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quinta-feira, 30 de outubro de 2008

André Rebouças 170 anos de nascimento

Afrodescendentes

(Fonte: Amai-vos)




O grande crime da água dos irmãos Rebouças e o capitalismo tardio

A André Rebouças 2008, in memoriam:

170 anos de nascimento – Cachoeira-BA – 13 de janeiro de 1838

110 anos de morte - Ilha da Madeira – Portugal – 9 de maio 1898

por Carlos Nobre*

Depois de participarem da Guerra do Paraguai, de criarem empresas e de terem se tornado referências na engenharia brasileira, os irmãos Rebouças (André e Antonio) foram incumbidos pelo poder público, em 1870, de resolver um grave problema: a persistente falta d’água na corte imperial, que sentia ainda os efeitos da seca de 1869.

Dependendo ainda do antigo chafariz público do Largo da Carioca, a população do Rio de Janeiro sentia os efeitos dramáticos da seca. Isto porque a cidade, embora capital imperial, não investira num sistema moderno de captação de água através de novas metodologias da engenharia civil.

Por esse motivo, a insatisfação popular crescia devido ao fato de as famílias não terem água para atenderem suas necessidades higiênicas, culinárias e sanitárias.

O clamor popular pela presença de água abundante tendia aumentar, cada vez mais, a distância entre o imperador D. Pedro II e os cariocas, pois, o poder público, impotente, não sabia como apresentar uma solução técnica para tão grave problema.

Percebendo o drama social que aumentava a cada dia, os Irmãos Rebouças se sensibilizaram com as queixas do povo. Muitos sabiam que, grupos que conheciam determinadas nascentes, manipulavam a venda de água clandestina à cidade. Isto porque, ao contrário dos demais cariocas, esses grupos –- inclusive negros alforriados – tinham pleno conhecimento topográfico da cidade e de seu entorno, principalmente das áreas rurais, onde podiam captar água clandestinamente.

Os irmãos afrodescendentes discutiram tecnicamente, entre si, sobre o problema da falta de água que atormentava a capital imperial. Perceberam, neste sentido, que tinham soluções técnicas inovadoras para resolver a questão que a “engenharia oficial” não detinha. Em vista disso, foram falar com o imperador, no Paço Municipal.

Em seu diário, que hoje faz parte do acervo do Instituto Geográfico e Histórico Brasileiro, André disse ao monarca que ele e o irmão descobriram como resolver o problema em pouco tempo. O imperador, feliz, argumentou para os irmãos que o estado deveria, então, oferecer água farta e gratuita para toda a população.

Os irmãos Rebouças, no entanto, ficaram contra essa proposta. “Combatemos também a falsa idéia, que tem o imperador, de dar água aos pobres gratuitamente nas fontes e lhe demonstramos que é muito mais liberal e higiênico dar aos pobres água em domicilio por um preço mínimo (1)”, escrevia Rebouças em seu diário.

Uma comissão de engenheiros sob a liderança dos Rebouças foi formada para estudar a viabilidade técnica do projeto. Presidida por Antonio, esta comissão, chegou a conclusões importantes. Em primeiro lugar, Antonio destacou a importância das águas do Jardim Botânico e da Tijuca. Eram mananciais importantes. Mas como torná-los acessíveis à população? Antonio, então, conseguiu encontrar o caminho técnico para trazer estes mananciais para as casas dos cariocas.

Quando as obras iam a pleno vapor, o então Ministro da Agricultura chamou André às pressas para uma reunião na Câmara dos Vereadores. O dirigente público lhe disse que os proprietários de terras achavam “exageradas” as providências feitas pelos Rebouças para dar água à cidade. E mais: lhe comunicou que tinha mandado sustar a abertura dos novos poços que eram fundamentais para analisar a viabilidade técnica da perspectiva tomada pelo engenheiros Rebouças.

Segundo Santos (1985: 160-163), “A comissão tinha a incumbência de aproveitar mananciais, cavar poços e estabelecer adução ao centro da cidade e aos bairros atingidos pela falta d’água. André, em seu diário, registra o sucesso do trabalho da comissão, com a contratação do assentamento das águas do rio Macacos, melhoramento dos poços existentes e perfuração de novos e construção da represa do Trapicheiro”.

Na verdade, esta decisão do então Ministro da Agricultura fora a resultante da pressão oculta feita pelos tradicionais inimigos dos Rebouças, a chamada “engenharia oficial”, que não tinha idéias inovadoras neste campo e temia que os Rebouças se tornassem a referência nacional neste ramo, o que já estava acontecendo. Essa “engenharia” estava acostumada a mamar nas tetas do estado, sem lançar novas tendências técnicas de construção civil em benefício da população.

No mesmo embalo dos inimigos ocultos dos Rebouças, outros proprietários de terras procuraram André para se queixar das obras. Eles se mostraram céticos quanto ao resultado do projeto. Neste sentido, não iriam permitir que suas terras fossem perfuradas.

No entanto, contrariando os queixosos, o imperador deu ordens para que os Rebouças continuassem seu trabalho de tornar auto-suficiente o abastecimento de água da cidade.

Mas articulações contrárias ao civismo dos Rebouças não pararam por aí. No Senado, o conselheiro Zacarias atacou as obras e os Rebouças como se eles estivessem fazendo um trabalho inútil e incapaz. A mídia da época publicava diversos artigos condenando as obras e seu custo.

Entendendo o que estava se passando na casa parlamentar, André foi procurar o tal conselheiro. Ao ouvir as argumentações do engenheiro, o senador se desculpou dizendo que seus ataques às obras eram necessidades de “fazer política de oposição”, e com isto, chamar a atenção da sociedade (3).

Em 30 dias de trabalho, os irmãos Rebouças conseguiram tornar real uma das obras de grande impacto social do império: a ampliação de sistema de abastecimento de água da cidade do Rio de Janeiro.

A população vibrou. Pouca gente, no entanto, sabia que por trás daquela grande obra estavam dois engenheiros afrodescendentes, exceto, é claro, a classe dirigente e os inimigos dos Rebouças.

André, depois, em seu diário, lamenta o drama da genialidade dos irmãos engenheiros: “Cometemos o grande crime de dar, em 30 dias, 2.400.000 litros diários de água ao Rio de Janeiro (4)”.

Em vista disso, os irmãos propõem ao imperador a criação de uma Companhia de Águas para dar uma administração moderna ao novo sistema de abastecimento de água na cidade. O imperador vibrou, mas novamente a “engenharia oficial” criou embaraços de todos os tipos e a empresa não saiu do papel.

Três anos depois, André começou a escrever suas experiências com os burocratas e oligarcas do império (5). Ele definia o Brasil da época como o “paiz de apathia e de immobilidade”, devido à subserviência, ao subdesenvolvimento, ao analfabetismo dos funcionários públicos encarregados de tomar decisões cruciais para a nação.

Ele, Rebouças, uma espécie de representante da modernidade capitalista que ele vira pipocar com fulgor na Europa, durante seu estágio de dois anos para se tornar engenheiro civil, via, agora no Brasil, uma classe dirigente medíocre tomar corpo. Como ele escreve (1988: 370): “Uma oligarquia estulta reduziu este país fertilíssimo a um estéril deserto, com uma só árvore – a mancenilha política – o monopólio governamental”.

Desde esse episódio da água até 1883, André demonstrava extrema preocupação com a capacidade da burocracia oficial de barrar obras, empresas e empreendimentos capazes de levar o país para um novo patamar de desenvolvimento econômico e social.

Neste sentido, se preocupou com constatar e denunciar grandes entraves político-educacionais, que impossibilitava o país de sair do período de trevas coloniais que ainda imperavam nas mentes das elites agrárias e urbanas.

Uma de suas críticas mais contundentes era contra espírito contrário à criação de novas empresas num país ainda escravocrata. Ele mesmo, André, vira diversas iniciativas empresariais suas serem barradas com argumentos os mais mesquinhos.

Vejamos, neste sentido, esses argumentos rebouçianos (1988: 344-380):

“Só as pessoas, que se acham a testa das novas emprezas em atividade no império, fazem uma idéia justa da oposição sistemática, que ellas sofrem de todos os lados e de toda a parte. Como se ainda fossem poucas as innúmeras dificuldades naturaes, que são outros tantos obstáculos ao estabelecimento de indústrias em um paiz novo, como o nosso, cada empregado público julga ser do seu rigoroso dever combater, a ferro e fogo, as companhias. É o que eles chamam- matar a hydra do mercantilismo!”

