Para o sociólogo Eduardo Paz Rada da UMSA, a elite do oriente, apoiada pela embaixada dos EUA e contando com grupos armados contratados por latifundiários bolivianos, brasileiros e estadunidenses, está agindo para promover a divisão do país.
13/09/2008
Igor Ojeda*
“Os setores das oligarquias do oriente boliviano não estão somente reagindo contra o processo de transformações que o governo Evo Morales está implementando e que afeta diretamente seus interesses – sobretudo no manejo da terra e dos excedentes procedentes do gás –, como agora estão em uma clara ofensiva destinada a promover a divisão da Bolívia, com o argumento das autonomias”, analisa o sociólogo Eduardo Paz Rada, da Universidad Mayor de San Andrés (UMSA).
Segundo ele, tais ações estão vinculadas à estratégia do imperialismo estadunidense de provocar uma crise regional e tentar frear os processos revolucionários e reformistas nos países da região. Há cerca de três semanas, os governadores opositores de Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando vem promovendo, ao lado de comitês cívicos regionais, formados principalmente por empresários, a tomada de controle de instituições estatais nos departamentos (estados). A justificativa deles é a pressão pela devolução do montante do imposto sobre o gás destinado às regiões que foi cortado em parte pela gestão Evo para financiar uma bolsa aos idosos.
Para Rada, o governo do presidente Evo Morales, ao não haver adotado medidas há vários meses contra tal arremetida, se encontra agora em grandes dificuldades. “O país corre um risco grave de iugoslavização e fragmentação devido ao fato de que as oligarquias do oriente, apoiadas pela embaixada dos Estados Unidos, possui grupos armados, contratados especialmente por proprietários de terras bolivianos, brasileiros e estadunidenses”, diz. O termo "iugoslavização" é uma referência à desintegração da então Iugoslávia em vários países a partir da década de 90.
Ainda segundo o sociólogo, o Executivo deve tomar medidas urgentes com ação direta das Forças Armadas, a Polícia Nacional e os movimentos sociais. “Seja através do estado de sítio, ou de ações fundadas na lei e na Constituição, o governo deve atuar rapidamente e com energia, sobretudo para frear desde agora mesmo o controle territorial dos setores das oligarquias regionais”.
Estado de sítio
Desde que as mobilizações da oposição tiveram início, as Forças Armadas e a polícia vêm evitando atuar com mais energia. Em muitos dos casos, os militares e policiais que resguardavam as entidades foram obrigados a se retirar, diante do forte assédio dos manifestantes. No entanto, nesta sexta-feira (12), a entidade militar confirmou o deslocamento de soldados às regiões em conflito e afirmou que aguarda uma ordem escrita por Evo Morales para recuperar as instituições públicas e reprimir os grupos de “vândalos ou radicais”. Já o presidente disse sentir-se culpado pelas humilhações sofridas pelo exército e pela polícia, já que foi ele quem pediu para que não fossem usadas armas de fogo.
No mesmo dia, o governo decretou estado de sítio no departamento de Pando, devido à morte, oficialmente, de oito pessoas (sete delas camponeses apoiadores de Evo) em enfrentamento com funcionários do governo departamental em El Porvenir.
O Executivo, defensores de direitos humanos e camponeses chamam o ocorrido de “massacre” e acusam o governador Leopoldo Fernández de ter armado os funcionários e ter contratado mercenários peruanos e brasileiros para impedir que os apoiadores de Evo chegassem à capital Cobija, a 30 km do local das mortes, que podem aumentar, já que 35 camponeses ainda estão desaparecidos.
Já Fernández nega as acusações, afirma que não acatará o estado de sítio e desautorizou o governador de Tarija, Mario Cossío, a representá-lo no diálogo com o Executivo, iniciado na sexta-feira.
Em Cobija, um soldado morreu, vítima de um disparo por arma de fogo, e seis civis ficaram feridos à bala na retomada pelo exército do aeroporto Capitán Anibal Arab, que estava em controle dos opositores desde o dia 5. Segundo alguns relatos, os militares ingressaram no local atirando para o ar, e foram recebidos com disparos de metralhadoras.
