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quarta-feira, 29 de julho de 2009

A era das bibliotecas online

Projeto reúne acervo global num único site, disponível nas seis línguas oficiais da ONU e em português

Bruna Tiussu - Especial para O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - Até o Google deve ter ficado com inveja. Pela primeira vez na história, um projeto pretende reunir num só portal livros, manuscritos, mapas, filmes, fotos e músicas do mundo todo. Como uma Biblioteca de Alexandria – a comparação é inescapável – dos tempos da web, a Biblioteca Digital Mundial (BDM) foi inaugurada em abril, com 5 mil itens. Entre eles estão, por exemplo, raridades como manuscritos científicos árabes, a Bíblia do Diabo sueca, do século 13, e a coleção de fotos de d. Pedro II. Tudo original e gratuito.

Coordenada pela Biblioteca do Congresso Americano em parceria com a Unesco e a Federação Internacional das Bibliotecas, a BDM está disponível nas seis línguas oficiais da ONU (árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo), mais o português. O Brasil participou por meio da Fundação Biblioteca Nacional, que forneceu 1.500 mapas e 1.200 imagens. “Recebemos o convite porque já tínhamos feito projetos com a Unesco e a Biblioteca do Congresso”, diz Liana Amadeo, diretora de Processos Técnicos da fundação.

Segundo Abdelaziz Abid, coordenador da BDM, o portal teve mais de 7 milhões de page views e 600 mil visitantes só no dia da inauguração. “Acervo digital é um fenômeno global. As pessoas querem informações diferentes, disponíveis de forma ágil.”

Para Liana, a época das pesquisas nas enciclopédias já passou. “Esta geração começa a utilizar as bibliotecas digitais. A próxima não vai saber como era possível viver sem.”

Leandro Trindade, de 24 anos, aluno do último semestre de Ciências da Computação da UnB, nunca pisou em uma biblioteca para as pesquisas de sua monografia. “Trabalho principalmente com as bibliotecas digitais internacionais, que na minha área são muitas. Poderia ficar o dia todo falando das vantagens do acervo digital, mas as principais são: ele é portátil, acho o que quero rapidamente e não gasto papel em impressão. A informação tem de ser livre.”

Outro defensor da informação livre, Rafael Silva, de 26, mestrando em Educação na USP, faz download de cinco a dez obras por semana, principalmente do site Domínio Público, criado pelo Ministério da Educação. Ele diz que os sites são vitais, porque a distribuição de livros no País é precária. “Precisei de um livro que estava esgotado desde 1981, tive que ir até Campinas para consultá-lo. E se o exemplar estivesse em Manaus?”

O Domínio Público cadastra cerca de 3 mil obras completas por mês. Segundo José Guilherme Ribeiro, responsável pelo portal, o trabalho é feito em parceria com 12 universidades. “A maioria do material vem digitalizado. A gente faz o trabalho de coletânea e montamos um banco de dados.”

Os projetos de digitalização começaram a surgir no Brasil no início da década, para democratizar o acesso à informação. O acervo digital da Biblioteca do Senado, da Biblioteca Nacional e iniciativas de universidades inspiraram projetos como o da Biblioteca Brasiliana, lançada em junho. Parte do acervo – doado pelo bibliófilo José Mindlin – já está disponível na web. Mas a Brasiliana não se restringe ao virtual. Terá uma sede física na USP, com entrega prevista para 2010. COLABOROU ANA BIZZOTTO, ESPECIAL PARA O ESTADO

Acervos digitais:

Biblioteca Digital Mundial (BDM)

Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos

Biblioteca do Senado Federal

Biblioteca Brasiliana USP

Portal Domínio Público

A mediação do riso na expressão e consolidação racismo no Brasil

Por Sandra Leal de Melo Dahia

Professora adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), lotada, provisoriamente, na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: sandradahia@yahoo.com.br

RESUMO

O objetivo do presente artigo é fornecer uma possível leitura da realidade do racismo no Brasil, na qual o riso desempenha um importante papel mediador. Inscrito na fronteira entre realidades distintas – o psíquico e o social, o consciente e o inconsciente, o jocoso e o sério –, o riso, suscitado pela piada racista, é capaz de articulá-las de forma a contribuir para o encobrimento e a consolidação do racismo aqui vigente. O efeito de sua ação pode soçobrar em conseqüência de um debate público em que o próprio riso se torne o objeto da discussão.

Introdução

O objetivo do presente artigo é possibilitar uma leitura para a realidade do racismo no Brasil, na qual o riso desempenha um importante papel mediador. Inscrito na fronteira entre realidades distintas – o psíquico e o social, o consciente e o inconsciente, o jocoso e o sério –, o riso é capaz de articulá-las de forma a contribuir para o encobrimento e a consolidação do racismo aqui vigente. Isso porque o riso derivado da piada racista é portador de uma ambigüidade que, dificultando uma definição precisa de sua natureza, permite a ele transitar entre distintas realidades. O discurso jocoso parece ser uma das possibilidades peculiares ao brasileiro de resolver conflitos identitários na vivência de suas relações raciais. Por meio do riso, o brasileiro encontra uma via intermediária para extravasar seu racismo latente, contornando a censura e a reflexão crítica sobre seu conteúdo e sobre o alcance de satisfação simbólica que o riso propicia, ao mesmo tempo em que ele não compromete sua auto-representação de não racista.

Como se trata de algo que não costuma ser levado a sério – objeto difuso e ambíguo –, a piada racista não é alvo fácil de uma ação legal nem de uma imputação penal conseqüente. Sua inscrição não está clara nem mesmo para quem faz uso dela, o que produz a falsa e confusa impressão de que o objeto do riso não tem nenhuma relação com o prazer que ele produz, ou seja, o fato de rir de uma piada racista não define o indivíduo como racista.

A expressão da piada racista acaba por se tornar uma via institucionalizada, mas não propriamente consciente, de transgressão. É prática cotidiana o trânsito do brasileiro por espaços sociais que se organizam em torno do riso. Lugares de prazeres, tais espaços veiculam conteúdos que não estão submetidos aos ditames do politicamente correto, transmitindo mensagens ofensivas disfarçadas no tom de brincadeira dominante. Esta parece ter sido uma saída, historicamente adotada, para o dilema das relações raciais no Brasil; no entanto, longe de se constituir numa solução definitiva, o novo cenário político brasileiro, no qual a questão racial vem ganhando uma crescente visibilidade, parece indicar a possibilidade do malogro de sua ação como conseqüência de um possível debate público em que o próprio riso se torne o objeto da discussão.

A mediação do riso na expressão e consolidação do racismo no Brasil

No Brasil, o riso pode ser apontado como uma via freqüente e significativa de expressão e consolidação do racismo, uma das muitas facetas do "racismo à brasileira " que se manifesta como reverberação do relato da piada racista em espaços sociais de lazer, nos quais os grupos liberam e partilham seu preconceito sobre os negros dentro de uma cultura que não assume posições claras na questão racial. Por um lado, os brasileiros não se consideram racistas e gostam de ostentar uma imagem de gente sem preconceito afeita à mistura racial; por outro, quando são sondados sutilmente, fornecem indicadores que apontam para um preconceito racial latente. Inúmeras pesquisas reforçam esse paradoxo no Brasil (Camino, Da Silva, Machado e Pereira, 2001; Pereira, Torres e Almeida, 2003; Camino, Da Silva e Machado, 2004, além de outras).

Do ponto de vista biológico, a idéia de raça é desprovida de valor científico. A genética do século XX propiciou uma mudança radical na forma como eram concebidas as diferenças entre os homens – o que tornou estéril o estabelecimento de qualquer critério classificatório fixo. Não obstante, o filósofo e cientista político Taguieff (1995) sustenta:

A desconstrução científica da raça biológica não faz desaparecer a evidência da raça simbólica, da raça percebida e invariavelmente interpretada, porquanto raça, queira-se ou não, permanece um elemento maior da realidade social, à medida que emprega, a partir de características físicas visíveis, formas coletivas de diferenciação classificatória e hierárquica que podem engendrar, às vezes, comportamentos discriminatórios individuais ou coletivos (p. 77-81).

É exatamente em um quadro de relação social que o racismo adquire sentido, pois materializa, na realidade prática, a dessimetria das relações, excluindo e rejeitando, quer consciente, quer inconscientemente, aquele que é identificado como diferente.

"Racismo à brasileira " tornou-se uma expressão corrente na literatura sobre relações raciais, designando, grosso modo, uma das formas de racismo peculiar ao Brasil, a qual se caracteriza, sobretudo, por sua manifestação sutil, velada e ambígua (DaMatta, 1987, 2001; Schwarcz, 1998). Longe de naturalizarmos essa expressão como se ela tivesse um significado único e fixo, nosso objetivo é tentar resgatar a história da construção de um dos seus muitos sentidos, a partir do qual conjeturamos uma leitura da realidade das relações raciais no Brasil.

A manifestação encoberta do racismo, embora seja um fenômeno reconhecido em todo o mundo ocidental, é designada com uma terminologia variada em distintas leituras – racismo sutil, racismo moderno, racismo aversivo (apud Vala, 1999) –, em razão de identificarem, segundo o psicólogo social português Jorge Vala (1999), níveis distintos de sutilezas na expressão do racismo.

A partir de um recorte psicossociológico, os estudos citados apontam para novas expressões de racismo em diversos contextos sociais que, a despeito de suas especificidades, consagram um modelo de manifestação mais civilizada do racismo. Em outras palavras: esse modelo de expressão de racismo se caracteriza, sobretudo, pelo seu encobrimento, por conter um caráter aparentemente não racista até mesmo para quem compartilha tais crenças.

