedade. Quem se ocupava de telefone quer fazer a televisão, e vice-versa; todas as empresas, em particular os possuidores de uma rede física de distribuição (eletricidade, telefonia, água, gás, estradas de ferro, sociedades de auto estradas, etc) aspiram controlar uma parte do novo eldorado, a multimídia.
Os novos senhores do mundo
De uma ponta a outra do planeta, os combatentes são os mesmos, as firmas gigantes que se tornaram os novos senhores do mundo: AT&T (que domina a telefonia planetária), o duo formado pela MCI (segunda rede telefônica americana) e BT (ex- British Telecom), Sprint (terceiro operador americano de longa distância), Cable & Wireless (que controla notadamente Hong Kong Telecom), Bell Atlantic, Nynex, US west, TCI (o mais importante distribuidor de televisão por cabo), NTT (primeiro grupo japonês de telefonia), Disney (que comprou a rede de televisão ABC), Time Warner (que possui CNN), News Corp, IBM, Microsoft (que domina o mercado de programas para computador), Netscape, Intel, etc.
Na Europa, todas as batalhas vêem a disputa entre grupos cujos interesses cruzados e as participações acionárias recíprocas são múltiplas: News Corp., Pearson, (The Financial Times, Penguin Books, BBC Prime), Betelsmann (primeiro grupo de comunicação alemão), Leo Kirch, CLT (RTL), Deutsche Telekom, Stet (primeiro grupo de telefonia alemã), Telefonica, Prisa (primeiro grupo de comunicação espanhol), France Télécom, Bouygues, Lyonnaise des Eaux, Générale des Eaux (que domina atualmente Canal Plus e Havas), etc. As mudanças de controle e as fusões se multiplicam; somente para o ano de 1993, teria havido na Europa, ainda segundo La Repubblica 895 fusões de sociedades de comunicação...
A lógica dominante nessa mutação do capitalismo não é a aliança, mas a absorção para tirar proveito do savoir-faire dos melhores colocados, num mercado que flutua ao sabor de imprevisíveis acelerações tecnológicas ou de surpreendentes "modas" dos consumidores, como o boom da Internet. No coração da nova situação, o fluxo crescente e incessante dos dados: conversações, informações, transações financeiras, imagens, sinais de toda ordem, etc. Isso diz respeito, por um lado, às mídias que produzem estes dados (edição, agências de imprensa, jornais, cinema, rádio, televisão, sites na rede, etc.) e, por outro lado, ao universo das telecomunicações e dos computadores que os transportam, que os tratam, que os elaboram. O objetivo de cada um dos titãs da comunicação é se tornar o único interlocutor do cidadão. Ele quer poder fornecer-lhe simultaneamente as manchetes, as diversões, a cultura, os serviços profissionais, as informações financeiras e econômicas; e colocá-lo em situação de interconectividade através de todos os meios de comunicação disponíveis.
A informação reduzida a mercadoria
Para que essas infraestruturas tenham uma utilidade, é preciso que as comunicações possam circular sem entraves através do planeta, como o vento sobre a superfície dos oceanos. É por isso que, em favor da globalização da economia, os Estados Unidos (primeiros produtores de tecnologias novas e sede das principais firmas) jogaram todo seu peso na batalha da desregulamentação para abrir as fronteiras do maior número de países ao "livre fluxo da informação", isto é, aos mastodontes americanos das indústrias da comunicação e dos divertimentos [3].
Quatro conferências internacionais — Genebra, 1992; Buenos Aires, 1994; Bruxelas, 1995; e Johannesburgo, 1996 — permitiram ao presidente norte-americano Bill Clinton e sobretudo ao vice-presidente Albert Gore, popularizar junto aos dirigentes políticos mundiais suas teses sobre a "sociedade de informação global". Por outra parte, durante os debates que fecharam a Rodada do Uruguai do GATT, em 1994, Washington fez avançar a idéia de que a comunicação deve ser considerada como um simples "serviço" e, por este motivo, regida pela lei geral do comércio.
