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quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Notas críticas aos argumentos contra cotas para negros nas universidades públicas

Notas críticas aos argumentos contra cotas para negros nas universidades públicas

Luis Fernando Cerri

Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se os olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária
Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão.

(Haiti – Caetano Veloso)

Introdução

As políticas afirmativas para acesso de estudantes negros às universidades públicas estão num novo nível de debate. Num primeiro momento, no início da década, o debate centrava-se na constitucionalidade, justiça e efetividade da iniciativa em cumprir seus objetivos. Hoje, o quadro atual das também chamadas políticas de cotas é outro. Estudos e relatórios recentes (p.ex. BRANDÃO, 2007) afastam alguns questionamentos anteriores, como o comprometimento da qualidade acadêmica do aluno que ingressou por cotas. No que se refere à constitucionalidade, consolidou-se no judiciário o princípio de que as políticas afirmativas são legais, a partir do princípio de dever do Estado na produção de igualdade substantiva, para além da igualdade formal.

Nesse quadro, em meados de 2007, é possível observar uma reação em setores da sociedade brasileira, procurando abrir um novo ciclo de discussões e reverter uma política que começa a dar sinais de consolidação e adaptação, tendendo portanto a generalizar-se no curto prazo. Assim, reportagens, sobretudo no jornalismo televisivo da Rede Globo e na revista Veja, do Grupo Abril (portanto dois dos maiores conglomerados da comunicação de massa no país) recolocaram a questão das cotas. Essa reação procura atingir, além dos pressupostos teóricos, seu modus operandi, a partir da afirmação de que o conceito de raça, (base da política implementada), não existe ou não é minimamente objetivo para ser aplicado. Além disso essas políticas tiveram reforçada sua ligação com o Governo Lula, o que acabou por constituir uma manobra para associar a insatisfação oposicionista com a crítica a uma política pública supra-governamental, e mesmo, em muitos casos, além do alcance do poder decisório dos governos, uma vez que fica no âmbito da autonomia universitária, em boa parte dos casos.

Além de um fenômeno midiático que pode ser associado à oposição política a um governo em particular, seu lugar social é o âmago de empresas capitalistas envolvidas em processos de oligopolização de seu mercado. Nesse quadro, o recurso ao radicalismo do discurso liberal – contrário portanto a qualquer intervenção do estado em qualquer campo da vida social ou econômica – ajuda a explicar uma predisposição natural contra políticas públicas compensatórias em geral, e as políticas de cotas em particular.

Esse texto objetiva discutir as bases da argumentação usada nesse processo de reação. A pergunta no final das contas é “temos um compromisso, como nação, com a reparação de prejuízos históricos causados aos negros?”. A estratégia para responder negativamente a essa pergunta tem duas linhas principais: 1) não há prejuízos históricos que sejam verificáveis ou não é possível definir quem é negro (linha predominante em Ali Kamel, por exemplo) e 2) há desvantagens históricas impostas aos negros, mas elas não podem ser resolvidas através de políticas afirmativas: elas não funcionarão, porque não funcionaram em parte alguma em que foram implantadas (linha predominante em Thomas Sowell). Pretendemos discutir preliminarmente esses argumentos, de um ponto de vista favorável a políticas educacionais afirmativas para negros. Parte-se da idéia de que há, sim, uma desvantagem social e educacional da população negra, que foi construída historicamente no Brasil e que tem sido combatida, sobretudo por pressão do movimento negro sobre o Estado, cobrando-o por seu discurso republicano / democrático. Entretanto, não tem sido enfrentada decisivamente a desigualdade que separa brancos e não-brancos.

No título, a expressão “notas críticas” demonstra o caráter não exaustivo desse capítulo, bem como o fato de ter sido produzido por um leitor crítico envolvido no debate, e com um ponto de vista específico (historiador, com formação em Educação, favorável e avaliador da implementação de uma política de cotas universitária para negros em especial) e não um especialista com formação nas questões em tela.

“Não somos racistas” – o argumento de que não há o que reparar.

O livro do sociólogo e executivo da Rede Globo de Televisão, Ali Kammel, tem como título “Não somos racistas”. Ele é um dos principais divulgadores da tese de que não há reparação a ser feita para os negros, porque não há efetiva desigualdade baseada no critério racial. Seu raciocínio fica na borda da idéia de que no Brasil não há racismo, embora não entre de vez nessa idéia, apenas sugerindo que “não somos racistas”. A primeira pessoa do plural indefinida (quem somos nós, que não somos racistas?) permite essa proximidade, sem adesão definida, com a idéia de Brasil como democracia racial.

Apesar de se tratar de um ensaio, com características de material de divulgação, o livro de Kamel é relevante por dois motivos. Primeiro, porque teve ampla divulgação e repercussão, alcançando diversas edições e ganhando espaço nos meios de formação de opinião. Por outro, é representativo devido ao estrato social a que pertence – uma parcela específica da elite econômica brasileira, proprietária e/ou financiada por instituições conservadoras de comunicação social. Kamel atua como “intelectual orgânico” da classe social que representa / serve / pertence.