“ (...) o que falta a este Império, como a todos paizes do mundo, é capital, é indústria, é trabalho, é instrução, é moralidade. Esse não-estar, que obriga a dizer – há falta de braços – significa realmente que o paiz está tão mal governado que não pode garantir trabalho e pão para os seus habitantes”.

Sobre o predomínio dos interesses políticos rasteiros sobre os empreendedores como ele (1988:345), Rebouças também não mede a pena ao escrever:

“Há, cumpre não esquecer, ainda uma terceira espécie de inimigos das companhias: são os políticos rotineiros, oligarcas, que enxergam nas companhias outros tantos obstáculos ao seu domínio sobre todos os cidadãos; a sua incessante aspiração de monopolisar a agricultura, a industria, o commércio, o trabalho, todas as importações, enfim, da atividade nacional”.

“(..) nesta guerra contra as empresas, os empresários e as companhias ocupam a vanguarda os agentes do fisco e os engenheiros officiaes. Perante a alfândega as companhias nunca têm razão: as isenções de direitos concedidas por lei para o material importado pelas companhias irritam sobretudo os phariseus do fisco. Esquecem-se do progresso geral do Brazil, só vêm a percentagem perdida nos direitos não pagos pela companhia”.

Rebouças ainda não perdoa o país do atraso. Mostra como inexistiam estatísticas oficiais para desencadear trabalhos de peso; critica a falta de uma educação básica para ampliar o conhecimento do brasileiro; bate de frente contra a permanência do sistema escravocrata e sugere medidas de impacto –- como o incentivo à imigração européia –- para desenvolver o país vasto, apático e incapaz de dar uma volta por cima apesar da riqueza natural incomensurável. Além disso, se bate firme pela educação e critica violentamente a tendência ao engodo, à preguiça e ao desmazelo da jovem nação tropical (1988:323):

“Tudo isso demonstra que é necessário educar a geração que cresce, para a agricultura, para a indústria, para o comércio, para o trabalho em uma só palavra! Até aqui a educação era meramente política. Sahia-se da academia para os collégios eleitorais, e muitas vezes para as assembleas legislativas provinceaes, e até para o parlamento nacional. Dahi essa repugnância geral para o trabalho produtivo”.

E, por fim, ele ataca ainda uma instituição que sobrevive impoluta e poderosa até os dias de hoje: o gasto supérfluo e inexplicável (1988:313)

“Sim, é verdade, quanto dinheiro que figura como divida da lavoura foi esbanjado no jogo, em eleições, em bailes, em banquetes e em toda a sorte de dissipações? Quem não sabe que houve senhor de engenho que cortava a canna ainda verde, reduzia-a a aguardente para poder ocorrer imediatamente ás dividas do jogo?”

O LEGADO DE ANDRÉ REBOUÇAS

1 - Sua insistência na importância dos portos e estradas ressurgiu, em escala amplificada, no Brasil moderno, com os chamados “corredores de exportação”, implementado nos anos 1980 com a finalidade de embarque de mercadorias, como ele previra.

2- Saneamento da Baixada Fluminense. Sua proposta de transformá-la numa Nova Amsterdam não se concretizou. Mas surgiram inúmeras cidades sem os requisitos sanitários e urbanísticos que ele recomendou.

3- Propôs a criação de estradas inter-oceânicas que se concretizaram no século seguinte.

4 - Recomendou a criação de parques florestais pelo país. Hoje, há inúmeros parques. Sua recomendação fora baseada por uma obra que lera sobre “Yellow-Show Park”, nos Estados Unidos.

5 - Se preocupou com o saneamento das baías de Guanabara e Sepetiba, no Rio de Janeiro, que hoje causam problemas ambientais.

6 - Propôs a criação de um sistema habitacional humanizado e amplo para as populações de baixa renda.

7 - Defendeu a reforma agrária – um de seus precursores no Brasil –- e se bateu contra o latifúndio.

8 - Defendeu a imigração européia e ficou contra a imigração asiática.

9 - Criou a proposta da higiene pública para tornar a cidade mais habitável, limpa e confortável para seus habitantes.

10 - Foi o primeiro engenheiro brasileiro a realizar ensaios para suas obras com cimento, impermeabilizantes para estacas e com madeiras para o mesmo fim.

11 - Teve ampla visão do emprego da madeira para o futuro das obras no país.

12 - Incentivou a navegação no interior aumentando, assim, as possibilidades marítimas do Brasil.

13 - Copiando o que os ingleses fizeram na Índia, no combate às secas, propôs a criação de uma malha ferroviária densa no nordeste, para facilitar o êxodo e a remessa de recursos aos flagelados. Essa proposta mais tarde se concretizou.

Foi precursor e solidarizou-se com as seguintes questões:

- A cremação de cadáveres

- A conservação de áreas florestais

- O imposto territorial como meio de nacionalização do solo

- Construção de restaurantes para operários de obras

- A difusão de cooperativas

- A descentralização governamental

- A liberdade de comércio e abolição de direitos protecionistas

- Investimentos públicos e privados no sertão

- A arbitragem nos conflitos internacionais

- Foi introdutor de diversas técnicas na engenharia militar, florestal, portos, navegação, ferrovia e hidrovias

- Criou inúmeras cadeiras de engenharia na antiga Escola Politécnica do Largo de São Francisco no Rio de Janeiro.

NOTAS

1 - SANTOS, Sydney M. G. dos. André Rebouças e seu tempo. Vozes, Rio de Janeiro: 1985.

2 - Idem, ibidem.

3 - Idem, ibidem.

4 - Idem, ibidem.

5 - Idem, Ibidem.

6 - REBOUÇAS, André. Agricultura nacional: estudos econômicos, propaganda abolicionista e democrática. Setembro de 1874 a setembro de 1883. Fundação Joaquim Nabuco, Recife: 1988.

*Carlos Nobre é Jornalista; Professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio; Pesquisador de Segurança Pública, Direitos Humanos e Processo Abolicionista. Autor de Mães de Acari – Uma história de protagonismo social (2005)

Tv Cultura transmitirá ao vivo o Prêmio jabuti 2008


Em projeto inédito, TV Cultura transmite Prêmio Jabuti 2008 ao vivo pela intenet

Além da transmissão ao vivo, hotsite vai oferecer sala de bate-papo para os internautas e galeria de fotos e vídeos das edições anteriores do Jabuti.

Pela primeira vez em 50 anos, a cerimônia de premiação do Jabuti será transmitida ao vivo pela internet. Numa parceria com a CBL - Câmara Brasileira do Livro, a TV Cultura desenvolveu um hotsite especial para a transmissão do evento na íntegra, desde a abertura, às 19h30 do dia 31 de
outubro, até o encerramento da festa. O internauta poderá acompanhar a festa por meio de link www.tvcultura.com.br/premiojabuti.

Além da transmissão, com cenas dos bastidores e entrevistas com os vencedores e convidados especiais, o hotsite terá uma sala de bate-papo, onde os internautas poderão fazer perguntas a autores e personalidades presentes ao evento. A página eletrônica vai oferecer, ainda, uma galeria de vídeos das edições anteriores, pertencentes ao acervo da TV Cultura, mostrando entrevistas com escritores, editores e personagens famosos que fazem parte da história do prêmio.

Na galeria de fotos, compostas por imagens do acervo da CBL, será possível contemplar os melhores momentos do Jabuti nesses 50 anos, desde quando a cerimônia era realizada na antiga sede da entidade, na avenida Ipiranga, até os anos mais recentes, já na Sala São Paulo. São fotos dos vencedores como Ziraldo, Lygia Fagundes Telles e João Ubaldo Ribeiro e registros históricos
como o encontro de Tatiana Belinky com Caio Fernando Abreu.
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Nos seus 50 anos, Jabuti registra sua história em livro





Nas últimas cinco décadas, o Prêmio Jabuti promoveu o que há de melhor na produção editorial brasileira, premiando escritores, editores, tradutores, ilustradores e designers. Agora, no ano em que completa 50 anos, o Jabuti terá sua história registrada em livro, com a lista dos vencedores nestas cinco décadas, encabeçada por Jorge Amado, premiado em 1958, na categoria romance, por Gabriela Cravo e Canela. O lançamento tem data marcada: 31 de outubro, às 19h30, na Sala São Paulo, em festa na qual os vencedores do Jabuti 2008 receberão suas estatuetas.