As telecomunicações de base representam um mercado de 525 milhões de dólares, com um crescimento de 8 a 12% ao ano, e constituem um dos domínios mais rentáveis do comércio mundial. Em 1985, o tempo consagrado pelos usuários, no mundo, às telecomunicações (para falar, passar fax ou transmitir dados) era de 15 bilhões de minutos; em 1995, ele atingia 60 bilhões de minutos ; e, no ano 2000, ele ultrapassaria, segundo a revista Time os 95 bilhões de minutos. Esses números, melhor que qualquer outra argumentação, explicam o jogo formidável da liberalização das comunicações. Em novembro de 1996, os Estados Unidos enfim obtiveram em Manila, durante a 4ª reunião de cúpula da APEC (Associação para Cooperação Econômica na Ásia e Pacífico), a abertura dos mercados dos países desta região às tecnologias da informação para o ano 2000. No mesmo espírito, em Singapura, em dezembro de 1996, a reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) recomendava "uma inteira liberalização do conjunto dos serviços de telecomunicações, sem nenhuma restrição geral. " E em Genebra, no dia 15 de fevereiro de 97, ainda sob a influência da OMC, um acordo sobre as telecomunicações assinado por 68 países abriu, notadamente aos grandes operadores americanos, europeus e japoneses, os mercados nacionais de dezenas de países.
Jaula dos animais selvagens
A União Européia decidiu, por seu lado, a inteira liberalização dos mercados do telefone (sem distinção entre os diferentes suportes: cabo, rádio ou satélite), a partir de 1º de janeiro de 1998. Nesta perspectiva, em previsão de concorrências ferozes no interior de cada mercado nacional, os monopólios são pouco a pouco desmantelados, e os operadores públicos, privatizados. A British Telecom, que se tornou BT, assim como a Telefonica, da Espanha, já foram privatizadas. A France Télécom, que colocou no mercado uma primeira fatia do seu capital a partir de 6 de maio de 97, reforça a sua parceria com o operador público alemão Deutche Telekom, que será privatizado depois do ano 2 000. Os dois operadores, aliás, aliaram-se ao americano Sprint (dos quais cada um possui 10% do capital) e poderiam aproximar-se do britânico Cable & Wireless, que pensa adquirir 80% do capital da Sprint. Desse modo, no momento em que se desfazem os monopólios nacionais, aceleram-se a corrida ao tamanho crítico, para sobreviver num mercado planetário, e a procura de diversificação em todos os setores da comunicação. Tudo isso num clima de competição carnívora, onde todos os golpes são permitidos: "Cada vez que discuto com os grandes do telefone", constata Louis Gallois, presidente da Sociedade Nacional das Estradas de Ferro francesas (SNCF), "tenho a impressão de entrar na jaula dos animais selvagens."
Nesse sentido, podemos efetivamente constatar estes últimos meses como a chegada de grupos de concorrentes de televisão digital provocou violentas confrontações em todo o campo da comunicação. Na Espanha, isso levou a um enfrentamento brutal e direto entre o governo conservador de José Maria Aznar, que para se manter no poder deseja constituir um grupo multimídia influente, e o principal grupo de comunicação, Prisa (El Pais, Radio SER), aliado ao Canal Plus.
Na França, uma guerra total opõe os partidários da televisão por satélite (TPS) e os de CanalSatellite. Entre estes últimos, o movimento mais espetacular viu, em 6 de fevereiro de 97, a transferência de controle da Havas e do Canal Plus l para a Générale des Eaux com o objetivo de "reunir no interior de um único grupo de comunicação todas as competências necessárias ao seu desenvolvimento, notadamente internacional" e de criar "um grupo integrado de comunicação de tamanho mundial". A Générale, por outro lado, confirmou o seu segundo lugar na telefonia francesa ao tornar-se, em 12 de fevereiro, parceira da SNCF, de quem comprou, em parte através da sua filial Cégétel (aliada da British Télécom), a rede de 26 mil quilômetros de linhas telefônicas (dos quais 8,6 mil em fibras óticas).
Um mês antes, Jean Marie Messier, presidente da Générale des Eaux, não pensava de jeito nenhum numa aproximação com a Havas. Por que mudou de idéia tão repentinamente ? "Eu tinha subestimado", respondeu ele ao jornal Le Monde, "a rapidez da convergência entre as indústrias de telecoms e aquelas da comunicação. Logo haverá um único ponto de entrada, nas casas, para a imagem, a voz, a multimídia e o acesso Internet.. Esta evolução já está à caminho: dentro de 12 a 18 meses ela será uma realidade comercial. Esta aceleração me levou a concluir que é preciso ser capaz, para conservar as margens (de lucro), de controlar toda a cadeia: conteúdo, produção, difusão e elo com o assinante".