O indicativo importante que discutiremos a seguir é que esse autor demonstra que os desenvolvimentos da sociologia brasileira desde os anos 50 não tiveram repercussão nessa elite nacional. Assim, a crítica à idéia de democracia racial, o reconhecimento da especificidade do racismo brasileiro, diverso do norte-americano, mas nem por isso menos nefasto em suas conseqüências, e o reconhecimento das contribuições das culturas negras ao processo civilizatório nacional, que são hoje dominantes na academia e mesmo em amplas parcelas dos setores do Estado que são responsáveis por políticas sociais, apresentam-se como não – hegemônicos na sociedade, combatidos por uma parcela fundamental da classe dominante.

Um auxílio à caracterização do lugar social ocupado por Kamel, necessária, embora não suficiente para a análise de sua argumentação, é feito pela professora Yvonne Maggie (UFRJ), no prefácio à mencionada obra. Afirma Maggie [1]:

“Executivos de grandes redes, usualmente, não manifestam suas posições pessoais sobre temas nacionais. Por isso sua participação no debate público é tão importante para demonstrar que as empresas da mídia são instituições formadas por alguns indivíduos que têm opiniões próprias, uma outra batalha que Ali Kamel vem travando com muitas patrulhas de plantão”. (p. 10) [2]

A síntese da obra de Kamel pode ser feita em quatro linhas principais. Inicialmente está a negação do racismo como convicção, difícil de comprovar ou refutar, pois é um elemento subjetivo e não necessariamente verbalizado pelas pessoas, mesmo porque é crime inafiançável definido na Constituição Federal. Com isso, pretende-se negar a amplitude da discriminação racial, o que é mais difícil por tratar-se de uma prática social, refletida em dados objetivos. Por isso, a obra conta com um exercício estatístico na tentativa de demonstrar que os negros não compõem a maior parte da população pobre do país, bem como não há diferença de remuneração ou de acesso a emprego entre negros e não-negros. Outra linha de raciocínio importante da obra é a negação dos “pardos” como negros. Em seguida, vem a assertiva de que os problemas de renda e acesso a bens sociais, entre eles a educação, por parte de “pardos e negros” resultam da pobreza e do nível educacional, e não dos efeitos do racismo. Por fim, defende que a saída para esse problema seja o investimento maciço na educação básica, o que é uma decorrência lógica do não - reconhecimento da desigualdade como fator central: se todos são formal e teoricamente iguais, uma política universalista de distribuição de recursos deve ser capaz de resolver as desigualdades que não se devem a fatores raciais, mas a fatores econômicos.

Sem pretensão de sermos exaustivos, comentaremos cada um desses tópicos.

“Não somos racistas”, mas no Brasil há racismo. Essa é a conclusão de uma pesquisa desenvolvida pelo Fórum Diálogos Contra o Racismo [3], ou seja, a maioria da população entrevistada não se assume como racista, e a maioria afirma que há racismo no Brasil, levando-nos ao paradoxo do racismo sem racistas, que motivou o desenvolvimento de diversas campanhas de esclarecimento, com o mote “Onde você guarda o seu racismo?”.

A negação dos efeitos práticos do racismo começa por um item que o autor intitula como “A gênese contemporânea da nação bicolor”. Manifesta um susto com o que chama de “ transformação de pardos em negros”:

“Certo dia, caiu a ficha: para as estatísticas, negros eram todos aqueles que não eram brancos. Cafuzo, mulato, mameluco, caboclo, escurinho, moreno, marrom-bombom? Nada disso, agora ou eram brancos ou eram negros. De repente, nós que éramos orgulhosos da nossa miscigenação, do nosso gradiente tão variado de cores, fomos reduzidos a uma nação de brancos e negros. Pior: uma nação de brancos e negros onde os brancos oprimem os negros. Outro susto: aquele país não era o meu.” (KAMEL, 2006, p. 18)

Temos nesse trecho o autor chocado, como Adão e Eva diante da “expulsão do paraíso”, dando-se conta de que as estatísticas oficiais incorporaram toda a discussão da sociologia sob o impacto da obra de Florestan Fernandes e outros: o Brasil não é uma democracia racial. Seguindo seu argumento, retoma Gilberto Freyre e a concepção de que ele não acreditava na democracia racial como realidade, mas apenas como ideal a ser buscado; portanto, para Kamel, o racismo existia e existe (p. 20) mas a nação não se queria racista e sempre condenou o racismo.

Há dois problemas nessa argumentação: um é reduzir a nação a uma generalidade abstrata e homogênea. Não existe “a nação” como sujeito que faz ou deixa de fazer alguma coisa, existe a nação como conjunto de pessoas e grupos concretos que disputam projetos de nação e interesses entre si. A metonímia da nação é um recurso retórico da luta ideológica, que não é admitida quando adentramos a esfera do rigor acadêmico. Assim, é de se reconhecer que não é “a nação” que sempre combateu o racismo, mas uma parcela dela. Se combateu, tinha opositores, e esses certamente são os que praticam / praticavam o racismo, assumidamente ou não. Uma das grandes conquistas dos movimentos negros e contra o racismo em geral é a identificação de que o racismo no Brasil, ao contrário de uma convicção (como em partes dos Estados Unidos ou na África do Sul sob o Apartheid) é um conjunto de práticas discriminatórias não assumidas como tal, que incluem mesmo o paternalismo exercido sobre pessoas negras. É o que se caracteriza como “racismo cordial” (TURRA e VENTURI, 1995). É o que evidencia, por exemplo, o Fórum Diálogos contra o Racismo, mencionado acima.