“Prêmio Jabuti – 50 anos” é uma co-edição da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e registra, em mais de 200 páginas de textos e fotos, a história completa do Jabuti. Com coordenação editorial da Memória e Identidade, o livro contextualiza o ambiente político e cultural no qual o prêmio foi criado, revela as motivações do prêmio que se tornou o mais importante da literatura brasileira, conta os bastidores da escolha do nome, acompanha as mudanças de formato e as premiações e traz depoimentos de presidentes e diretores que comandaram a CBL, além de alguns vencedores do Prêmio nesses 50 anos, como Eva Furnari e Zuenir Ventura.

Respeitado por autores, editores e livreiro, o Jabuti é sempre associado à qualidade. Como comenta seu curador, José Luiz Goldfarb, “o Prêmio projeta nossa língua-mãe, o português, com arte, criatividade, inspiração e recolhe ano a ano o ‘biscoito fino’ de nossa produção editorial”.

A história do Jabuti começa em 1957, em um período repleto de desafios para o mercado editorial, com recursos escassos e baixa articulação do segmento livreiro. Apesar das adversidades, não faltava entusiasmo aos dirigentes da Câmara naquela época. As discussões foram comandadas pelo então presidente da entidade, Edgar Cavalheiro e pelo secretário Mário da Silva Brito – dois intelectuais e estudiosos da literatura brasileira – e outros membros da diretoria do biênio 1955-1957 interessados em premiar autores, editores, ilustradores, gráficos e livreiros que mais se destacassem a cada ano.

Essas discussões em torno de uma “láurea” ou “galardão”, como se dizia na época, ganharam forma na diretoria seguinte, de 1957-1959, presidida por Diaulas Riedel, a quem coube a confirmação da escolha da figura do jabuti para nomear o prêmio e a realização de concurso para a confecção da estatueta, vencido pelo escultor Bernardo Cid de Souza Pinto.

A primeira premiação ocorreu também na gestão do presidente Diaulas Riedel. No final do ano de 1959, em solenidade simples e despretensiosa realizada no auditório da antiga sede da CBL na avenida Ipiranga, foi feita a entrega do primeiro Prêmio Jabuti. Foram laureados autores como Jorge Amado, na categoria Romance, pela obra “Gabriela, Cravo e Canela”. A Saraiva ganhou o prêmio de Editor do Ano.
O NOME
Mas por que um jabuti para nomear um prêmio do livro? A resposta, ainda que incerta, tem explicação no ambiente cultural e político da época, influenciado, sobretudo, pelo modernismo e nacionalismo, pela valorização da cultura popular brasileira, nas raízes indígenas e africanas, nas suas figuras míticas, símbolos seculares carregados de sabedoria e experiência de vida e legados de uma geração à outra. Sílvio Romero, Mário de Andrade, Monteiro Lobato e Luís da Câmara Cascudo, entre o final do século XIX e o início do século XX, foram pioneiros na pesquisa, no estudo e na divulgação dessa rica cultura popular.

E foi Monteiro Lobato, provavelmente, o mais prolífico na recriação literária das histórias desses personagens meio enigmáticos, meio reveladores e sempre sedutores do folclore nacional. Um desses personagens da literatura infantil de Lobato é, como se sabe, o jabuti. O pequeno quelônio, já familiar no imaginário das culturas indígenas tupi, ganhou vida e personalidade nas fabulações do autor das “Reinações de Narizinho”, como uma tartaruga vagarosa, mas obstinada e esperta, cheia de truques para vencer obstáculos, para enganar concorrentes mais bem dotados e chegar na frente ao fim da jornada. Com essas credenciais, ganhou também a simpatia e a preferência dos dirigentes da CBL. Eles o elegeram para inspirar e patrocinar um prêmio para homenagear e promover o livro.
JABUTI REVISITADO

Ao longo dos seus 50 anos o Jabuti passou transformações. No início, a cerimônia de entrega do Prêmio era feita na antiga sede da entidade, na avenida Ipiranga, depois passou a ser realizada durante as Bienais do Livro. Mas o Jabuti ganhou vida própria, e os diretores da CBL sentiram a necessidade de criar um evento proporcional à credibilidade que o Prêmio ganhou junto ao mercado editorial e à própria sociedade. Em 2003, ocorreu a primeira grande cerimônia de entrega das estatuetas, realizada no Memorial da América Latina. Nos últimos dois anos, a maior festa do livro do Brasil ganhou um dos espaços mais nobres da capital paulista – a Sala São Paulo.

O Prêmio Jabuti foi se transformando aos poucos. No Regimento Interno do Prêmio, criado em 1959, constam apenas sete categorias de premiação: Literatura, Capa e Ilustração, Editor do Ano, Gráfico do Ano, Livreiro do Ano e Personalidade Literária. Atualmente, são contempladas todas as esferas envolvidas na criação e produção de um livro, em um total de 20 categorias, passando pela tradução, ilustração, capa e projeto gráfico, além das categorias tradicionais como Romance, Contos e Crônicas, Poesia, Reportagem, Biografia e Livro Infantil. Por sua abrangência, o Jabuti é considerado o maior e mais completo prêmio do livro no Brasil.

Outra iniciativa que trouxe ainda mais glamour ao Prêmio foi a criação das categorias Livro do Ano de Ficção, em 1991, e Livro do Ano de Não-Ficção, dois anos depois, em 1993. Esses prêmios são revelados somente na noite da entrega das estatuetas e são o ponto alto do evento, em um momento de grande expectativa por todos os agentes do mercado editorial.
FATOS CURIOSOS



O livro de 50 anos do Jabuti traz ainda curiosidades. Em 2004, por exemplo, ano que registrou o maior número de obras inscritas (2.374), o vencedor do Livro do Ano de Ficção foi “Budapeste”, de Chico Buarque. A obra, no entanto, ganhou Menção Honrosa (3o lugar) na categoria Romance. “Houve um silêncio na platéia”, conta José Luiz Goldfarb, curador do Prêmio Jabuti. No dia seguinte, a mídia impressa também abriu espaço nas suas páginas para questionar o episódio. Como um livro que ficou em terceiro na sua categoria poderia levar o prêmio de Melhor Livro do Ano? “O que ocorreu, na verdade, é que os vencedores das 20 categorias são escolhidos somente pelos jurados e os Livros do Ano recebem também os votos do mercado editorial, sendo que o grande vencedor não necessariamente é o 1o colocado de uma categoria”, explica.

Polêmicas à parte, o fato é que o Jabuti tornou-se, nas palavras de Rosely Boschini, presidente da CBL, um “patrimônio nacional”. “Com obstinação e argúcia, à maneira do seu inspirador, o Prêmio Jabuti avançou sem esmorecer, ganhou agilidade e encarou uma longa jornada. Avançou, ganhou densidade e respeito, conquistou o reconhecimento de todos os que, no Brasil, produzem informação, conhecimento e arte, de todos os que escrevem, publicam e lêem livros. Tornou-se, ele próprio, um personagem vivo da cultura brasileira contemporânea”, destaca Rosely Boschini. Na maior festa do livro no Brasil, ganhar ou não o Prêmio, já não faz diferença. O importante é participar.


FICHA TÉCNICA
Coordenação de Pesquisa e Texto - Memória e Identidade Consultoria Ltda.
Supervisão - Beth Totini
Pesquisa - Cintia S. N. Berlini
Texto - Francisco Maria Pires Teixeira
Coordenação Editorial - Cecília Scarlach
Assistência Editorial - Viviane Vilela
Projeto Gráfico e Diagramação - Negrito Produção Editorial
Tratamento de Imagens - José Carlos Gomes da Silva e Leonídio Gomes
CTP, Impressão e Acabamento - Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
Formato - 15,5 x 20 cm





Mais informações com Nora Ferreira / Marcelo de Andrade - Lu Fernandes Escritório de Comunicação - (11) 3814-4600

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Notas críticas aos argumentos contra cotas para negros nas universidades públicas

Destaco um excelente artigo do professor Luis Fernando Cerri da Universidade Estadual de Ponta Grossa a respeito do atual quadro do debate sobre ações afirmativas e políticas de cotas no Brasil.
Notas críticas aos argumentos contra cotas para negros nas universidades públicas

Luis Fernando Cerri

Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão.