Essas distintas abordagens indicam a persistência de uma forma de racismo discreto que parece não querer desafiar a ética das relações humanas, eleita internacionalmente no bojo da condenação mundial do Holocausto, que se fundamenta em princípios de igualdade; por isso, adota vias de expressões não ostensivas. No Brasil, o modelo de racismo em questão parece evidenciar não apenas a dinâmica das relações raciais, mas um modelo peculiar de se relacionar, construído historicamente pelos brasileiros para expressar sua identidade. Na verdade, a questão racial e a questão da identidade brasileira possuem uma relação imbricada, tendo uma origem comum, cujos contornos limítrofes não se acham claramente demarcados (DaMatta, 1987; Ortiz, 2003).

De acordo com o antropólogo DaMatta (1987), a discussão sobre a questão da identidade brasileira começa a ser pensada, embrionariamente, a partir do movimento de Independência, o qual promove uma progressiva autonomia em relação à Coroa Portuguesa e às suas ordens, obrigando a elite nacional a produzir suas próprias ideologias a fim de justificar e legitimar as especificidades internas ao país. No entanto, o impulso maior para a construção dessa identidade é dado mais tarde, com o movimento abolicionista e com a Proclamação da República, no final do século XIX.

DaMatta (1987) sugere que a ideologia construída para se fundamentar a brasilidade está baseada na "fábula das três raças " e no "racismo à brasileira ", ideologias atravessadas, em toda a sua amplitude, por contradições e ambigüidades. A ideologia expressa na fábula põe em relevo a origem do povo brasileiro: um tipo híbrido, mestiço, derivado do cruzamento de três raças que dividiriam, harmoniosamente, o mesmo solo.

O mestiço é forjado, dessa forma, tanto como uma solução teórica para enfrentar o embaraço derivado de uma tentativa de construção de uma identidade nacional diante da disparidade racial vigente no Brasil, quanto como possibilidade concreta de branqueamento progressivo da população. Ele representa a atribuição positiva conferida, no Brasil, às categorias intermediárias, que ocupam espaços fronteiriços, lugares de conciliação, e que não operam a partir de uma lógica dual e antagônica excludente. O mulato cristaliza a imagem da mediação entre o preto e o branco, um tipo ambíguo com características dos dois elementos "puros ", conseqüência do modelo triangular de relações raciais que, em última instância, é o grande responsável, no Brasil, segundo DaMatta (1987), pela invenção do conjunto das leis e do todo nacional. Trata-se de um modelo radicalmente distinto de países como Estados Unidos e África do Sul, que não admitem um conjunto de diferentes matizes no seu sistema classificatório: ou bem o indivíduo é preto, ou é branco (Nogueira, 1985).

Esse fator constitui uma das especificidades do Brasil e se afina com o sistema não igualitário aqui vigente, herança de Portugal, que, na época da colonização, era regido por um sistema rigorosamente hierarquizado, com muitas camadas sociais que funcionavam segundo um princípio claro: cada coisa tinha um lugar.

DaMatta (1987) contesta a tese, comum entre vários autores, segundo a qual a convivência com os mouros tinha auxiliado a formação do caráter nacional português, cujo perfil predispunha os colonizadores do Brasil a uma relação harmoniosa com os negros e com os índios. Para ele, o modelo de relações sociais vigente em Portugal, que foi praticamente reproduzido no Brasil, não pode, em absoluto, ser interpretado como uma característica cultural do lusitano, um modo mais brando de racismo ou uma forma mais humana de colonização, mas, antes, como o enfrentamento da realidade do trabalho escravo numa sociedade não igualitária, na qual cada categoria ocupa um lugar determinado. Nesse sentido, assim como em Portugal, a segregação ostensiva das minorias étnicas tornou-se prescindível em terras brasileiras, uma vez que, dentro de um espaço social hierarquicamente demarcado, a posição da categoria dominante não está sujeita a ameaças, de modo que negros e brancos podem conviver pacificamente, tendo valores, como consideração, intimidade, confiança, perpassando estreitamente essas relações.

No entanto, antes da abolição da escravatura, vigoravam leis rígidas que promoviam, nesse nível, uma clara diferenciação social fundada no conceito de raça. Depois desse fato histórico que instituiu, do ponto de vista jurídico, uma ampla afirmação da igualdade de direitos entre os indivíduos, independentemente da cor, novos recursos precisaram ser elaborados para manutenção e reafirmação do sistema original fortemente hierarquizado.

Motivado pela necessidade de reconduzir cada um ao seu lugar, ou seja, os não- -brancos a uma condição de submissão, o discurso jocoso passa a ser empregado amplamente como um rico recurso simbólico. Essa opção, politicamente não comprometedora, caracteriza um tipo de posição de caráter indefinido, freqüentemente adotada pelo brasileiro para fugir de questões não conciliatórias, como a questão racial.

Tal como a figura mediadora do mulato, a eleição do riso como solução intermediária para as relações raciais no Brasil evidencia o modo sutil e ambíguo de banir da agenda política do País um tema fundamental dentro de um conflitante processo de apropriação dos valores igualitários do individualismo moderno. Não se trata de uma mera acomodação passiva de valores novos a valores antigos, mas da produção de um todo complexo e incoerente, fonte permanente de conflitos e dissonâncias individuais e sociais.

O período que marca o final da escravidão se torna, assim, palco da emergência de novos e sutis mecanismos de defesa psíquica e discriminação sociorracial para contornar não apenas a ameaça, mas, sobretudo, a "afronta " que representa a integração do negro à sociedade, momento em que ele passa a competir no mercado de trabalho livre e assalariado (DaMatta, 1987).

Fonseca, em sua dissertação de mestrado – A piada: discurso sutil de exclusão, um estudo do risível no "racismo à brasileira " (1994) –, sugere que, provavelmente, nesse contexto se tenha iniciado a produção e transmissão de piadas racistas, considerando-se que, durante a escravidão, praticamente inexistiam piadas com conteúdos ofensivos direcionados aos negros, uma vez que estes eram vistos como mercadorias, destituídos, portanto, de expressão na esfera social.

Em torno da piada racista, o riso instaura certa sociabilidade que tem como fundamento a desqualificação do objeto risível e o prazer catártico resultante da sua inscrição nesse lugar. A importância conferida ao riso se reflete, em grande medida, no seu caráter estruturante e instrumental dentro do processo de socialização que lhe permite transitar entre realidades de naturezas distintas – o psíquico e o social; o inconsciente e o consciente, o jocoso e o sério – de forma que as enrede.

Quando nos referimos à questão do riso, queremos designar o seu objeto, ou seja, tudo o que suscita o riso: a comédia, o humor, a piada ou chiste, embora, ao longo da discussão, esse significado se vá aproximando de um desses objetos, de forma mais específica, como a piada.

Considerada nesse sentido amplo, a categoria do riso envolve dimensões distintas que conferem maior complexidade ao tema: ele apresenta um aspecto individual e um coletivo, que estão intimamente associados. No presente artigo, interessa-nos indicar a articulação dessa dupla realidade, no sentido de compreender o riso como ressonância individual do significado socialmente construído, expresso nas piadas. Estas são produções socioculturais que traduzem significados e relações sociais vivenciados em uma dimensão histórica e local. Refletem diferentes visões de mundo, inserindo-se no jogo de forças dos processos de exclusão e inclusão entre os grupos sociais. Nesse contexto, o riso ganha relevo à medida que representa a aprovação e a apropriação, pelos grupos sociais, dos valores e concepções subjacentes às piadas, mesmo de forma não consciente.

Reconhecer o papel ideológico da piada compõe boa parte da história, mas não toda história. Remeter a discussão apenas para o aspecto ideológico, identificando a função última da piada de assegurar, no aspecto simbólico, as desigualdades sociais entre negros e brancos não é suficiente para compreendermos as nuanças do inconsciente na manutenção e transmissão do racismo através dessa via. A respeito disso, Fonseca afirma:

Os grupos sociais, quando riem de determinada piada, demonstram que estão aparentemente de acordo com suas mensagens, que elas encontram eco na sociedade; sua atitude manifesta consciência e assimilação, aludindo a uma relativa identificação entre a mensagem expressa por eles e a leitura de mundo que é feita pelo conjunto da sociedade (Fonseca, 1994, p. 53).

Postulamos uma não-coincidência entre os valores expressos na piada racista e os valores de parte de seus ouvintes, pelo menos, não totalmente, nem do ponto de vista de uma esfera consciente. Ao contrário, enxergamos aí conflito e contradição, prazer e desprazer, em uma palavra: ambivalência. A pertinência de categorias intermediárias de análise que contornem e atravessem o delicado movimento de articulação entre realidades heterogêneas pode fornecer uma compreensão mais acurada das manobras do inconsciente nesse processo.

De acordo com Bergson (1983), as razões do riso residem antes na sociedade do que no próprio homem. Em seu ensaio sobre o riso, originalmente publicado em 1900, defende a idéia de que ele tem uma função social e de que, para ser compreendido, é necessário remetê-lo ao seu contexto social concreto. Para o autor, o nosso riso é sempre o riso de um grupo, muito revelador de costumes, idéias e preconceitos de uma sociedade.