O primeiro passo para o combate ao racismo é reconhecê-lo, não só como abstração e coisa dos outros, mas como uma estrutura psicológica coletiva sobre a qual temos pouco controle, até o momento que o reconhecemos em nós, independente do grupo racial a que pertencemos e da forma que ele assume. Ora, no discurso de Kamel, tanto a nação quanto o racismo são desprovidos de subjetividade, materialidade e de complexidade.

Kamel busca na Sociologia dos anos 50 o “desvio errado” que o Brasil teria tomado, pelo qual estaríamos chegando a uma nação bicolor, através do que caracteriza de equívoco teórico, ou seja, a classificação de pretos e pardos como negros. Para força de seu discurso, ignora os índios (cuja população e auto-declaração tem crescido, e cuja identificação racial ou cultural é inequívoca) e os orientais. Afirma também que a denúncia do racismo brasileiro desconsideraria as relações de amizade e as relações conjugais inter-raciais. É outro equívoco. O fato de que no Brasil se encontram essas relações é um ponto positivo, mas não invalida a construção teórica referente ao racismo brasileiro e suas especificidades. Pelo contrário, combater o racismo não passa por identificar os pontos em que a sociedade brasileira não pratica a discriminação, mas exatamente pelo reconhecimento dos pontos em que essa discriminação existe, e as formas pelas quais essa discriminação é exercida. E nessa tarefa, o livro de Kamel não só não ajuda em nada, mas atrapalha ao tentar recuperar elementos do mito do Brasil como democracia racial, beneficiado pela ausência de um racismo tal qual se praticaria em outros países, cujo arquétipo é sempre os Estados Unidos da América.

Para o argumento de que não há o que se possa reparar especificamente nas relações raciais brasileiras, uma das idéias mais importantes esgrimidas por Kamel é a de que as raças não existem. Desse argumento biologizante (e portanto, de certo modo, filiado ao positivismo) derivam a crítica à junção de pretos e pardos na categoria única de negros, bem como a crítica à idéia de que seríamos, sim, um país racista. Também depende desse raciocínio a crítica à idéia subsidiária de que a pobreza no Brasil é predominantemente negra, base das políticas afirmativas por parte das Universidades e do poder público em geral.

A “redescoberta”, por parte do discurso contra as políticas afirmativas para negros, da ausência de raças na espécie humana pela Antropologia, num primeiro momento, e depois pela Genética, são um esforço conservador de restabelecer o desgastado princípio de igualdade formal que permita a continuidade do tratamento igual aos que são, na verdade, desiguais, de modo a não colocar o Estado a promover igualdade. É significativo que esse argumento seja recuperado no momento atual, em que o antigo argumento da igualdade formal entre os brasileiros (expresso na máxima liberal de que todos são iguais perante a lei) tem perdido seu efeito prático de manter as desigualdades. Sim, porque as decisões judiciais nos litígios por vagas em universidades que adotaram vêm tendendo a estabelecer a insuficiência do princípio da igualdade formal (e portanto dos direitos formais) diante das evidências de que as condições das pessoas as desigualam e mesmo as impedem na prática de exercer sua igualdade formal. Tem vencido, portanto, o princípio dos direitos substantivos, práticos, que a justiça deve favorecer.

A partir dessa realidade, a reação às políticas afirmativas, da qual Kamel participa, passa a buscar um outro argumento no qual possa sustentar a existência de igualdade em algum plano, e o encontra na negação do conceito de raça e na “confusão genética” de nosso povo. Assim, recentemente, desenvolveram-se análises genéticas de negros famosos e comprovou-se a presença de origens genéticas européias predominantes, em pessoas que fenotipicamente jamais seriam reconhecidas como européias. Deixemos de lado o fato de que se recorre a um expediente cientificista, pelo qual os detalhes da pesquisa são deixados de lado (como o significado exato de “origem européia dos genes”) em favor do discurso de autoridade fascinante do laboratório e do jaleco branco na emissão de “verdades”. Trata-se aqui de discutir o conceito de raça diante desse quadro.

É importante notar que nos Estados Unidos, não se fazem análises genéticas da população latina para verificar o quanto de europeu ela tem no corpo. Afinal, latino-americanos descendem de europeus, índios e negros, em diferentes perspectivas. O autor dessas linhas, por exemplo, que tem origem majoritariamente italiana e aparência caucasiana, nos EUA é “latino” e no Brasil é “branco”. Já o Neguinho da Beija-Flor, que no Brasil tem sua genética exposta como mais europeu que negro, nos EUA é claramente negro. E no Brasil também, apesar de sua carta genética. Por que isso ocorre?