(Haiti – Caetano Veloso)

Introdução

As políticas afirmativas para acesso de estudantes negros às universidades públicas estão num novo nível de debate. Num primeiro momento, no início da década, o debate centrava-se na constitucionalidade, justiça e efetividade da iniciativa em cumprir seus objetivos. Hoje, o quadro atual das também chamadas políticas de cotas é outro. Estudos e relatórios recentes (p.ex. BRANDÃO, 2007) afastam alguns questionamentos anteriores, como o comprometimento da qualidade acadêmica do aluno que ingressou por cotas. No que se refere à constitucionalidade, consolidou-se no judiciário o princípio de que as políticas afirmativas são legais, a partir do princípio de dever do Estado na produção de igualdade substantiva, para além da igualdade formal.

Nesse quadro, em meados de 2007, é possível observar uma reação em setores da sociedade brasileira, procurando abrir um novo ciclo de discussões e reverter uma política que começa a dar sinais de consolidação e adaptação, tendendo portanto a generalizar-se no curto prazo. Assim, reportagens, sobretudo no jornalismo televisivo da Rede Globo e na revista Veja, do Grupo Abril (portanto dois dos maiores conglomerados da comunicação de massa no país) recolocaram a questão das cotas. Essa reação procura atingir, além dos pressupostos teóricos, seu modus operandi, a partir da afirmação de que o conceito de raça, (base da política implementada), não existe ou não é minimamente objetivo para ser aplicado. Além disso essas políticas tiveram reforçada sua ligação com o Governo Lula, o que acabou por constituir uma manobra para associar a insatisfação oposicionista com a crítica a uma política pública supra-governamental, e mesmo, em muitos casos, além do alcance do poder decisório dos governos, uma vez que fica no âmbito da autonomia universitária, em boa parte dos casos.

Caso isolado na UNB e super explorado pela grande mídia, como em Época e Veja

Além de um fenômeno midiático que pode ser associado à oposição política a um governo em particular, seu lugar social é o âmago de empresas capitalistas envolvidas em processos de oligopolização de seu mercado. Nesse quadro, o recurso ao radicalismo do discurso liberal – contrário portanto a qualquer intervenção do estado em qualquer campo da vida social ou econômica – ajuda a explicar uma predisposição natural contra políticas públicas compensatórias em geral, e as políticas de cotas em particular.

Esse texto objetiva discutir as bases da argumentação usada nesse processo de reação. A pergunta no final das contas é “temos um compromisso, como nação, com a reparação de prejuízos históricos causados aos negros?”. A estratégia para responder negativamente a essa pergunta tem duas linhas principais: 1) não há prejuízos históricos que sejam verificáveis ou não é possível definir quem é negro (linha predominante em Ali Kamel, por exemplo) e 2) há desvantagens históricas impostas aos negros, mas elas não podem ser resolvidas através de políticas afirmativas: elas não funcionarão, porque não funcionaram em parte alguma em que foram implantadas (linha predominante em Thomas Sowell). Pretendemos discutir preliminarmente esses argumentos, de um ponto de vista favorável a políticas educacionais afirmativas para negros. Parte-se da idéia de que há, sim, uma desvantagem social e educacional da população negra, que foi construída historicamente no Brasil e que tem sido combatida, sobretudo por pressão do movimento negro sobre o Estado, cobrando-o por seu discurso republicano / democrático. Entretanto, não tem sido enfrentada decisivamente a desigualdade que separa brancos e não-brancos.

No título, a expressão “notas críticas” demonstra o caráter não exaustivo desse capítulo, bem como o fato de ter sido produzido por um leitor crítico envolvido no debate, e com um ponto de vista específico (historiador, com formação em Educação, favorável e avaliador da implementação de uma política de cotas universitária para negros em especial) e não um especialista com formação nas questões em tela.

Vale a pena lê-lo na íntegra, para isto, clique aqui

Dados prelimilares do Censo Escolar

Há três tendências que parecem se manter na educação brasileira: a queda no número de matrículas do ensino fundamental, a preponderância do Nordeste como região com menor índice dessas matrículas e aumento do atendimento da educação infantil (de 0 a 5 anos). As conclusões foram feitas pela diretora de estatísticas educacionais, Maria Inês Pestana, do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), órgão responsável pela Censo Escolar 2008, a partir dos dados preliminares do pesquisa, que foram divulgados no Diário Oficial da União nesta quarta (29).

Junto dessas conclusões, outra estatística segue o mesmo padrão dos anos anteriores: poucos alunos alcançam o ensino médio, que não tem obrigatoriedade legal como os níveis mais básicos. Para ter uma idéia da desproporção, dos quase 27 milhões de alunos inscritos no fundamental, apenas cerca de 8 milhões chegam até o antigo colegial. "Uma grande questão paira sobre o ensino médio", opina a pesquisadora do Inep. "Sabemos que os alunos mais jovens estão caminhando [no sentido de completar essa etapa], o desafio está [entre] quem está defasado, aquele aluno que tem de voltar para a escola." Ainda assim, Pestana ressalta que os índices brasileiros de escolaridade tendem a aumentar. "Hoje temos cerca de oito anos de estudo [em média, segundo a Pnad], já chegamos ao ensino fundamental", completa.

  • Desafagem escolar atinge 30% dos estudantes do ensino médio
  • Estagnação no analfabetismo e em anos de estudo merece atenção, diz Inep
  • Censo 2007: matrículas caíram em 3 milhões; secretarias questionam MEC
  • Mais 2007: MEC diz que cidades inflaram número de estudantes
  • Municípios sem dados no Censo Escolar podem perder verbas


  • No ensino fundamental, somam-se 27.874.687, sendo 27.533.632 inscrições no ensino regular mais 341.055 alunos de educação especial. No ano passado, o total de matrículas foi de 28.984.486. A tendência demográfica é um dos fatores apontados pelo MEC. "Se a taxa de fecundidade vem caindo, a tendência natural é que a [taxa de] matrícula caia", argumenta Pestana. Para ela, a melhora no fluxo escolar - com a diminuição da reprovação nas séries iniciais - também contribui para qua haja menos alunos inscritos nessa fase de ensino.

    Segundo os dados preliminares, estão matriculados 4.943.410 alunos de educação infantil de ensino regular e outros 36.802 de educação especial, somando 4.980.212 atendimentos nas redes estadual e municipal - em 2007, foram registradas 4.960.293 matrículas. O atendimento deve ser mais abrangente que o demonstrado pelos números, aponta Pestana, porque está havendo migração de crianças com seis anos para a categoria fundamental nos sistemas de ensino que já adotaram nove anos para essa etapa - antes esses alunos eram contabilizados na categoria educação infantil.

    Cerca de 80%

    A diretora de estatísticas educacionais, Maria Inês Pestana, faz questão de salientar: "Essas são as conclusões a que podemos chegar com todas as dificuldades que trabalhar com dados incompletos pode trazer". Segundo Pestana, já constam da base do Inep mais de 80% dos dados dos municípios.

    No entanto, há dois Estados que ainda não finalizaram a transmissão de dados e podem mexer com os números finais: São Paulo e Goiás. As duas unidades da federação não estão utilizando o Educacenso, sistema de informação via Internet onde cada instituição preenche sua parte - elas estão fazendo toda a transmissão. De um total de 28 mil escolas paulistas, faltam ainda cerca de 1.200. No caso goiano, das 1.200 instituições, por volta de 240 devem seus índices.

    A exatidão das informações é fundamental, pois a transferência de recursos para alimentação e transporte escolar, distribuição de livros e uniformes e implantação de bibliotecas depende do número de alunos. Também tomam o Censo Escolar como base programas como Dinheiro Direto na Escola e o aporte de recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).

    A partir da publicação preliminar, o sistema Educacenso será reaberto por 30 dias para que as redes estaduais e municipais e as escolas públicas e privadas procedam à correção ou ao complemento das informações declaradas. Será permitido, ainda, que as escolas que não preencheram o Censo Escolar o façam nesse período, informa o Inep.