Movimentos reagem
Enquanto isso, teve início, na noite de sexta-feira, um diálogo entre governo e oposição, representada por Mario Cossío. Depois de mais de oito horas de reunião, foram acordadas as bases das negociações, que serão retomadas no domingo (14). Mesmo assim, os movimentos sociais do país acentuaram suas ações em retaliação às medidas de pressão dos opositores.
No dia 10, cultivadores de folha de coca do Chapare, no centro da Bolívia, iniciaram um cerco à Santa Cruz de la Sierra, com fechamento de estradas. Desde então, os pontos de bloqueio vêm aumentando. No dia 11, Eugenio Rojas, prefeito da cidade de Achacachi, no ocidente do país, e líder do movimento indígena “poncho rojos”, declarou estado de emergência nas filas camponesas e ameaçou a tomada de terras e fábricas no oriente.
Outros dirigentes sociais, separadamente, afirmaram que retomarão as instituições públicas controladas pela oposição e defenderão o governo Evo, se necessário, com suas vidas.
Na quinta-feira à noite, a Federação Nacional de Cooperativas Mineradoras (Fencomin) havia dado um prazo de 72 horas aos governadores da oposição para que estes retomassem o diálogo com o Executivo. “Caso contrário, as cooperativas mineradoras se mobilizarão a nível nacional em defesa da democracia em liberdade, da igualdade social e da unidade do país. Se eles exigem nosso sangue, nós vamos oferecê-lo mais uma vez para o benefício de todo o povo boliviano”, diz o comunicado da entidade.
“Considero necessário que se combinem a ação das instituições militares com a mobilização popular, especialmente para respaldar os setores afins ao governo que se encontram combatendo no seio mesmo do conflito em Santa Cruz, Pando, Beni e Tarija. Parece, a esta altura da situação, que não se poderá evitar o enfrentamento direto e de grande dimensão, e que já prevíamos que se desataria pela decisão das classes dominantes de não perder seus privilégios e o poder econômico e político”, opina o sociólogo Eduardo Paz Rada.
Em Santa Cruz de la Sierra, os dirigentes da Confederação de Povos Indígenas do Oriente (Cidob) se declararam na clandestinidade, em virtude da perseguição que estão sofrendo por grupos opositores a Evo Morales.
Na tarde de quinta-feira, integrantes da União Juvenil Crucenhista (UJC) invadiram e saquearam a sede da Cidob, e atacaram as casas de seus líderes. “Queremos denunciar ao mundo que o governador Rubén Costas quer massacrar os indígenas que, até o momento, não responderam a nenhuma de suas provocações”, disse Adolfo Chávez, presidente da organização.
“Conspiração”
E, em meio à polêmica da expulsão do embaixador dos EUA em La Paz, Philip Goldberg, o ministro da Presidência boliviano, Juan Ramón Quintana, acusou a USAID (agência estadunidense de apoio ao desenvolvimento) de contratar políticos neoliberais dos governos anteriores para desestabilizarem a gestão do presidente Evo Morales, principalmente com o apoio à oposição regional.
“A USAID se converteu em refúgio político e econômico de todos aqueles funcionários do mais alto nível de Goni [Gonzalo Sánchez de Lozada] e Carlos Mesa. Portanto, estes funcionários, com a informação do Estado, fizeram um complô, durante todo esse tempo, contra o governo nacional”, disse.
Quintana detalhou a denúncia: de acordo com ele, Carlos Campero, ex-funcionário de Lozada, passou a trabalhar no escritório encarregado em temas de descentralização da entidade estadunidense. “Setor que trabalhou em projetos de apoio nos governos departamentais da oposição”.
Além de Campero, teriam sido contratados pela USAID Javier Cuevas, ex-ministro da Fazenda de Lozada e Mesa; Javier Rebollo, ex-diretor geral do Tesouro Nacional; José Nogales, ex-viceministro de Política Tributária de Lozada e Mesa; e Juan Brun, ex-diretor do Instituto Nacional de Reforma Agrária no governo Lozada.
*Correspondente do Brasil de Fato em La Paz (Bolívia)
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