Ao invés da qualidade, quantidade
"Controlar toda a rede" é a ambição dos colossos da informação. Para consegui-lo, continuam a multiplicar as aquisições e as concentrações. Para eles, a comunicação é, antes de tudo, uma mercadoria que é preciso produzir em enorme volume, a quantidade prevalecendo sobre a qualidade. Em 30 anos, o mundo produziu mais informação que no curso dos 5 mil anos precedentes...Um único exemplar da edição dominical do New York Times contém mais informação do que poderia obter, durante toda a sua vida, um europeu do século 17. A cada dia cerca de 20 milhões de palavras de informação técnica são impressas sobre diversos suportes (revistas, livros, relatórios, disquetes, CDs). Um leitor capaz de ler mil palavras por minuto, durante 8 horas por dia, precisaria de um mês e meio para ler a produção de um único dia; e, ao final deste período, ele teria acumulado um atraso de cinco anos e meio de leitura...
O projeto humanista de ler tudo, de tudo saber, tornou-se ilusório e vão. Um novo Pico de la Mirandola [4] morreria asfixiado sob o peso das informações disponíveis. Durante muito tempo rara e onerosa, a informação tornou-se farta e comum. Junto com o ar e a água, ela é hoje o elemento mais abundante do planeta. Está cada vez menos cara, à medida em que sua oferta aumenta, mas (como a ar e a água...) cada vez mais poluída e contaminada.
Libertação ou tirania?
Podemos mesmo nos perguntar se a comunicação não acabou de ultrapassar seu estado ótimo, seu zênite, para entrar numa fase onde todas as suas qualidades se transformam em deficiências, todas as suas virtudes em vícios. Porque a nova ideologia do tudo comunicação, este imperialismo comunicacional, exerce há algum tempo uma autêntica opressão sobre os cidadãos.
Durante muito tempo a comunicação libertou, porque ela significava (desde a invenção da escrita e a da imprensa) difusão do saber, do conhecimento, das leis e das luzes da razão contra as superstições e os obscurantismos de todo tipo. Agora, impondo-se como obrigação absoluta, inundando todos os aspectos da vida social, política, econômica e cultural, ela exerce uma espécie de tirania. E tende a tornar-se uma das grandes superstições de nosso tempo.
É esta mudança qualitativa capital que sentem claramente os cidadãos, cuja decepção em relação às mídias cresce, como provam todas as pesquisas recentes. Nos Estados Unidos, 55% da população estimam que os órgãos de imprensa publicam informações "seguidamente inexatas". A porcentagem era de apenas 34% em 1985, segundo o Le Monde. Os norte-americanos afastam-se igualmente dos jornais televisivos e são apenas 42% a segui-los regularmente (contra 63% em 1993). No Velho Continente, se 87% dos europeus informam-se principalmente pelos jornais televisivos, a desconfiança continua grande.
A reclamação central é contra a espetacularização, a busca do sensacional a qualquer preço, que pode conduzir a aberrações (como vimos no caso de Timisoara, ou durante a guerra do Golfo) e a "falsificações." Na França, "o exemplo mais célebre foi o da reportagem proposta por Jean Bertolino na revista "52 na primeira página", onde Denis Vicentini filmou figurantes numa pedreira de Meudon, fingindo que fossem notívagos povoando as catacumbas de Paris (...) O mesmo tipo de polêmica voltou em janeiro de 1992, com a reportagem em que Régis Faucon e Patrick Poivre d’Arvor fingiam entrevistar Fidel Castro, gravando extratos de uma entrevista coletiva onde o líder cubano respondia a outras questões, de outros colegas" [5].
O exemplo mais recente, ocorrido na Alemanha, terminou com a condenação de um jornalista, Michel Born, 38 anos, a 4 anos de prisão, considerado culpado de falsificar parcial ou totalmente 32 reportagens. Esse falsificador, sabendo que os canais pedem imagens sensacionais, tinha filmado, com a ajuda de atores e de cúmplices, curta-metragens "documentários" sobre uma pretensa seção alemã da Klu Klux Klan, sobre traficantes de cocaína, sobre neonazistas autores de cartas-bombas, sobre trabalho infantil explorado no terceiro mundo, sobre os passadores de imigrantes clandestinos árabes... Comprados por canais inescrupulosos, em particular por Stern TV (televisão filial de semanário Stern que publicou os pseudo diários íntimos de Adolf Hitler...), essas falsas reportagens, que não raro incitam ao ódio, foram vistas por mais de 4 milhões de telespectadores e propiciaram importantes receitas publicitárias.