    (29/10/2008 - 08h25 - Da Redação, Em São Paulo: 'Caem matrículas no fundamental, diz preliminar do Censo Escolar 2008; ensino médio é desafio'

    terça-feira, 28 de outubro de 2008

    O estudo do PNUD, o combate ao racismo na educação básica e a Lei Ben Hur - 10.639

    A meu ver, este texto de Lúcia Valente (que já tem quase 3 anos) tem uma clareza imensa sobre a necessidade de que nós professores assumamos o compromisso de fazer valer na prática a lei 10639/03, cuja redação foi acrescida pela lei 11.645/03.

    Apreciem, avaliem a sua pertinência e incorporem em sua prática pedagógica as valiosas contribuições da autora.

    Ana Lúcia Valente*


    Às vésperas do dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, em memória a Zumbi dos Palmares, foi divulgado na imprensa nacional um estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em que a análise de vários indicadores sócio-econômicos com foco na população negra reitera a inexistência da propalada democracia racial no país.

    No Correio Braziliense (19/11/2005, p.12), a jornalista Paloma Oliveto, ao comentar a posição manifestada naquele estudo, de que as distorções educacionais não serão corrigidas apenas (grifo meu) por políticas de cotas, relatou um episódio que ilustra o tipo de dificuldade que deverá ser enfrentado em todos os níveis de formação escolar para o combate ao racismo:
    “A dona-de-casa Jucimara Santos de Souza, 29 anos, teve de trocar o turno escolar da filha mais velha por causa da discriminação em sala de aula. A menina, de 10 anos, estuda em uma escola no Cruzeiro e, segundo a mãe, ‘é a única neguinha da turma’. Por causa da cor Dayane ouve piadas o dia inteiro e recebeu o apelido de Xica da Silva. ‘Ela ficou uma semana ser ir ao colégio, inventando que estava doente. Depois confessou que não queria ir por causa do racismo’, relata Jucimara”.

    Relatos como esses são comuns, em que pese a Lei nº. 10.639, de 2003, que torna obrigatórios o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nos níveis fundamental e médio, oficiais e particulares. Prefiro nomeá-la por Lei Ben Hur, para substituir ou complementar o número, tão frio e sem história: Ben Hur é militante negro, vinculado ao grupo Trabalho e Estudos Zumbi (TEZ/MS), e ex-deputado federal pelo Estado de Mato Grosso do Sul. Foi quem propôs o projeto de lei com a também deputada federal Esther Grossi, ambos do Partido dos Trabalhadores (PT). Afinal, nos termos do parecer do Conselho Nacional de Educação - CNE que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, esse ensino far-se-á por diferentes meios, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social. Entre eles, Ben Hur, na política partidária.

    Embora a coibição de manifestações de racismo seja imprescindível no plano legal, conquistas e avanços alcançados nessa direção não bastam para transformar as concepções arraigadas no imaginário da população brasileira. Por essa razão, muitos estudiosos das relações interétnicas e militantes de grupos negros organizados no País têm apontado para a necessidade de se dar maior atenção ao processo educativo que se desenvolve em várias instâncias da convivência humana.

    Considerando-se o baixo índice de escolaridade do negro ante outros segmentos étnicos da população brasileira, as chances de acesso à educação formal e sistemática são menores para a criança negra. Esse quadro é ainda mais grave quando se avalia, na educação básica, o nível considerado pelos pedagogos como indispensável para o êxito nos estudos posteriores: o da educação infantil. Esse nível educacional tem sido inacessível ao grupo negro, quer por não ser satisfatoriamente atendido pelo Estado, quer por razões econômicas quando ministrado em escolas particulares.

    Com base nas dificuldades apontadas nos estudos que buscaram analisar as interfaces da educação e relações interétnicas e no conhecimento sobre a conformação das relações entre brancos e negros no Brasil, ganha destaque a necessidade de serem desencadeadas ações mais pragmáticas, no sentido de “equipar” a sociedade e, em especial, a escola, para progressivamente enfrentar a questão racial. Mas para que seja garantida a “qualidade” desse processo, devem ser enfrentados os desafios na formação de professores, para que saibam lidar adequadamente com a questão. E isso não se faz em cursos intensivos de capacitação nos finais de semana e sem que se leve em consideração, de um lado, o conhecimento acumulado sobre a temática, de outro, aquele “cristalizado” que por vezes falseia.

    A crítica à forma como, ao longo do tempo, foi contada a História do negro no Brasil deve estar acompanhada do cuidado com “impropriedades”, “meias-verdades” e “ocultações” históricas, sem o quê a própria crítica é contrariada. Afinal, não se pode pretender enfrentar o racismo, que se baseia em concepções falsas, incorrendo em outros erros similares. Ou ainda, não se deve negligenciar que, conhecidos os mecanismos das relações raciais no Brasil, a implementação da Lei Ben Hur – que envolve alunos e professores negros e brancos - estará sujeita a resistências. É improvável que a escola se posicione criticamente em relação à história com uma concepção moralista que descole a dominação e a exploração de certos grupos humanos do contexto em que ocorreram e/ou foram refuncionalizados para justificar a desigualdade. Afinal, o que hoje aparece como errado, conceitual e eticamente, pode não ter sido em épocas passadas. Desse modo, o foco de atenção deve ser centrado na compreensão dos mecanismos históricos que transformam a diferença num problema, resgatando a historicidade dos significados que a diversidade assume.

    Minimizadas as resistências e com o interesse dos professores em combater o racismo na educação escolar, a reação de Dayane, a menina negra discriminada na escola do Cruzeiro, poderá ser diferente, porque balizada no conhecimento de quem é a tal Xica da Silva, apelido que os colegas de sala de aula lhe atribuem.

    Francisca da Silva, a Chica da Silva (com Ch e não com X) viveu durante a segunda metade do século XVIII, no Arraial do Tijuco, Minas Gerais. Era mulata, filha de negra e português e se tornou amante de um cavalheiro local, Francisco da Silva Oliveira, e depois do contratador de diamantes e doutor em leis, João Fernandes de Oliveira. Milionário, João Fernandes satisfez todos os desejos de Chica da Silva, mesmo os extravagantes. Observa a pesquisadora Júnia Ferreira Furtado, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), autora do livro Chica da Silva e o Contratador dos Diamantes (Companhia das Letras):

    “Chica, como as outras forras da época, alcançou sua alforria, amou, teve filhos, educou-os, buscou ascender socialmente para diminuir a marca que a condição de parda e forra impunha para ela mesma e para os seus descendentes”, continua. “Pois, sob o manto de uma pretensa democracia racial, sutil e veladamente, a sociedade mestiça procurava se branquear e escondia a fria exclusão social e racial, simbolizando o que se passava no Brasil”. Exclusão que tirou de boa parte dos negros e por bom tempo a sua auto-estima. “Daí a falta de um movimento unificado como nos Estados Unidos. Aqui o racismo era e é escamoteado e os negros compram o discurso das elites do ´para que lutar se posso me integrar`. Até Machado de Assis agiu dessa forma após ascender à elite intelectual." (www.revistapesquisa.fapesp.br, edição 93, 11/2003)
    Esse é o X da questão, o X que distorce Chica.

    Garantido o seu direito de ter acesso à informação, quem sabe Dayane compre um outro discurso e lute também ela contra o racismo.

    * texto originalmente publicado na Afropress - Brasil- 11/12/2005

    O que o caos pode nos ensinar?

    Denise Lobato Gentil e Gilberto Maringoni

    O fim do neoliberalismo não se dará na economia, mas na luta política.


    Estamos no olho do furacão. Como um vendaval descontrolado, a crise arrasta negócios, governos e países a situações-limite, quebrando parâmetros até ontem tidos como imutáveis. O mercado, onde está o mercado que a tudo regula e enquadra? Que fim levou a mão invisível e sua insuperável sabedoria na alocação de investimentos?

    A liberdade absoluta de movimentação de capitais e a desregulamentação financeira, elevadas à categoria de valores democráticos ao longo das últimas duas décadas, impossibilitam qualquer avaliação objetiva sobre as dimensões ou mesmo o ritmo do desastre.

    Apressadamente, alguns analistas difundem a idéia de que as intervenções dos bancos centrais de vários países, injetando dinheiro em instituições financeiras em vias de quebrar, representariam o fim das chamadas teses neoliberais, que se baseiam na absoluta superioridade do mercado como organizador sistêmico. A volta do Estado interventor garantiria, assim, o fim de uma era.