Tornar alguém ou algo risível é destituí-lo de poder, é enfraquecê-lo, é infantilizá-lo. Do ponto de vista legal, a criança é vista como incapaz; portanto, dependente de um responsável para gerir sua vida nos mais diversos setores. No contexto da piada racista, essa mesma lógica interpretativa é deslocada para a figura do negro, que, tal como a criança, é reduzido a uma condição de inferioridade ante o seu suposto gestor: o branco. Subliminarmente, a idéia que se produz é que, por essa razão, a questão das relações raciais não deve ser reconhecida seriamente, pois a aura de brincadeira que envolve o seu objeto retira a legitimidade de suas necessidades e reivindicações.

O riso contém uma ambigüidade que lhe permite mover-se entre o real e o irreal, assumir um papel intermediário na fronteira entre consciente e inconsciente; produz imagens e sentidos difusos que confundem a visão sobre o alcance dos seus efeitos. Desse modo, suscitado pela piada, ele encobre um racismo latente que, resguardado sob a tutela do bom humor, pode, a qualquer tempo, recolher sua voracidade ao ser inscrito como algo que não deve ser levado a sério. Não obstante, ele é real e recorrente, uma conseqüência evidente de sua não-resolução.

Como qualquer realidade ambígua, esse modelo de racismo apresenta uma dupla face em constante alternância, de acordo com as exigências sociais. Assim, o "racismo à brasileira " cumpre fielmente seu objetivo de perpetuação cultural do preconceito e discriminações raciais sem, contudo, parecer fazê-lo.

Ao longo de grande período da história ocidental, o objeto do riso foi interpretado, predominantemente, como desvio; serviu para consolidar a normalidade e a ordem, visto que o comportamento desviante era socialmente percebido como o inadequado por excelência que deveria ser banido; além disso, o temor do ridículo era um sentimento intensamente compartilhado na sociedade (Minois, 2003). Aqui há uma concepção subjacente, segundo a qual o riso é inscrito como tema de segunda classe, destituído de importância central, em franca oposição ao pensamento sério. Sua função consiste, claramente, em restaurar a ordem, recuperando a correta disposição e hierarquia dos lugares sociais. Ao fazer isso, ele reabilitaria a seriedade e a positividade próprias à ordem social.

Em torno da palavra "lugar " estão sempre gravitando os sentidos de nossos mal-estares e prazeres, sobretudo, numa sociedade regida por um sistema hierarquizado em que cada um tem um lugar definido. Precisamente nesse contexto, o preconceito racial velado se revela eficaz. O não-dito serve como recurso de "invisibilização " do preconceito, produzindo uma falsa imagem de harmonia nas relações sociais. Essa imagem apenas ajuda na manutenção do preconceito racial, ao mesmo tempo em que enfraquece o seu combate direto.

Sobre o riso, em particular, Alberti (2002) sugere que se vive, hoje, um momento em que existe uma tentativa de resgatá-lo como categoria analítica fundamental para a compreensão do mundo e da Filosofia. Inscrito no universo do não-sério, do indizível, do impensado, o riso reforça a importância da emoção, ao mesmo tempo em que se distancia do julgamento crítico, da razão. Ele é capaz de exceder o pensamento, o conhecimento, o saber.

De acordo com a referida autora, o pensamento moderno sobre o riso está fundado na idéia de que ele remete para além do pensamento sério, chegando aonde este não pode chegar. Essa concepção assume, agora, um caráter positivo, já que, por meio do risível, se alcança uma realidade mais autêntica do que o pensado, considerando-se que o sério, como a aparência da verdade, não consegue acessar. Essa atribuição positiva ao riso consiste numa diferença fundamental ao pensamento anterior.

Alberti (2002) destaca um movimento sobre o riso que, a partir do século XX, detém nossa especial atenção. Caracterizador de uma concepção moderna do riso, tal movimento está baseado na perspectiva de que o riso pode remeter ao inconsciente, ao não-sério que divide com o consciente e o com o sério a realidade. É necessário, assim, resgatar essa dimensão para se compreender a totalidade da existência e da vida psíquica, na leitura de autores como o psicanalista Sigmund Freud. O objeto do riso, aqui, está situado também na ordem do impensável, longe da razão, mas seu conteúdo é passível de explicação. É capaz de ser apreendido pela razão. Na verdade, o inconsciente é uma categoria central necessária para se compreender o riso como elemento intermediário na dinâmica de expressão e de consolidação do racismo no Brasil. Trata-se de um conceito-chave na teoria psicanalítica.

De acordo com o Vocabulário da Psicanálise de Laplanche e Pontalis (2001), uma das possibilidades possíveis para o entendimento do inconsciente encontra-se no contexto da formulação freudiana da primeira teoria do aparelho psíquico (Freud, 1900). Nesse caso, o inconsciente é definido como um sistema que se relaciona dinamicamente com o sistema pré-consciente e com o consciente, todos integrantes do psiquismo humano. O inconsciente é regido por leis próprias, alheias à noção de tempo. É constituído por conteúdos recalcados1 que não têm acesso ao sistema consciente em função de censuras internas, podendo, também, ser constituído por conteúdos não adquiridos pelos indivíduos, ou seja, os conteúdos inconscientes podem ter sido, em algum momento, conscientes e ter-se tornado recalcados, como também podem ser genuinamente inconscientes.

Grosso modo, o objeto do riso, para Freud (1905), se encontra num lugar diferente de uma instância consciente, longe da razão e da crítica; ocupa, no entanto, um lugar definido; por isso, o conteúdo do risível se torna passível de explicação, acessível ao pensamento mediante os instrumentos disponíveis na teoria psicanalítica.

Apesar das distinções que Freud estabelece entre algumas formas do risível – o chiste, a comédia, o humor –, ele considera que todos apresentam uma função semelhante, a saber: o resgate e a fruição do prazer que se esvai com o desenvolvimento do julgamento crítico (1905). De acordo com Morreall (1983), que tenta fazer uma síntese das principais teorias sobre o riso, a freudiana é classificada como uma teoria do alívio por considerar o riso como liberador de energia. Basicamente, para a psicanálise, o chiste se caracteriza por apresentar certa ambigüidade, conter uma fachada que serve para ocultar um sentido latente interditado por censuras internas e externas em virtude de seus propósitos agressivos e obscenos, caracterizadores dos chistes hostis e dos chistes obscenos, respectivamente. O chiste ou piada de caráter hostil, formato e matéria das piadas racistas, se caracteriza por conter um propósito agressivo oculto, cuja vazão por outros meios sofreria a ação de obstáculos. O fator que se opõe ao seu propósito, quando é externo, representa uma transgressão da lei. O seu obstáculo, quando é interno, representa a emergência de um conteúdo psíquico desagradável, objeto de um conflito subjetivo na esfera do desejo. O chiste permite o resgate de conteúdos proibidos, de forma que serena e equilibra os ânimos dos que se sentem sucumbir à força das censuras sociais e psíquicas. Isso é uma forma provisória de reabilitar o prazer que a razão retirou, propiciado pelo relaxamento psíquico (Freud, 1905).

O riso racista se tornou o substituto simbólico da renúncia da agressão e da violência aberta, utilizado para destituir os negros de importância social. Portanto, a satisfação que ele proporciona reside na inscrição do tema na ordem da brincadeira, distante das questões sérias, considerando-se que o vigor do cômico reside exatamente nesse contraste entre sério e não sério.

Tal como Bergson, Freud (1905) atesta o caráter social do chiste, definindo-o como um processo social. Segundo ele, o prazer derivado da piada jamais será um prazer solitário; sua trajetória nunca é individual, uma vez que o riso constitui uma das manifestações psíquicas mais contagiosas. O riso apresenta um caráter gregário que implica, simultaneamente, conivência e exclusão, construídas, muitas vezes, a partir de uma relação social fortuita, estabelecida sobre desejos ambivalentes comuns.

Freud ensaia uma explicação para o mecanismo de funcionamento do chiste e para seus efeitos sobre as partes diretamente envolvidas. Ao obstáculo interno a ser superado pelo inventor ou contador do chiste corresponde o obstáculo externo a ser eliminado pelo ouvinte. O conteúdo agressivo, inicialmente presente ao seu inventor, acaba por aliciar o ouvinte e nele – indiferente, no princípio – suscitar o mesmo sentimento em relação ao alvo do chiste (1905). O público da piada acaba por tornar-se cúmplice do seu conteúdo hostil. Tendo-se em vista que nunca se sabe ao certo a verdadeira intenção do chiste, considera-se de natureza inconsciente ou não totalmente consciente o envolvimento emocional, que se estreita em torno dos seus objetivos ocultos no momento em que a piada é transmitida. Ainda que inconscientemente, o público das piadas participa, em alguma medida, dos seus atos de agressão. Assim é que se realiza o processo de auto-absolvição diante das piadas de caráter racista que, produzidas por outros, os supostos responsáveis e racistas, suscitam um prazer destituído de culpas e aparentemente inofensivo, uma vez que grande parte dos indivíduos que riem de piadas racistas não se considera, em nenhuma medida, racista.

Dentre os papéis desempenhados pelo outro na dinâmica do chiste, um, em particular, assume importância central: o de avalizador da transgressão que emerge com o chiste hostil. Ele autoriza, legitima a transgressão contida na piada e compartilha os afetos prazerosos suscitados pelo seu conteúdo transgressor; contudo, para que o processo se desenvolva de forma que efetive esse laço social, é necessária certa conformidade psíquica entre o contador e seu ouvinte. Nesse sentido, o psicanalista Kupermann (2003) questiona: "Não seria o próprio ato de partilhar o ato humorístico o produtor do laço social? " E elabora sua própria resposta: "Se o for [...], deve-se enfatizar que a prática lúdica própria dos chistes e do humor produz novas conformidades psíquicas entre aqueles que dela compartilham [...] " (p. 151).