Da constatação de que raças não existem, não deriva logicamente a afirmação de que somos todos iguais. Ora, temos aparências diferentes, fenótipos distintos, e isso não é irrelevante nas relações sociais. Nenhuma criança pede à outra seu exame de DNA para isolá-la na escola, na hora do lanche: elas o fazem a partir da aparência do(a) colega. Ninguém é recusado num emprego pelo seu código genético, mas pela aparência. Se a raça não existe como conceito biológico ou antropológico, a raça existe nas relações sociais! A raça existe na Sociologia, na História, na porta da casa noturna, na hora do mau policial decidir se atira primeiro e pergunta depois ou o contrário. A raça não reúne as pessoas pelo mapa genético, mas pela experiência social compartilhada, pelos relacionamentos, pressupostos, preconceitos. Que essas relações sejam temperadas, no Brasil, pela posse ou não de dinheiro e bens, é uma especificidade das relações sociais brasileiras, não um fator que negue o peso das relações raciais.

Caetano Veloso, na letra da canção que é epígrafe do presente texto, traduz poeticamente o significado desse argumento: no Brasil, “branco” é todo aquele que não é “quase preto” ou “quase branco”. Então, porque pretos e pardos podem ser reunidos, estatisticamente, em uma categoria única, a de negros? Pela similaridade das suas experiências e relações! Por que ser “quase branco” ou “quase preto” ou “preto” faz diferença nas relações sociais. Sobretudo, cumpre questionar esse debate, evidenciando que, historicamente, para sofrer discriminação racial, “cafuzo, mulato, mameluco, caboclo, escurinho, moreno, marrom-bombom” (Kamel) são “tratados como pretos / Só pra mostrar aos outros quase pretos / (E são quase todos pretos) /E aos quase brancos pobres como pretos / Como é que pretos, pobres e mulatos /E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados” (Veloso). Porém, quando se trata de definir políticas redistributivas, a raça (o que identifica um grupo pelas aparências e experiências sociais que compartilha) não é aceita como critério.

A revista Veja chegou a aproximar os defensores das cotas raciais com os nazistas ou os africâners do regime do Apartheid, misturando alhos com bugalhos e fazendo a clássica inversão que o Marx da Ideologia Alemã identificaria claramente como ideologia burguesa. As cotas são prática redistributiva e visam beneficiar os “discriminados” (e não prejudica-los ou extermina-los), e não estão baseadas em bases pseudocientíficas e biologizantes da questão racial, exatamente o contrário dos nazistas e arquitetos do Apartheid.

Por fim, os estudos estatísticos de Kamel são malabarismos para tentar demonstrar que o racismo não é a causa das diferenças entre negros e brancos no que se refere a renda e acesso a bens em geral. Nesse exercício, acaba por demonstrar a toda curva e a cada atalho de seu raciocínio a situação de inferioridade contra a qual negros – pretos e pardos – de debatem no Brasil. Por exemplo, quando afirma que negros ganham menos que brancos em uma determinada categoria por serem menos escolarizados, cai na própria armadilha ao evidenciar que negros e brancos não tem o mesmo tipo de acesso à educação. Ao tentar afirmar que essas situações não se devem ao racismo, roça-se – implícita e perigosamente - a idéia de que os negros seriam menos dotados intelectualmente (afinal, se não há obstáculos racistas, por que os negros têm desempenhos inferiores?). Ao contrário dessas formulações, outros estudos, como os patrocinados pela UNESCO (por exemplo HENRIQUES, 2002) evidenciam que a cor da pele é fator de piora na situação social, educacional, econômica, enquanto trabalhos como os de Cavalleiro (2000) e Fazzi (2004) analisam o impacto do preconceito e da discriminação (sobretudo por parte de professores) no aprendizado de crianças e jovens negros.

“Ação afirmativa não funciona” – o caminho para superar a desigualdade é o tratamento igualitário.

Kamel e outros debatedores contrários às políticas afirmativas sustentam-se sobretudo no estudo de Thomas Sowell para afirmar que as cotas não funcionam: beneficiariam apenas os estratos mais altos dos grupos favorecidos, ou ainda poderiam levar à exacerbação dos preconceitos dos não – beneficiados. Por isso, essa parte do texto é dedicada a comentar a obra “Ação afirmativa ao redor do mundo. Estudo empírico”, de Sowell. O título é revelador do eixo do argumento do autor, um argumento neopositivista, de que sobra emoção e faltam dados empíricos ao debate sobre cotas e outras ações afirmativas. Entretanto, na medida em que ele promove uma pesquisa ampla e comparativa de diversas experiências em distintos países, sustenta a posição de que seu objeto mostrou-se invariavelmente nefasto em todos os casos estudados. O fetiche do dado bruto como emissor de verdade é algo superado no debate acadêmico há muito tempo, afinal a opinião está na base da construção dos instrumentos que extraem os dados do real, e por isso os dados não logram ter a força bruta que positivistas e neopositivistas lhe imputam. Antes do dado, temos a discussão de como esse dado foi produzido, ou seja, a validação dos enunciados não ocorre mais no autoritarismo frio dos dados, mas na razoabilidade dos instrumentos, dados e argumentos, construídos intersubjetivamente. É ao rascunho dessa tarefa que nos dedicamos a seguir.