    Na verdade, não é esta a essência do modelo, embora seja uma de suas pedras de toque. Ou seja, sua contradição principal não se dá entre liberalismo e intervencionismo ou aquela estabelecida entre mercado e Estado, mas na absoluta subordinação do público ao privado. Entenda-se privado, no momento atual, como todas as formas de capital, sob a hegemonia de sua vertente financeira. E pode-se também entender como público o espaço dos interesses coletivos.

    O que se assiste em diversas economias do mundo - EUA à frente - é, na verdade, o setor público - do Tesouro, mantido pela população - atuando como garantidor último dos interesses privados. É o que deve estar no cerne da discussão sobre o socorro de mais de US$ 3 trilhões, realizados por governos de todo o planeta, a bancos e agentes financeiros. Não se está estatizando nada, o que ocorre é a privatização da riqueza pública em favor da especulação financeira. A clássica socialização dos prejuízos, marca histórica de qualquer sociedade capitalista.

    A lógica é explicitada quando se despejam quantias astronômicas para salvar o sistema financeiro, sem que se ouçam duas clássicas perguntas, formuladas sempre que políticas de combate às desigualdades sociais são aventadas: 1) "De onde sairá o dinheiro?" e 2) "Esta injeção de dinheiro na economia não provocará pressões inflacionárias?"

    O grau de subordinação do setor público é tamanho, que as engrenagens das finanças turbinadas colocam sobre as sociedades a seguinte disjuntiva: "Salvem-nos ou arrastamos vocês junto".

    Hegemonia acontece quando os interesses de um setor são apreendidos como sendo os interesses gerais. Quando a parte alega sintetizar o todo. Agora o conceito funciona de maneira perversa. Os interesses de uns chantageiam a vida de todos. A dura realidade é que se a banca não for salva, sua capilarização sobre a economia produtiva, sobre os trabalhadores e sobre a população levará o mundo de roldão. O pressuposto básico segue então mantido: salvar o setor financeiro significa salvar a coletividade.

    Seria precipitado falar em fim do neoliberalismo em uma situação dessas e no meio da tormenta. A crise final do capitalismo já foi alardeada outras vezes e o sistema demonstrou incrível elasticidade, surpreendendo até mesmo seus exegetas, para sobreviver e se expandir.

    O neoliberalismo, a forma de gestão atual do capitalismo, não acabou e, possivelmente terá uma longa sobrevida. Talvez um pequeno ciclo histórico de supremacia especulativa tenha se encerrado. Mas nenhum dos outros cânones neoliberais - além do aprofundamento da subordinação do Estado aos interesses particulares - saiu de cena. Continuam intocáveis a liberdade de movimentação de capitais, o livre comércio, a redução do caráter público do Estado, as empresas e serviços públicos privatizados, os desvios de imensos recursos públicos em favor de uma minoria rentista, as flexibilizações nas legislações de vários países, dentre outras medidas adotadas nos últimos anos. O modelo segue funcionando não apenas nos EUA, mas em boa parte da Europa e da América Latina.

    A crise proporciona condições objetivas para seu questionamento. Mas sua superação não se dará por conta de suas hecatombes financeiras. Isso acontecerá quando alternativas adquirirem consistência e legitimidade. Em outras palavras, sua resolução não ocorrerá no terreno da economia, mas da luta política.

    A situação atual pode produzir o efeito pedagógico de colocar em pauta mudanças em políticas monetárias e fiscais restritivas e por dar curso a orientações industriais e agrícolas desenvolvimentistas. Algumas medidas no campo da política monetária foram tomadas, como a redução do compulsório, a intervenção no mercado de câmbio, o crédito para bancos e exportadores. São paliativos para contornar efeitos adversos e pontuais.

    É hora de reagir com rapidez e fazer com que o dinamismo do mercado interno não esmoreça e que uma possível situação de perda de milhares de empregos possa ser minimizada. Iniciativas como redução dos juros, maior oferta de crédito aos produtores e consumidores, redução de impostos em setores estratégicos, aumento das compras do governo, dos investimentos do PAC e das transferências de renda da Previdência e do programa Bolsa Família podem ter poderosos efeitos para evitar que a crise atinja o país de uma forma muito severa.

    Falar agora em cortar de despesas do Estado em setores sensíveis equivale a dar um tiro no pé. A hora é de gastar em atividades que revertam a espiral descendente da economia real.

    As crises econômicas internacionais de 1929 e dos anos 1970 provocaram uma reação criativa do Brasil. Foram deflagradas diretrizes industrializantes e desenvolvimentistas, com forte presença do Estado. As saídas para a crise atual podem ir além, proporcionando desenvolvimento com justiça social. Isso poderia abrir novas perspectivas de futuro para aqueles que sempre pagaram a conta dos sucessos e das falências do capitalismo. Deixado ao seu livre arbítrio, o mercado seguirá provocando caos econômico e social.

    Denise Lobato Gentil é professora de Economia do IE UFRJ, diretora-adjunta de Estudos Macroeconômicos do Ipea.

    Gilberto Maringoni é historiador, pesquisador do Ipea, professor da Faculdade Cásper Líbero e autor de "A Venezuela que se inventa, poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez" (Editora Fundação Perseu Abramo, 2004).

    Artigo publicado em Valor em 27 outubro 2008

    Obama: "Eles vão dizer que eu não sou parecido com os presidentes nas notas de dólar"



    Poderes da fé bandida: racismo no caminho da Casa Branca
    Fátima Oliveira

    "Eles vão dizer que eu não sou parecido com os presidentes nas notas de dólar"

    Em minha família de origem, "quebradeira" era o mesmo que falta de dinheiro. Ao ouvir dizer que Wall Street quebrou, entendi. É falta de senso dizer que a "quebradeira" não chegará aqui. Basta lembrar que o capital volátil é bandoleiro e apátrida, como sentenciou Luís Nassif: "A lógica dos captais voláteis é correr riscos: tentar ganhar na alta e na baixa dos ativos". Mencionei a débâcle de Wall Street porque a intersecção dela com o racismo é a pedra de toque do cenário das eleições presidenciais dos Estados Unidos.


    De janeiro para cá, escrevi sete artigos que falam em Obama. Por um motivo elementar: "Ainda que a distância ideológica entre um republicano e um democrata seja zero, com democrata na Casa Branca o mundo é sempre outro". Vaticinei: "muita água pesada vai rolar até novembro", pois "Obama é negro senhor de si (um abuso afro!), com senso de humor, performance de rock star e história de vida fiel aos valores liberais. É o único que arranha o establishment democrata e republicano e abala o status quo racista dos EUA profundo. Dele se espera, a qualquer momento, que diga: "I have a dream" (eu tenho um sonho), como Martin Luther King. Pode virar realidade" ("Obrigada Iowa", 8.1).


    Registrei em "Tua raça NÃO morreu, Jim..." (29.1): "Escrevo sob emoção da avalanche do entusiasmo pela vitória de Obama nas primárias da Carolina do Sul que, dentre outros, sepulta o mito de que 'negro não vota em negro'". Em "Obamania & auto-estima de rock star" (19.2), digo que uma amiga se auto-interditou de falar comigo em Obama até novembro, argumentando que "É muito azar se ele ganhar! Logo agora que os EUA estão nas soleiras da recessão". Diziam que Obama não tocaria na questão racial. Eu respondia: pra frente é que se anda. O estilo Obama é "bateu, levou". Não demorou. Pude escrever: "Minha auto-estima se avoluma e cresce. Obama se firma como símbolo negro singular da determinação de luta pelo poder".


    Em "Viajar pelo Brasil é como mover-se entre dois planetas" (10.6), constatei: "É simbólico o contexto no qual Obama sagrou-se candidato à Presidência dos EUA. Ao mesmo tempo em que um signo de racismo persistente foi publicado pelo jornal alemão 'Die Tageszeitung': uma foto da Casa Branca sob o título 'A cabana do pai Barack', em alusão ao romance 'A Cabana do Pai Tomás', de Harriet E. B. Stowe, sobre a escravidão no sul dos EUA. Pai Tomás é um estereótipo de escravo submisso. O jornal fez um insulto racista a Obama. A pergunta é: a fé bandida do racismo será extinta?"