Segundo o mesmo autor, o chiste e o humor parecem instaurar uma nova forma de sociabilidade bastante produtiva. O grupo para quem se transmite freqüentemente a mesma natureza de piadas traduz, desse modo, uma conformidade psíquica e social que reflete um compartilhamento de prazer fundado nos mesmos termos. É por essa razão que cada piada requer e constrói seu público-alvo específico. Esse, talvez, seja seu efeito mais devastador, uma vez que se torna um canal de perpetuação de valores culturais que ajudam a consolidar estereótipos e preconceitos contra grupos étnico-raciais, retratando-os, invariavelmente, como inferiores, criminosos, ladrões, preguiçosos, etc., o avesso da própria imagem do grupo de referência. Tal dinâmica é alimentada pela vivência de um afeto extremamente prazeroso, o qual resulta de uma catarse coletiva necessária à regulação identitária do grupo. Contém agressividade, mas, com a própria liberação, parece atenuar a voracidade que ela porta. Parece que é o desejo da experiência desse afeto a razão do incontrolável impulso de transmitir uma piada.

Essa experiência intensamente prazerosa, vivida coletivamente, apresenta uma contraface: a piada não produz apenas prazer. Parafraseando Mark Twain na sua afirmação sobre o humor, podemos inferir que a fonte secreta da piada não é a alegria, mas a tristeza (apud Gay, 1995, p. 375). Ela é ambígua, mobiliza sentimentos de ódio ao objeto do riso, encobrindo um intenso sofrimento psíquico que evoca os recônditos enigmas de nossa vida mental e intersubjetiva. A experiência coletiva recorrente da piada parece indicar que os conflitos subjacentes aos seus conteúdos, vinculados à complexa vivência das relações raciais no Brasil, não foram definitivamente superados; ao contrário, permanecem como um incômodo latente que precisa irromper freqüentemente nos espaços lúdicos para, por um lado, preservar, mediante a catarse coletiva, a integridade mental do grupo e, por outro lado, sinalizar uma patologia social grave que precisa ser desnudada e seriamente enfrentada. Em outros termos: a imagem de democracia racial que o Brasil gosta de ostentar tem servido, ao longo da nossa história, para invisibilizar o racismo que aqui vigora. Engenhosos mecanismos de expressão para disfarçar nosso exercício discriminatório contra os negros foram acionados, de modo que não maculasse nossa auto-imagem. O ato de jogar para baixo do tapete a sujeira não a eliminou; ao contrário, produziu uma imagem imprecisa, porque encoberta, que dificulta a possibilidade de enfrentamento e superação do problema.

A piada tem servido para reintegrar os negros no "seu lugar ", para produzir uma fantasia coletiva tácita que restaure o equilíbrio e a tranqüilidade do mundo e restaure a ordem, o status quo, a ocupação devida dos lugares entre negros e brancos. Ela tem a função, no delírio coletivo, de expurgar a anormalidade e o desvio social. Nesse contexto, observa-se não apenas uma manobra de caráter político ante as determinações legais2, mas as sutis artimanhas do inconsciente para se engendrar o disfarce perante as próprias censuras internas, com o consentimento e a autorização intersubjetivos. Nesse sentido, a piada produz uma falsa sensação de inocência; por isso, não afeta o nível consciente e racional que ajuda a formar a própria imagem.

Caracterizadas como um espaço lúdico e saudável, as sessões de piadas regadas a intermináveis goles de bebidas alcoólicas e saborosos tira-gostos professam, partilham e reforçam as crenças, estereótipos e preconceitos latentes que não têm vazão por outra via, sobretudo, porque ocultam um caráter agressivo. Como não se trata de um processo aparentemente consciente, produz-se uma impressão de diversão inconseqüente. A estratégia dessa manifestação de racismo reside, exatamente, no seu contorno ambíguo: sob o escudo da inofensiva piada, ele cospe o seu mais ofensivo, mais intenso e mais virulento ódio contra os negros. O prazer que está vinculado a esse tipo de atividade impele-o a uma "repetição "3 (Freud, 1914), já que a experiência do sujeito que a conta e do público que a compartilha remete à negação do conflito racial que eles vivenciam em sociedade. A representação do conflito permanece num nível inconsciente, ocultando, também, a razão do prazer a ele vinculado.

O riso racista fortalece, por um lado, os vínculos sociais ao pacto de silêncio sobre o racismo, mantendo-o preservado no inconsciente; por outro lado, avaliza uma conduta de respeito às normas sociais, contrárias ao racismo, de forma que sustenta, no contentamento brasileiro e na reverência externa, uma imagem de democracia racial. No entanto, o contorno forte que o riso racista traça para demarcar a fronteira entre "realidade " e "irrealidade " parece estar perdendo a cor, talvez porque o seu efeito se esteja tornando objeto de uma desnaturalização, ou sua ação esteja sob controle. Como categoria intermediária, sua função sempre consistiu em produzir continuidades entre realidades conscientes e inconscientes e entre espaços psíquicos individuais e intersubjetivos.

O trabalho de fazer emergir material recalcado inconsciente para um padrão de expressão pré-consciente, que implica distorções no seu conteúdo, para neutralizar censuras, é próprio de toda produção do inconsciente, como o sonho, o lapso e, principalmente, para nossos fins: a piada. Com base no entrosamento entre cultura e psiquismo, pressentimos possibilidades de mudanças significativas nesse contexto. A piada racista começa a ter seu "direito " de manifestação seriamente questionado, tornando-se alvo de uma progressiva vigília pública.

No cenário político brasileiro, de forma singular, a questão racial tem sido palco de debates acirrados, mormente com o tema das ações afirmativas (Guimarães, 1996). É importante destacar a marcante influência da luta denunciatória do movimento negro nas últimas décadas e de sua ação reivindicatória, voltada para uma identidade negra centrada em uma matriz africana comum aos descendentes de escravos, diferentemente do movimento da década de 1930, cujo objetivo era a integração do negro na sociedade nacional, via mestiçagem, a partir da introjeção de sua ideologia nacional (Neves, 2005). Outra influência significativa nesse quadro está relacionada com a visibilidade crescente que as questões raciais começam a ter, no Brasil, a partir dos meios de comunicação de massa, em que se ressalta a emergência de uma imprensa dirigida, especificamente, para a população afro-descendente. Esse é o caso, por exemplo, na imprensa escrita, das revistas Raça Brasil, surgida em 1996, Agito Geral, de 1997, Visual Cabelos Crespos, de 1997, além de outras. Em conseqüência desse novo cenário, há maior abertura dos programas dos partidos políticos e do próprio governo, em diferentes esferas, para políticas de ações afirmativas que têm sido implementadas em muitas partes do país, até mesmo com a participação de militantes nos órgãos governamentais – o que, segundo Neves (2005), parece indicar novas tendências internas ao movimento negro que apontam posições mais pragmáticas e menos centradas numa política de identidade.

No rastro desses acontecimentos, a denúncia dirigida à natureza encoberta do "nosso " racismo tem exposto e minado os mecanismos de defesa brasileiros, fragilizando a proteção de suas estruturas intermediárias, porque os conteúdos racistas zelosamente escondidos e negados estão sendo confrontados pela consciência no seu próprio reduto.

Caracterizando a nova sociedade humorística, Lypovetskyi (2005) defende uma atitude socialmente nova que consiste em condenar o riso à custa dos outros:

O outro deixa de ser o alvo privilegiado dos sarcasmos, a gente ri muito menos dos vícios e defeitos alheios, [...] a crítica escarnecedora dirigida aos outros se atenua e perde o efeito hilariante, de acordo com uma personalidade psi em busca de um calor convivial e de comunicação interpessoal (p. 119).

Há certa suavização na expressão do cômico: é exercido um controle sobre sua agressividade, a qual não pode ultrapassar determinados limites, sob pena de não mais provocar o riso. Para se adaptar aos novos tempos, a piada precisa mudar de foco e de estilo. Não estamos prevendo uma sumária eliminação do riso racista, cujo fundamento é a própria agressividade; consideramos a possibilidade do recrudescimento de seu conteúdo mordaz como manobra de defesa do disciplinamento. Pertinente seria uma pesquisa futura que abordasse a mudança na tônica dos conteúdos racistas da piada ao longo do tempo. O que não podemos deixar de considerar sobre o riso racista, contudo, é que sua vitalidade só é sustentada mediante uma comunicação que, em certa medida, precisa cada vez mais de um aval público. Estamos discorrendo sobre uma esfera pública fundada em princípios liberais, que prevê uma nova concepção de participação política e de relação entre Estado e sociedade. Nesta, a prestação de contas e a argumentação racional para tratar questões de interesse comum são os elementos fundamentais.

A despeito das críticas ao pensamento de Habermas (1984), referência central nesta discussão, a uma possível idealização da esfera pública liberal e à desqualificação de outras esferas públicas concorrentes, de caráter não-burguês, lembramos, com Jovchelovitch (2000), a importância da esfera pública para a normatividade da vida democrática. Além disso, "[...] a esfera pública hodierna é discutida tanto enquanto um conceito que pode guiar o projeto de uma democracia radical, como enquanto fenômeno histórico, aberto à avaliação e à crítica " (p. 59).