O historiador José Roberto Pinto de Góes apresenta a obra e oferece um panorama interessante sobre a utilização das idéias e argumentos de Sowell em função da realidade brasileira. Em outros termos, a ele cabe comentar o significado da obra traduzida a ser lida pelos brasileiros, e espera-se que procure traçar paralelos com o caso brasileiro, não analisado por Sowell. Afirma Góes que “O sistema só tem beneficiado uma minoria. Não a minoria, mas uma minoria preexistente no interior de uma minoria” (in SOWELL, p. x) e por isso apenas os negros com melhores condições educacionais terão acesso à universidade. O argumento de Góes evidencia alguns dados correlatos importantes: a) no Brasil, atualmente, nem a minoria da minoria vinha tendo acesso à universidade pública, o que garante o argumento de que o racismo é um fator central na exclusão educacional de negros e b) as políticas de cotas não se opõem necessariamente ao mérito acadêmico. Em outros termos, se há uma parcela afortunada na minoria negra brasileira, porque afinal ela permanecia praticamente ausente dos bancos universitários? Beneficiados pelos estudos posteriores (p. ex. BRANDÃO, 2007), podemos afirmar que a minoria da minoria está acessando a universidade (ou seja, aqueles negros filhos de pais de classe média baixa e classe baixa que conseguem sair do mercado de trabalho e receber algum apoio financeiro da família). Além dessa “elite”, outros alunos que não poderiam permanecer na universidade sem apoio financeiro do Estado ou das universidades têm se agarrado às franjas dos combalidos serviços de apoio aos estudantes e têm-se mantido na graduação. Outros tantos entre esses, por sua vez, não resistem e são obrigados à evasão. No fim das contas, as cotas têm a) permitido à “minoria da minoria” acessar a universidade, que antes não o fazia; b) permitido a uma parcela da maioria da minoria o mesmo acesso e permanência e c) falhado em garantir a permanência de outros cotistas da maioria da minoria. Inegavelmente estamos um passo adiante do que estávamos antes das cotas no quesito da inclusão. E não cabe à política afirmativa resolver todos os problemas educacionais, apenas os problemas de desigualdade.

Góes também entra em discussões reveladoras, como a oposição a políticas de transferência de renda em geral para os pobres, a idéia de que cotas fornecerão diplomas, mas não educação (o que em 2004 era um palpite, largamente desmentido pelos resultados atuais no desempenho acadêmico dos cotistas) e o orgulho da mestiçagem versus divisão entre brancos e não-brancos nas estatísticas. Mas um dado muito mais interessante do conjunto de elementos que esgrime é a crítica ao “imperialismo cultural” norte-americano, que estaria presente dos financiamentos da Fundação Ford para o estudo de questões raciais brasileiras até a importação das cotas como política inclusiva. Essa crítica convive sem problemas de consciência com o fato de que o cabedal de informações de Sowell, que Góes está a apresentar, é produção de um pesquisador norte-americano, financiado e comissionado pela norte-americana Hoover Institution on War, Revolution and Peace, da Universidade de Stanford! Não é uma contradição, é o reconhecimento de que, com as devidas ressalvas críticas e análise de interesses, o conhecimento não tem validade a partir do país ou instituição, mas pela sua coerência, consistência e relevância. Nesse rumo, Góes questiona porque o Brasil imita as cotas dos estadunidenses, e não o profundo respeito, em sua cultura política, pelos direitos individuais. Embora a afirmação soe um pouco estranha após o Patriotic Act sob George W. Bush e os fatos nas prisões de Guantánamo e Abu Ghraib, podemos responder que não imitamos essa característica pelo mesmo motivo de não imitar a riqueza norte americana. Prosperidade econômica e cultura política são elementos construídos durante dezenas de gerações. Cotas são uma política pública de curto prazo. Além disso, é questionável a idéia de imitação norte-americana, porque o livro que Góes apresenta tem exatamente o caráter demonstrativo da amplitude das ações afirmativas no mundo, com casos que precedem o dos Estados Unidos.

Para passarmos a Sowell propriamente, já que não cabe aqui esgotar toda a contra-argumentação possível a Góes, basta indicar que o assunto é apaixonante, e é um exercício formidável a vigilância constante que o estudioso precisa ter para não passar do debate fundamentado e razoável para a provocação gratuita em favor de suas paixões. Góes dedica seus últimos parágrafos à paixão, e num texto apaixonado critica a paixão de seus opositores nessa discussão. E para tanto, termina citando o padre Antonio Vieira sobre os males da paixão conjugal, o que pode não ser uma referência confiável, uma vez que ao jesuíta casto e celibatário deveria faltar exatamente aquilo que é tido em Sowell como critério de autoridade e validade do discurso: o conhecimento empírico. Qualquer leitor de primeira viagem percebe, entretanto, que sob o véu do empirismo e da neutralidade está o conceito apriorístico do autor, que procura negar as ações afirmativas como ações viáveis para diminuir as desvantagens de grupos sociais. Pose-se perceber isso. Por exemplo, quando o autor afirma que seu estudo dá espaço para opiniões de ambos os lados quanto às ações afirmativas, mas as opiniões favoráveis têm pouco ou nenhum espaço, e aparecem já decompostas (e por vezes mutiladas) pela análise do autor.