    Em "Mais um dedo de prosa sobre Obama. Eis a obamania" (17.6), escrevi: "Interessa-me especular a razão pela qual a candidatura Obama reverbera na luta anti-racista contemporânea e na auto-estima de negros em todo o mundo". Em "Eleições 2008: atitude na TV e no ciberespaço podem impulsionar candidaturas" (19.8), discorri sobre a competente e inovadora performance de Obama na Internet.


    Hoje registro a bela e difícil jornada do primeiro negro numa final de disputa presidencial nos EUA. Chegue ou não à Casa Branca, ele nos legou a mais completa devassa contemporânea da amplitude e da profundidade da ranhetice criminosa do racismo explícito e implícito, pois estima-se que estão embutidos entre prós-Obama, nas pesquisas, entre 2% a 7% de racistas enrustidos que não sufragarão o nome dele no recesso da cabine eleitoral. Por que? Como disse Obama: "Eles vão dizer que eu não sou parecido com os presidentes nas notas de dólar".



    Publicado em: 28/10/2008 no Jornal O Tempo

    segunda-feira, 27 de outubro de 2008

    Lideranças quilombolas na sede da OEA

    Brasil terá que se explicar ante a OEA violações contra comunidades quilombolas e acordo com a Ucrânia.


    Lideranças quilombolas serão ouvidas na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. A denúncia tem como principal fundamento o desrespeito do direito ao território das comunidades quilombolas de Alcântara. Nesta segunda-feira (27) haverá uma audiência na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, em Washington DC, nos EUA, sobre as violações de direitos humanos cometidas pelo Estado brasileiro em relação às comunidades quilombolas do território étnico de Alcântara, Maranhão Será a oportunidade para que lideranças quilombolas sejam ouvidas pela CIDH.

    Leonardo dos Anjos, da comunidade de Brito, e Militina Serejo, da comunidade Mamuna, irão a Washington contar pessoalmente sua luta para que o Estado efetive o direito dos quilombolas ao seu território, conforme garantido pela Constituição Federal de 1988, Convenção Americana de Direitos Humanos e Convenção n. 169 da OIT. Os representantes das comunidades quilombolas também irão relatar para a CIDH os graves impactos e o processo violento de desestruturação sociocultural sofridos pelos quilombolas, em virtude da instalação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) na década de 80 e intensificou-se em 2001 quando o Estado brasileiro decidiu abrir o centro espacial para utilização comercial de outros paises.
    Participarão também da audiência, Luciana Garcia, advogada da Justiça Global, organização que, juntamente com movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil, como o Movimento dos Atingidos pela Base Espacial, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, e Centro de Cultura Negra do Maranhão; apresentou a denúncia junto a CIDH; e a antropóloga e professora doutora da Universidade Federal do Maranhão, Maristela Andrade, que acompanha e estuda há anos as comunidades quilombolas de Alcântara.

    DUAS DÉCADAS DE VIOLAÇÕES DE DIREITOS DOS QUILOMBOLAS DE ALCÂNTARA

    Desde 1980, com a desapropriação ilegal do território para construção do Centro de Lançamento de Alcântara pelo então Ministério da Aeronáutica, as comunidades vêm sendo sucessivamente expulsas de suas terras e sofrendo as mais graves violações de direitos básicos à manutenção de sua vivência, cultura e tradições. A insegurança alimentar, a proibição de livre circulação no território, a completa falta de acesso a políticas públicas de educação, saúde, saneamento básico e transporte aponta claramente o objetivo do governo federal de não respeitar dos direitos das comunidades quilombolas de Alcântara.

    Mais recentemente, em 2003, Brasil e Ucrânia firmaram acordo internacional para cooperação nos usos pacíficos do espaço exterior, que culminou com a criação da empresa Alcântara Cyclone Space (ACS) para utilização do veículo de lançamento Cyclone-4 no Centro de Lançamento de Alcântara. A partir de então, a ACS vêm invadindo o território quilombola e realizando obras e atividades de pré-engenharia para criação de um sítio de lançamento de foguetes. O Ministério Público Federal do Maranhão ajuizou ação e obteve liminar da Justiça Federal, em setembro de 2008, para proibir que a Agência Espacial Brasileira e a ACS realizassem qualquer obra, instalações e serviços que afetassem a posse do território étnico de Alcântara, até que fosse concedida em definitivo a titulação da área às comunidades quilombolas.

    Em outubro de 2008, completaram-se 20 anos do reconhecimento do direito das comunidades quilombolas à propriedade de seu território, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, e não há qualquer perspectiva do governo brasileiro conceder em definitivo os títulos de propriedade às comunidades quilombolas de Alcântara.

    Após a audiência, a CIDH deverá emitir um relatório sobre as violações de direitos humanos cometidas pelo Estado brasileiro, apontando recomendações para reparação às comunidades. As organizações que apresentaram a denúncia junto a OEA esperam que sejam reconhecidos os direitos à propriedade, liberdade de circulação, proteção à família, liberdade de associação e respeito à igualdade e não-discriminação dos quilombolas de Alcântara, previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos.

    A audiência durará cerca de uma hora, com aproximadamente 20 minutos para as partes exporem seus argumento e poderá ser acompanhado em vídeo pela internet, na página da OEA, no endereço abaixo:

    OEA- Oragnização dos Estados Americanos

    Para mais informações, entrar em contato com:

    Justiça Global: + 55 21 25442320 /8187 0794

    Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE) 55 98 337 1454

    FONTE: GLOBAL.ORG

    PARA UMA LISTA DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS NO BRASIL CONSULTE: CPISP

    ESCOLAS IGNORAM A 10639/03


    Ministério da Educação diz que legislação, de 2003, não surtiu o efeito esperado

    Lei prevê ensino da história da África, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade

    CÍNTIA ACAYABA E THIAGO REIS (DA AGÊNCIA FOLHA)


    Depois de cinco anos e mais de R$ 10 milhões gastos com capacitação de professores, a lei federal que obriga escolas públicas e particulares de todo o país a ensinar história e cultura afro-brasileira -uma das primeiras medidas do governo Lula- não saiu do papel.

    São poucos os colégios que hoje têm o tema inserido na grade curricular. Às vésperas do mês da Consciência Negra, o MEC quer mudar o quadro. Diz que vai lançar, em novembro, um plano nacional de implantação da lei, com distribuição de material didático e monitoramento das atividades.

    "Não houve um planejamento. Só algumas escolas públicas, em razão de professores interessados, adotaram a lei. As particulares nem sequer discutiram a temática", diz Leonor Araújo, coordenadora-geral de Diversidade e Inclusão do MEC. Segundo ela, o estabelecimento da lei deixará de ser uma iniciativa individual para se tornar institucional. O MEC não sabe quantas escolas já cumprem, de fato, a lei.

    Araújo diz que o objetivo é combater a discriminação e dar à escola "uma nova identidade na área didático-pedagógica". "Alunos negros não conseguem se ver na escola, já que não existe nada que os identifique."

    A lei 10.639, de janeiro de 2003, prevê a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" e coloca como conteúdo o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade. Uma nova lei, a 11.645, de março último, mantém as disposições e inclui ainda a questão indígena.

    Araújo diz que o MEC capacitou 40 mil professores, mas que não houve o resultado esperado. Afirma ser preciso qualificar também diretores e coordenadores pedagógicos.

    O não-cumprimento da lei fez com que promotores e entidades se mobilizassem no país.

    Na Bahia -Estado que abriga uma das maiores populações de negros no Brasil- o Ministério Público instaurou inquérito civil em 2007 e notificou as escolas para que cumpram a lei.

    Em São Paulo, o Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades) entrou com representação no Ministério Público Federal para questionar 20 cidades da Grande São Paulo, incluindo a capital, sobre quais ações estavam sendo tomadas. O presidente do Sieeesp (sindicato das escolas particulares de SP), José Augusto de Mattos Lourenço, nega que a maioria das escolas não esteja cumprindo a lei.

    O QUE DIZ A LEI 10.639, de 2003
    Estabelece a inclusão no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira"

    Coloca como conteúdo o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, bem como a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à história do Brasil

    O QUE DIZ A LEI 11.645, de 2008
    Mantém todos os dispositivos anteriores, mas inclui também a obrigatoriedade da temática indígena no currículo

    Fonte: Presidência da República

    “Educação no Brasil. Qual a situação atual e os rumos para a educação no país?”