Conclusão

Como canal de expressão, cada vez mais raro, do racismo "ostensivo " no Brasil, o riso racista tem, até o momento, desempenhado sua função intermediária de mediar a relação fronteiriça entre uma realidade em que vigoram leis severas contra o preconceito racial manifesto, o reinado do que é politicamente correto e a realidade dos conteúdos racistas recalcados. Favorecer esse encontro difuso entre duas ordens de realidade permite assegurar seu contraste e sua separação, de forma que resguarda certo equilíbrio no funcionamento psíquico individual e intersubjetivo e na regulação interna da sociedade.

Essa produção inconsciente e social resultou, provavelmente, do processo de adaptação e de resistência ao novo modelo de relações raciais que passou a vigorar, no Brasil, a partir da abolição. Cindido entre duas formas distintas e conflitantes de significar a nova condição social dos negros, o brasileiro optou por um caminho intermediário que parecia não infringir as regras legais recém-instituídas. Não obstante, trata-se de uma produção local de resolução duvidosa, que se enraizou na nossa cultura com determinação. Tal insucesso encontra razões baseadas em interesses antagônicos.

Em uma primeira perspectiva, consideramos que a função catártica que o riso desempenha, embora produza uma satisfação simbólica, é insuficiente para resolver definitivamente o conflito, uma vez que seu conteúdo reprimido permanece latente, pressionando os indivíduos para uma expressão que se traduz numa ação recorrente. A própria necessidade de repetição aponta a não-resolução do conflito que, por ocorrer numa esfera intersubjetiva, acaba por instaurar uma forma peculiar de sociabilidade em torno de um preconceito racial que, para muitos brasileiros, é inconsciente. Em contrapartida, a possibilidade de deslocar a discussão sobre as relações raciais para um espaço destituído socialmente de seriedade reforça o preconceito e impede o seu enfrentamento.

Além disso, a penetração de valores do universalismo democrático associado a um pluralismo cultural no espaço público brasileiro (D'Adesky, 2001) vem mobilizando crescentemente a sociedade a um controle social mais efetivo de suas instituições sociais. Nessa vigília pública, nenhuma prática – ou discurso – é preservada, nem mesmo o riso racista, outrora expressão da transgressão institucionalizada, se torna, agora, alvo apertado de olhares atentos, perdendo parte de seu vigor e de sua mordacidade.

O que esse processo dinâmico da realidade social reafirma é um estreito entrelaçamento entre cultura e inconsciente, apontando um movimento contínuo de construção e desconstrução de defesas psíquicas e interpsíquicas para fazer frente às exigências permanentes do trabalho da cultura. Por essa razão, a despeito de tudo, nem a força, nem a teimosia do racismo são, em absoluto, desconhecidas, mas desafiam nossa criatividade nas novas e engenhosas estratégias de ação que atestam, lamentavelmente, que, mesmo sendo ele expulso pela porta, retorna, sob novos disfarces, pela janela.

Notas

1 De acordo com o Vocabulário da Psicanálise, de Laplanche e Pontalis, recalque ou recalcamento refere-se à operação pela qual o sujeito procura repelir ou manter no inconsciente representações (pensamentos, imagens, recordações) ligadas a uma pulsão (2001, p. 430).

2 Desde 1989, vigora no Brasil a Lei nº 7.716, que regulamenta a criminalização do racismo, considerando-o crime inafiançável.

3 Caracteriza-se, para Freud, como um evento psíquico que consiste, grosso modo, na expressão compulsiva de uma ação que substitui algo esquecido ou recalcado. O ato é recorrente e a representação a que está vinculado, inconsciente.

Referências

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Publicado em: Soc. estado. vol.23 no.3 Brasília Sept./Dec. 2008


domingo, 26 de julho de 2009

José Saramago fala sobre Twitter, Lula e seu novo livro

As frases longas e bem elaboradas a que os leitores de José Saramago estão acostumados continuam lá, mas o ambiente é outro, justamente um que costuma pedir frases curtas, sem a necessidade de muita elaboração. Desde setembro de 2007, o escritor português, prêmio Nobel de Literatura em 1998, mantém um blog (caderno.josesaramago.org), onde comenta temas relacionados a política, literatura, religião e sociedade ou simplesmente escreve relatos sobre suas viagens, muitas ao Brasil.

Os textos estão saindo da internet e ganhando o papel, numa coletânea de sete meses de posts lançada esta semana pela Companhia das Letras sob o título de “O caderno”. Em entrevista ao GLOBO (por e-mail, como é mais apropriado ao tema), Saramago explicou o que pensa sobre a rede, revelou que um dia deve se cansar do blog e exaltou a literatura de Chico Buarque.

O GLOBO: Seu livro “O caderno” é uma coletânea de textos de seu blog. Escritores mais velhos, porém, costumam manifestar certo descaso com a internet e os blogs. Como o senhor lida com a internet? O senhor lê outros blogs? Enxerga a internet como uma possibilidade de literatura ou apenas como fonte de informação?

JOSÉ SARAMAGO: Escrever num blog não difere em nada de escrever numa folha de papel. Salvo a extensão do texto em que, no caso do blog, se aconselha uma certa brevidade, os escritores não estão condicionados por normas ou regras que, supostamente, caracterizariam o blog. Não sou frequentador assíduo da internet. Consulto o Google com frequência, nada mais. Quanto a ler outros blogs, faço-a às vezes, mas não mantenho diálogo com eles. Para mim, a internet é uma fonte de informação rápida e em geral eficaz, porém não confundamos: a literatura ou é ou não é, não há meios termos. Muitas transformações teriam de dar-se (e eu não vejo como nem quais) para que a internet tomasse lugar no fazer literário.

O senhor acha que a experiência em escrever para um blog, onde teoricamente os textos são mais curtos e diretos, teve alguma influência na sua escrita?

SARAMAGO: Nenhuma. Continuo a utilizar frases longas, das que dão espaço e tempo para observações e análises quer considero necessárias. A tão louvada clareza das sínteses é, não raro, enganosa.

E como surgem os temas para o blog? A variedade é a regra? Qualquer pensamento que o senhor tenha pode motivar um post?

SARAMAGO: Não qualquer, evidentemente. Os temas surgem com naturalidade, embora uma vez ou outra haja que esforçar-se um pouco. A minha maior preocupação é não cair na monotonia nem na previsibilidade.

O senhor acompanha o fenômeno do Twitter? Acredita que a concisão de se expressar em 140 caracteres tem algum valor? Já pensou em abrir uma conta no site?

SARAMAGO: Nem sequer é para mim uma tentação de neófito. Os tais 140 caracteres reflectem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido.

No livro, no texto do dia 25 de novembro de 2008, o senhor revelou que jornalistas brasileiros, numa coletiva de imprensa, ficaram interessados em fazer perguntas sobre seu blog. Nele, o senhor escreve, sobre a internet: "Será que aqui, a bem dizer, nos assemelhamos todos? É isto o mais parecido com o poder dos cidadãos?". O senhor diz, ainda: "Não tenho respostas, apenas constato perguntas". Um ano depois, a resposta apareceu? O senhor considera a internet um espaço democrático e verdadeiramente livre?

SARAMAGO: Nada há que seja verdadeiramente livre nem suficientemente democrático. Não tenhamos ilusões, a internet não veio para salvar o mundo.

Já em 22 de outubro de 2008, o senhor escreveu sobre o romance “Budapeste”, de Chico Buarque: “Não creio enganar-me dizendo que algo novo aconteceu no Brasil com este livro”. Por que a literatura de Chico seria tão renovadora? O que o senhor pensa sobre o resto de sua obra E o senhor já leu o novo romance de Chico, "Leite derramado"?

SARAMAGO: Achei “Leite derramado” à altura do melhor que Chico Buarque tem escrito, embora, de todos os seus livros, continue a preferir “Budapeste”. A meu ver, a grande renovação operada por Chico Buarque deu-se ao nível da linguagem: o vernáculo toma o seu lugar ao lado do coloquial.

Em vários textos do livro, o senhor é crítico a figuras políticas: George Bush em 18 de setembro de 2008; Berlusconi em 19 de setembro de 2008 e em 13 de março de 2009; José Maria Aznar em 22 de setembro de 2008; o papa Bento XVI em 9 de outubro de 2008; Sarkozy em 6 de janeiro de 2009; e a própria "esquerda" é alvo de críticas em 1 de outubro de 2008. Mas há também textos esperançosos, sobretudo em relação à eleição de Barack Obama. Só que eu não me recordo de ter lido nada específico sobre o governo do Brasil. O que o senhor acha do presidente Lula?

SARAMAGO: Acho que o presidente Lula tem feito um excelente trabalho neste segundo mandato se aceitarmos como inevitáveis certas “infidelidades” ao seu programa inicial.

No dia 16 de novembro de 2008, o senhor escreveu, ao completar 86 anos: "Dizem-me que as entrevistas valeram a pena. Eu, como de costume, duvido, talvez porque já esteja cansado de me ouvir. O que para outros ainda lhes poderá parecer novidade, tonou-se para mim, com o decorrer do tempo, em caldo requentado". O senhor acha impossível ser surpreendido por alguma entrevista hoje? O jornalismo contemporâneo teria se tornado esse mar de obviedades? Existiria alguma pergunta que o senhor espere (e gostaria que) fosse feita, mas que nunca foi feita?

SARAMAGO: Creio que me fizeram todas as perguntas possíveis. Eu próprio, se fosse jornalista, não saberia o que perguntar-me. O mal está nas inúmeras entrevistas que tenho dado. Em todo o caso, tenho o cuidado de responder seriamente ao que se me pergunta, o que me dá o direito de protestar contra a frivolidade de certos jornalistas a quem só interessa o escândalo ou a polêmica gratuita.