Sowell desenvolve um estudo extenso, e foge às dimensões deste capítulo discutir cada um dos seus encaminhamentos metodológicos ou argumentativos, motivo pelo qual discutiremos apenas alguns deles. Já que o autor, após a análise de 5 casos nacionais, afirma que tanto as características em cada país quanto os argumentos pró-ações afirmativas são mais universais do que se admite, e já que debatedores como Kamel e Góes derivam daí a idéia de que tais ações são universalmente nefastas, procuraremos fazer nossas anotações numa perspectiva de comparação / adaptação com o caso brasileiro.

Uma das primeiras conclusões apresentadas por Sowell é que, em todos os países estudados, as pessoas que se auto-declaram pertencentes a uma minoria beneficiada por ações afirmativas crescem em número rapidamente. Há um tom de condenação a essa prática, como se a assunção de uma tal identidade tivesse algo de ilegítimo a priori. Não podemos afirmar nada sobre os casos apresentados por Sowell, mas podemos traçar algumas linhas sobre o caso brasileiro.

O processo de construção de identidades é complexo, e essa característica é acirrada nos tempos em que vivemos, sejam eles chamados de pós-modernidade, modernidade tardia, ou o que quer que seja. O fato é que atualmente, em quase todos os espaços, a identidade não é atribuída irreversivelmente de fora para dentro do indivíduo, a partir de relações sociais e aparências fechadas, mas também de dentro para fora, o que nos coloca na condição de uma estrutura dinâmica e variável de composição de identidades (cf., p. ex., Hall, 2005). Por outro lado, assumir uma identidade, por exemplo ao ser perguntado em uma entrevista do censo populacional, é um exercício de representação de si mesmo, com bases que podem ser mais ou menos concretas, dependendo do significado dessa identidade para a convivência social.

A população indígena brasileira nos censos populacionais e Pesquisas Nacionais por Amostra Domiciliar (PNAD) vem crescendo muito acima de sua taxa de fertilidade, o que significa que mais pessoas estão se identificando como índias. Embora não haja nenhuma vantagem direta nisso, esforços de diversas instituições em valorizar as diversas culturas e povos nativos podem estar tornando “ser índio” um dado não carregado de desvantagens pessoais, somente. Ou seja, a reaproximação de alguém com suas origens não depende necessariamente de vantagens materiais imediatas, mas também de um processo de reconciliação com uma identidade negada, pelo reencontro mental com suas virtudes. É o que se chama de orgulho cultural ou étnico das próprias origens. E a lógica das identidades impede que alguém assuma uma origem que somente lhe traz prejuízos. Mesmo quando ela continue alvo de discriminações e sofrimentos, entretanto, obter a aprovação e o reconhecimento dentro do próprio grupo oprimido, mas unido, pode ser compensação suficiente, e não obtê-la pode ser vergonha suficiente para superar os eventuais benefícios a obter ocultando as próprias origens.

A identidade ameríndia, tanto em termos étnicos quanto culturais, é quase inequívoca na experiência social brasileira. Trata-se de um assunto privado, até o momento em que essas identidades passem a significar o acesso facilitado a recursos providos pelo poder público. Desse ponto em diante, instala-se a pantanosa discussão sobre a autenticidade da identidade assumida, que não é capaz de alcançar a objetividade absoluta, já que se instala entre os sujeitos sociais, posicionados e interessados nos resultados desse debate.

O caso da identidade negra tem outros elementos que ampliam sua complexidade, a começar pelos recursos que ela em tese permitirá acessar, com a recente inserção das ações afirmativas no quadro das relações econômicas e sociais. Mas antes disso, é necessário considerar um outro complicador, que é o fato de que a assunção de uma identidade negra se dá no interior de uma “sociedade dos brancos”, e portanto tem um caráter, na prática, de subversão social e de construção de espaços alternativos de convivência e reconhecimento. O conceito está implícito no título de uma das obras-chave da sociologia brasileira, “O negro no mundo dos brancos”, de Florestan Fernandes. Para ele, em suma, o Brasil não resulta da integração das três raças, mas da criação de um mundo que serve ao branco, para o qual negros e índios foram coagidos a trabalhar, e do qual não tomam parte senão negando a si próprios. Um exemplo típico desse princípio pode ser encontrado na idéia de que, quando tem dinheiro, o negro alcança a mesma condição do branco e não é mais discriminado. Todas as conexões da frase anterior confirmam a tese do mundo dos brancos. O mesmo se dá com a idéia que estrutura um outro caso cotidiano, pelo qual alguém se horroriza por um conhecido ter sido chamado de negro ou de preto: “Imagine, fulano, você não é preto, é moreno!”. Ser negro é entendido como desvantagem, e ao estabelecer relações positivas com um afrodescendente com características físicas que o colocam na mira da discriminação, uma estratégia de proteção que confirma a opressão é negar sua negritude.

No caso do Brasil, é nesse quadro que se assume a condição de negro. È verdade que existe a “negritude de ocasião”, e que por vezes falham grotescamente os mecanismos criados pelas universidades para coibir os abusos da autodeclaração no acesso aos benefícios das políticas afirmativas. Mas, em geral, assumir a condição de um grupo tradicionalmente oprimido, explorado e marginalizado significa um enfrentamento de uma ordem social tradicional, com conseqüências políticas importantes no sentido da democratização do Brasil. Aqui, não se pode inferir nenhuma leviandade generalizada ou prejuízo político coletivo para o fato de que mais pessoas assumam sua negritude. O oportunismo nesse ato não compensa seu preço.