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    Este é mais um especial produzido pela Radioagência NP. Nesta nova série, a equipe da Radioagência NP aborda temas relacionados à educação no Brasil. Nas reportagens - que contam com entrevistas de sindicalistas, diretores, professores, alunos, entre outros - fica fácil identificar os principais problemas que existem no setor.

    A série de seis programas de rádio - de em média dez minutos cada - pode ser utilizada, sem custos, na programação de qualquer emissora interessada, desde que mantida a íntegra do áudio e citada a fonte.

    A Radioagência NP vai disponibilizar 100 Cd’s gratuitamente. Se você é representante de alguma rádio, organização social ou escola, peça a série "Educação no Brasil. Qual a situação atual e os rumos para a educação no país?". Escreva para jornalismo@radioagencianp.com.br e envie seus dados (nome, endereço completo, contato e os dados da entidade/rádio/escola).

    Se preferir, baixe aqui o arquivo em MP3 ou acesse a versão em texto das reportagens:



    Programa 1 - Sistema público de educação
    Programa 2 - Analfabetismo
    Programa 3 - Educação infantil
    Programa 4 - Educação no campo
    Programa 5 - Cotas para negros nas universidades
    Programa 6 - Mercantilização do ensino


    Ficha técnica


    Reportagens: Danilo Augusto, Desirèe Luíse, Gisele Barbiere, Juliano Domingues, Nina Fideles e Vinicius Mansur.

    Locução: Nina Fideles e Vinicius Mansur. Bruno Guerra (vinhetas).

    Sonoplastia: Adílson Oliveira, Gabriel Silvestre e Jorge Mayer.

    Produção: www.radioagencianp.com.br

    Apoio: Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

    sexta-feira, 24 de outubro de 2008

    Feminicídio ao vivo: o que nos clama Eloá


    Vocês conhecem Maria da Penha? Falo da mulher ativista que inspirou a criação da lei que recebeu o seu nome. Ela e Maria Dolores de Brito escreveram a oportuna reflexão sobre o caso Eloá:


    Tudo o que o Brasil acompanhou com pesar no drama de Eloá, em suas cem horas de suplício em cadeia nacional, não pode ser visto apenas como resultado de um ato desesperado de um rapaz desequilibrado por causa de uma intensa ou incontrolada paixão. É uma expressão perversa de um tipo de dominação masculina ainda fortemente cravada na cultura brasileira.

    No Brasil, foram os movimentos feministas que iniciaram nos anos de 1970, as denúncias, mobilização e enfrentamento da violência de gênero contra as mulheres que se materializava nos crimes cometidos por homens contra suas parceiras amorosas. Naquele período ainda estava em vigor o instituto da defesa da honra, e desenvolveram- se ações de movimentos feministas e democráticos pela punição aos assassinos de mulheres. A alegação da defesa da honra era então justificativa para muitos crimes contra mulheres, mas no contexto de reorganização social para a conquista da democracia no país e do surgimento de movimentos feministas, este tema vai emergir como questão pública, política, a ser enfrentada pela sociedade por ferir a cidadania e os direitos humanos das mulheres.

    O assassinato de Ângela Diniz, em dezembro de 1976, por seu namorado Doca Street, foi o acontecimento desencadeador de uma reação generalizada contra a absolvição do criminoso em primeira instância, sob alegação de que o crime foi uma reação pela defesa "honra". Na verdade, as circunstâncias mostravam um crime bárbaro motivado pela determinação da vítima em acabar com o relacionamento amoroso, e a inconformidade do assassino com este fim. Essa decisão da justiça revoltou parcelas significativas da sociedade cuja pressão levou a um novo julgamento em 1979 que condenou o assassino. Outro crime emblemático foi o assassinato de Eliane de Grammont pelo seu ex-marido Lindomar Castilho em março de 1981. Crimes que motivaram a campanha "quem ama não mata".

    Agora, após três décadas, o Brasil assistiu ao vivo, testemunhando, o assassinato de uma adolescente de 15 anos por um ex-namorado inconformado com o fim do relacionamento. Um relacionamento que ele mesmo tomou a iniciativa de acabar por ciúmes, e que Eloá não quis reatar. O assassino, durante 100 horas manteve Eloá e uma amiga em cárcere privado, bateu na vitima, acusou, expôs, coagiu e por fim martirizou o seu corpo com um tiro na virilha, local de representação da identidade sexual, e na cabeça, local de representação da identidade individual. Um crime em que não apenas a vida de um corpo foi assassinada, mas o significado que carrega – o feminino.

    Um crime do patriarcado que se sustenta no controle do corpo, da vontade e da capacidade punitiva sobre as mulheres pelos homens. O feminicídio é um crime de ódio, realizado sempre com crueldade, como o "extremo de um continuum de terror anti-feminino" , incluindo várias formas de violência como sofreu Eloá, xingamentos, desconfiança, acusações, agressões físicas, até alcançar o nível da morte pública. O que o seu assassino quis mostrar a todas/os nós? Que como homem tinha o controle do corpo de Eloá e que como homem lhe era superior? Ao perceber Eloá como sujeito autônomo, sentiu-se traído, no que atribuía a ela como mulher (a submissão ao seu desejo), e no que atribuía a si como homem (o poder sobre ela - base de sua virilidade). Assim o feminicídio é um crime de poder, é um crime político. Juridicamente é um crime hediondo, triplamente qualificado: motivo fútil, sem condições de defesa da vítima, premeditado.


    Se antes esses crimes aconteciam nas alcovas, nos silêncios das madrugadas, estão agora acontecendo em espaços públicos, shoppings, estabelecimentos comerciais, e agora na mídia. Para Laura Segato [1] é necessário retirar os crimes contra mulheres da classificação de homicídios, nomeando-os de feminicídio e demarcar frente aos meios de comunicação esse universo dos crimes do patriarcado. Esse é o caminho para os estudos e as ações de denúncia e de enfrentamento para as formas de violência de gênero contra as mulheres.

    Muita coisa já se avançou no Brasil na direção da garantia dos direitos humanos das mulheres e da equidade de gênero, como a criação das Delegacias de Apoio às Mulheres - DEAMs, que hoje somam 339 no país, o surgimento de 71 casas abrigo, além de inúmeros núcleos e centros de apoio que prestam atendimento e orientação às mulheres vítimas, realizando trabalho de denúncia e conscientizaçã o social para o combate e prevenção dessa violência, além de um trabalho de apoio psicológico e resgate pessoal das vítimas. Também ocorreram mudanças no Código Penal como a retirada do termo "mulher honesta" e a adoção da pena de prisão para agressores de mulheres, em substituição às cestas básicas. A criação da Lei 11.340, a Lei Maria da Penha, para o enfrentamento da violência doméstica contra as mulheres.

    Mas, ainda assim, as violências e o feminicídio continuam a acontecer. Vejamos o exemplo do Estado do Ceará: em 2007, 116 mulheres foram vítimas de assassinato no Ceará; em 2006, 135 casos foram registrados; em 2005, 118 mortes e em 2004, mais 105 casos [2]. As mulheres estão num caminho de construção de direitos e de autonomia, mas a instituição do patriarcado continua a persistir como forma de estruturação de sujeitos. É preciso que toda a sociedade se mobilize para desmontar os valores e as práticas que sustentam essa dominação masculina, transformando mentalidades, desmontando as estruturas profundas que persistem no imaginário social apesar das mudanças que já praticamos na realidade cotidiana. O comandante da ação policial de resgate de Eloá declarou que não atirou no agressor por se tratar de "um jovem em crise amorosa", num reconhecimento ao seu sofrer. E o sofrer de Eloá? Por que não foi compreendida empaticamente a sua angústia e sua vontade (e direito) de ser livremente feliz?


    Notas:

    [1] SEGATO, Rita Laura. Que és um feminicídio. Notas para um debate emergente. Serie Antropologia, N. 401. Brasília: UNB, 2006.
    [2] Dados disponíveis em: Portal da Violência Contra a mulher

    * Maria Dolores é Socióloga, professora da Universidade Federal do Ceará /
    Maria da Penha é inspiradora do nome da Lei Federal 11340/2006 e colaboradora de Honra da Coordenadoria de Políticas para Mulheres da Prefeitura de Mulheres