Mesmo após a publicação do livro, o senhor segue atualizando seu blog. O senhor tomou gosto pela coisa? Pretende seguir ocupando esse espaço indefinidamente? Podemos esperar um “O caderno II” para breve?

SARAMAGO: Haverá um “O caderno II” ainda este ano, mas não me vejo a escrever blogs indefinidamente. Tem sido uma boa experiência, chego a mais leitores com mais rapidez, mas tudo acaba por cansar.

Ainda nos textos recentes do blog, no dia 13 de julho o senhor escreveu um post muito afetuoso sobre sua alegria em ser escolhido acadêmico correspondente da Academia Brasileira de Letras. Por que o Brasil é tão importante para o senhor? Qual sua memória mais antiga do país?

SARAMAGO: O Brasil é importante para qualquer português. Gostaria de nos ver mais unidos a trabalhar em assuntos de interesse comum, mas as políticas nacionais nem sempre se inspiram nas melhores razões. É uma pena que assim seja. As minhas memórias mais antigas são as da literatura, os nomes e as obras de Machado de Assis, Manuel Bandeira, Jorge Amado, João Cabral de Mello Neto, Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos — tantos e tão grandes escritores, estes e outros, que fizeram da literatura brasileira um tesouro inesgotável.

Um documentário sobre sua relação com sua mulher, Pilar del Río, está sendo realizado, não? Em que fase está a produção? O senhor sempre me pareceu uma pessoa reservada em relação a sua intimidade, então por que aceitar que filmassem parte de sua rotina conjugal? Como foi abrir sua intimidade para uma equipe de filmagem? A proximidade com a câmera incomodou, provocou constrangimentos?

SARAMAGO: O documentário está na última fase da produção, é mesmo possível que o filme possa ser visto ainda este ano. Quanto ao resto, continuo a ser uma pessoa reservada. É certo que a abordagem escolhida aflora o delicado território dos sentimentos, mas sempre com discrição, a mesma que carateriza a nossa forma de viver. Quanto a isso da “rotina conjugal”, confesso que não sei exactamente de que se trata...

Fonte: O Globo-

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Museu Exploratório de Ciências organiza Olimpíada Nacional de História do Brasil

Atualização 21/08/2009:
A pedidos da organização, o link correto da notícia destacada a seguir é este

Houve também mudanças de datas:

01 de agosto a 15 de setembro – inscrições e pagamento dos boletos

21 de setembro a 26 de setembro – primeira fase

28 de setembro a 03 de outubro – segunda fase

05 de outubro a 10 de outubro – terceira fase

12 de outubro a 17 de outubro – quarta fase

19 de outubro a 24 de outubro – quinta fase

15 de novembro – Divulgação do nome das equipes selecionadas para a fase final presencial. Divulgação do nome das cinco equipes de escola pública cuja vinda para a fase final será financiada pelos organizadores.

20 de novembro – prazo final para a confirmação online de interesse de todas as equipes convocadas em participarem da grande final presencial.
No caso da não-confirmação de interesse, as equipes seguintes na pontuação serão convocadas.

03 de dezembro – recepção das equipes participantes

04 e 05 de dezembro – fase final presencial e cerimônia de premiação (Museu Exploratório de Ciências – Unicamp)

[20/7/2009] O Museu Exploratório de Ciências (MC) da Unicamp recebe, a partir 1 de agosto, inscrições para a 1ª Olimpíada Nacional em História do Brasil (ONHB). Será a primeira no país na área das ciências humanas. Composta por cinco fases on line e uma presencial, a competição envolverá professores e alunos na resolução dos problemas propostos. O formulário de inscrição e o boleto para pagamento estão disponíveis no sítio do MC até 1 de setembro. A taxa de inscrição é de 15 reais para as equipes de escolas públicas e 35 reais para as equipes das escolas particulares. O valor da inscrição corresponde à inscrição de toda a equipe.

Poderão participar estudantes que estejam regularmente matriculados, no oitavo e nono anos (antigas sétima e oitava séries) do ensino fundamental, e demais séries do ensino médio, de escolas públicas e privadas de todo o Brasil. Para orientar a equipe, composta de até três estudantes, será obrigatória a participação de um professor de história. Os estudantes podem constituir equipes com colegas da mesma série ou de séries distintas, de acordo com o seu critério. O mesmo professor poderá orientar mais de um grupo. No entanto, um aluno poderá participar de apenas uma equipe.

Assim que for efetuada a inscrição, os participantes receberão login e senha para participar das cinco fases on line. Em cada fase, alunos e professores precisarão responder às questões de múltipla escolha e realizar tarefas determinadas. As fases on line, com duração de seis dias cada, poderão ser impressas para facilitar o trabalho dos jovens historiadores. “É preciso tempo. Não é uma ou duas horas. As equipes precisarão de tempo para refletir”, argumenta a Historiadora Iara Lis Franco Schiavinatto, docente do curso de Pós-graduação em História e Artes da Unicamp. “O conhecimento na área de humanas tem que ter um pouco de contemplação”, complementa a historiadora e diretora associada do MC, Cristina Meneguello.

A página da ONHB oferecerá documentos, textos e sugestões de leitura para auxiliar na resolução das questões. Mas não pense que será fácil! “A gente privilegiou a leitura de documentos. Ao invés do texto pronto, a equipe fará de certa forma o que os historiadores fizeram para chegar a um determinado estudo. A intenção é que os estudantes percebam que sobre um mesmo tema podemos realizar abordagens diferentes”, explica Cristina. A seleção das equipes classificadas para a fase seguinte será dada de acordo com a pontuação conseguida até aquele momento. A soma de cada fase é cumulativa para a classificação final.

As fases 1 e 2 serão constituídas de 10 questões de múltipla escolha, mais uma tarefa. Nas fases 3 e 4 haverá 20 questões de múltipla escolha, mais uma tarefa. A fase 5 terá apenas uma tarefa. A fase 6, presencial, acontece na Unicamp, nos dias 14 e 15 de novembro, envolvendo questões e vários desafios, que serão elaborados no decorrer da competição. Para participar da final, o MC custeará a vinda de uma equipe de escola pública, de cada região do país (Norte, Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste), que tiver alcançado a maior pontuação até a quinta fase da competição. Na primeira fase, 90% das equipes participantes são aprovadas. Nas segunda, terceira e quarta, 70%. Na quinta fase a Organização espera selecionar, no máximo, 300 equipes.

Lidar com heterogêneos é uma das principais metas dos Organizadores da 1ª Olimpíada em História do Brasil. Buscando integrar as cinco regiões do Brasil, a Olimpíada trabalhará com sete grandes eixos temáticos: cidadania, trabalho, colonização, sociedade, urbanização, territorialidade e industrialização. Com esses temas, toda a história do país pode ser contemplada, considerando-se, contudo, abordagens diferenciadas, de acordo com cada região brasileira. O filósofo e historiador José Alves de Freitas Neto, coordenador do Curso de Graduação em História da Unicamp, explica, no entanto, que não se trata, apenas, do entendimento diferenciado de um mesmo fato histórico em cada estado. “Estamos falando da atenção que todas as regiões dedicam a sua própria história, dentro de um processo mais amplo”, explicou.

A ONHB premiará escolas, alunos e professores considerando, exclusivamente, o resultado das provas da fase 6. Os alunos ganharão medalhas de ouro, prata e bronze. Os professores receberão placa de homenagem e certificado e a escola receberá doação para o acervo da biblioteca e a assinatura da Revista História da Biblioteca Nacional por um ano. As equipes eliminadas nas fases on line receberão certificados de participação. Mas não é só isso. A Olimpíada é uma forma de aprendizado tanto para os alunos, quanto para os professores. “Ela também é um recurso didático”, lembra a Historiadora da Unicamp, Eliane Moura Silva, responsável pela elaboração de conteúdos educacionais didáticos para o Estado de São Paulo. A competição possibilita, de acordo com o historiador José Alves, que o professor utilize o conteúdo da Olimpíada em turnos e séries diferenciadas. “Compõe um eixo curricular importante na formação dos estudantes”, acrescenta Alves.

A 1ª Olimpíada Nacional em História do Brasil é uma iniciativa do Museu Exploratório de Ciências da Unicamp. O evento é patrocinado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e conta com o apoio da Revista de História da Biblioteca Nacional.

CALENDÁRIO
Inscrições - 1/8 a 1/9
Fase 1 - 7 a 12/9
Fase 2 - 14 a 19/9
Fase 3 - 21 a 26/9
Fase 4 - 28/9 a 3/10
Fase 5 - 5 a 10/10
Divulgação/Fase Final - 15/10
Confirmação/Fase Final - 20/10
Recepção - 13/10
Fase 6 - 14 a 15/11

A herença da educação tucana a São Paulo

Vejam senhores o editorial que fora publicado na Folha de São Paulo, em se tratando da Folha até gera estranheza que faça uma crítica ao viés político do novo secretário de educação ao invés de indicar meios de resolver ou minimizar os problemas da educação paulista. Mas não há de se reclamar quando alguém tem sensatez.

Além disso o editorial ainda faz a crítica que a Apeoesp e diversos movimentos sociais fazem a anos, mesmo tendo governos de continuidade a 14 anos a qualidade do ensino não melhorou e em alguns piorou, ou seja, não se pode reclamar de herança maldita, mas os únicos responsáveis por essa situação é o próprio governo do PSDB.