Para cumprir o objetivo prévio de refutar as ações afirmativas como um todo, Sowell acaba por defini-las de modo incorretamente amplo, como todo e qualquer tratamento que privilegie uma parte da população e persiga outra, com o que se inverte completamente o princípio em suas vinculações originais, seja em termos de filosofia política (uma abordagem redistributiva em perspectiva laica e democrática, de raiz iluminista), seja em termos de história (a luta por produção de igualdade em sociedades marcadas fortemente por desigualdades e opressão). É essa manobra que permitirá a Sowell (e a seus tributários no Brasil, de Kamel o jornalismo da Editora Abril na revista Veja / jornal Folha de São Paulo) a curiosíssima identificação das ações afirmativas ao nazismo e ao anti-semitismo em geral. Isso pode ser verificado quando, ao fornecer uma panorama geral da questão, afirma:

Em alguns países, tem ocorrido a total debandada física do grupo sem preferências como resultado da política preferencial que reduz suas perspectivas. O êxodo em resposta à discriminação dos chineses da Malásia, dos indianos das Ilhas Fiji, dos russos da Ásia Central, dos judeus de grande parte da Europa pré-guerra e dos huguenotes da França do século XVII drenou esses países de capacitações e talentos muito necessários. Sintetizando, as políticas preferenciais representam não apenas a transferência de benefícios de um grupo para outro, mas podem também resultar em perda para o conjunto, quando os dois grupos reagem com uma contribuição menor para a sociedade. (SOWELL, 2004, p. 15)

Não é difícil perceber que o conceito de ação afirmativa aplicado por Sowell é excessivamente amplo, e portanto falho em termos de historicidade e critério de seleção. A conseqüência é a comparação de fenômenos históricos completamente díspares e uma conclusão que não é sustentável: o anti-semitismo ou a opressão de uma elite contra os estrangeiros seriam formas de ação afirmativa!

Outra distorção promovida pela frouxidão do conceito de ação afirmativa em Sowell está em superdimensionar os conflitos interétnicos como resultado, principalmente, da aplicação de ações afirmativas. Desse modo, argumenta, a reação contra as políticas pelos que não são beneficiados por elas é desproporcional aos benefícios concedidos, aumentando os conflitos e o ressentimento entre os grupos. Em alguns casos, como o do Sri Lanka, fica faltando pouco para o autor afirmar que cotas ou listas levaram o país à guerra civil, o que certamente seria desconsiderar que um evento dessa magnitude via de regra não é amarrado a uma única causa, e que no conjunto de causas que levam a guerras civis, a reação às ações afirmativas não jogam um papel decisivo.

No caso brasileiro, o argumento de que as políticas afirmativas incrementarão o racismo vem sendo esgrimido com alguma freqüência. Talvez seja o caso de pensar se, a partir delas, o salário dos negros e, sobretudo, o das mulheres negras, passe a ser inferior, em média, aos dos demais grupos sociais, que o acesso a determinados empregos passe a ser restringido para negros, que os negros sejam o grupo definitivamente majoritário entre os que são pobres, ou os mais atingidos pela violência policial e 3 vezes mais vitimados por mortes por arma de fogo que os não-negros (SALES, 2006, p. 38). Poderiam ainda as cotas ser origem da ausência prática de negros nos altos escalões do executivo, legislativo e judiciário, bem como na comunicação de massa? Poderiam acabar gerando comportamentos discriminatórios e intimidadores, como anedotas, apelidos pejorativos, restrições a relacionamentos pessoais? Se todas essas coisas já não existissem, talvez fosse considerável a hipótese de que políticas afirmativas viessem a criá-las no Brasil.

O que efetivamente temos visto no campo dos fatos novos quanto à discriminação racial que remotamente poderiam ser relacionados às cotas não chegam a ser fatos novos. Pichações racistas em locais públicos, atentados intimidatórios isolados, manifestações racistas em cursos em que isso antes não ocorria, não porque os alunos não fossem racistas, mas pelo fato de que não haviam antes sujeitos passíveis de discriminação racial, são exemplos. Nenhum deles escapou ao controle, e todos podem ser enquadrados com os instrumentos que a lei brasileira dispõe para coibir discriminação.

Um outro exemplo das estratégias de Sowell para a defesa de sua tese pode ser encontrado na informação que dá sobre os avanços econômicos e sociais da população negra norte-americana antes dos anos 60, marco da conquista dos direitos civis e das garantias contra os efeitos do racismo. Para o autor, a melhoria da condição de vida da população negra norte americana já havia começado antes das políticas afirmativas, e demonstra isso com estatísticas sobre essa população. Trata-se, entretanto, de um período de prosperidade e crescimento contínuo da economia, e falta o dado sobre o mesmo avanço econômico e social da população não – negra, para podermos entender o comparativo. Assim, o argumento fica incompleto: a melhoria das condições de uma população não é um dado absoluto, mas relativo ao desenvolvimento de outros grupos. Quando todos avançam, a taxa de avanço de cada um passa a ser um fator decisivo para a compreensão do processo e das desigualdades referentes a ele.