Sob pressão da publicidade
Publicitários e anunciantes exercem, além disso uma indiscutível influência perversa sobre o próprio conteúdo da informação. Isso pôde ser constatado em 1995 nos Estados Unidos, quando os produtores do programa de informação "60 minutos", considerado o mais sério da rede CBS, realizaram um documentário para denunciar as companhias de tabaco. Essas, foi demonstrado, mentiam, ao informar, nos maços de cigarro, a taxa de nicotina do produto. Provocavam, desse modo, uma maior dependência. A rede CBS censurou o programa. E devíamos descobrir que o fez por duas razões: primeiro, para não entrar num processo que teria baixado suas ações na Bolsa na véspera da sua fusão com o grupo Westinghouse; além disso, porque uma de suas filiais, Loews Corporation, possuia uma sociedade, Lorillard, ela própria produtora de cigarros... Nos dois casos, os interesses do capital e da empresa foram colocados acima da preocupação com a saúde do público [6].
Três meses antes, a rede ABC conheceu uma desventura semelhante. Tendo acusado a Philip Morris de manipular as taxas de nicotina, no programa "Day One", a rede foi ameaçada pelo fabricante de tabaco de um processo e de um pedido de pagamento de perdas e danos de 15 bilhões de dólares. ABC estava, naquele momento, à beira de ser adquirida pela Disney, e o processo teria levado a uma sensível baixa do seu valor na Bolsa. A rede preferiu, então, fazer uma retificação pública que, insultando a verdade, livrava o fabricante de toda suspeita.
Enquanto as passarelas, as ramificações e as fusões entre os grandes grupos de comunicação se multiplicam numa atmosfera de canibalismo feroz, como estar seguro de que a informação fornecida por uma mídia não visará, direta ou indiretamente, a defesa dos interesses de seu grupo em vez dos do cidadão? Num mundo cada vez mais pilotado por empresas colossais que obedecem a uma lógica comercial fixada pela Organização Mundial do Comércio (OMC), e onde os governos parecem bastante ultrapassados pelas mutações em curso, como estar certo de que a democracia será preservada ou ampliada? Num tal contexto de guerra mediática acirrada, onde se enfrentam gigantes pesando bilhões de dólares, como pode sobreviver uma imprensa independente?
Publicado em abril de 97. Traduzido por Maria Regina Pilla.
[1] Ler o dossiê "The Crushing Power of Big Publishing", The Nation, Nova York, 17/3/97
[2] Correspondance de la presse, Paris, 27 de fevereiro e 11 de março de 1997. Ler também Dan Schiller, "Les marchands à l’assaut de l’Internet, Le Monde Diplomatique, março de 1997.
[3] A lógica dominante nessa mutação do capitalismo não é a aliança, mas a absorção para tirar proveito do savoir-faire dos melhores colocados, num mercado que flutua ao sabor de imprevisíveis acelerações tecnológicas ou de surpreendentes "modas" dos consumidores, como o boom da Internet. No coração da nova situação, o fluxo crescente e incessante dos dados: conversações, informações, transações financeiras, imagens, sinais de toda ordem, etc. Isso diz respeito, por um lado, às mídias que produzem estes dados (edição, agências de imprensa, jornais, cinema, rádio, televisão, sites na rede, etc.) e, por outro lado, ao universo das telecomunicações e dos computadores que os transportam, que os tratam, que os elaboram. O objetivo de cada um dos titãs da comunicação é se tornar o único interlocutor do cidadão. Ele quer poder fornecer-lhe simultaneamente as manchetes, as diversões, a cultura, os serviços profissionais, as informações financeiras e econômicas; e colocá-lo em situação de interconectividade através de todos os meios de comunicação disponíveis. A informação reduzida a mercadoria
Para que essas infraestruturas tenham uma utilidade, é preciso que as comunicações possam circular sem entraves através do planeta, como o vento sobre a superfície dos oceanos. É por isso que, em favor da globalização da economia, os Estados Unidos (primeiros produtores de tecnologias novas e sede das principais firmas) jogaram todo seu peso na batalha da desregulamentação para abrir as fronteiras do maior número de países ao " livre fluxo da informação", isto é, aos mastodontes americanos das indústrias da comunicação e dos divertimentos [[Ler Armand Mattelart, "Les nouveaux scénarios de la communication mondiale", Le Monde Diplomatique, agosto 1996 e La Mondialisation de la communication, PUF, coleção Que sais-je? , Paris, dezembro 1996.
[4] Pico de la Mirandola (1463-1494), sábio italiano do Renascimento que se distinguiu pela extensão dos seus conhecimentos.
[5] Trecho extraído do livro Le journal télévisé: Politique de l’information et information politique, de Arnaud Mercier. Editado pela imprensa da Fondation nationale des sciences politiques, Paris, 1997, p. 13.
[6] Ler Serge Halimi, "Industriels solidaires", Le Monde Diplomatique, novembro 1995.
Fonte: Le Monde Diplomatique, dez/1999
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