(Joildo Santos em seu blog)

O EX-MINISTRO da Educação e deputado federal Paulo Renato Souza (PSDB-SP) retorna ao cargo de secretário que já ocupara na administração Franco Montoro. Sua experiência e biografia indicam que o governador José Serra buscou nome de peso para cobrir um flanco desguarnecido da gestão tucana.

Após 14 anos no governo do Estado de São Paulo, o PSDB não tem do que se orgulhar com sua rede de ensino, cujos indicadores revelam desempenho medíocre, quando não declinante.

Em seus primeiros pronunciamentos, o secretário enfatizou uma missão política e não se mostrou tão preocupado em abordar as deficiências e vícios que afetam 5.000 escolas estaduais. São 5 milhões de estudantes e 230 mil professores, dos quais 100 mil contratados como temporários.

Era essa a tarefa a que se dedicava a ocupante anterior do posto, Maria Helena Guimarães de Castro, quando foi substituída em circunstâncias pouco esclarecidas, depois de ter permanecido apenas 20 meses na Secretaria de Educação.

Paulo Renato, em entrevista à Folha, não foi explícito quanto ao que planeja fazer. Limitou-se à intenção genérica de dar mais ênfase à alfabetização e à diversificação do ensino médio. Questionado diretamente sobre o mau desempenho dos alunos da rede pública paulista, apontou a existência de bons instrumentos de avaliação e culpou a má formação de professores, “um problema nacional”.

Se for essa sua linha de defesa, precisa melhorá-la. Ninguém lhe recusa o mérito, quando ministro, de ter criado abrangente sistema de avaliação, bem como de ter sanado, com o Fundef, o problema da inconstância de verbas no ensino fundamental. Nos oito anos de Esplanada, no entanto, não atacou de modo decisivo a questão da qualidade do ensino.

Na educação básica paulista, embora tenha se completado a universalização do acesso, do ponto de vista qualitativo resta quase tudo por fazer.

FSP 17/04

Quando apenas o preconceito fala

Da Folha/Danuza Leão

A fome


Está mais do que na hora de lei limitar a dois o número de filhos, e quem ultrapassar não ter mais Bolsa Família

SEGUNDO A ONU, vai a 1 bilhão o número de pessoas que passam fome no mundo; pois nem assim o governo Lula ataca com seriedade (nem sem) o problema do controle da natalidade. Sem esse controle, mais e mais gente nasce, e em alguns anos o bilhão vai se transformar em 2, 3, 4 bilhões. Quanto mais pobre é o país, quanto mais pobre a região do país, mais ignorante é a população, que, sem uma orientação para valer, vai continuar fazendo a única coisa que sabe: procriar.

Comentário do Luis Nassif

Isso que dá quando o parajornalismo de variedade se mete a opinar sobre tudo. A taxa de natalidade do país está em queda livre faz anos, justamente por conta das melhoriais sociais e dos programas de planejamento familiar oferecidos a famílias que podem escolher. Um dos grandes trunfos do país para as próximas décadas é a questão demográfica, justamente devido à redução do tamanho das filhas pobres.

E a Danuza, defensora dos modelos liberais, propõe um controle chinês sobre as famílias pobres.

Bom, como dizia Janet de Almeida, “prá que discutir com madame”:

Madame diz que a raça não melhora / que a vida piora / por causa do samba /. Madame diz que o samba é pecado / o samba, coitado / precisa acabar.



João Gilberto - Pra que discutir com Madame (ao vivo em Buenos Aires)

Mais absurdos dito pela madame? clique aqui e aqui


Serra aprendeu geografia com a turma da Abril?

Por Rodrigo Vianna do site Escrevinhador

Quem notou o erro grotesco foi o blogueiro Nivaldo Ribeiro-Blogisso-. Numa matéria sobre a cantora Stefhany, o site da "Veja" publicou o mapa que reproduzo abaixo, para mostrar onde nasceu a garota.

O Ceará sumiu, tragado pelo Maranhão. O Pará avançou sobre território maranhense. Depois, a "Veja" tirou o mapa do ar. Mas o Nivaldo foi mais rápido: fez uma cópia da lambança e espalhou pela internet.

Na elite branca paulista, muita gente não gosta do Norte/Nordeste. A não ser que seja pra passar férias em "resort" à beira mar.

É uma turma que pensa assim: "o problema do Brasil são os nordestinos, analfabetos, que insistem em votar no Lula". É uma turma que se informa pela "Veja". Por isso, não me surpreende que o site da "Veja" não conheça muito bem a geografia do Nordeste. O público da "Veja" não liga muito pra isso. Eles querem é saber onde estão as melhores promoções da rua Oscar Freire.

Maranhão? Ceará? Ah, pra eles isso não tem a menor importância. É tudo a mesma coisa...

Print screen de um trecho da página onde o mapa foi publicado

E o Serra ainda manda comprar revista da editora Abril para distribuir para os alunos da rede estadual paulista. Faz sentido, afinal a turma do Serra também não é muito boa de geografia. Não sabem nem onde fica o Paraguai - clique aqui.

Lembram do mapa, que saiu numa apostila enviada aos alunos da rede pública em São Paulo?

Voces acham que o Serra aprendeu geografia com a turma da Abril?

quarta-feira, 15 de julho de 2009

O encontro de Maria Rita Kehl com o MST

por Patrícia Rocha, no jornal Zero Hora

Reproduzido do Site Viomundo

Há três anos, um integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) perguntou à psicanalista Maria Rita Kehl como a psicanálise poderia ajudar a militância. Não era a primeira vez que Maria Rita estava palestrando para uma turma de alunos da Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), centro de formação e ensino idealizado pelo MST. Ela respondeu que a psicanálise não é uma prática militante, mas que muitos militantes precisariam fazer análise por razões particulares. E explicou:

– A neurose interfere na relação dos sujeitos com o laço social, o que vale para a militância.

Ao contar o episódio, Maria Rita, nome de referência da psicanálise no Brasil, diz que eles entenderam imediatamente o que estava implícito naquelas palavras. E, na saída, dois administradores da escola perguntaram:

– Quando você pode começar?

Na semana seguinte, Maria Rita deu início à experiência que já dura três anos e meio.

Doutora em Psicanálise, a campineira Maria Rita trilhou uma trajetória singular. Cursou Psicologia na USP em tempos de ditadura, trabalhou sete anos como jornalista, fez mestrado sobre televisão, teve um filho quando morava em uma comunidade e só em 1981 começou a atuar como psicanalista – e logo mais poeta e ensaísta. Suas palestras e seus livros transitam por diferentes temas – TV, juvenilização, ressentimento, feminino, ética na psicanálise... – o lançamento mais recente, O Tempo e o Cão – Atualidade das Depressões, teve início a partir de um pequeno incidente a caminho da ENFF, quando, premida pelo tráfego na Via Dutra, Maria Rita viu um cão atravessar a pista mas não pôde evitar bater no animal (que sobreviveu) – travestido de metáfora, o episódio a fez refletir sobre a aceleração da vida e seus efeitos subjetivos.

Neste longo percurso, analisar integrantes do MST e transitar no seio do movimento surge como a oportunidade de descobrir um universo fundado no coletivo e, como ela conta na entrevista a seguir, um privilégio.

Zero Hora -- Gostaria que a senhora contasse como se aproximou do MST e tornou-se psicanalista de membros do movimento, detalhando como esses atendimentos funcionam hoje. Quantos pacientes do MST tem no momento e com quem frequencia os atende? Com base na premissa de que o pagamento, por menor que seja, é importante como forma de registrar o investimento do paciente nas sessões de psicanálise, a senhora cobra a sessão, um preço simbólico que seja?

Maria Rita Khel -- O MST tem uma escola nacional de formação de lideranças, a Escola Nacional Florestan Fernandes, a 60 km de SPaulo. Em 2005 e 2006 fui algumas vezes lá, dar aulas sobre temas de interesse deles em um curso sobre a compreensão da realidade brasileira organizado pelo professor Paulo Arantes. Nas duas vezes, alguns alunos mostraram curiosidade sobre a psicanálise. Da segunda vez, ao me perguntarem "como a psicanálise pode ajudar a militância?" eu respondi que a psicanálise não é uma prática militante, mas muitos militantes precisariam fazer análise por motivos particulares; expliquei tb que a neurose interfere sempre na relação dos sujeitos com o laço social, o que vale para a militância também. Eles me entenderam imediatamente. Quando saí da sala, dois administradores da escola me perguntaram: "quando você pode começar?" .

Na semana seguinte estava lá, não para fazer conferência mas para atender pacientes. Me arrumaram um dos quartos do alojamento e os pacientes começaram a chegar - alguns dos trabalhadores fixos da escola, outros de outros Estados, que estavam lá de passagem fazendo cursos. Desde aquela época, ou seja, há 3 anos e meio, vou quinzenalmente à ENFF e atendo quem estiver lá. Há pacientes fixos, outros que estão de passagem e vêm falar, duas ou três vezes, o que já é suficiente para acionar neles um início de intimidade com o inconsciente que eles aproveitam muito.

Não cobro nada pelas sessões feitas na Escola, mas se algum deles vem a SP, fazer uma sessão extra em meu consultório, cobro 15 reais. Até hoje isso não foi motivo para eles não se responsabilizarem pela análise. Eles sabem que meu trabalho lá não é por caridade nem por amor pessoal a cada um deles - é a "minha militância". Este é o valor que eles me dão em troca do trabalho. Mas levam suas análises muito a sério, como aliás levam a sério quase todas as escolhas que fizeram.