As críticas de Kamel, Sowel, Maggie e Góes às políticas afirmativas não são uniformes em termos de qualidade e profundidade. Muitas delas não se aplicam à experiência brasileira em hipótese alguma, e outras são apenas inválidas para o momento atual, e não se pode imaginar que a realidade seja estática e que algumas dessas críticas não possam vir a valer num futuro próximo. A operação de interferir nas relações sociais e educacionais – sobretudo quando se trata de uma instituição relativamente autônoma, como é o caso da Universidade Pública – é uma operação legítima, mas ao mesmo tempo arriscada. Por isso, o cuidado e a atenção constante às novas características e dimensões dos projetos e sua realização configuram-se hoje como uma tarefa irrecusável, para a qual a crítica dos opositores é uma contribuição constante.


Referências bibliográficas

BALIBAR, Ettienne e WALLERSTEIN, Immanuel. Race, Nation, Classe: les identités ambiguës. Paris: La Découverte, 1990.

CAVALLEIRO, Eliane. Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Summus, 2001.

FAZZI, Rita de Cássia. O drama racial de crianças brasileiras. Socialização entre pares e preconceito. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: DIFEL, 1971.

KAMEL, Ali. Não somos racistas. Uma reação aos que querem nos transformar em uma nação bicolor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Porto Alegre: DP&A, 2005.

HENRIQUES, Ricardo. Raça e gênero no sistema de ensino. Os limites das políticas universalistas na Educação. Brasília: UNESCO, 2002.

RIBEIRO, Yvonne Maggie de Leers Costa . Racismo e anti-racismo: preconceito, discriminação e os jovens estudantes nas escolas cariocas. Educação e Sociedade, v. 27, p. 739-751, 2006.

SALES, Augusto dos Santos. Who Is Black in Brazil? A Timely or a False Question in Brazilian Race Relations in the Era of Affirmative Action? Latin American Perspectives, v. 33, n. 30, p. 30 – 48, 2006.

SOWELL, Thomas. Ação afirmativa ao redor do mundo. Estudo empírico. Rio de Janeiro: UniverCidade, 2004.

TURRA, Cleusa e VENTURI, Gustavo. Racismo cordial. São Paulo: Ática, 1995.



[1] Maggie é antropóloga e estuda as relações raciais, entre outros temas. Destacamos o artigo “Racismo e anti-racismo: preconceito, discriminação e os jovens das escolas cariocas”, cuja principal conclusão é a de que os marcadores raciais não são significativos na definição de conflitos e afinidades entre os alunos. Subsidiariamente, sugere que não cabe ao Estado propor estratégia distinta das definidas pelos alunos em seu enfrentamento de conflitos e desigualdades, argumentando contra as políticas de reserva de vagas nas universidades.

[2] Os meios de comunicação são dirigidos por pessoas com opinião própria, isso é amplamente reconhecido. Os proprietários de um veículo também têm opinião própria, e em geral o alinhamento com essa opinião é um fator positivo para que o jornalista ou o executivo galguem posições na hierarquia da empresa. É importante rememorar as posições da Rede Globo em alguns casos da história recente, de modo a temperar a visão algo idealizada de Maggie. Temos por exemplo, o caso da eleição de Brizola para o governo do Rio de Janeiro em 1982, em que as pesquisas de opinião divulgadas pela emissora davam a vitória a outro candidato, criando condições para uma fraude eleitoral que não se realizou, afinal. Podemos citar também: a ocultação do movimento das Diretas Já nos programas jornalísticos da emissora até quando não foi mais possível pela evidência dos movimentos de massa; a edição do debate do 2º. turno da eleição presidencial de 1989, favorável o candidato Collor e desfavorecendo o candidato Lula; a gafe da entrevista do então ministro Rubens Ricupero, expondo os favores da emissora à propaganda eleitoral de Fernando Henrique Cardoso em 1994, sem saber que toda a conversa estava sendo transmitida; mais recentemente, pode-se destacar a ação da emissora para forçar o 2º. turno das eleições presidenciais em 2006, expondo ilegalmente a foto de uma pilha de dinheiro apreendida pela Polícia Federal, supostamente para o pagamento, pelo Partido dos Trabalhadores, de um dossiê contra o candidato presidencial Geraldo Alckmim, que contou com a ativa participação política de Kamel, não apenas noticiando mas, como o cidadão Kane, criando a história. Esse acontecimento gerou um amplo debate sobre o papel da mídia, da Globo e de Kamel, nas revistas Carta Capital e Caros Amigos na época. Por fim, Kamel envolveu-se nos debates sobre a compra, pelo Programa Nacional do Livro Didático do Governo Federal, do livro “socialista” de Mário Schmidt, da editora Nova Geração. Isso foi feito no bojo de uma crítica ao governo Lula, como se o mesmo através disso estivesse procurando doutrinar estudantes, embora o livro tenha sido adotado durante o governo FHC e eliminado durante o governo Lula. O executivo consolida-se, portanto, como uma voz relevante na defesa dos interesses dos grandes conglomerados de comunicação e suas posturas político-ideológicas de longa data.

[3] http://www.dialogoscontraoracismo.org.br.

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