Zero Hora -- Para alguém que chega de fora e depara com o movimento em ação, nas atividades e eventos coletivos de que a senhora participou, e individualmente, nas pessoas que analisa, o que mais lhe chamou atenção neste universo? É possível comparar questões, dores e valores que predominam entre os pacientes de seu consultório particular, em São Paulo, e os pacientes que atende na Escola Florestan Fernandes?

Maria Rita Khel -- As formações do inconsciente não variam muito; lá existem neuróticos como em toda parte. Recebi alguns alcoólatras também, pois este é um dos sintomas mais frequentes, sobretudo entre homens, na sociedade brasileira - e nas classes pobres, mais ainda. O que é muito diverso da minha clínica em SP são as histórias de vida, evidentemente. 100% dos analisandos do MST têm origem pobre, a maioria do meio rural; alguns, os mais jovens sobretudo, já vieram das periferias das cidades, onde além da pobreza conheceram muita violência. São histórias de vida que implicam em maior sofrimento real, mas os sintomas que se formam a partir da experiência traumática não variam muito. Trata-se, sempre, de tentar escutar as pistas que indiquem o que está recalcado e fazer com que a pessoa também se escute e questione o que diz, de modo a encontrar pistas que a orientem na via de seu desejo.

O que mais diverge da minha experiência com a clínica em São Paulo é que no MST não percebo, entre as queixas e indagações dos sujeitos, a prevalência do imaginário romântico-sentimental (inclusive no que diz respeito à demanda de amor, na transferência). Não é no amor que eles buscam indicadores de seu valor para o Outro - é na "luta". As histórias de sofrimento familiar, ou conjugal, raramente se centram nas demandas de amor não correspondidas, endereçadas ao pai, mãe, esposa/esposo. Não escuto essa queixa de que o pai, ou a mãe, gostava mais do irmão/da irmã/ se me ama/ se não me ama, etc. Não que a questão do valor do sujeito para o Outro não exista, mas curiosamente, ela não passa tanto pelas relações amorosas e familiares, nem pela demanda de amor ao analista.

Zero Hora -- Os movimentos sociais se fundam na noção do coletivo. Esta questão transparece de alguma forma quando um membro do MST está no divã?

Maria Rita Khel -- Aparece sim, nas queixas frequentes de que o trabalho grupal, muito exigente, deixa pouca margem para os chamados "cuidados de si" - lazer, namoro, leituras, passeios, descanso. Mas não é difícil fazer com que eles percebam que o excesso de dedicação à "causa" coletiva pode ser um meio de escapar das questões singulares de cada um. Claro que estou generalizando, alguns permanecem muito mais aferrados a cumprir "o que o Outro quer de mim" do que outros, etc. Ao longo de algumas análises, emergem muitos conflitos com as normas coletivas da Escola - o sujeito, ao entrar em sintonia com o desejo, torna-se rebelde. Mas essa rebeldia raramente é da ordem do individualismo, mais frequente nas classes média e alta urbanas. Eles se rebelam contra a rigidez das normas coletivas, mas não perdem de vista o fato de que estão no movimento por escolha política e têm uma responsabilidade para com ele.

Zero Hora -- A senhora sempre demonstrou uma posição de esquerda, uma postura crítica acerca da sociedade de consumo e seus valores. Como isso se reflete na realização deste projeto junto ao MST e até mesmo em sua atividade como psicanalista?

Maria Rita Kehl -- Posso te dizer que sempre que saio de lá, penso que sou uma privilegiada por ter encontrado o MST e ter sido acolhida por eles como pessoa de confiança. Também me acho uma pessoa de sorte por ter sido convidada a exercer a psicanálise, sem nenhuma concessão, em meio a este que é hoje o maior movimento social do mundo, com 600 mil militantes e 2 milhões de pessoas afiliadas a ele (incluindo famílias já assentadas, que às vezes não militam mais, mas reconhecem sua filiação ao MST). Não é preciso fazer concessões para exercer a psicanálise entre eles porque, apesar da origem católica e rural, o movimento é legitimamente progressista - assim como a psicanálise, aliás.

Zero Hora -- Ao passar a frequentar um universo diferente do seu, marcado por bandeiras de luta e o sentido coletivo, em algum momento a senhora temeu a possibilidade de idealizar o movimento ou seus membros? Ou já se sentiu cobrada por membros do MST a agir de forma militante?

Nunca fui cobrada a agir como eles, seja isso o que for; mesmo porque, entre eles as diferenças de modos de agir também são muito grandes. Sinto-me respeitada, inclusive em meu estilo mais aburguesado de ser: vou de carro, volto para SP depois dos atendimentos porque quero aproveitar o sábado, raramente fico lá para dormir, etc. Agora, não há dúvidas de que, para mim, é fácil idealizar o movimento. Não tanto pelo modo como eles conduzem suas lutas - tenho sérias divergências sobre algumas estratégias e falo sobre elas com pessoas que não são meus pacientes, quando os encontro no almoço, ou nos debates de que ainda participo. O que eu sinto que idealizo, no MST, é a formação humana que eles conseguem obter. ]

A maior parte dos militantes veio de meios sociais violentos, com pouca escolarização, pouca noção de dignidade e respeito, tanto do sujeito quantona relação com o outro. No movimento, o valor da leitura, do conhecimento, da lealdade e da solidariedade, são imensos. Mesmo na clínica, onde os problemas mais profundos vêm à tona, não deixo de sentir admiração pela maioria de meus pacientes da ENFF. Para você ter uma idéia, sabe qual é a maior demanda de "ascensão social" entre eles? Não é ganhar mais ou subir para uma posição de poder: é ser incluído entre os que podem estudar mais, entre os que têm direito a frequentar os cursos, etc. Eles são seríssimos quanto a este aspecto; e quanto à solidariedade também, apesar de todos os defeitos humanos, que são os mesmos que os de todos nós.

Mas isto não significa que eu não tenha admiração pelas pessoas que atendo em minha clínica particular, em São Paulo Tenho sim, por quase todos eles, pela coragem em enfrentar seus fantasmas, em buscar sua via. Talvez a diferença não se coloque em relação ao valor de cada sujeito, um por um, mas em relação ao "caldo de cultura" em que se vive, lá e cá.

Zero Hora -- Houve um momento de maior condescendência -- mesmo idealização -- dos movimentos sociais no Brasil. Na sua opinião, que imagem esses movimentos têm hoje no país?

Maria Rita Kehl -- Não sei responder.

Zero Hora -- E como a psicanálise compreende os movimentos sociais?

Não sei grande coisa as respeito. Só aponto que existe, entre alguns psicanalistas, um preconceito de que a participação num movimento social seria uma forma de alienação. Como se a adesão quase religiosa à psicanálise e às instituições psicanalíticas não fosse!

Zero Hora -- As questões do feminino e do feminismo figuram entre os temas sobre os quais a senhora já escreveu. Como avalia a posição das mulheres e as relações entre os sexos dentro do MST?

Maria Rita Khel -- É uma posição muito interessante, a das mulheres. Até agora não encontrei, entre as mulheres que atendo no MST, nenhuma que não seja autenticamente feminista, no sentido mais profundo do termo. Ou seja: são mulheres bastante livres em suas escolhas sexuais e amorosas - até mesmo as que vieram de movimentos da Igreja, mas que na análise, lutam para superar os entraves da moral católica. Ao mesmo tempo, são tão decididas e dedicadas quanto os homens.

É interessante a posição das mulheres no movimento: muitas delas, por exemplo, têm cargos mais altos do que seus maridos. Provavelmente, nos acampamentos, entre pessoas que vieram de outros lugares e acabam de ingressar no MST, deve haver muito machismo; este é o perfil da sociedade brasileira. Mas não o encontrei entre os "compas", como eles se chamam, que transitam no nível da ENFF. O outro detalhe interessante é que as mulheres que atendo lá, nunca submeteram a vida da militância às conveniências do casamento. Viajam prá lá e prá cá, estudam nos cursos em módulos que o MST oferece em convênios com universidades - 3 meses na faculdade, 3 meses no movimento, durante toda a duração do curso - e os maridos seguram a onda, cuidam das crianças quando elas estão fora, etc. O amor não é o centro da vida delas, o que é muito difícil de encontrar. E também não medem seu valor pelo olhar de um homem; nunca ouvi uma moça que não namora dizer que se sente inferior às outras por isso.

Zero Hora -- A senhora conta em "O tempo e o cão: a atualidade das depressõe", como um incidente a caminho da Escola Florestan Fernandes alavancou reflexões que culminaram neste livro que traz a depressão como sintoma social. Esse seu trânsito dentro de um movimento social e suas questões contribuiu de alguma forma para essa análise?

Maria Rita Kehl -- Talvez sim, no que diz respeito ao modo de viver o tempo. Por mais tarefas que eles tenham lá, a relação com o tempo numa perspectiva não capitalista é diferente da velocidade maluca que rege a vida de quase todos nós. A relação que faço entre aceleração da vivência temporal e depressão, certamente tem um pouco a ver com minha experiência no MST.

Zero Hora -- A escolha de objetos e temas de trabalho sempre revelam algo do pesquisador em questão, pelo menos uma afinidade. Na sua trajetória acadêmica e profissional, a senhora já passou pela televisão, as questões do feminino, a ditadura do corpo e a juvenilização da cultura ocidental, ética, política, depressão -- além deste projeto no MST. O que este percurso revela a seu respeito?

Maria Rita Kehl -- Se eu soubesse, não continuaria buscando. Deixo essa resposta prá depois da minha morte.